ACÇÃO EXECUTIVA
ACTAS DAS ASSEMBLEIAS DE CONDÓMINOS
HONORÁRIOS DE ADVOGADO
Sumário


Sumário (da relatora):

1- A relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva.
2- Entre os documentos previstos em legislação avulsa mais comummente dados à execução, e aos quais é atribuída força executiva, contam-se as actas das assembleias de condóminos, conforme resulta do disposto no artigo 6º n.º1 do DL n.º 268/94, de 25-10.
3- Para a sua integração importa convocar o artigo 1424º do Código Civil (Sob a epígrafe “Encargos de conservação e fruição”), que define como encargos de condomínio, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
4- Interpretado o n.º 1 do artigo 6.º com este alcance, é de concluir que estão fora dele as penas pecuniárias, pois de acordo com o preceito que as prevê – o n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil – tais penas são estabelecidas para “a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador”
5- Do mesmo modo, as despesas de cobrança, mormente a título de honorários de advogado que patrocine a demanda que tenha por fim exercer coercivamente do condómino a satisfação da sua quota parte relativa às contribuições devidas, são uma consequência do não pagamento dessas obrigações e, como tal, encontram-se para além da previsão contida em tal normativo que não as contempla.
6- A responsabilização do condómino pelos honorários despendidos com mandatário judicial devidos pela cobrança das quantias em dívida ao condomínio, poderá e deverá ser suportada/compensada ao abrigo do mecanismo da reclamação de custas de parte, por via da apresentação da respectiva nota.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

A exequente «Condomínio Edifício ... – ...» intentou acção executiva contra A. T. e M. H., em cujo requerimento executivo alegou: “1.º – Nos termos dos artigos 1436º alínea e) e 1437º do Código Civil, deverá o Condomínio, ora Exequente, ser representado em juízo pelo Administrador.
2.º - O Exequente é representado pela administradora de condomínio em exercício, “X, Lda.” (Y) eleita em assembleia de condóminos realizada no dia 19 de fevereiro de 2020, conforme consta da respetiva ata 1 de 2020, que ora se junta sob doc.º n.º 1 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
3.º - Os Executados são donos e legítimos proprietários da fração autónoma designada pela letra “C”, sita na Rua de ... nº … Celorico de Basto, conforme Certidão Predial que ora se junta sob doc.º n.º 2 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
4.º - Nos termos e para os efeitos do artigo 6º, n.º 1 do DL 268/94 de 25 de Outubro, conjugado com o artigo 703º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, é título executivo a ata da reunião da Assembleia de Condóminos que tenha deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio, contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
5.º - Por deliberação da Assembleia Geral de Condomínio, realizada a 17 de janeiro de 2017, foi apresentado, discutido e deliberado, no ponto 3 da Ordem de Trabalhos da Ata 1 de 2017, a aprovação do Orçamento para o período de fevereiro de 2017 a janeiro de 2018. Cfr.doc. n.º 3 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
6.º - Os Executados, a este título, não procederam ao pagamento do montante de € 318,00 (trezentos e dezoito euros) (€39,75 X 8) relativamente às quotas de condomínio e fundo de reserva vencidas e respeitantes ao período compreendido entre os meses de junho de 2017 a janeiro de 2018, quanto à fração “C”. Cfr.doc. n.º 3 já junto.
7.º - Por deliberação da Assembleia Geral Extraordinária, realizada no dia 22 de Março de 2017, foi apresentado, discutido e deliberado, no ponto 1 da ordem de trabalhos da Ata 2 de 2017, a aprovação de um orçamento para fazer face as patologias exteriores do edifício no valor de €16.500,00 a ser pago através de uma cota extra, aprovada por unanimidade no mesmo ponto da ordem de trabalhos, em duas prestações que se venceram nos meses de abril e maio de 2017, em função da permilagem de cada fração. Cfr.doc. n.º 4 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
8.º - A este título os Executados não procederam ao pagamento da quantia de €1.388,06 (mil e trezentos e oitenta e oito euros e seis cêntimos) referente ao remanescente da prestação vencida em maio de 2017 para fazer face às obras das patologias exteriores do edifício, quanto à fração designada pela letra “C”. Cfr.doc. n.º 4 já junto.
9.º - Por deliberação da Assembleia Geral de Condómino, realizada a 19 de fevereiro de 2018, foi apresentado, discutido e deliberado, no ponto 3 da Ordem de Trabalhos da Ata 1 de 2018, a aprovação do Orçamento para o período de fevereiro de 2018 a janeiro de 2019. Cfr.doc. n.º 5 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
10.º - Os Executados, a este título, não procederam ao pagamento do montante de € 466,68 (quatrocentos e sessenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos) (€38,89 X 12) relativamente às quotas de condomínio e fundo de reserva vencidas e respeitantes ao período compreendido entre os meses de fevereiro de 2018 a janeiro de 2019, quanto à fração “C”. Cfr.doc. n.º 5 já junto.
11.º - Por deliberação da Assembleia Geral de Condómino, realizada a 13 de fevereiro de 2019, foi apresentado, discutido e deliberado, no ponto 3 da Ordem de Trabalhos da Ata 1 de 2019, a aprovação do Orçamento para o período de fevereiro de 2019 a janeiro de 2020. Cfr.doc. n.º 6 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
12.º - Os Executados, a este título, não procederam ao pagamento do montante de € 464,04 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e quatro cêntimos) (€38,67 X 12) relativamente às quotas de condomínio e fundo de reserva vencidas e respeitantes ao período compreendido entre os meses de fevereiro de 2019 a janeiro de 2020, quanto à fração “C”. Cfr.doc. n.º 6 já junto.
13.º - Por deliberação da Assembleia Geral de Condomínio, realizada no dia 19 de fevereiro de 2020, foi apresentado, discutido e deliberado, no ponto 3 da Ordem de Trabalhos, da Ata 1 de 2020 a aprovação do Orçamento para o período de fevereiro de 2020 a janeiro de 2021. Cfr.doc. n.º 1 já junto.
14.º - Os Executados, a este título, não procederam ao pagamento do montante de € 145,32 (cento e quarenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos) (€36,33 X 4) relativamente às quotas de condomínio e fundo de reserva vencidas e respeitantes ao período compreendido entre os meses de fevereiro a maio de 2020, quanto à fração “C”. Cfr.doc. n.º 1 já junto.
15.º - Não tendo os Executados procedido a qualquer pagamento da quantia em débito para com o condomínio.
16.º - Os ora Executados, apesar de regularmente convocados para a Assembleia supramencionada, através de carta registada, estiveram ausentes da reunião. (Cfr. Doc. n.º 7 e 8 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos).
17.º - No sentido de proceder à cobrança extrajudicial da dívida supra descrita foi remetida aos Executados interpelação, sendo certo que os mesmos não lobrigaram as vantagens do cumprimento voluntário, apesar de terem rececionada a missiva no dia 07 de fevereiro de 2020. Cfr.doc. n.º 9 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
18.º - Assim, por deliberação da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos de 19 de fevereiro de 2020 foi aprovada por unanimidade, no ponto 1 – 2ª e 3ª parte da Ordem de Trabalhos, as verbas de €300,00 a título de penalidade para suporte de honorários de mandatário judicial, com vista à promoção das diligências extrajudiciais executadas para tentativa de obtenção da cobrança dos valores em dívida e a verba de €400,00 acrescidos de IVA à taxa legal em vigor a título de penalidade para suporte de honorários de mandatário judicial, com vista a intentar ação judicial contra os condóminos em situação de incumprimento, ficando as mesmas a cargo do proprietário da fração que der causa à ação, sendo certo que estes valores são considerados para pagamento de serviços de interesse comum, em conformidade com o artigo 6º n.º 1 do DL268/94, de 25 de Outubro. Cfr.doc. n.º 1 já junto”.

