SEGREDO PROFISSIONAL
ADVOGADO
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
INTERESSE PÚBLICO DA REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA
Sumário


I- O advogado deixa de estar sujeito ao segredo profissional nas seguintes três situações:
- A primeira situação á a que decorre da sua desvinculação pelo próprio cliente, quando este autoriza a revelação do segredo;
- A segunda situação corresponde à dispensa do segredo profissional requerida pelo advogado ao Presidente do Conselho Distrital respectivo e por este autorizado [trata-se do procedimento previsto no art. 87º, nº 4 do EOA].
- E a terceira situação corresponde ao incidente processual de quebra do segredo profissional, regulado no art. 135º do C. Processo Penal [aplicável ao processo civil, por força do disposto no art. 417º, nº 4 do C. Processo Civil], a qual tem específico relevo para a questão a decidir.
II - O princípio da prevalência do interesse preponderante impõe ao tribunal superior a realização de uma atenta, prudente e aprofundada ponderação dos interesses em conflito, a fim de ajuizar qual deles deverá, in casu, prevalecer.
III - A imprescindibilidade do depoimento de testemunha sujeita a segredo profissional é elemento essencial à densificação do princípio da prevalência do interesse preponderante a actuar pelo tribunal com vista à decisão sobre a quebra do segredo;
III- Assim, segundo o critério do interesse preponderante ou prevalecente, na pendência de processo de declaração, o interesse na administração da justiça prevalece sobre os valores que determinam o sigilo profissional de advogado, quando a obtenção do seu depoimento é requerida pelos ex-clientes daquele e respeita a informações que estão directamente conexionadas com a actividade por si desenvolvida no âmbito do mandato conferido ao mesmo e referente a assuntos estritamente conexionados com tais ex-clientes, sem colidir com o “modus faciendi” da sua profissão, estando absolutamente em causa a defesa de direitos e interesses legítimos desses ex-clientes.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

Na presente acção declarativa interposta por E. C., contra J. S., o R. indicou o dr. M. C., advogado, como testemunha nos presentes autos, sendo que, esta testemunha, notificada da data agendada para a realização da audiência final, veio informar que o conhecimento que tem dos factos em discussão adveio-lhe do exercício da sua profissão de advogado, tendo sido advogado de A. e R. em processos distintos.
Conclui alegando que está sujeito ao dever de sigilo profissional.
O R. declarou que não prescinde deste depoimento, que será essencial para a descoberta da verdade, e indicou, por requerimento de 16/11/2020, de fls. 500 e ss. dos autos, as questões que pretende colocar à testemunha.
A testemunha em causa informou que não requereu à Ordem dos Advogados a dispensa do sigilo.
Por considerar que os autos contêm elementos suficientes e é dispensável a audição da Ordem dos Advogados”, e aderindo ao entendimento jurisprudencial que menciona, entendeu o tribunal recorrido ser de dispensar a audição da Ordem dos Advogados, e suscita oficiosamente a intervenção deste tribunal da Relação, com vista à quebra do dever de sigilo.

III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Com relevância para a decisão da questão em apreço, da decisão da decisão que submeteu a questão do sigilo a este tribunal constam, designadamente, os seguintes fundamentos:

A- (…)
O art. 417º do CPC, sob a epígrafe Dever de cooperação para a descoberta da verdade, estabelece o seguinte: 1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados. 2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil. 3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4. 4 - Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
O art. 135º do CPP, sob a epígrafe Segredo profissional, e no que interessa para a economia da presente decisão, dispõe: 1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos. 2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. 3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento. 4 - Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.
Aplicando as disposições legais citadas, entendemos que, in casu, a recusa da testemunha em depor é legítima já que os factos chegaram ao seu conhecimento e ocorreram com a sua intervenção no âmbito da referida actividade profissional de advogado, tendo já representado ambas as partes.
Como se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/02/2016, relatado por José Fernando Cardoso Amaral, “para a Relação decidir, nos termos do n.º 3 do art. 135º do Código de Processo Penal (aplicável, adaptado, por força do art. 417º, n.º 4, do Código de Processo Civil) o incidente de dispensa do segredo profissional de advogado não é obrigatória a audição da respectiva Ordem nem vinculativo o seu parecer. (…) Tendo o Sr. Advogado, uma vez identificado e ouvido sobre os “costumes”, liminarmente invocado o sigilo, as normas pertinentes e manifestado a recusa, sem que – note-se – para além de convocado como testemunha, sobre nada mais tivesse chegado a ser instado sobre o âmbito e finalidade do seu depoimento pretendido, é óbvio que, ante as partes e ciente do relacionamento profissional (não se perspectiva outro nem diferente a fonte dos seus conhecimentos) com elas antes havido, logo captou e compreendeu aquele objecto e, portanto, a matéria em causa e sobre que interessa a sua inquirição.
No que concerne à audição da Ordem dos Advogados, consideramos que, na verdade, da conjugação dos nºs 4 e 2, do artº 135º, do CPP, resulta que só se àquele se suscitarem dúvidas sobre a legitimidade da escusa, tal diligência faria sentido e teria utilidade, com o fim de as esclarecer e remover. Julgando o tribunal de 1ª instância ad limine ser segura e evidente a legitimidade da recusa, inútil seria ouvir a Ordem, mais interessada, isso sim, na preservação do sigilo e, portanto, em corroborar tal perspectiva.
(…) O nº 4, do artº 135º, do CPP, não impõe, pois, a referida audição, deixa-a ao critério do juízo a adoptar casuisticamente e, por isso mesmo, também não prevê – tal como não prevê o próprio Estatuto da Ordem – qualquer efeito para o caso de ela não ser desencadeada ou, sendo-o, não ser correspondida.
Sintomaticamente, a norma remete a audição para os “termos e efeitos previstos na legislação” reguladora do respectivo organismo, sendo que nem daqueles nem destes se encontra qualquer referência na Lei respectiva que aponte para o seu carácter obrigatório ou para específicos efeitos decorrentes deste especial procedimento.
Ora, no caso concreto, vistos os contornos de facto a ter em conta, a actuação referida da testemunha enquanto advogado e o objecto do processo em que foi requerido o meio de prova, em preliminar confronto com as regras e valores ínsitos ao dever de sigilo profissional vigentes neste ramo de actividade, a perspectiva é a de que o parecer da Ordem não aportará, face à robustez e amplitude da factualidade emergente no que respeita à intervenção alegada e documentada, contributo realmente indispensável e relevante e que justifique os procedimentos necessários e consequente dilação, em vista da decisão cujo prognóstico tudo indica ser no sentido de justificadamente se quebrar o dever de sigilo.
O papel principal do senhor advogado nas circunstâncias que rodearam o negócio e seu desfecho, o conhecimento privilegiado e presumidamente insubstituível por qualquer outro meio de prova que, conforme alegado, em termos de normalidade e de regras de experiência, deverá ter adquirido e o relevo dos inerentes factos para a boa e justa solução, mostram bem a imprescindibilidade do seu depoimento e apontam claramente naquele sentido.
De resto, a circunstância de o próprio depoimento ter sido requerido por autores e réus, (…) faz antever que, pelo menos na vertente relativa aos interesses pessoais que enformam o dever de segredo, a afectação será de grau incomparavelmente menor em relação à vantagem do seu contributo para esclarecimento do caso e justa solução do litígio.
(…)

B- O Réu J. S. apresentou noa autos o seguinte requerimento:

“J. S., Réu nos presentes autos melhor identificados em epigrafe, e em face da notificação que antecede, vem junto de V/ Ex. expor e requerer, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. O Réu foi notificado do requerimento da testemunha -- Dr. M. C. -- onde vem referido que não pediu, nem vai requerer, a Ordem dos Advogados a dispensa do sigilo profissional.
2. mais refere que não está em condições de o requerer, por não conseguir identificar de modo objectivo, concreto e exacto, qual o facto ou factos sobre os quais poderá recair o depoimento e respectiva desvinculação do sigilo profissional.
3. pois bem, importa neste momento ao Réu vir aos presentes autos concretizar objectiva e exactamente sobre quais factos pretende sejam prestados esclarecimentos para que o Ilustre Causídico possa pedir a desvinculação do sigilo profissional para sobre eles prestar depoimento,
4. no estreito cumprimento da obrigação de cooperac4ao, a que está adstrito.
Posto isto,
5. os factos sobre os quais se pretende o depoimento são os seguintes:
a) quer elaborou o documento - CONFISSÃO DE DÍVIDA - outorgado por M. C. e J. S., em 08 de Maio de 2007? Doc. 1, que se junta e se dá como integralmente reproduzido para todos o devidos e legais efeitos.
b) onde foi elaborado o redito documento?
c) se o documento foi assinado no seu escritório, e na sua presença?
d) quem estava presente na elaboração, ou assinatura do referido documento, nomeadamente se a aqui Autora E. C. estava presente aquando da elaboração e / ou assinatura do documento "Confissão de Divida?
e) se a aqui Autora E. C. tinha conhecimento da divida do Réu J. S. a sua mãe?
f) Se a Autora E. C. aceitava a divida de sua mãe ao filho J. S. como existente, e devida, e se dela sempre teve conhecimento?
g) se todos os outros filhos da falecida M. C., aqui intervenientes principais, tinham conhecimento desta redita divida?
h) se, nomeadamente, no âmbito da execução 4200/07.4TBGMR foi a própria falecida M. C. e filho J. S. que consultaram o lustre Causídico, em conjunto, para formalizar a divida da Mãe ao filho?
i) se a esta reunião assistiram outras pessoas, nomeadamente familiares, irmos e filhos dos clientes J. S. e M. M.?
i) se a referida divida era uma divida litigiosa, ou ao invés, se era uma divida conhecida e aceite por todos os filhos da devedora M. C., e sobretudo da aqui Autora E. C.?
k) se alguma vez suspeitou que a divida inexistia, que se trataria de uma simulação de divida com objectivo de prejudicar terceiros, nomeadamente os outros filhos da M. M., em conluio com o seu outro filho J. S.?
I) porque razão foi necessária a instauração da execução 4200/07.4TBGMR para satisfazer o pagamento da divida, se no existia litigio entre as partes?
m) A E. C., aqui Autora, acompanhava sempre sua me em tudo, sobretudo nas desolações ao escritório do lustre Causídico, em particular nas reuniões sobre esta divida?
n) mais algum familiar da falecida M. C. acompanhou essas reuniões sobre a referida divida?
o) por via da representação do exequente J. S. neste processo executivo foi alvo de processo disciplinar, nomeadamente o processo n.º 414/2008-P/D?
p) indicou os clientes J. S. e M. C. como suas testemunhas, na defesa por si apresentada?
q) Indicou a aqui Autora como testemunha, nessa mesma defesa?
r) A defesa por si apresentada foi assinada, conjuntamente, pelos seus clientes M. C. e J. S., e dela facultou cópia aos mesmos?
s) Autoriza o aqui Réu, co-assinante da sua defesa no processo disciplinar supra referido, a juntar a0s presentes autos a mencionada defesa ao processo disciplinar supra referido, tanto mais que o documento a estar assinado pelos clientes não está ao abrigo de qualquer sigilo profissional, pelo menos por parte dos clientes?
t) em caso de não autorizar, pode juntar aos presentes autos a mencionada defesa por si apresentada no processo disciplinar mencionado supra?
6. só estes os factos que se pretendem ver esclarecidos, e sobre os quais o depoimento da testemunha ~ absolutamente necessário, essencial e imprescindível, para a reposição da verdade e para a defesa dos interesses legítimos e direitos do aqui Réu, e seu antigo cliente, e até da sua dignidade e bom nome, que com esta acção colocada em causa.
7. 0 depoimento da testemunha quanto a estes factos absolutamente imprescindível e exclusivo, na medida em que a executada já faleceu e além do exequente, aqui Réu, e da aqui Autora, o senhor Advogado a nica pessoa que pode repor a verdade.
8. E essencial, pois as respostas aos factos supra referidos só determinantes para que a tese do Réu possa proceder.
9. existe ainda actualidade, pois reporta-se a factos inerentes ao seu patrocínio na execução que ora, na presente acção, se quer ver anulada, ou declarada nula, por simulação.