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Por despacho proferido em 1.06.2020 – ref.ª 168320936-, foi decidido rejeitar «o requerimento executivo na parte em que o exequente reclama do(s) executado(s) o pagamento de outras despesas que não se integram nesse conceito de contribuição (contribuições ordinárias e extraordinárias, fundo de reserva e seguro), nomeadamente, na parte em que reclama o pagamento da verbas de €300,00 a título de penalidade para suporte de honorários de mandatário judicial, com vista à promoção das diligências extrajudiciais executadas para tentativa de obtenção da cobrança dos valores em dívida e a verba de €400,00 acrescidos de IVA à taxa legal em vigor a título de penalidade para suporte de honorários de mandatário judicial »
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Desta decisão veio a exequente interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que se passam a reproduzir:

«1. Vem o presente recurso interposto, por discordar o Recorrente do sentido do Douto Despacho liminar.
2. É convicção do ora Recorrente que o Douto Despacho que indefere a quantia peticionada a título de honorários de mandatário judicial, aprovados em assembleia de condóminos, com vista à promoção de diligências extrajudiciais na tentativa de obtenção da cobrança dos valores em dívida vencidos e honorários de mandatário judicial com vista a intentar a competente ação judicial para cobrança dos montantes em dívida vencidos e de responsabilidade dos ora Executados no montante global de €792,00 (setecentos e noventa e dois euros), com Iva à taxa legal em vigor incluído, por falta de título executivo resulta da errada interpretação do artigo 9.º do Código Civil.
3. Pretende por isso, ver alterada a decisão de Despacho liminar, modificando-se a sua decisão, atribuindo força executiva às quantias peticionadas a título de penalidades devidas ao condomínio e referentes aos serviços prestados pelo mandatário judicial.
4. As penalidades deliberadas em assembleia de condóminos no âmbito do n.º 1 do artigo 1434º do código Civil constituem título executivo nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 268/94 de 25.10.
5. Os honorários de mandatário judicial in casu não devem ser considerados penalidades, devem antes ser subsumíveis ao conceito de serviços de interesse comum no âmbito do n.º 1 do artigo 6.º do DL. n.º 268/94 de 25.10.
6. O Tribunal “a quo” considera que as penalidades aprovadas em ata correspondentes aos honorários de mandatário judicial não se subsumem às despesas ou encargos previstos no artigo 1424º do Código Civil e, por conseguinte, não podem ser considerados serviços de interesse comum à luz do n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 268/94 de 25.10.
7. Solução que consideramos, com o devido respeito e salvo melhor opinião, errada!
8. Veja-se a este respeito “Também relativamente aos honorários de advogado – questão sobre a qual também se tem dividido a jurisprudência (19) – valem as actas da reunião da assembleia de condóminos como título executivo (desde, que claro está, no título se determine desde logo o montante em causa).
Na verdade, implicando o incumprimento do condómino relapso o recurso a juízo para dele se obter coercivamente a satisfação das contribuições devidas (da sua quota-parte concernente a assegurar o funcionamento das partes comuns, conservação e fruição destas), o pagamento dos honorários devidos ao mandatário que patrocine a causa constituirá uma despesa necessária ao pagamento de serviço de interesse comum”. In Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06 de fevereiro de 2020, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
9. Pelo que o Recorrente considera que os montantes peticionados a título de honorários de mandatário judicial devem ser subsumíveis ao n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 268/94 de 25.10.
10. A aplicação do preceito vestido no n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 268/94 de 25.10 deve ser interpretado de uma forma ampla, mormente no que respeita à expressão “serviços de interesse comum”.
11. O Douto Tribunal “a quo” considerou que a interpretação ampla no n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 268/94 de 25.10 tem como consequência o reconhecimento de uma “estranha soberania” da assembleia de condóminos e, por conseguinte, tudo o que fosse aprovado em assembleia seria, sem mais, exequível em sede executiva.
12. Ora, tal entendimento merece a discordância do aqui Recorrente.
13. Os serviços de mandatário judicial são serviços de interesse comum, subsumíveis no n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 268/94 de 25.10, uma vez que são serviços que estão na disponibilidade de todos os condóminos e que permitem a boa cobrança dos débitos vencidos.
14. Por assim ser, basta que os serviços de mandatário judicial estejam na disponibilidade indireta de todos os condóminos para que todos possam beneficiar dos mesmos, à semelhança do que acontece com as despesas com ascensores previstas no n.º 4 do artigo 1424º que são suportadas por quem está na disponibilidade mediata de usufruir de tais serviços.
15. Veja-se a este respeito “O que releva, estamos em crer, para determinar se o serviço é de interesse comum (para efeitos do nº 1 do art. 6º do DL 268/94, de 25/10) não é estar o serviço na disposição directa de cada um dos condóminos (na possibilidade de o utilizar ou não), antes tratar-se de serviço prestado para alcançar o interesse comum. Atente-se no serviço de limpeza dos espaços comuns: tal serviço não está na disponibilidade directa de fruição por qualquer condómino (nenhum condómino os poderá usar na sua fracção); é serviço de que frui (e beneficia) na medida em que goza (ou pode gozar/fruir) das partes comuns, onde o mesmo é prestado.” In Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06 de fevereiro de 2020, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
16. As expressões “contribuições devidas ao condomínio” e “serviços de interesse comum” devem ser interpretadas de forma ampla à luz dos princípios do artigo 9º do Código Civil.
17. Nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 9º do Código Civil o intérprete, na busca da solução mais acertada, tem com referência um legislador abstrato, sábio, prudente, racional e justo que, na redação do DL n.º 268/94 de 25.10, pretendeu tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal e facilitar as relações entre condóminos e terceiros.
18. Ora, é de entendimento pacífico que a boa cobrança de quotas de condomínio vencidas é um serviço de interesse comum.
19. Sempre que um condómino se recusa a pagar a sua quota-parte nas despesas, a única forma eficaz de cobrança tais débitos é o recurso à via judicial.
20. Acresce que o recurso à via judicial para cobrança de quotas de condomínio e fundo de reserva vencidas radica na constituição obrigatória de mandatário judicial nos termos do artigo 40º do C.P.C.
21. Ademais, o legislador na redação do DL n.º 268/94 de 25.10 permitiu viabilizar e facilitar o cumprimento das funções do Administrador nos termos e para os efeitos das alíneas e) e h) do artigo 1436º do Código Civil.
22. Sendo certo que, o Condomínio é uma entidade que não visa a obtenção receitas, mas tão-somente a aprovação do orçamento anual com previsão das despesas necessárias à manutenção e conservação das partes comuns do edifício.
23. Razões pelas quais a interpretação da expressão “serviços de interesse comum” inclui e atribui força executiva aos montantes deliberados em assembleia de condóminos referentes aos honorários de mandatário judicial.
24. A interpretação ampla do conceito “serviços de interesse comum” não se converte numa “norma aberta”, uma vez as deliberações aprovadas na assembleia de condóminos estão limitadas pelo crivo judicial e legal.
25. As deliberações aprovadas em assembleia de condóminos carecem de um quórum deliberativo, no caso, de uma maioria qualificada de dois terços do total do prédio nos termos do n.º 2 do artigo 1424º do Código Civil.
26. Qualquer condómino pode impugnar as deliberações aprovadas na assembleia de condóminos nos termos do artigo 1433º do Código Civil, expondo as deliberações a um controlo judicial.
27. Todas as deliberações da assembleia de condóminos estão sujeitas a um controlo legal, sendo que tais deliberações, mediante apreciação em concreto, podem ter como consequência jurídica a nulidade ou a inexistência jurídica.
28. Pelas razões expostas, todas as deliberações aprovadas em assembleia de condóminos estão sujeitas a vários controlos e, por conseguinte, não assumem qualquer “estranha soberania”, muito pelo contrário, estão limitadas à observância dos preceitos legais que as regulam.
29. Assim, os valores peticionados a títulos de honorários de mandatário judicial assumem força executiva e devem constar na quantia exequenda nos exatos termos no requerimento executivo.
Por todo o exposto, E sem necessidade de maiores considerações,
Deve ser revogado o Despacho liminar que indeferiu a persecução da ação executiva quanto aos valores peticionados a título de honorários de mandatário judicial, sendo substituído por outro que atribua força executiva ao montante de €792,00 (setecentos e noventa e dois euros), prosseguindo assim a ação executiva pela quantia exequenda peticionada nos exatos termos do requerimento executivo de € 4.036,79 (quatro mil e trinta e seis euros e setenta e nove cêntimos), julgado procedente o presente recurso, com todas as demais consequências legais.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Em sede do apenso de reclamação do despacho que não admitiu o recurso, foi proferida decisão que na procedência daquela, admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
Face às conclusões da motivação do recurso, a questão central a decidir consiste em saber se a ata da assembleia de condóminos dada à execução constitui, ou não, título executivo bastante para exigir o pagamento aos executados das quantias nela referidas, designadamente, as quantias fixadas a título de honorários de mandatário judicial para efeitos de instauração da acção e encargos de cobrança das quantias em dívida pelo condómino (executado).
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III. Fundamentação de facto.

Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra – que por brevidade aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Acresce o seguinte, dada a sua relevância para a decisão do recurso:

- Na acta da assembleia, nº 1/2020, junta com o requerimento executivo aquando da propositura da acção, consignou-se: «Aos dezanove dias do mês de Fevereiro de dois mil e vinte, pelas dezoito horas, reuniu-se na fracção .. do edifício ..., sito na rua de ... nº .., concelho da ..., a Assembleia ordinária dos Condóminos do prédio em regime de propriedade horizontal.»
Mais se consignou no ponto 1 da ordem de trabalhos, que: «Em relação às frações em falta perante o condomínio, foi deliberado e aprovado por unanimidade que, as frações em falta perante o condomínio, melhor discriminadas na listagem que ora se anexa à presente ata, deverão proceder ao pagamento das respetivas cotas em atraso, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da data da presente assembleia.
Por outro lado, foi ainda deliberado e aprovado por unanimidade, que o não pagamento das quantias em dívida no prazo supra estabelecido, confere ao administrador legitimidade para proceder à cobrança coerciva dos montantes em dívida, recorrendo à via judicial, mediante instauração da competente ação executiva, configurando a presente ata como título executivo. Por fim, foi deliberada e aprovada por unanimidade, para efeitos de instauração da suprarreferida ação, a verba de €400,00 (quatrocentos euros) acrescida de IVA à taxa legal, a título de honorários de mandatário judicial, devendo a mesma ser paga até dois dias antes da propositura da ação e respetivos encargos de cobrança no valor de €300,00 (trezentos euros), sendo certo que estes valores são considerados para pagamento de serviços de interesse comum, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 6 do DL 268/94, de 25 de Outubro.»

IV. Fundamentação de direito:

Vejamos, pois, qual a resposta à questão colocada e que consiste em saber se os montantes de 300,00€ e 400,00€ acrescido de IVA, deliberados e aprovados em reunião de assembleia do condomínio a título de honorários de mandatário para cobrança da dívida do condómino, são exequíveis.
A decisão recorrida ao rejeitar o requerimento executivo no que se refere aos referidos montantes assentou, muito em súmula, na consideração de que a acta da assembleia de condóminos apenas permite reclamar do executado o pagamento do valor relativo às contribuições em dívida a que se refere o artigo 1424º n.1 do Código Civil, já não no que se refere às quantias reclamadas a título de penalidades para suporte de honorários de mandatário judicial, que não constituem encargos de condomínio.

Que dizer:
Diz-nos o artigo 10.º, n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Civil, que: (…) «4 - Dizem-se «ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida.
5 - Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.»

O título, nas palavras de Lebre de Freitas (1), “constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da ação executiva, isto é, o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade, ativa e passiva” (artigo 53º do CPC).
Deve considerar-se que o título executivo é um documento, i. é., a forma de representação de um facto jurídico, o documento pelo qual o requerente de realização coativa da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos (2).
Neste sentido se escreveu no Acórdão do STJ de 15/3/2007, Proc. N.º 07B683 (Salvador da Costa): “A relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva.
O fundamento substantivo da ação executiva é, pois, a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração. Ele constitui, para fins executivos, condição da ação executiva e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas (…)”.

«Conclui-se que “o título executivo realiza duas funções essenciais:
- por um lado, delimita o fim da execução, isto é determina, em função da obrigação que ele encerra, se a ação executiva tem por finalidade o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa ou a prestação de facto;
- por outro lado, estabelece os limites da execução, ou seja, o credor não pode pedir mais do que aquilo que o título executivo lhe dá.» (3)
O título executivo incorpora, assim, o direito do credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação (Cf. Art°s. 817° e 818° do CC). É, condição necessária da ação executiva, a sua análise deve demonstrar, tanto o fim como os limites da ação executiva.

Vejamos então,

O artigo 703º do C.P.C., elenca taxativamente as espécies de títulos executivos admitidos à execução, nelas se incluindo, nos termos da sua alínea d), os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
Entre os documentos previstos em legislação avulsa mais comummente dados à execução, e aos quais é atribuída força executiva, contam-se as actas das assembleias de condóminos, conforme resulta do disposto no artigo 6º n.º1 do DL n.º 268/94, de 25-10.
Diz-nos o referido artigo, sob a epígrafe «Dívidas por encargos de condomínio», que: «1 – A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
2- O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número interior.»

Decorre do normativo citado que à acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio, é atribuída força executiva.
Como decorre do respectivo preâmbulo, o Dec.-Lei n° 268/94, de 25 de Outubro, teve como objectivo “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros.»
Deste modo, ao conferir eficácia executiva às actas das reuniões da assembleia dos condóminos e, portanto, ao garantir a imediata exequibilidade das “dívidas por encargos de condomínio”, o legislador visou evitar o recurso à acção declarativa em matérias nas quais estão em jogo questões monetárias liquidadas ou de fácil liquidação segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos e sobre os quais não recai verdadeira controvérsia.
O cerne da questão que ora nos ocupa e a que se refere a impugnação da decisão recorrida, prende-se exactamente em aferir o âmbito de exequibilidade conferido por tal normativo e em decorrência, os limites da acção executiva, considerando o referido título.
Tal aferição remete-nos necessariamente para a delimitação das obrigações expressamente referidas na lei: «Dívidas por encargos de condomínio», a que se refere a norma excepcional e taxativa que confere exequibilidade às actas de condomínio, e que de acordo com o n. 1 do artigo 6.°, do referido decreto lei, se circunscreve à deliberação sobre a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações: i) contribuições devidas ao condomínio; ii) despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns; iii) pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio.
Para a sua integração importa convocar o artigo 1424º do Código Civil (Sob a epígrafe “Encargos de conservação e fruição”), que define como encargos de condomínio, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum (4).
E é precisamente no que diz respeito aos limites do título executivo, no caso, à delimitação do objecto da acta da reunião da assembleia de condóminos que surgem algumas divergências a nível da jurisprudência, e concretamente, no que se refere às deliberações sobre penalizações por atrasos no pagamento de comparticipações e outras e às despesas de contencioso e honorários de advogado, sendo neste conspecto que surge a impugnação da decisão recorrida.
Vejamos.