Assim,
10. E com o conhecimento dos factos sobre os quais se requer o depoimento da testemunha - Dr. M. C. - já poder o lustre Causídico, ao abrigo dos princípios da gestão processual e da cooperação, requerer junto da Ordem dos Advogados o levantamento do sigilo profissional quanto a estes elencados factos.

Por último,
11. O aqui Réu J. S., seu cliente ao tempo, consente na desvinculação do sigilo profissional quanta aos factos supra elencados, e expressamente requer ao Ilustre Causídico que diligencie junto da Ordem dos Advogados pela sua desvinculação.

Termos em que, requer a V/ Ex." se digne ordenar a testemunha -- Exmo. Senhor Dr. M. C. - que requeira a dispensa do sigilo profissional aos factos alegados nas alíneas a) a t) do n." 6, do presente requerimento, para sobre eles prestar depoimento em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, com o propósito de agilizar a realização da referida diligencia, atenta a morosidade dos incidentes de levantamento sigilo profissional pela parte.
(…)
C-A arrolada testemunha, dr. M. C., apresentou nos autos o seguinte Requerimento:
M. C., Advogado, portador da Cédula Professional n° …, com domicilio profissional na Av. …, n° … Guimarães, notificado do teor do Douto Despacho com a referência 170594907, primeira parte,
Vem dizer a V. Exa o seguinte:

A testemunha/advogado, sem conhecer previamente do que está em discussão nestes autos, invocou ESCUSA para prestar depoimento como testemunha, pelas razões de facto e com os fundamentos legais que explanou no seu requerimento datado de 17.09.2020.

Ao tomar conhecimento, AGORA, através do requerimento do Réu, qual a matéria sabre a qual este pretende seja inquirida a testemunha /advogado, afigura-se NÃO EXISTIR A MÍNIMA DÚVIDA de que tal matéria está sujeita ao dever de segredo profissional, conforme já tinha sido alegado pelo advogado signatário no sobredito requerimento,

O que reforça, sobremaneira, a ESCUSA, que se considera LEGÍTIMA, invocada pela testemunha/advogado.

A testemunha/advogado, perante o teor do requerimento do Réu de que foi agora notificado, vem reiterar a ESCUSA por si já invocada e informa este Tribunal que não requereu, à Ordem dos Advogados, a dispensa do segredo profissional.

A este propósito refere-se que, "... o dever de sigilo profissional de advogado s6 poder deixar de ser observado, grosso modo, em duas situações: por autorização da própria ordem profissional, merce de requerimento feito pelo advogado que pretenda depor (art.º 92 n° 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados); ou por determinação judicial, nomeadamente quando o tribunal considere ilegítima ou ilegal a recusa a depor (art.º 135 n.º 2 do CPP)."

Ora, a testemunha/advogado já manifestou nos autos, e reitera, que NÃO PRETENDE DEPOR e que considera legitima a ESCUSA invocada.

Concluindo, a testemunha/advogado não requereu a dispensa do segredo profissional a OA e apenas prestará o seu depoimento, como testemunha, se tal vier a ser ordenado por decisão judicial.
(…)

Fundamentação de direito.

Como é consabido, entende-se por segredo profissional a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é exigido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão.