No caso “sub judice” está em causa uma ata de reunião da assembleia de condóminos (acta n.1/2020). O despacho recorrido indeferiu parcialmente o requerimento executivo em causa, na parte em que o exequente reclama do(s) executado(s) o pagamento das verbas de €300,00 a título de penalidade para suporte de honorários de mandatário judicial, com vista à promoção das diligências extrajudiciais executadas para tentativa de obtenção da cobrança dos valores em dívida e a verba de €400,00 acrescidos de IVA à taxa legal em vigor a título de penalidade para suporte de honorários de mandatário judicial, por considerar que a ata da assembleia de condóminos não constitui título executivo relativamente às penalizações reclamadas, considerando que tais valores não correspondem a um encargo de condomínio e, consequentemente, não se enquadram no âmbito do disposto no n.° 1 do artigo 6.° do DL n. 268/94 de 25.10.
Importa, para aferir verdadeiramente o que está em causa, atentar no teor do título executivo em questão, ou seja, no teor da acta n.1/2020, que suporta o pedido executivo formulado.
Nesta consignou-se: «Em relação às frações em falta perante o condomínio, foi deliberado e aprovado por unanimidade que, as frações em falta perante o condomínio, melhor discriminadas na listagem que ora se anexa à presente ata, deverão proceder ao pagamento das respetivas cotas em atraso, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da data da presente assembleia.
Por outro lado, foi ainda deliberado e aprovado por unanimidade, que o não pagamento das quantias em dívida no prazo supra estabelecido, confere ao administrador legitimidade para proceder à cobrança coerciva dos montantes em dívida, recorrendo à via judicial, mediante instauração da competente ação executiva, configurando a presente ata como título executivo. Por fim, foi deliberada e aprovada por unanimidade, para efeitos de instauração da suprarreferida ação, a verba de €400,00 (quatrocentos euros) acrescida de IVA à taxa legal, a título de honorários de mandatário judicial, devendo a mesma ser paga até dois dias antes da propositura da ação e respetivos encargos de cobrança no valor de €300,00 (trezentos euros), sendo certo que estes valores são considerados para pagamento de serviços de interesse comum, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 6 do DL 268/94, de 25 de Outubro.»
Ora, compulsado o teor da referida acta, resulta para nós evidenciado que o que está em causa relativamente aos montantes aí indicados de 300,00€ e 400,00€ acrescidos de IVA, são despesas a título de honorários de advogado para cobrança das contribuições devidas pelo condómino faltoso (despesas com a cobrança extrajudicial e com a acção a propor, como no caso sucede com o presente processo executivo) e não verdadeiras penalidades (penas pecuniárias) na asserção do artigo 1434º do Código Civil, que permite que a assembleia possa fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições do código das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador, tendo estas a natureza de uma sanção. (5)
Na decisão recorrida, contudo, a valoração efectuada teve como pressuposto a integração dos valores reclamados a título de penalidades pecuniárias deliberadas em acta, na sequência, aliás, do teor do requerimento executivo, que, indo além do que fora consignado na acta da assembleia, como vimos do seu teor, qualificou as referidas verbas como “penalidades para suporte de honorários de mandatário judicial”, embora em sede de recurso se perspective a sua valoração de forma diferenciada, fundando o recurso na alegação de que os honorários de mandatário judicial in casu não devem ser considerados penalidades, devem antes ser subsumíveis ao conceito de “serviços de interesse comum” no âmbito do n.° 1 do artigo 6.º do DL n.° 268/94, de 25.10 .
Todavia, independentemente da sua qualificação como “penalidades” ou “despesas com honorários de advogado para cobrança dos montantes em dívida”, subscrevemos a conclusão ínsita no despacho recorrido relativamente à inexistência de título executivo para a sua reclamação nesta sede.
Na verdade, importa atentar que o que está em causa na apreciação do recurso é a aferição da exequibilidade do título quanto aos montantes referidos, não estando este tribunal limitado, na análise da questão jurídica, aos argumentos jurídicos invocados quer na decisão recorrida, quer pelo recorrente em sede de recurso.

Deste modo, prossigamos, concretizando:

A primeira questão reside em saber se perante os termos do artigo 6. n.° 1, do Decreto-lei n. 268/94, de 25 de Outubro, a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado penalizar o condómino pelo incumprimento da obrigação de pagar a quota mensal do condomínio constitui título executivo para cobrança coerciva dos montantes fixados a título de penalizações, designadamente por tais penas pecuniárias caberem ‘nas contribuições devidas ao condomínio” a que alude o preceito.

A referida questão tem sido alvo de ampla discussão e divergência a nível jurisprudencial, podendo enumerar-se, a título meramente exemplificativo, as seguintes decisões que deram uma resposta negativa a tal questão:

- Acórdãos do Tribunal da Relação Guimarães de 8-01-2013, processo n.° 8630/08.6TBBTG; de 10.09.2020, processo n.° 956/14.6TBVRL-T.G1; de 30.05.2019, processo n.°3256/18.9T8VNF.B. G1; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019, processo n.° 3450/11.3TBVFX.L1-7; de 11-12-2018 processo n.° 2336/14.3T80ER-A.L1-6; Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 7-02-2017 processo n.°454/15.0T8CVL.Cl; de 21-03-2013, processo n.° 3513/12.8TBVIS; de 4-6-2013, no processo n.° 607/12.3TBFIG; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 07-05-2018 processo n.°. 9990/17.3T8PRT-B.P1. (6)

No sentido afirmativo elencam-se, exemplificadamente, as seguintes decisões:
- Acórdãos do Tribunal da Relação Guimarães de l7-l2-2020 processo n.° 7240/17.1T8VNF-A.G1; de 02-03-2017 processo n.° 2154/16.ST8VCT-A.G1; de 17.12.2020, processo n. 368/18.2T8EPS.G1; de 6.02.2020, processo n. 261/18.9T8AVV-B.G1; Relação de Lisboa de 8.07.2007, processo n. 9276/2007-7; de 15.02.2017, processo n. 9207/2006-2; Relação do Porto de 17.05.2016, processo n. 2059/14.4TBGDM-A.P1.

A divergência de interpretação das teses em confronto situa-se na integração das sanções pecuniárias no conteúdo da norma especial, artigo 6º n.1 do Dec.Lei n. 268/94, de 25 de Outubro, que prevê a atribuição de exequibilidade à acta da reunião da assembleia de condóminos e, designadamente, na expressão aí contida «contribuições devidas ao condomínio».
Quanto a este tema subscrevemos a primeira tese que defende o entendimento de que a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado fixar penas pecuniárias, não constitui título executivo para cobrança coerciva dos montantes fixados a tal título.

Diz-se elucidativamente no Ac. R.C. de 7.2.2017, do relator Emídio Francisco Santos, in www.dgsi.pt : « A letra do n.º 1 do artigo 6.º atribui força executiva à acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações:
1. Contribuições devidas ao condomínio;
2. Quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns;
3. Pagamento de serviços de interesse comum.

Se na interpretação da lei nos ativéssemos exclusivamente à respectiva letra, não poderíamos excluir da previsão do n.º 1 do artigo 6.º as penas pecuniárias. É que, embora o n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil o não diga expressamente, está implícito nele que os montantes das penas pecuniárias fixadas pela assembleia revertem para o condomínio, constituem receita do condomínio. Visto nesta perspectiva, trata-se de uma contribuição devida ao condomínio.
Sucede que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil).
No nosso entender, o pensamento da lei, na parte em que se refere a “contribuições devidas ao condomínio”, não abrange todo e qualquer montante que seja devido ao condomínio.
Por exemplo, se um condómino danificar uma parte comum do edifício e se a assembleia de condóminos deliberar que tal condómino está obrigado a repará-la e fixar uma importância para reparar o prejuízo causado, a acta de tal reunião não constitui título executivo contra o condómino para pagamento de tal quantia.
E não constitui porquanto as contribuições devidas ao condomínio que são tidas em vista pelo n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94 são “dívidas por encargos de condomínio”, como refere a epígrafe do artigo.
Ora, no exemplo dado, a contribuição que estava a ser exigida ao condómino não era um encargo que resultava da sua relação com o condomínio; o encargo resultava do facto de ser ele o autor do dano.
A resposta à questão de saber o que são “dívidas por encargos de condomínio” deve buscar-se no artigo 1424.º do Código Civil, pois é aí que estão previstos os encargos que resultam da relação de condomínio. De acordo com tal preceito, são encargos de condomínio os encargos com a “conservação e fruição das partes comuns do edifício” e os encargos “com os serviços de interesse comum”.
Assim, as dívidas tidas em vista pelo n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, são as que têm a sua origem nos encargos com a “conservação e fruição das partes comuns do edifício” e encargos “com os serviços de interesse comum”.
Interpretado o n.º 1 do artigo 6.º com este alcance, é de concluir que estão fora dele as penas pecuniárias, pois de acordo com o preceito que as prevê – o n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil – tais penas são estabelecidas para “a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador”.
Importa salientar, como se refere nesse aresto, que existe uma diferença substancial entre a pena pecuniária e as quotas que os condóminos têm que suportar com a “conservação e fruição das partes comuns do edifício” e encargos “com os serviços de interesse comum”. Com efeito, enquanto a quota é uma provisão que os condóminos fazem ao administrador do condomínio (com uma determinada periodicidade, por exemplo mensal ou trimestral) para fazer face às despesas previstas no orçamento que é elaborado anualmente, a pena pecuniária tem a natureza de uma sanção. É o que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil, na parte em que dispõe que a assembleia pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.
Não poderá deixar de se ter em atenção o princípio da excepcionalidade das normas que preveem títulos executivos avulsos, como sucede com a presente, as quais face à pontada característica têm um âmbito taxativo não admitindo interpretação analógica, apesar de permitirem interpretação extensiva, atento o disposto no artigo 11º do Código Civil. (7)
Na verdade, se bem vemos, a expressão “contribuições devidas ao condomínio” só poderá abranger o valor das contribuições, a cargo de cada um dos condóminos, fixada e aprovada em assembleia de condóminos, de acordo com os critérios legais (na proporção do valor da sua fração), a liquidar, em regra, periodicamente.
Como se refere ainda no acórdão desta relação de 10.09.2020, processo 956/14.6TBVRL-T.G1, o qual subscrevemos como adjunta, confirmado pelo acórdão do STJ de 26.1.2021, ambos in www.dgsi.pt, que: «Entendemos que as razões que levam a uma leitura ampla, menos exigente, do artigo 6.°, do Decreto-Lei n.º 268/94, não se estendem já a estas sanções penais; sendo certo que permitir a sua exigibilidade imediata incentiva os condóminos ao cumprimento de todas as suas obrigações perante o condomínio e facilita a tarefa de receber tais quantias, a menor segurança que advém da imediata concessão de força executiva a deliberações ou declarações de terceiros, mais a mais em matéria sancionatória, não se justifica quando não estão em causa as obrigações de cariz central ao normal funcionamento de um condomínio como são as despesas previstas nos artigos 1424º e 1426º do Código Civil: os montantes sancionatórios não são obrigações que justifiquem particular rapidez no seu recebimento, pela importância que (não) têm para o credor, por não visarem satisfazer despesas, sucedendo que o credor pela ausência de executoriedade da ata, não fica impedido de as receber, embora tenha que recorrer a processo que dê segurança à sua pretensão.
(Tanto mais que a prática nos diz que o seu apuramento passa tantas vezes pela verificação da sua legalidade, porquanto frequentemente são fixadas para devedores concretos e não de forma abstrata, com valores completamente desproporcionados, em múltiplos das quantias em dívida e inadmissíveis fora do quadro legal que as permite. Ora, justifica-se para estas um controlo ainda mais acrescido, que no âmbito do processo executivo se mostra menos adequado e que é premente neste tipo de título executivo, elaborado pelo terceiro, com interesse no mesmo e em assuntos punitivos).»
O controlo do tribunal a que alude a apelante só surge se tal for suscitado e se o condómino em causa não pagar voluntariamente os montantes fixados a título de penalização.
Por último, o fundamento da eficácia executiva reconhecida às deliberações da assembleia, que subjaz ao normativo, possibilitando a rápida cobrança das dívidas por encargos de condomínio relativamente a prestações absolutamente indispensáveis ao seu normal funcionamento e gestão, não ocorre nas penalizações pecuniárias, cujo objectivo é o de compelir e pressionar os condóminos a cumprir e que, por isso, não visam imediatamente a satisfação de despesas, constituindo antes uma receita eventual do condomínio.
Assim, não tendo directamente por objecto a satisfação de despesas ou encargos que sejam essenciais ao normal funcionamento do condomínio, não existem razões que justifiquem ou imponham uma particular celeridade na sua cobrança. (8)
Em sede conclusiva, diremos, que as sanções de natureza pecuniária deliberadas pela assembleia de condóminos não constituem “encargos de condomínio”, razão pela qual não se encontram abrangidas no título executivo previsto n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro.
Donde, e ainda que se considerasse a título de penalidades os montantes fixados em acta, de €400,00 (quatrocentos euros) acrescida de IVA à taxa legal, a título de honorários de mandatário judicial, e encargos de cobrança no valor de €300,00 (trezentos euros), não poderíamos deixar de concordar com a decisão do tribunal a quo ao considerar que existe falta de título executivo para reclamar tais montantes.
Como começámos por referir e nos parece ser essa a linha de orientação na argumentação da apelante, as quantias deliberadas em acta nos montantes assinalados, mostram-se fixadas para despesas decorrentes dos honorários de mandatário com a cobrança (judicial e extrajudicial) dos montantes em dívida ao condomínio relativos às contribuições devidas pelos condóminos, ora executados.
Considerando a referida asserção, importa questionar se como defende a apelante e se mostra consignado na acta de tal deliberação, tais montantes deverão ser considerados «serviços de interesse comum» à luz do artigo 6º n.1, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro.
E a resposta a esta questão é mais uma vez negativa, porquanto subscrevemos o entendimento de que os honorários de mandatário judicial não constituem despesas de conservação e fruição das partes comuns, nem despesas com serviços de interesse comum para o condomínio.
Neste sentido vide, entre outros, os Acs. R. Guimarães de 30.5.2019, processo 3256/18.9T8VNF.B.Gl; Relação de Lisboa 22.01.2019, processo 3450/11.3TBVFX.L1-7; Relação de Coimbra de 07-02-2017, processo 454/15.0T8CVL.!.C1, de 25.09.2001, processo 2242/2001; Relação do Porto de 18-02-2019 processo 36/15.0T8PRT-A.P1 (9).