O segredo profissional de advogado está consagrado no artigo 92º do EOA, aí se dispondo:

1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem [i]dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

A cláusula geral do n.º 1, do artigo 92º, permite que se incluam no segredo profissional de advogado, para além das elencadas, outras situações que conflituem com os interesses que ela visa proteger, sendo que, o dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da advocacia e na sua função de manifesto interesse público, ou dito de outro modo, nas palavras de António Arnauld (1), o fundamento ético-jurídico do sigilo profissional de advogado radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense.

Daqui decorre que a obrigação de segredo transcende, por consequência, a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral, sendo ainda de salientar que, além dos factos, o sigilo profissional abrange ainda quaisquer documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo – cfr. n.º 3 do artigo 92º.

Como se refere no acórdão da Relação do de Lisboa de 23.02.2017, “A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra- -individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões”.
Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue. O segredo profissional não é só, em rigor, um dever do advogado por pertencer a uma classe, mas é, e sobretudo, um dever de toda essa classe e, por isso, vinculativo e obrigatório para cada membro dela (2).

Mas se de tudo o acabado de expender resulta que o advogado está obrigado a guardar segredo profissional relativamente a factos conhecidos pelo exercício da sua profissão ou da prestação dos seus serviços, com relação a factos abrangidos por tal segredo.

Como se referencia no Acórdão da Relação de Guimarães, de 18/02/2016, “(…) Acerca do segredo profissional, no contexto dos deveres deontológicos que prevalecem na advocacia, refere o acima citado André Mendes:
A advocacia, enquanto actividade profissional, tem ao longo de muitos séculos sido estribada em direitos e deveres, que foram sedimentando a aura de prestígio e respeitabilidade que todo o advogado deve honrar e fazer por merecer com a sua conduta.
Para o que nos ocupa, o dever de segredo profissional constitui uma das obrigações basilares do desempenho da profissão, tal como previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A). Um firme respeito pelo princípio da confiança no secretismo de tudo aquilo que se veio a saber por se ser advogado, só passível de ser abalado em particulares situações excepcionais, e só quando a ponderação dos interesses em causa o justifique.
Mas o segredo profissional do advogado não é estabelecido apenas no interesse dos profissionais que recebem as confidências, nem tão só no interesse daqueles que as desvendam. A necessária tutela a que se acha submetido tem por base também um inegável interesse social e comunitário.
Como refere (a nosso ver, bem) Emile Garçon - «o bom funcionamento da sociedade quer que o doente encontre um médico, o litigante um defensor, o católico um confessor, mas nem o médico, nem o advogado, nem o padre poderiam cumprir a sua missão se as confidências que lhes são feitas não estivessem asseguradas por um segredo inviolável. Importa portanto à ordem social que estes confidentes necessários estejam obrigados à discrição e que o silêncio lhes seja imposto sem condições nem reservas, porque ninguém ousaria mais dirigir-se a eles se se pudesse temer a divulgação do segredo confiado».
Por segredo profissional entende-se, na generalidade, a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço prestado ou à sua profissão.
No Parecer nº. 49/91 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, expressava-se em síntese que «o segredo profissional é a proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou foram confiados em razão e no exercício de uma actividade profissional».
No elenco dos deveres do advogado, como se disse, aquele que porventura reveste maior importância social é efectivamente o segredo profissional…”.

E, mais adiante, depois, de transcrever a norma legal implicada, acrescenta:
“… tudo quanto é revelado ao advogado e que assume, ainda que implicitamente, carácter sigiloso está abrangido pelo segredo profissional, porque é no exercício e por causa do exercício da profissão que os factos secretos lhe são confiados.

O segredo profissional do advogado é o «timbre da advocacia e condição sine qua non da sua dignidade», afirmava-se no Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 21/04/81.

O segredo profissional do advogado não interessa apenas ao confidente e ao cliente mas à sociedade inteira, revestindo assim um verdadeiro dever de ordem pública, tutelando interesses de ordem geral e social, inscritos na confidencialidade e secretismo que hão-de revestir as relações havidas no exercício da profissão.
Na verdade, o bem jurídico que ilumina a tutela do segredo profissional é a necessidade social da confiança em certos profissionais.
O fundamento ético-jurídico deste dever não está assim confinado à relação contratual estabelecida entre o Advogado e o seu Cliente. Bem pelo contrário! É algo que supera essa mera relação entre as partes, entre quem procura um serviço e quem o disponibiliza.
A prossecução da Justiça e do Direito, inerentes ao bom desempenho da profissão de Advogado, implicam necessariamente que qualquer pessoa que tenha de recorrer aos serviços de um Advogado, disponha de total confiança para que lhe possa revelar os seus segredos, os seus interesses, sem qualquer receio de revelação dos mesmos (revelação essa que, a ser permitida, poderia colocar esses mesmos interesses em causa).
É, por isso, pacificamente aceite pela doutrina o entendimento de que o fundamento ético-jurídico do dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do Advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da Advocacia e na sua função de manifesto interesse público. Conforme é, aliás, também jurisprudência da Ordem dos Advogados, confirmando que o segredo profissional tem um carácter social ou de ordem pública e não natureza meramente contratual.
Contudo, existem necessárias restrições. O advogado, em certas circunstâncias, pode ficar desvinculado da obrigação do segredo profissional e divulgar os factos que ao abrigo desse dever lhe foram confiados. […]
Numa perspectiva processual, o dever de sigilo profissional assume o seu expoente máximo a propósito da proibição de produção da prova, porquanto não podem fazer prova em juízo as declarações feitas pelo advogado com violação do segredo profissional”.

Também a já atrás citada Drª Catarina Pires concluiu:
“a) O sigilo profissional é uma situação jurídica complexa que se aproxima da categoria dos deveres funcionais; b) O sentido do sigilo profissional do Advogado repousa sobre a dualidade interesse privado do cliente na confidência e protecção dos bens de personalidade do cliente/interesse público na confiança do Advogado e na função forense; c) As fontes do dever de sigilo são normas jurídicas legais, particularmente as normas do EOA, constantes dos artigos 83/1 e), 86º n.º 1 e) e 81º; d) As leis processuais possuem também normas a propósito do sigilo que, de certa forma, o tutelam, reconhecendo-o, sob determinadas condições, como justificação para a recusa de colaboração com a Justiça e recusa em prestar depoimento em juízo.”
Ora, como já atrás se aflorou, apesar de nenhuma das partes requerente do depoimento testemunhal ter indicado sobre que matéria-de-facto pretende que a testemunha responda, de a própria escusa se ter manifestado sem antes ter sido à testemunha colocada qualquer questão e de o próprio despacho judicial que reconheceu a legitimidade não concretizar e destacar tal matéria, mas sabendo-se que, nos termos do artº 516º, CPC, a “testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova, indicando a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento”, é evidente, como também já atrás foi referido e ora se reitera, olhando à vastidão dos factos abrangidos pelo citado artº 92º, do EOA, e cotejando-os com tudo quanto vem descrito nos articulados, de que acima se fez relato mais sucinto, acerca do protagonismo da testemunha, enquanto Advogado, no processo executivo, no negócio invocado e nas circunstâncias que antecederam, rodearam ou se seguiram à conclusão do mesmo (naturalmente não vertidas nos documentos) e em razão dos contactos com as partes, sejam os vendedores seus representados, sejam os demais por terem sido seus clientes, sejam mesmo os autores na medida em que com eles necessariamente teve de encetar contactos relacionados e no âmbito de cuja interacção pode ter tomado conhecimento de factos abrangidos, o objecto do esperado depoimento, perspectivado pelos temas da prova enunciáveis como relevantes, cai dentro do sigilo profissional ou facilmente para o mesmo resvalaria na dinâmica da sua prestação e das instâncias em audiência.
À falta, pois, de consentimento de todos os interessados (se admissível e relevante, como se viu atrás) e não tendo sido desencadeado pela testemunha o pedido de dispensa junto da Ordem dos Advogados em conformidade com o nº 4, do transcrito artº 92º, e o Regulamente nº 94/2006 (publico na 2ª série do DR de 25-05-2006), nem se configurando qualquer situação excepcional, tendo sido julgado em 1ª instância que a recusa é legítima e, portanto, justificada a conduta do Sr. Advogado, no pressuposto de que, da contrária, resultaria ostensiva violação do seu dever, não há maneira de a evitar, em face do requerido pelas partes e da imprescindibilidade do depoimento, senão através deste incidente.
Assim, em conformidade com o nº 4, do artº 417º, do CPC, justifica-se o recurso ao pedido de dispensa, a qual só pode ser concedida nos termos do artº 135º, do Código de Processo Penal” (3).

Assim sendo, esse dever de segredo profissional não é absoluto, já que não deve prevalecer sempre sobre qualquer outro dever conflituante, antes deve subordinar-se a deveres superiores, podendo por isso ser quebrado, conforme se dispõe no artº 135º Código de Processo Penal (CPP) (na redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, que procedeu à 15ª alteração do CPP) explicitou o princípio da prevalência do interesse preponderante, tal como a jurisprudência já o vinha entendendo, ou seja, quando se verifique a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, à gravidade dos crimes e à necessidade de protecção de bens jurídicos), dispondo o seguinte:

“1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.
3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4 - Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.
5 - O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.

Como igualmente se menciona no citado aresto da Relação de Guimarães, “Desde o Acórdão nº 278/95, in Diário da República – II Série, 28.07.1995, o Tribunal Constitucional tem reiterado com frequência que tal como o sigilo profissional, a reserva do sigilo bancário não tem carácter absoluto, antes se admitindo excepções em situações em que avultam valores e interesses que devem ser reputados como relevantes como a salvaguarda dos interesses públicos ou colectivos.”

Como refere, ainda, e cita o Dr. André Mendes:
“Na aplicação do princípio da prevalência do interesse preponderante há que ter em consideração os dois particulares interesses concretamente em conflito, e, sopesando-os, apurar qual deles deve prevalecer.
Lopes do Rego refere que o tribunal superior ao realizar o juízo que ditará qual o interesse que, em concreto, irá prevalecer, «carece de actuar segundo critérios prudenciais, realizando uma cautelosa e aprofundada ponderação dos delicados e relevantes interesses em conflito: por um lado, o interesse na realização da justiça e a tutela do direito à produção da prova pela parte onerada; por outro lado, o interesse tutelado com o estabelecimento do dever de sigilo…».
Acrescentando que a dispensa do invocado sigilo dependerá sempre de um «juízo concreto, fundado na específica natureza da acção e na relevância e intensidade dos interesses da parte que pretende obter prova através daquela dispensa e que nem todos os deveres de sigilo poderão ter a mesma relevância e intensidade».
Menezes Cordeiro vem fazer a distinção, no que respeita à quebra do segredo profissional, entre situações públicas e situações privadas, destacando que nas relações privadas o levantamento do sigilo só poderá ocorrer em conjunturas muito particulares, verificando-se, no fundo, uma situação global que faz perder ao sigilo o seu alcance.
Refere também que a jurisprudência actual deixa sempre pairar a «exigência de uma concreta ponderação de interesses, nunca devendo a quebra do sigilo ir além do necessário».
O mesmo é dizer que a resolução do conflito passa necessariamente pela avaliação da diferente natureza e relevância dos bens jurídicos tutelados por aqueles deveres, segundo um critério de proporcionalidade na restrição, na medida do necessário, de direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
No fundo, a conjugação do interesse público da realização da justiça – para o qual contribui o dever de colaboração para a descoberta da verdade consignado no artigo 519º do C.P.C., com a tutela dos interesses dos particulares a quem é garantida pela lei a protecção jurídica através dos tribunais.
Interpretando esta norma processual especial face às normas processuais gerais sobre prova testemunhal (artigos 616.º a 645.º do C.P.C), ancoramos a um regime jurídico nos termos do qual, o advogado, tal como qualquer outro cidadão, tem a capacidade e o dever cívico, manifestado processualmente, de prestar depoimento sobre os factos de que tem conhecimento, falecendo-lhe essa capacidade e impendendo sobre ele o dever de segredo profissional quando, o seu conhecimento dos factos lhe advenha do exercício da profissão nos estritos termos previstos no preceito citado. […]
O escopo deste regime jurídico reside assim, necessariamente, na protecção da confiança, entre advogado e cidadão, imprescindível ao exercício da profissão de advogado e à defesa dos direitos individuais e aos valores sociais que lhe são atribuídos.

A aplicação da regra relativa ao segredo profissional do advogado depende, assim, da integração da situação concreta em qualquer das situações abstractas descritas nas alíneas do nº 1 do artigo 87º do EOA.

O regime legal do segredo profissional do advogado não se destina a impedir o depoimento da testemunha por ser advogado. O advogado pode depor como testemunha, pois, antes de ser advogado é um cidadão de pleno direito. A limitação ao seu depoimento é excepcional, considerando as especiais circunstâncias em que tomou conhecimento dos factos objecto de depoimento, só devendo manter-se na medida do estritamente necessário a salvaguardar o escopo que preside ao estabelecimento de um segredo profissional.
Como bem se escreveu no Parecer n.º 110/566 do Conselho Consultivo da Procuradoria-geral da República, «o exercício de certas profissões, como o funcionamento de determinados serviços, exige ou pressupõe, pela própria natureza das necessidades que tais profissões ou serviços visam satisfazer, que os indivíduos que a eles tenham de recorrer revelem factos que interessam à esfera íntima da sua personalidade, quer física, quer jurídica.

Quando esses serviços ou profissões são de fundamental importância colectiva, porque virtualmente todos os cidadãos carecem de os utilizar, é intuitivo que a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu funcionamento ou exercício constitui, como condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis actividades, um alto interesse público».”

Na Jurisprudência, entre outros, refere o Acórdão da Relação de Coimbra, de 04-03-2015, acima identificado:
“I - O segredo profissional não é um segredo absoluto e inafastável, mas a razão de ser da sua existência impõe que só em casos excepcionais o advogado o possa quebrar.
(…)
III - O princípio da prevalência do interesse preponderante impõe ao tribunal superior a realização de uma atenta, prudente e aprofundada ponderação dos interesses em conflito, a fim de ajuizar qual deles deverá, in casu, prevalecer.” (…)
V - A imprescindibilidade do depoimento de testemunha sujeita a segredo profissional é elemento essencial à densificação do princípio da prevalência do interesse preponderante a actuar pelo tribunal com vista à decisão sobre a quebra do segredo (4).”

Diz também o Acórdão da relação do Porto, de 10-11-2015:

“II - O segredo profissional é reconhecido como direito e dever fundamental e primordial do advogado e tem a sua razão de ser na necessidade de preservar o princípio da confiança, sendo que o exercício da advocacia assume reconhecido interesse público, dada a natureza social dessa função.
III - Mas nem todos os factos estão abrangidos pelo sigilo profissional, mas apenas aqueles que se reportam a assuntos profissionais que o advogado tomou conhecimento, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste, já que o princípio da confiança, essencial e imprescindível ao exercício dessa função, exige confidencialidade relativamente aos factos e informações reveladas pelo seu cliente e que, não fora essa garantia, os não revelaria a mais ninguém.”

Ainda de harmonia com o disposto no artº 135º do CPP, invocada escusa para a não prestação das informações, depoimentos e apresentação de documentos (artº 182ºCP), cabe à autoridade judiciária averiguar da legitimidade do fundamento e, caso conclua pela sua ilegitimidade, ordenar que as mesmas sejam prestadas, e na hipótese inversa, ou seja, caso se conclua pela legitimidade da escusa deverá ser submetido ao tribunal imediatamente superior o competente incidente, para que, após serem ponderados os interesses em questão, seja determinada ou não a quebra do segredo.

Acresce dizer, como defendido no Acórdão do TRP, de 03.11.2010, proc. 485/05.9TAVL-A.P1, in dgsi.pt, que “Em face da letra do nº 4 do artº 135º CPP há quem pretenda ver ali consagrada a preponderância da legislação especial relativa aos organismos representativos das profissões quer quanto aos “termos” da audição desses organismos quer quanto aos “efeitos” da mesma e, que a mesma vincularia o tribunal à decisão do organismo representativo da profissão sobre o pedido de escusa, nos termos da legislação especial pertinente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso Proc. Penal, 4ª ed. Verbo, 2008, pág. 174 e notas 1 a 3).

Mas a interpretar assim este conjunto de normas, no sentido de que é atribuída ao organismo de representação profissional a competência para decidir em definitivo sobre a legitimidade e a justificação do pedido de escusa, ficando o tribunal vinculado à decisão do organismo de representação profissional, ela é inconstitucional, por violar o princípio da independência dos tribunais e o princípio da prossecução da verdade material, próprios de um Estado de Direito, e constituir um encurtamento inadmissível das garantias de defesa (art.s 2º, 32º nº 1 e 203ºCRP), e subordinar e submeter a actividade dos tribunais á de outras entidades e assim subverter o disposto no artº 205º2 CRP. É que a decisão sobre a quebra do sigilo exige a ponderação de diversos valores constitucionais revestindo por isso natureza constitucional, e a decisão em causa está reservada legalmente aos tribunais, e por isso uma interpretação daquela natureza não se compadece com as citadas normas e princípios constitucionais. Daqui resulta que o tribunal não pode aplicar aquelas normas com a interpretação referida por inconstitucional (artº 204º CRP) – cfr. nesse sentido o Ac. STJ 21/4/2005, CJ, STJ, XIII, 2, 186”.

Pode, pois, concluir-se que o parecer emitido por uma Ordem profissional sobre cessação ou não do sigilo profissional relativamente a um dos seus membros, apenas vincula estes nas relações internas desses organismos, não tendo eficácia “erga omnes”, quando essa mesma questão é igualmente suscitada no decurso de um processo em tribunal - Acórdão do STJ de 2005/Abr./21, CJ (S) II/186 (5).

Isto assente, como resulta do supra exposto, o nº 4, do atrás transcrito artigo 135º, do Código de Processo Penal manda decidir segundo o princípio do interesse preponderante e, para tal, ter em conta, exemplificativamente, os critérios da imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, gravidade ou importância dos direitos objecto da acção e necessidade de protecção dos bens jurídicos.

A propósito desta temática menciona ainda o citado Acórdão da Relação de Guimarães, de 18/02/2016, o seguinte:
(…)
“Ensina J. C. Viera de Andrade, in Os Direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, 2.ª edição, pág. 312 e seguintes que a «solução dos conflitos e colisões entre direitos, liberdades e garantias ou entre direitos e valores comunitários não pode, porém, ser resolvida através de uma preferência abstracta, com o mero recurso à ideia de uma ordem hierárquica dos valores constitucionais», não devendo erigir-se o principio da harmonização ou da concordância prática enquanto critério ou solução dos conflitos ou pelo menos «ser aceite ou entendido como um regulador automático».
Na metodologia para a resolução de conflitos entre direitos deve «atender-se, desde logo, ao âmbito e graduação do conteúdo dos preceitos constitucionais em conflito, para avaliar em que medida e com que peso cada um dos direitos está presente na situação de conflito – trata-se de uma avaliação fundamentalmente jurídica, para saber se estão em causa aspectos nucleares de ambos os direitos ou, de um ou de ambos, aspectos de maior ou menor intensidade valorativa em função da respectiva protecção constitucional. Deve ter-se em consideração, obviamente, a natureza do caso, apreciando o tipo, o conteúdo, a forma e as demais circunstâncias objectivas do facto conflitual, isto é, os aspectos relevantes da situação concreta em que se tem de tomar uma decisão jurídica – em vista da finalidade e a função dessa mesma decisão. Deve ainda ter-se em atenção, porque estão em jogo bens pessoais, a condição e o comportamento das pessoas envolvidas, que podem ditar soluções específicas, sobretudo quando o conflito respeite a conflitos entre direitos sobre bens e liberdades.»

Reportemo-nos, então, ao caso concreto, para aferir da possibilidade ou não de prestação do depoimento em causa, tendo presente:

- a ponderação dos valores em conflito, a fim de se indagar se a recusa deve ou não ceder perante o dever de colaboração com a realização da justiça penal.
- a ponderação dos factos concretos cuja revelação se pretende;
- que o critério primordial é o do princípio da prevalência do interesse preponderante na vertente, in casu, de imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade e a necessidade de protecção de bens jurídicos.

Como se disse, conflitos desta natureza resolvem-se “pela avaliação da diferente natureza e relevância dos bens jurídicos tutelados por aqueles deveres, segundo um critério de proporcionalidade na restrição, na medida do necessário, de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, como impõe o n.º 2 do art. 18.º, da Constituição, e tendo em consideração do caso concreto”, como refere o assinalado Acórdão do STJ de 21.04.2005 (6).

Neste tipo de violação do segredo profissional, estando em causa, além do mais (interesse e ordem pública), a relação de confiança advogado-cliente, temos que, no caso em apreço, existe a particularidade de que os requerentes do levantamento do sigilo são ex-clientes do recusante e a matéria a depor por este tem por objecto factos respeitantes a esse período e prestação de serviços.

Assim, está em causa a defesa de direitos e interesses legítimos dos ex-clientes do depoente, sem que seja beliscada a dignidade ou direitos legítimos inerentes ao próprio advogado ou exercício da função no circunstancialismo concreto.

Na verdade, o recusante não apresentou quaisquer razões plausíveis e específicas para não prestar declarações sobre a matéria em causa, de natureza civil e patrimonial, enquanto advogado então dos Autores e Réus, sendo que, sendo que estes últimos, além de darem o seu consentimento na prestação desse depoimento, até o solicitaram.

Acresce que a justificação para que tal depoimento fosse prestado é relevante, proporcionada e atendível, na medida em que terá conhecimento de muitos dos factos discutidos e de incontornável relevância, podendo, designadamente, ter conhecimento de todo o circunstancialismo que envolveu a elaboração da declaração dívida em causa noa autos.

Assim ponderando os interesses inerentes ao dever de sigilo – tutela da confiança do cliente no mandato outorgado ao seu advogado e da própria dimensão social que a profissão tem imanente – e os interesses que com ele conflituam nos autos, no caso concreto, os primeiros devem ceder aos últimos (até porque são os próprios ex-clientes do depoente quem suscitou a sua audição - nela consentindo, portanto - sobre factos praticados no exercício e por causa do mandato conferido ao mesmo, estando relacionados com os serviços forenses solicitados e prestados.

Destarte e concluindo, como assertivamente se refere no despacho proferido em 1 instância, “vistos os contornos de facto a ter em conta, a actuação referida da testemunha enquanto advogado e o objecto do processo em que foi requerido o meio de prova, em preliminar confronto com as regras e valores ínsitos ao dever de sigilo profissional vigentes neste ramo de actividade, a perspectiva é a de que o parecer da Ordem não aportará, face à robustez e amplitude da factualidade emergente no que respeita à intervenção alegada e documentada, contributo realmente indispensável e relevante e que justifique os procedimentos necessários e consequente dilação, em vista da decisão cujo prognóstico tudo indica ser no sentido de justificadamente se quebrar o dever de sigilo.

O papel principal do senhor advogado nas circunstâncias que rodearam o negócio e seu desfecho, o conhecimento privilegiado e presumidamente insubstituível por qualquer outro meio de prova que, conforme alegado, em termos de normalidade e de regras de experiência, deverá ter adquirido e o relevo dos inerentes factos para a boa e justa solução, mostram bem a imprescindibilidade do seu depoimento e apontam claramente naquele sentido.

De resto, a circunstância de o próprio depoimento ter sido requerido por autores e réus, (…) faz antever que, pelo menos na vertente relativa aos interesses pessoais que enformam o dever de segredo, a afectação será de grau incomparavelmente menor em relação à vantagem do seu contributo para esclarecimento do caso e justa solução do litígio”.

Prevalece, pois, o interesse público da realização da justiça, com a consequente quebra do sigilo profissional e dever de prestação do depoimento, deferindo-se, portanto, a requerida dispensa do dever de sigilo.

IV- DECISÃO.

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em, deferindo ao solicitado, dispensar a testemunha Dr. M. C., Advogado, do cumprimento do seu respectivo dever de segredo profissional, determinando-se que, no processo em causa e ante o tribunal solicitante, preste depoimento naquela qualidade, como requerido pelas partes.

Custas deste incidente pela parte vencida a final.

Guimarães, 4/ 03/ 2021.

Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.


1. “Iniciação à Advocacia”, página 66.
2. Parecer do Conselho Geral de 02.04.1981, em ROA, ano 41, páginas 900 e seguintes.
3. Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 18/02/2016, proferido no processo nº, 2068/10.2TJVNF-A.G1, in www.dgsi.pt
4. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 04-03-2015, relatado pelo Desemb. Vasques Osório. No entanto, segundo Catarina Pires. Atrás citada, página 15, é “jurisprudência relativamente pacífica da Ordem dos Advogados a tese segundo a qual não basta a vontade do Cliente para que o Advogado se possa considerar dispensado do dever de sigilo profissional. Assim, do ponto de vista da análise do ilícito (civil ou criminal) resultante da quebra do sigilo profissional pelo Advogado não relevará, ou pelo menos não com a intensidade que vulgarmente acompanha esta situação, o consentimento do lesado”.
5. Cfr. TRP, de 03.11.2010, proc. 485/05.9TAVL-A.P1, in dgsi.pt.
6. Cfr. nesse sentido o Ac. STJ 21/4/2005, CJ, STJ, XIII, 2, 186”.