Expliquemos:

Como se verifica da acta n.1/2020 dada à execução, foi deliberada e aprovada por unanimidade para efeitos de instauração da ação para cobrança coerciva dos montantes em dívida pelos condóminos, a verba de €400,00 (quatrocentos euros) acrescida de IVA à taxa legal, a título de honorários, a ser paga até dois dias antes da propositura da acção, e respetivos encargos de cobrança no valor de €300,00 (trezentos euros).
Mais uma vez, há aqui que fazer apelo ao teor da norma que prevê a exequibilidade das actas de reunião da assembleia de condóminos, e que conforme vimos, deverá ser aferida por reporte aos créditos de que o condomínio seja titular, os “encargos de condomínio” expressamente referidos no artigo 1424º do Código Civil, como sejam, os que tenham que ver com o pagamento de despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício e pagamento de serviços de interesse comum, traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas.
A este propósito importa salientar que na acção executiva a que se refere o n.1 do artigo 6.°, o proprietário/condómino é executado por ter deixado de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte nas contribuições devidas ao condomínio, ou nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, ou ainda no pagamento de serviços de interesse comum. (10) Prevendo que, para tal, como decorre do seu nº.2, o administrador instaure a acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas.
Ora, as despesas de cobrança, seja extrajudicialmente, seja através da referida acção, mormente a título de honorários de advogado que patrocine a demanda que tenha por fim exercer coercivamente do condómino a satisfação da sua quota parte relativa às contribuições devidas, são uma consequência do não pagamento dessas obrigações e, como tal, encontram-se para além da previsão contida em tal normativo que não as contempla.
Uma coisa são as obrigações impostas ao condómino decorrentes da lei (artigos 1424º e 1426º do CC) outra, distinta, são as despesas para a sua cobrança, as quais não se confundem.

Como se refere elucidativamente no Acórdão da Relação do Porto (11) « Tal como já supra se referiu, nos termos conjugados dos artigos 703.º, nº 1 al. d) do C.P. Civil, e 6.° do DL 268/94, de 25 de Outubro:
“A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título estabelecido na sua quota-parte”.
O Decreto-Lei n°268/94, de 25 de Outubro, confessadamente, visa “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal”.
Mas será que foi objectivo do legislador incluir nas “contribuições devidas ao condomínio” e ao aludir a “a pagamento de serviços de interesse comum”, consentir que nas actas/título executivo, se incluam as despesas judiciais e honorários com mandatários judiciais?
Quando o condomínio celebra um contrato de mandato forense com um advogado, apenas, entre tais contraentes se estabelece um vínculo contratual, sem dúvida no interesse do colectivo dos condóminos - o condomínio - mas, realidade totalmente diversa, é pretender que as despesas com o mandatário sejam, sem mais, serviços de interesse comum, na acepção que nos parece ter sido a querida do legislador - que foi relacionar tais despesas com as inerentes ao funcionamento intrínseco do condomínio, salvaguardando a operacionalidade e a rapidez de cobrança de dívidas do condomínio que, exclusivamente, se relacionam de maneira directa e imediata, com as obrigações dos condóminos, em relação às partes comuns.»
Acresce, como se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 07.02.2017, que: «Como resulta do já exposto, os serviços de interesse comum a que se refere o 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 298/94 são os serviços de interesse comum a que se refere o n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil. E para estes efeitos, serviços de interesse comum são serviços postos à disposição de todos os condóminos, que eles poderão usar ou não usar, como acontece, por exemplo, com os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais ascensores, as caldeiras de aquecimento, jardins colectivos, piscinas, antenas colectivas, os serviços de segurança e vigilância do imóvel.
Não é o que se passa com o serviço do advogado, consistente no patrocínio da execução instaurada para cobrança coerciva das quotas, não está à disposição de cada um dos condóminos.
Embora se reconheça que a cobrança das contribuições é do interesse do condomínio, o serviço prestado pelo advogado não é um serviço que qualquer um dos condóminos possa usar ou não usar. Os executados não são beneficiários dos serviços prestados pelo advogado.»
Em conclusão e face a tudo que vem de se expor, as despesas com honorários de advogado a que alude a acta da reunião da assembleia de condóminos dada à execução, não constituem despesas de conservação e fruição das partes comuns nem despesas com serviços de interesse comum para o condomínio, e como tal a referida acta não é título executivo para reclamar tais montantes (de 400,00€ acrescidos de IVA e 300,00€).
E não se diga que do teor da acta resulta que tais valores são considerados para pagamento de serviços de interesse comum, porquanto para a sua qualificação não basta uma deliberação da assembleia, mas sim o necessário enquadramento legal conferindo-lhe força executiva, o que não sucede.
Uma nota ainda para referir que, sem prejuízo da afirmação exposta da sua inexequibilidade, da acta (n.1/2020) que fixou os montantes relativos a honorários para efeitos de instauração da acção de cobrança das quantias em dívida ao condomínio ( ainda a propor) e encargos de cobrança, não se mostra esclarecido qual o critério que presidiu à definição de tais valores, se quantias previsíveis com tais encargos ou, ao invés, quantias já pagas pelo condomínio ao mandatário (a acção nem sequer havia sido proposta), o que sempre coloca em causa a segurança e certeza que o título tem de evidenciar, quando, como resulta do disposto pelo artigo 713º do C.P.C., a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação condicionam a admissibilidade da acção executiva.
Acresce, por último, o facto de que a responsabilização do condómino pelos honorários despendidos com mandatário judicial devidos pela cobrança das quantias em dívida ao condomínio, poderá e deverá ser suportada/compensada ao abrigo do mecanismo da reclamação de custas de parte, por via da apresentação da respectiva nota.
Com efeito, as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, são pagas directamente pela parte vencida à parte que delas seja credora e incluem os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento, os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as do agente de execução, 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial e os valores pagos a título de honorários de agente de execução, conforme resulta do disposto nos arts. 25º n.2 al. d), 26°, n‘’s 1,2, e 3, a), b), c) e d), do Regulamento das Custas Processuais e artigos 533º n.2 alínea d) e 3 e 540º do Código de Processo Civil.
Aqui chegados e em sede conclusiva, seja a título de penalidades, seja a título de despesas com honorários de mandatário judicial, verifica-se que a exequente/apelante carece de título para reclamar em sede executiva os montantes de €400,00 (quatrocentos euros) acrescida de IVA à taxa legal, e de € 300,00, o que conduz à improcedência do recurso e consequente confirmação da decisão recorrida que rejeitou parcialmente o requerimento executivo.

V. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Guimarães, 4 de Março de 2021

Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
(assinado digitalmente)


1. In “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6.ª Edição, pág. 43.
2. Como refere Rui Pinto, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, pág. 142/143.
3. Vide Ac. R.G de 10.09.20202, processo 956/14.6TBVRL-T.G1, que subscrevemos como adjunta.
4. Preceitua o art. 1424º, nº 1, do Código Civil, que “Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.
5. Penas pecuniárias destinadas a sancionar a mora relativa à satisfação das comparticipações devidas ao condomínio e que assumem a natureza de cláusula penal moratória (artigo 811º n.1 do C.C.)
6. Neste sentido na doutrina, Rui Pinto, Novos Estudos de Processo Civil, pag. 192.
7. Vide Ac. do Tribunal da Relação do Porto, 07-05-2018, processo 9990/17.3T8PRT-B.P1, www.dgsi.pt
8. Como se salienta no Ac. STJ de 26 de Janeiro de 2021, processo 956/14.6TBVRL-T.G1.S1, in www.dgsi.pt .
9. Em sentido contrário, vide, entre outros, Ac. da Relação de Guimarães de 06-02-2020, processo 261/18.9T8AVV-B.G1; de 17-12-2020, processo 368/18.2T8EPS.G1.; R. Porto de 3.03.2008, processo 0850758 (que apesar de considerar que a acta é titulo executivo quanto aos honorários do advogado manteve a decisão recorrida que indeferiu parcialmente o requerimento executivo por força do requisito da exigibilidade da obrigação exequenda); Relação de Lisboa de 8.07.2007, processo 9276/2007-7;
10. Como se refere no Ac. R.Coimbra de 07-02-2017, processo 454/15.0T8CVL.!.C1 in www.dgsi.pt
11. Acórdão de 18.2.2019, processo 25136/15.0T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt