RESPONSABILIDADES PARENTAIS
VIDEOCONFERÊNCIA
Sumário

I - No âmbito da audiência de discussão e julgamento realizada no processo especial de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, não se impõe ao Tribunal qualquer dever de garantir que o Requerido progenitor possa acompanhar, através de videoconferência, o desenrolar da audiência de discussão e julgamento ;
II – efectivamente, o Tribunal tomou declarações ao Requerido por videoconferência, no quadro da alínea a), do nº. 1, do artº. 29º, do RGPTC, o que fez por analogia relativamente ao estatuído no nº. 2, do artº. 456º, do Cód, de Processo Civil, previsto para a prova por depoimento de parte e por declarações de parte (cf,., ainda, o nº. 2, do artº. 466º, do Cód. de Processo Civil e nº. 1, do artº. 33º, do RGPTC), sendo que, para além de tal acto, inexiste legalmente enunciado qualquer dever que o Requerido progenitor, nessa qualidade, devesse beneficiar da garantia de poder assistir, pelo mesmo meio da videoconferência, à totalidade da audiência de julgamento ;
III – ademais, tal reclamada garantia sempre seria de impossível exequibilidade, atenta a necessidade de posterior ocupação do sistema na inquirição, igualmente por videoconferência, de toda a prova testemunhal arrolada, fundamentalmente pelo mesmo Requerido progenitor ;
IV – por outro lado, agindo o mesmo Requerido progenitor enquanto Advogado em causa própria, também não urgia garantir que o mesmo, igualmente por videoconferência, pudesse assistir à totalidade da audiência de discussão e julgamento, relativamente à qual tinha o direito, e dever, de comparecer presencialmente ;
V – não sendo exigível, por tal não estar minimamente salvaguardado em termos legais, que o Tribunal devesse providenciar, de forma que nem sequer indica ou esclarece, um permanente acompanhamento ou participação no julgamento à distância, pretendendo-o fazer através do sistema de videoconferência, o que, conforme supra referenciámos, sempre se revelaria inexequível, atenta a necessidade da sua utilização para a produção da demais prova ;
VI - a prova do facto extintivo do pagamento, desde que provada que esteja a obrigação – cf., artigos 342º, nº. 2, e 799, nº. 1, ambos do Cód. Civil -, sempre competiria ao Requerido demandado progenitor, ou seja, não era a Requerente progenitora mãe quem tinha que provar o não pagamento da prestação alimentícia por parte do Requerido progenitor, competindo antes a este, provada a existência da obrigação, que a havia efectivamente cumprido.

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte:
               
I - RELATÓRIO
1 - GABRIELA …, residente…, Angra do Heroísmo, interpôs processo especial de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais da menor filha ANA…, contra DUARTE…, residente…, em Évora, nos quadros do artº. 181º da OTM, pugnando para que se diligenciasse nos termos do presente normativo, e concluindo nos seguintes termos:
a) ordenando-se todas as diligências que se mostrem necessárias para assegurar o cumprimento coercivo da obrigação de pagamento dos alimentos devidos à menor, como seja ordenando-se o desconto nos de quaisquer rendimentos que o requerido tenha a receber das quantias necessárias para pagamento dos montantes em dívida;
b) condenando-se o requerido em multa e em indemnização a favor da menor, tudo conforme previsto no art. 181.º, n.º 1 da OTM”.
Juntou 212 documentos, tendo sido tal processo especial intentado em 31/07/2012.
2 – Notificado o Requerido para alegar o que tivesse por conveniente, nos termos do nº. 2 do artº. 181º da OTM, veio apresentar contestação, alegando, em súmula, o seguinte:
- Existe ineptidão da petição inicial, pois a Requerente nem sequer declara o valor da causa, nos termos do artº. 467º do Cód. de Processo Civil, o que deveria ter levado à sua liminar recusa pela secretaria ;
- A Requerente é parte ilegítima, pois não é mãe da menor, não podendo assim requerer e receber pensão de alimentos em nome da Ana…, por não ser mãe desta ;
- O que se configura como excepção dilatória de ilegitimidade, de conhecimento oficioso ;
- Em Julho de 2011 foi fixado o regime definitivo de regulação das responsabilidades parentais da menor, não tendo o Tribunal decidido sobre alimentos a prover à mesma, por estar na posse de dados suficientes que lhe permitiam não o fixar ;
- Sendo que esta nova regulação revogou, na totalidade, o anterior documento que previa a regulação das responsabilidades parentais, no qual estavam fixados alimentos ;
- Pelo que terá que falecer o pedido de alimentos em atraso ;
- Relativamente à reclamada comparticipação nas despesas de saúde e de educação da menor, nega ter recebido quaisquer cópias dos respectivos recibos, dos quais só teve conhecimento com os presentes autos ;
- No que concerne aos documentos juntos, impugna-se os indicados por não reproduzirem despesas efectuadas com a menor, outros são ilegíveis, o que não permite pronúncia e os demais não correspondem à verdade do que dos mesmos consta ;
- Deduz reconvenção e pedido reconvencional, relativamente às despesas de avião para os Açores, de forma a visitar a filha e comparecer em julgamentos, de viagens de avião da própria filha e de roupas e brinquedos que a menor levou para a sua casa nos Açores, no valor total d 3.500,00 €, correspondente a metade dos valores já despendidos.
Conclui pela sua absolvição e pela condenação da Requerente no pedido reconvencional, tendo ainda apresentado requerimentos probatórios de natureza pericial e testemunhal.
3 – Nos quadros dos nºs. 2 e 3 do artº. 181º da OTM foi designada data para a realização de conferência de progenitores, que se realizou em 10/12/2012, sem que se lograsse acordo quanto ao incumprimento em apreciação.
4 – Nos termos do nº. 4 do mesmo normativo, foi solicitada a realização de relatórios sociais sobre as condições económicas de ambos os progenitores, que foram juntos aos autos.
5 – Após prévia e mui sumária pronúncia do Ministério Público, foi proferida sentença – cf., fls. 294 a 302 -, a qual decidiu, em súmula, o seguinte:
Ø Pelo indeferimento do pedido reconvencional, por legalmente inadmissível na presente forma processual incidental ;
Ø Pela não verificação da ineptidão da petição inicial, por falta de legal fundamento, tendo sido atribuído valor ao incidente ;
Ø Pelo indeferimento da arguida excepção dilatória de ilegitimidade da Requerente mãe, considerada parte legítima activa ;
Ø Pela consideração da existência da obrigação de pagamento de alimentos por parte do Requerido á filha menor, que se liquidou no montante de 18.200,00 €, por referência a Abril de 2017 ;
Ø Pela consideração de que as despesas de educação. Saúde e lúdicas da menor filha são devidas, ainda que não acordadas, por que legais e necessárias, nos termos do artº. 44º do RGPTC, condenando-se o Requerido no pagamento de metade do seu valor, num total de 3.310,05 €.
Tal decisão concluiu nos seguintes termos:
“Julgo pois verificado e provado o referido incidente, cumprindo condenar o requerido Duarte …, a pagar a quantia de 21.510,05 € (vinte e um mil e quinhentos e dez euros e cinco cêntimos), por conta de alimentos e de despesas em atraso vencidos, acrescidos os juros de mora, à taxa para as relações civis, a contar da notificação desta decisão, valor a entregar à mãe da menor.
Custas do incidente que fixo em 3 UC’s de taxa de justiça, nos termos do artigo 7º do RCP, a cargo do Réu e, atenta a complexidade da decisão proferida.
Registe e notifique”.
6 – Inconformado com o decidido, o Requerido interpôs recurso de apelação, em 03/05/2017, por referência à sentença prolatada.      
7 – Mediante Acórdão proferido por esta Relação, datado de 12/10/2017 – cf., fls. 334 a 344 -, na procedência do recurso interposto, decidiu-se:
a)Reconhecer e declarar a nulidade da sentença apelada, por preenchimento das causas enunciadas nas alíneas b) – não elencagem e especificação dos fundamentos de facto da decisão – e e) – condenação em quantidade superior ao pedido – do nº. 1, do artº. 615º  do Cód. de Processo Civil ;
b) Determinar, nos termos do artº. 662º, nº. 2, alín. c), do Cód. de Processo Civil, a anulação da decisão apelada/recorrida, por deficiência na decisão da matéria de facto (que não foi sequer elencada ou especificada, com a apresentação de motivação e fundamentação) ;
c) Consequentemente, sendo total a sua viciação (por omissão), determinar, nos termos da alínea b), do nº. 3, do mesmo normativo, a baixa dos presentes autos à 1ª instância, de forma a realizar-se actividade probatória, devendo previamente o Tribunal a quo permitir às partes que aleguem e apresentem provas, querendo, nos quadros do nº. 4 do artº. 39º do RGPTC ; posteriormente, e independentemente do desenrolar processual, decorrente do (não) acolhimento de tais notificações, deverá o Tribunal realizar audiência de discussão e julgamento, nos termos do nº. 7 do mesmo diploma, de forma a que, pelo menos, se outras provas não forem apresentadas, se permita ao Requerido (ora Apelante) a produção da prova já apresentada em sede de contestação/oposição, seguindo-se, então, a prolação de decisão”.
8 – Notificado do teor do Acórdão proferido nos presentes autos, veio o Recorrente/Apelante requerer, para a conferência, a reforma daquele, nos quadros dos artigos 666º e 616º, nº. 2, alín . b), ambos do Cód. de Processo Civil, o que foi julgado improcedente, conforme Acórdão datado de 18/01/2018 – cf., fls. 370 a 373.
9 – Em observância do determinado, foi proferido despacho no sentido das partes, querendo, nos quadros do nº. 4, do artº. 39º, do RGPTC, alegarem e juntarem requerimentos probatórios – cf., fls. 379 -, o que a Requerente progenitora veio fazer a fls. 384 e 385, e o Requerido progenitor as fls. 388 e 389.
10 – Conforme fls. 392 e 393, veio a Requerente Gabriela … apresentar requerimento de ampliação do pedido, requerendo que fosse verificado o incumprimento e, em consequência, condenado “o Requerido nos montantes peticionados, bem como no pagamento das prestações de alimentos mensais que entretanto se vencerem, até efectivo e integral pagamento”.
11 – Determinada a junção aos autos de novos relatórios sociais, foram estes juntos a fls. 436 vº e 437 (Requerente progenitora) e fls. 494 e 495 (Requerido progenitor).
12 – De acordo com os despachos datados de 21/12/2018 – cf., fls. 506 a 510 -, decidiu-se, entre o mais:
§ Indeferir a realização de teste de ADN, solicitado pelo Requerido, para “comparação da carga genética entre a Gabriela… e a Ana…”, em virtude de “extravasar do objecto da acção” ;
§ Admitir a requerida ampliação do pedido, admitindo-se que “a presente acção prossiga também para decisão e análise das prestações que entretanto se venceram no decurso da acção (…)” ;
§  Fixar o valor da acção ;
§ Não admitir o pedido reconvencional deduzido ;
§ Deferir a realização de audição técnica especializada.
13 – Tal audição técnica especializada veio a realizar-se, conforme relatório de fls. 552 e 553, sem que Requerente e Requerido lograssem a obtenção de qualquer consenso/entendimento.
14 - Designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, veio esta a realizar-se, conforme actas de fls. 611 a 613, 622 e 623, com observância do legal formalismo.
15 – No intermédio de tal diligência, veio o Requerido progenitor requerer a “declaração de nulidade da audiência de discussão e julgamento”, bem como “a repetição de todos os actos nulos” – cf., fls. 618 e 619 -, por alegada violação do prescrito nos artigos 4º, 6º, 7º, 186º, 187º, nº 2, 191º, 193º e 194º, todos do Cód. de Processo Civil, 29º e 32º, ambos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 80º, do Estatuto da Ordem dos Advogados.
16 – Sobre tal requerimento pronunciou-se o despacho datado de 09/02/2020, com o seguinte teor:
I - Requerimentos de 29 de Janeiro e 6 de Fevereiro:
1) O progenitor/advogado considera ter-se produzido uma nulidade insanável pelo facto de ter sido impedido de acompanhar por videoconferência a restante audiência de julgamento (depois da tomada de declarações ao próprio).
Salvo melhor opinião, não lhe assiste qualquer razão, nos termos que passamos a expor:
O artº 502º, nº 1 do C.P.Civil prevê a audição das testemunhas por meios tecnológicos que permitam a comunicação, por meio visual e sonoro em tempo real, a partir da área de residência (que aquelas residam fora do concelho onde decorre o julgamento).
Temos entendido – e mantemos – que podem ser tomadas declarações às partes através dos meios tecnológicos previstos no artº 502º, quando as mesmas não residam no concelho onde decorre o julgamento, o que é o caso do progenitor. Por ser assim, diligenciou-se pela audição do mesmo por videoconferência.
Na verdade, o artº 29º do R.G.P.T.Cível, prevê que estando presentes ou representadas as partes, o juiz procura conciliá-las, tomando declarações às que estiverem presentes; se não conseguir a conciliação, passa-se à produção de prova, que se inicia com a tomada de declarações às partes que estiverem presentes (nº 1, al. a) e b)).
No caso concreto, o progenitor não estava presente mas, pese embora tal, o tribunal diligenciou pela sua audição nos termos referidos (indo, portanto, além daquilo a que estaria obrigado). No entanto o progenitor pretende que, nessa qualidade, teria direito a assistir a todo o julgamento por videoconferência e ainda que, na qualidade de advogado, teria direito a inquirir todas as testemunhas «remotamente», ou seja, encontrando-se ligado por videoconferência.
Como bem se compreende, não lhe assiste qualquer razão. Por um lado porque o tribunal não tem qualquer dever se garantir que, na qualidade de progenitor, assiste à audiência remotamente. Por outro, ora nas vestes de advogado, na medida em que inexiste qualquer fundamento legal para o pedido de intervenção na audiência através de videoconferência. Na verdade, quer na qualidade de progenitor quer nas vestes de advogado impendia sobre o requerido o ónus de comparecer na audiência de julgamento, o que não fez.
Em síntese: o tribunal ouviu o progenitor por videoconferência, nos termos do artº 29º, nº 1, al. a) e b) do RGPTC, após o que, naturalmente, desligou a ligação (até porque se impunha proceder à audição de várias testemunhas arroladas por aquele para o que era necessária a utilização da própria videoconferência por residirem no Continente); os I.Advogados estão obrigados a comparecer presencialmente nas diligências, não lhes assistindo o direito a participar nas audiências por videoconferência; o Estado não tem o dever de assegurar aos pais a assistência a audiência de julgamento (na sua totalidade) através de videoconferência. No fundo, como bem assinala o progenitor, este tinha/tem o direito a participar na diligência, mas, acrescenta-se, presencialmente (quer na qualidade de pai quer na de advogado). Mais: tinham o dever. Aquilo a que não têm direito é a participar na totalidade da audiência através de videoconferência.
Por ser assim, indefere-se o pedido de declaração da nulidade da audiência.
2) O progenitor insurge-se ainda contra o facto de 7 dias depois da diligência não estar ainda disponível acta da diligência, o que obsta, em seu entender, a que possa arguida a nulidade de toda a audiência.
A signatária não recorda em que datas foi disponibilizada e, após, assinada a acta. De qualquer forma, como bem se vê, o facto de a mesma, alegadamente, ainda não estar disponível nos dias dos requerimentos em nada obsta – como se constata dos próprios requerimentos apresentados – à formulação de pedido de declaração da nulidade da audiência.
Quanto ao mais (as insinuações respeitantes à minha imparcialidade) nada tenho a acrescentar além do referido na resposta ao incidente de suspeição suscitado (e decidido)”.
17 – Posteriormente, em 18/05/2020, foi proferida SENTENÇA – cf., fls. 642 a 650 -, de cujo DISPOSITIVO consta o seguinte:
Com os fundamentos fácticos e legais supra expostos, julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provado, o presente incidente de incumprimento de prestação de alimentos e, em conformidade:
a) declara-se o incumprimento, no período de Outubro de 2009 a Fevereiro de 2020 inclusive, por Duarte…, da obrigação de proceder ao pagamento do valor mensal de 2008 EUR a título de prestação de alimentos devida à filha, menor de idade, Ana…, e a receber pela requerente Gabriela…;
b) em consequência do referido incumprimento, condena-se o requerido a proceder ao pagamento à requerente, a esse título, de 27.713,94 EUR (vinte e sete mil setecentos e treze euros e noventa e quatro cêntimos)9;
c) absolve-se o requerido do remanescente do pedido.
d) Custas na medida do decaimento.
Registe e notifique”.
18 – Inconformado com o decidido, o Requerido apresentou recurso de apelação, no qual formulou as seguintes CONCLUSÕES:
a. – Ao Pai não foi permitido assistir à audiência de julgamento, contra a lei.
b. – O Pai, sempre assistiu a todos os julgamentos nestes autos por vídeo conferência, na qualidade de Pai e ADVOGADO, cumulativamente.
c. – O Pai é advogado e não foi autorizado a assistir ou contra interrogar na audiência de julgamento, apesar de ter protestado, nem foi atendido nos seus pedidos, contra a lei.
d. – O Pai foi notificado nos autos para alegar por escrito, tal como só os ADVOGADOS O PODEM FAZER.
e. – O Pai foi notificado da presente sentença ora recorrida, como ADVOGADO E COMO ADVOGADO ESTÁ A RECORRER.
f. – Não foi realizada qualquer tentativa de conciliação, como manda a lei.
g. – Não foram tidas em conta as provas documentais sobre as condições sócio económicas do Pai.
h. – Foi actualizada a prestação em mais de 3000 euros, contra a lei.
i. – Foi ampliado o pedido inicial, contra a lei.
j. – Foi declarado que o Pai confessou o que é mentira.
k. – Por ultimo, não provou a Gabriela que o Pai foi notificado das actividades lúdicas e delas concordou, bem como não logrou a Gabriela provar que o Pai não paga a prestação.
l. – Não é indiferente todas estas ilegalidade e nulidades, o facto de termos suscitado o incidente de suspeição que, percebe-se agora, foi mal julgado improcedente”.
Conclui, no sentido da sentença dever ser “considerada nula e sem qualquer efeito, devendo V.V. Exª mandar baixar os autos para julgamento e produção de prova e prolação em seguida de sentença., POR GROSSEIRA VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS, 4.º, 5.º 6.º e 603.º, 604.º 605.º e 615., TODOS DO CPC., e Artigos 72.º e 80.º do E.O.A., Artigo 29.º do R.G.P.T.C. entre outros preceitos legais, supra indicados”.
19 – A Requerente progenitora apresentou contra-alegações, referenciando que a decisão apelada “não merece qualquer censura, porquanto é formal e materialmente correcta, não padecendo de qualquer vício ou nulidade”.
Acrescenta que conforme bem referiu o Tribunal pelo despacho de 07/02/2020, “o Recorrente esteve presente por videoconferência, porquanto o tribunal diligenciou pela sua audição, sendo que, enquanto advogado, impendia sobre aquele o dever de estar presente na audiência de julgamento para inquirição das testemunhas por si arroladas”.
Aduz, ainda, que “apesar da ausência do advogado, a prova testemunhal indicada pelo Recorrente foi ouvida pela Mma. Juiz e foi aquele notificado para alegar por escrito”.
Por outro lado, o Requerido não alegou, nem provou, o pagamento da pensão de alimentos, conforme lhe incumbia, tendo, “outrossim, expressamente reconhecido em audiência que não efetuou qualquer pagamento”, por considerar não ser devido.
Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, ser confirmada a decisão recorrida.
20 – O recurso foi admitido, conforme despacho de fls. 665, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, indeferindo-se a atribuição de efeito suspensivo requerida pelo Requerido Recorrente.
21 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA VERIFICAÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA, por violação dos artigos 72º e 80º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, 3º a 6º, 606º e 615º, todos do Cód. de Processo Civil e 29º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – Conclusões a. a e. ;
2. DA VERIFICAÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA inscrita no artº. 615º, nº. 1, alín. a), do Cód. de Processo Civil - da impugnação da existência da dívida - Conclusões i. e j. ;
3. Da indevida actualização automática da prestação de acordo com a inflação – Conclusão h. ;
4. Da inversão do ónus da prova - Conclusão k. ;
5. Da não ponderação das provas documentais sobre as condições sócio-económicas do Requerido progenitor - Conclusão g. ;
6. da não realização de qualquer tentativa de conciliação, conforme legalmente determinado - Conclusão f..
Neste ponto, cumpre desde já consignar que o Recorrente Requerido, no corpo alegacional apresentado, referencia que as alegadas despesas que terá despendido desde que a filha foi viver para os Açores, nomeadamente nas deslocações entre o continente e as ilhas, deveriam ser objecto de compensação com as prestações alimentícias alegadamente em dívida.
Acrescenta, então, que na parte em que os valores de tais dois créditos coincidem teremos a compensação como causa de extinção das obrigações, tratada como excepção peremptória – cf., artº. 874º, nº. 1, do Cód. Civil.
Considera, assim, mal ter andado o Tribunal a quo ao indeferir tal pedido de compensação, devendo a sentença ser corrigida e substituída por outra que atenda a tal pedido, aludindo, ainda, a pretensa nulidade, mas sem explicitar qual ou que enquadramento justifica tal alusão.
Todavia, apesar do aduzido em sede do corpo de alegações, tal matéria não consta, mesmo de forma mínima ou sequer implícita, no teor das conclusões apresentadas, sendo certo que, tal como supra definimos, é por estas que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de oficioso conhecimento.
Donde, não figurando tal questão no balizamento efectuado pelas conclusões apresentadas, impedido fica o presente Tribunal de conhecer acerca do mérito da mesma. O que se decide e consigna.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. Ana …nasceu no dia 16 de Fevereiro de 2007 e é filha da requerente e do requerido.
2. Por acordo celebrado entre o pai e a mãe da criança/jovem no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento nº 7588/2008, que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Évora, e aí homologado, ficou estabelecido que a Ana… residiria com a progenitora e ainda que o progenitor contribuiria com a quantia mensal de 200 euros, a título de alimentos devidos à filha.
3. A quantia referida em 2. deveria ser actualizada anualmente de acordo com o índice de inflação do ano anterior.
4. A quantia referida em 2. deveria ser paga, através de depósito em conta, até ao dia 8 do mês a que respeita(sse).
5. Desde Outubro de 2009, inclusive, e até Maio de 2018, também inclusive, o requerido não procedeu ao pagamento do valor supra mencionado.
6. No acordo referido em 2. ficou ainda estabelecido que o progenitor da Ana suportaria metade das despesas com saúde, educação e actividades lúdicas da filha, previamente acordadas.
7. No ano de 2008 a criança gerou 665,19 euros de despesas de saúde, totalmente suportadas pela mãe.
8. No ano de 2009 a criança gerou 1170,46 euros de despesas de saúde, totalmente suportadas pela mãe.
9. No ano de 2010 a criança gerou 732,32 euros de despesas de saúde, totalmente suportadas pela mãe.
10. No ano de 2011 a criança gerou 536,99 euros de despesas de saúde, totalmente suportadas pela mãe.
11. No ano de 2012, até à data da entrada do incidente, a criança gerou 715,85 euros de despesas de saúde, totalmente suportadas pela mãe.
12. No ano de 2009 a criança gerou 590,82 euros de despesas de educação e com actividades lúdicas, totalmente suportadas pela mãe.
13. No ano de 2010 a criança gerou 1415,92 euros de despesas de educação e com actividades lúdicas, totalmente suportadas pela mãe.
14. No ano de 2011 a criança gerou 929,21 euros de despesas de educação e com actividades lúdicas, totalmente suportadas pela mãe.
15. O progenitor não entregou qualquer quantia a título de comparticipação nas despesas de saúde, educação e actividades lúdicas da filha referidas em 7 a 14.
16. O progenitor não pagou as prestações mensais fixas respeitantes aos meses de Junho de 2018 a Fevereiro de 2020.
17. Em sede de audição técnica especializada a progenitora recusou fazer sessão conjunta com o progenitor, atendendo aos antecedentes das partes, e afirmou pretender que este pague integralmente o que foi determinado pelo Tribunal, sendo certo que o progenitor contrapôs um acordo nos termos do qual aquela desistia de todos os apensos e incumprimentos que ainda estão em curso, retomando aquele o pagamento da prestação de alimentos de 200 EUR mensais, com a mãe a assinar uma garantia de perdão e o pai uma garantia de retoma do pagamento da pensão de alimentos.
18. Para efeitos de elaboração de relatório social o progenitor referiu viver sozinho, em casa pertencente a terceiros, relativamente à qual suporta o pagamento de prestação hipotecária no valor de 360 EUR mensais, tendo declarado auferir um vencimento mensal ilíquido de 4138,98 EUR (como trabalhador independente), sendo as restantes despesas mensais mais significativas: 328 EUR de crédito automóvel; 200 EUR de alimentação e gastos gerais da habitação; 365 EUR de Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores; 785 EUR de salário da colaboradora do escritório; 201 EUR de contribuições para a Segurança Social da referida colaboradora.
19. Para efeito de elaboração de relatório social a progenitora, com quem a criança vive, referiu viver com a filha e comprovou auferir mensalmente, enquanto professora, o valor líquido de 963,95 EUR, tendo como despesas mensais mais significativas: Instituto de Línguas, no valor mensal de 65 EUR, Conservatório, no valor mensal de 10 EUR, Estudo Acompanhado, no valor mensal de 120 EUR.
20. A criança frequentava, no ano de 2018, o 6º ano, na EBS ..., em Angra do Heroísmo.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
a) Em 2008 a criança gerou despesas de saúde no valor de 723,73 EUR, ou seja, 58,54 EUR além do apurado.
b) Em 2010 a criança gerou despesas de saúde 838,87 EUR.
c) Em 2012 a criança gerou despesas de saúde que excederam 715,85.
d) O progenitor acordou previamente na realização das despesas de saúde, educação e lúdicas da criança.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Prescreve o artº. 1901º, nº. 1, do Cód. Civil, que “na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais” e, “se um dos pais praticar acto que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro ….” – cf., o nº. 1, 1ª parte do artº. 1902º, do mesmo diploma.
Prevendo acerca do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, estatui o artº. 1906º, ainda do Cód. Civil, que:
1 – As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 – Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente ; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7 – O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
E, tais normativos, para além das enunciadas situações de ruptura da sociedade conjugal, são igualmente aplicáveis “aos cônjuges separados de facto” – cf., o artº. 1909º, ainda do Cód. Civil.
De forma mais ampla, relativamente ao conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o artº. 1877º do Cód. Civil que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação”, competindo aos pais, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” – cf., o nº. 1 do artº. 1878º.
E, no que respeita aos deveres dos pais e filhos por efeitos da filiação, aduz o artº. 1874º, igualmente do Cód. Civil, que:
1. pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.
2. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”.
O presente incidente ou processo especial de incumprimento foi intentado em 31/07/2012, na vigência do artº. 181º da OTM – aprovada pelo DL nº. 314/78, de 27/10 -, o qual prescrevia, nos seus nº.s 1 a 4, que:
1 - se relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até € 249,90 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos ;
2 – Autuado ou junto ao processo o requerimento, o juiz convocará os pais para uma conferência ou mandará notificar o requerido para, no prazo de dois dias, alegar o que tenha por conveniente.
3 – Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício do poder paternal, tendo em conta o interesse do menor.
4 - Não tendo sido convocada a conferência, ou quando nesta os pais não chegaram a acordo, o juiz mandará proceder a inquérito sumário e a quaisquer outras diligências que entenda necessárias e, por fim, decidirá”.
Devido à longa demora dos presentes autos incidentais, aquele normativo veio a ser entretanto revogado pelo artº. 6º, alín. a), da Lei nº. 141/2015, de 08/09, que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, tendo este entrado em vigor em 08/10/2015.
No que concerne á sua aplicação no tempo, estatuiu o artº. 5º do mesmo diploma, prevendo que “o Regime Geral do Processo Tutelar Cível aplica-se aos processos em curso à data da sua entrada em vigor, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior”. Ou seja, os normativos acerca do incidente ou processo especial de incumprimento, previstos no vigente regime geral do processo tutelar cível, são de aplicação imediata mesmo aos processos pendentes (o que acontece com os presentes autos), salvaguardando-se a validade dos actos até então praticados.
O que determina que, a partir de 08/10/2015, os presentes autos devem-se considerar orientados pelo prescrito, nomeadamente, no artº. 41º do RGPTC, dispondo este que:
“1 - Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
2 - Se o acordo tiver sido homologado pelo tribunal ou este tiver proferido a decisão, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer do incumprimento.
3 - Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente.
4 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança.
5 - Não comparecendo na conferência nem havendo alegações do requerido, ou sendo estas manifestamente improcedentes, no incumprimento do regime de visitas e para efetivação deste, pode ser ordenada a entrega da criança acautelando-se os termos e local em que a mesma se deva efetuar, presidindo à diligência a assessoria técnica ao tribunal.
6 - Para efeitos do disposto no número anterior e sem prejuízo do procedimento criminal que ao caso caiba, o requerido é notificado para proceder à entrega da criança pela forma determinada, sob pena de multa.
7 - Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegarem a acordo, o juiz manda proceder nos termos do artigo 38.º e seguintes e, por fim, decide.
8 - Se tiver havido condenação em multa e esta não for paga no prazo de 10 dias, há lugar à execução por apenso ao respetivo processo, nos termos legalmente previstos”.
De acordo com o estabelecido no artº 2004º do Cód. Civil são os alimentos fixados em função das necessidades do alimentando, possibilidades do alimentante e possibilidades do alimentando prover à sua subsistência.
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreendendo ainda os alimentos “a instrução e a educação do alimentado, no caso de este ser menor” – artº 2003º do Cód. Civil.
Para definir a medida dos alimentos, nomeadamente a necessidade daquele que houver de os receber, atenderá o tribunal ao valor dos bens e dos rendimentos do alimentado, se os tiver, às necessidades específicas da sua saúde, à sua idade e condição social.
É geralmente aceite que os menores têm direito a qualidade de vida tanto quanto possível idêntica à que desfrutam os que quanto a eles se encontram obrigado à prestação de alimentos, maxime os progenitores.
Efectivamente, “porque os pais lhe deram o ser e a vida, dita a razão natural que sejam obrigados a conservarem-lha, contribuindo, primeiro que todos, com os alimentos necessários para este fim” [1].
Tal dever parental merece, inclusive, consagração constitucional, ao prescrever o nº. 5 do artº. 36º da Constituição da República Portuguesa que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”, acrescentando o Princípio 1 da Recomendação do Conselho da Europa R (84) 4, serem as responsabilidades parentais definíveis como “o conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar (…) material do filho, designadamente, (…) assegurando o seu sustento (…)”.
Por sua vez, os nº.s 1 e 2 do artº. 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança [2], aduz que:
1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.
2. Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”.
A que acresce o proclamado no Princípio IV da Declaração dos Direitos da Criança [3], no sentido de que “a criança deve beneficiar da segurança social. Tem direito a crescer e a desenvolver-se com boa saúde; para este fim, deverão proporcionar-se quer à criança quer à sua mãe cuidados especiais, designadamente, tratamento pré e pós-natal. A criança tem direito a uma adequada alimentação, habitação, recreio e cuidados médicos”.
Nas palavras de Vaz Serra [4], por alimentos deve entender-se “tudo o que é indispensável à satisfação da necessidades da vida segundo a situação social do alimentado”, pelo que a prestação alimentar concreta há-de determinar-se a partir do “confronto da necessidade do alimentando com as possibilidades económicas do devedor de alimentos, tendo em conta os critérios postos pelo artigo 2004º do C. Civil, dos quais resulta que na apreciação das possibilidades do obrigado, deve o juiz atender às receitas e despesas daquele, isto é, à parte disponível dos seus rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas…”, não esquecendo que a “possibilidade de prestar alimentos não resulta apenas dos rendimentos dos bens do obrigado, resultando igualmente de outros proventos do mesmo, designadamente os provenientes do seu trabalho, e ainda os seus rendimentos de carácter eventual”.
E, realce-se, na noção de alimentos devidos aos filhos menores, que compreende as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação, “o conceito de “sustento” é mais vasto que a simples necessidade de alimentação, não se aferindo pelo estritamente necessário à satisfação das necessidades básicas, mas o indispensável à condição de vida necessária ao seu desenvolvimento integral” [5] . Nas palavras de Helena Bolieiro e Paulo Guerra [6], está em causa “a satisfação das necessidades do alimentando, não apenas das básicas, cuja realização é indispensável para a sobrevivência deste, mas de tudo o que a criança precisa para usufruir de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional”. Deste modo, a obrigação alimentícia a cargo dos progenitores “visa tutelar não só o direito à vida e integridade física do alimentando, mas o direito a beneficiar do nível de vida de que a família gozava antes do divórcio ou da ruptura da convivência de facto, de forma a que as alterações no seu estilo de vida e no seu bem-estar sejam o mais reduzidas possíveis”.
Decorre do exposto, nos termos já sumariados no douto Acórdão da RC de 05/11/2013 [7] que a medida da prestação alimentar determina-se, então, “pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidades serem actuais. Na fixação dos alimentos há que ter em conta em cada caso concreto, não só as necessidades primárias do alimentado, mas também as exigências decorrentes do nível de vida e posição social correspondentes à sua situação familiar”, sendo que “a falta de possibilidades, perfila uma excepção, cuja prova incumbe ao devedor de alimentos” [8] [9].
Exposto o presente enquadramento, analisemos os fundamentos recursórios aduzidos pelo Requerido progenitor.
- DA VERIFICAÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA, por violação dos artigos 72º e 80º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, 3º a 6º, 606º e 615º, todos do Cód. de Processo Civil e 29º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível
Referencia o Recorrente progenitor não lhe ter sido “permitido assistir à audiência de julgamento, contra a lei”, acrescentando que sempre “assistiu a todos os julgamentos nestes autos por vídeo conferência, na qualidade de Pai e ADVOGADO, cumulativamente”.
Aduz, ainda, ser pai e advogado, não tendo sido “autorizado a assistir ou contra interrogar na audiência de julgamento, apesar de ter protestado, nem foi atendido nos seus pedidos, contra a lei”.
Por fim, referencia que “foi notificado nos autos para alegar por escrito, tal como só os ADVOGADOS O PODEM FAZER” e que foi igualmente notificado da sentença na qualidade de Advogado.
Considera, assim, que a sua ausência da audiência de julgamento, seja como pai, seja como Advogado, torna nulo todo o processado posterior, invocando o prescrito nos artigos 72º e 80º, ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados, 606º e 615º, do Cód. de Processo Civil e 29º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Na resposta apresentada, a Recorrida referencia que, conforme o Tribunal já decidiu em despacho de 07/02/2020, o Recorrente “esteve presente por videoconferência, porquanto o tribunal diligenciou pela sua audição, sendo que enquanto advogado impendia sobre aquele o dever de estar presente na audiência de julgamento para inquirição das testemunhas por si arroladas”.
Todavia, acrescenta, apesar de tal falta, a prova testemunhal indicada foi ouvida pelo Tribunal e o mesmo foi notificado para alegar por escrito.
Decidindo:
Vejamos, em termos cronológicos, a seguinte factualidade:
- o Requerido progenitor, sendo Advogado, exerce nos presentes autos o patrocínio em nome próprio, ou seja, enquanto progenitor pai e Advogado ;
- notificado da data designada para a audiência de julgamento, desde logo o Requerido progenitor declarou nos autos não lhe ser possível deslocar-se à Ilha Terceira para o julgamento, conforme requerimento de 04/04/2019 – cf., fls. 561 e 562 ;
- posteriormente, e após a alteração das datas que foram sendo indicadas, igualmente por impossibilidade do Requerido, reiterou o mesmo a sua não comparência pessoal, e solicitou que as testemunhas por si arroladas, residentes no continente, fossem inquiridas por videoconferência, o que foi deferido – cf., requerimento de 06/05/2019, de fls. 568 a 570 ;
- o Requerido progenitor prestou declarações em sede de audiência de discussão e julgamento, realizada em 22/01/2020, conforme resulta da acta de fls. 611 a 613, tendo-se designado para a sua continuidade o dia 12/02/2020 ;
- no dia 06/02/2020, o Requerido apresentou requerimento nos autos, alegando que como pai e advogado tem o direito e dever de estar presente em audiência, mas que tal lhe foi negado, pois, após prestar declarações por videoconferência, foi dispensado e desligada a ligação, impedindo-o, assim, de inquirir as testemunhas, apresentar requerimentos, protestar e alegar ;
- arguiu, assim, a existência de nulidade insanável da audiência de discussão e julgamento, bem como a repetição de todos os actos nulos – cf., requerimento de fls. 617 a 619.
Ora, tal nulidade veio a ser objecto de apreciação por despacho de 09/02/2020, no sentido do seu indeferimento, com a seguinte argumentação (que ora se transcreve):
I - Requerimentos de 29 de Janeiro e 6 de Fevereiro:
1) O progenitor/advogado considera ter-se produzido uma nulidade insanável pelo facto de ter sido impedido de acompanhar por videoconferência a restante audiência de julgamento (depois da tomada de declarações ao próprio).
Salvo melhor opinião, não lhe assiste qualquer razão, nos termos que passamos a expor:
O artº 502º, nº 1 do C.P.Civil prevê a audição das testemunhas por meios tecnológicos que permitam a comunicação, por meio visual e sonoro em tempo real, a partir da área de residência (que aquelas residam fora do concelho onde decorre o julgamento).
Temos entendido – e mantemos – que podem ser tomadas declarações às partes através dos meios tecnológicos previstos no artº 502º, quando as mesmas não residam no concelho onde decorre o julgamento, o que é o caso do progenitor. Por ser assim, diligenciou-se pela audição do mesmo por videoconferência.
Na verdade, o artº 29º do R.G.P.T.Cível, prevê que estando presentes ou representadas as partes, o juiz procura conciliá-las, tomando declarações às que estiverem presentes; se não conseguir a conciliação, passa-se à produção de prova, que se inicia com a tomada de declarações às partes que estiverem presentes (nº 1, al. a) e b)).
No caso concreto, o progenitor não estava presente mas, pese embora tal, o tribunal diligenciou pela sua audição nos termos referidos (indo, portanto, além daquilo a que estaria obrigado). No entanto o progenitor pretende que, nessa qualidade, teria direito a assistir a todo o julgamento por videoconferência e ainda que, na qualidade de advogado, teria direito a inquirir todas as testemunhas «remotamente», ou seja, encontrando-se ligado por videoconferência.
Como bem se compreende, não lhe assiste qualquer razão. Por um lado porque o tribunal não tem qualquer dever se garantir que, na qualidade de progenitor, assiste à audiência remotamente. Por outro, ora nas vestes de advogado, na medida em que inexiste qualquer fundamento legal para o pedido de intervenção na audiência através de videoconferência. Na verdade, quer na qualidade de progenitor quer nas vestes de advogado impendia sobre o requerido o ónus de comparecer na audiência de julgamento, o que não fez.
Em síntese: o tribunal ouviu o progenitor por videoconferência, nos termos do artº 29º, nº 1, al. a) e b) do RGPTC, após o que, naturalmente, desligou a ligação (até porque se impunha proceder à audição de várias testemunhas arroladas por aquele para o que era necessária a utilização da própria videoconferência por residirem no Continente); os I.Advogados estão obrigados a comparecer presencialmente nas diligências, não lhes assistindo o direito a participar nas audiências por videoconferência; o Estado não tem o dever de assegurar aos pais a assistência a audiência de julgamento (na sua totalidade) através de videoconferência. No fundo, como bem assinala o progenitor, este tinha/tem o direito a participar na diligência, mas, acrescenta-se, presencialmente (quer na qualidade de pai quer na de advogado). Mais: tinham o dever. Aquilo a que não têm direito é a participar na totalidade da audiência através de videoconferência.
Por ser assim, indefere-se o pedido de declaração da nulidade da audiência.
Prevendo acerca das garantias em geral no exercício da advocacia, dispõe o citado artº. 72º, do Estatuto da Ordem dos Advogados – aprovado pela Lei nº. 145/2015, de 09/09 – que;
“1 - Os magistrados, agentes de autoridade e trabalhadores em funções públicas devem assegurar aos advogados, aquando do exercício da sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato.
2 - Nas audiências de julgamento, os advogados dispõem de bancada própria e podem falar sentados”.
O igualmente referenciado artº. 80º, do mesmo diploma, prevendo acerca do direito de protesto, aduz que
1 - No decorrer de audiência ou de qualquer outro ato ou diligência em que intervenha, o advogado deve ser admitido a requerer oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever do patrocínio, sem necessidade de prévia indicação ou explicitação do respetivo conteúdo.
2 - Quando, por qualquer razão, não lhe seja concedida a palavra ou o requerimento não for exarado em ata, pode o advogado exercer o direito de protesto, indicando a matéria do requerimento e o objeto que tinha em vista.
3 - O protesto não pode deixar de constar da ata e é havido para todos os efeitos como arguição de nulidade, nos termos da lei”.
Apesar de referenciar o artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, que prevê acerca das causas de nulidade de sentença, o Apelante não indica qual a causa de nulidade em equação. Nem, acrescente-se, logramos minimamente descortiná-la, ou seja, não é perceptível ao presente Tribunal qual a mácula eventualmente operada na sentença apelada decorrente da aludida causa de nulidade processual da audiência de discussão e julgamento.
Por outro lado, também não nos é perceptível qual a pertinência na alusão aos artigos 186º, 187º, 191º, 193º e 194º, todos do Cód. de Processo Civil, quando estes se reportam a nulidades principais decorrentes da ineptidão da petição inicial, nulidade da citação, erro na forma do processo e falta de exame ou vista ao Ministério Público, sem qualquer relação com o equacionado vício.
Por sua vez, estatuindo acerca da audiência de discussão e julgamento no âmbito dos processos tutelares cíveis, prescreve o nº. 1. do artº. 29º, do RGPTC – aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09 -, que:
“1 - Quando haja lugar a audiência de discussão e julgamento, esta efetua-se nos seguintes termos:
a) Estando presentes ou representadas as partes, o juiz procura conciliá-las, tomando declarações às que estiverem presentes;
b) Se não conseguir a conciliação, passa-se à produção de prova, que se inicia com a tomada de declarações às partes que estiverem presentes;
c) Finda a produção da prova, é dada a palavra ao Ministério Público e aos advogados constituídos, podendo cada um usar dela uma só vez e por tempo que não exceda 30 minutos”.
Ora, afiguar-se-nos cristalino, tal como se decidiu nos autos, aquando do indeferimento da suscitada nulidade, não se impor ao Tribunal qualquer dever de garantir que o Requerido progenitor devesse acompanhar, através de videoconferência, o desenrolar da audiência de discussão e julgamento.
Com efeito, o Tribunal tomou declarações ao Requerido, no quadro da transcrita alínea a), do nº. 1, do artº. 29º, do RGPTC, o que fez por analogia relativamente ao estatuído no nº. 2, do artº. 456º, do Cód, de Processo Civil, previsto para a prova por depoimento de parte e por declarações de parte (cf,., ainda, o nº. 2, do artº. 466º, do Cód. de Processo Civil e nº. 1, do artº. 33º, do RGPTC).
Todavia, para além de tal acto, não se impunha, conforme afirmámos, um qualquer dever que o Requerido progenitor, nessa qualidade, devesse beneficiar da garantia de poder assistir, pelo mesmo meio da videoconferência, à totalidade da audiência de julgamento.
Garantia que, ademais, sempre seria de impossível exequibilidade, atenta a necessidade de posterior ocupação do sistema na inquirição, igualmente por videoconferência, de toda a prova testemunhal arrolada, fundamentalmente pelo mesmo Requerido.
Por outro lado, enquanto Advogado em causa própria, também não urgia garantir que o mesmo, igualmente por videoconferência, pudesse assistir à totalidade da audiência de discussão e julgamento.
Conforme referenciado no despacho proferido de indeferimento da nulidade, tinha o mesmo o direito e dever de comparecer presencialmente à audiência de julgamento, não o tendo feito, e declarou antecipadamente não o ir fazer, por alegadas dificuldades económicas.
O que não pode exigir, nem tal está minimamente salvaguardado em termos legais, é que o Tribunal devesse providenciar, de forma que nem sequer indica ou esclarece, um permanente acompanhamento ou participação no julgamento à distância, pretendendo-o fazer através do sistema de videoconferência, o que, conforme supra referenciámos, sempre se revelaria inexequível, atenta a necessidade da sua utilização para a produção da demais prova.
Por fim, sempre se dirá, ainda, não corresponder à verdade que em todas as audiências anteriores nos presentes autos tenha sido permitido ao Apelante a intervenção nos moldes ora reivindicados e reclamados.
Efectivamente, nos presentes autos não ocorreram quaisquer audiências anteriores (de julgamento), mas apenas conferência, situação que seria coadunável com a pretendida intervenção e permanência durante a sua execução – cf., acta de fls. 166 e 167.
Por todo o exposto, não se reconhecendo a existência de qualquer nulidade de sentença nos termos requeridos (que nem sequer foi devidamente explicitada ou concretizada), o juízo só pode ser de improcedência, na presente vertente, das conclusões recursórias apresentadas.
- DA VERIFICAÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA inscrita no artº. 615º, nº. 1, alín. a), do Cód. de Processo Civil - da impugnação da existência da dívida e da inversão do ónus da prova
Em sede de conclusões, referencia o Recorrente ter sido ampliado o pedido inicial contra a lei e ter sido declarado que o pai confessou, “o que é mentira”.
No corpo alegacional referencia, em súmula, que do acordo de regulação do exercício do poder paternal de 2008 “nenhum artigo tem hoje qualquer aplicação (…), não sobra absolutamente nada, pois nada tem aplicação na realidade”, tendo sido substituído por uma sentença de 2011 “que de novo regulava todos os aspectos da vida da Ana”, excluindo de propósito os alimentos.
Acrescenta, ainda, que foi condenado em mais de 20 mil euros, quando o pedido era de 6 mil, o que viola a alínea a), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil.
E, ainda, por fim, que nunca confessou o não pagamento das prestações alimentícias, e que a Requerente “não conseguiu provar que o Pai não pagou as prestações”, pois quem invoca um direito tem de o provar, ocorrendo assim uma fácil invenção de uma inversão do ónus da prova.
Na resposta apresentada, referencia a Apelada que o Recorrente não alegou nem provou o pagamento da pensão de alimentos, antes tendo reconhecido em audiência que não efectuou qualquer pagamento.
Acrescenta, ainda, que tal obrigação de pagamento da pensão de alimentos mantém-se, atento o teor do acordo homologado no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento nº. 7588/2008.
Apreciando:
Em primeiro lugar, não entendemos qual a nulidade de sentença que ora o Recorrente invoca, aludindo á alínea a), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, que a prevê para os casos em que a mesma não contenha a assinatura do juiz. Factualidade que não é aduzida e que não tem qualquer correspondência com a realidade.
E, relativamente aos demais fundamentos recursórios, pretenderia, eventualmente, referir-se à alínea e), do mesmo normativo, quando tipifica de nulidade a sentença em que o juiz condene em quantidade superior à do pedido.
Ora, na sequência do Acórdão proferido por esta Relação em 12/10/2017 – cf., fls. 334 a 344 -, que havia julgada verificada a nulidade da sentença inicialmente proferida por condenação superior ao pedido deduzido, veio a Requerente, em 22/05/2018 – cf., fls. 392 e 393 -, formular pedido de ampliação do pedido, estendendo-o ao “pagamento das prestações de alimentos mensais que entretanto se vencerem, até efectivo e integral pagamento”.
O que foi admitido por despacho de 21/12/2018, deferindo-se o prosseguimento da acção “também para decisão e análise das prestações que entretanto se venceram no decurso da acção e quanto unicamente às prestações alimentícias (…)” – cf., fls. 506 vº e 507.
Desta forma, não tem qualquer sentido aludir que a ampliação do pedido é contra legem, sem sequer enunciar qualquer argumentário alegadamente justificativo, nem defender que a sentença é nula por condenar em quantia superior ao pedido, pois a condenação proferida enquadra-se totalmente no balizamento efectuado após a deferida ampliação.
Pelo que, neste segmento, não podem deixar de improceder as conclusões recursórias.
No que concerne ao segundo fundamento ora enunciado, o Apelante volta a incorrer, e a reiterar, em erro de raciocínio já anteriormente operado, e que já procurámos explicitar no nosso Acórdão que reconheceu, em conferência, acerca da requerida reforma do antecedente – cf., Acórdão de 18/01/2018, de fls. 370 a 373.
Efectivamente, insiste o progenitor Apelante no entendimento (no mínimo inusitado e notoriamente carente de qualquer razoabilidade) de que a sentença proferida em 2011, no processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, e que apenas operou sobre a vertente do regime de convívios, atento o facto da menor filha ter passado a residir nos Açores, substituiu, na totalidade, o acordo de regulação das responsabilidades parentais datado de 2008, fruto da homologação proferida nos autos de divórcio – cf., facto provado 2..
Já explicitámos o correcto entendimento naquela sede e, não logrando, apesar dos nossos confessados esforços, conseguir ser mais claros, reiteramo-lo, transcrevendo o então consignado:
“À latere, sempre se dirá o seguinte, de forma a esclarecer o que ainda parece equívoco para o ora Apelante/Reformante:
Ø Afigura-se claro o básico erro de raciocínio e de enquadramento jurídico em que incorre o Apelante/Reformante ;
Ø Com efeito, o acordo de regulação do poder paternal (à altura, era esta a designação) datado de 23/06/2008, e devidamente homologado, previu acerca das várias vertentes daquela regulação, relativamente à filha menor Ana… ;
Ø Ou seja, acerca do exercício do poder paternal (presentemente, exercício das responsabilidades parentais), guarda ou confiança da menor, regime de convívios/visitas a exercer pelo progenitor com quem não ficou a residir e forma de sustento da filha, através da fixação de uma pensão alimentícia e partilha de convencionadas despesas ;
Ø Isto é, todas as vertentes do exercício das responsabilidades parentais foram devidamente reguladas, mediante expresso acordo dos progenitores e devida homologação por parte da Sra. Conservadora do Registo Civil ;
Ø Ora, a decisão proferida posteriormente no apenso A, em processo de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, datada de 07/07/2011 e transitada em 29/09/2011 (e é apenas sobre esta que nos pronunciamos, por ser a única que consta dos autos e é invocada pelo Apelante/Reformante), apenas veio alterar o anteriormente acordado, e devidamente homologado, relativamente à vertente do regime de convívios/visitas da filha ao progenitor pai ;
Ø É o que resulta do teor expresso de tal decisão – cf., fls. 285 a 290 -, sendo que, ao não se pronunciar relativamente às demais vertentes da regulação das responsabilidades parentais, deixou-as incólumes e intactas ;
Ø Diferenciado entendimento, que o ora Recorrente/Apelante aparentemente teima em sufragar, seria totalmente destituído de sentido, pois estar-se-ia a alterar um regime de convívios/visitas de uma menor ao progenitor pai sobre a qual não estava ainda sequer determinado com quem ficava a residir !
Ø Donde resulta claramente, com base nos elementos constantes nos presentes autos, que aquele regime de responsabilidades parentais (ou de poder paternal) acordado e homologado em 2008 mantém a sua plena validade relativamente às vertentes ou segmentos do exercício das responsabilidades parentais que não tenham sido posteriormente alteradas por decisão judicial (decisória ou homologatória de acordo)”.
Donde resulta claramente, que igualmente no presente segmento, a argumentação recursória merece claro juízo de improcedência, o que se decide e consigna.
Nesta sede, e no que respeita ao terceiro fundamento – a alegada não confissão do pagamento, que a Requerente não provou que o Requerido não pagou as prestações alimentícias e que foi inventada uma inversão do ónus probatório -, a falta de razão do Recorrente é total, sendo evidente a confusão conceptual existente.
Assim, começa-se por enunciar que o Recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada, resultando desta, nomeadamente dos factos provados 5. e 16., não ter o Requerido procedido ao pagamento da prestação alimentícia mensal devida à filha menor desde Outubro de 2009 (inclusive) a Fevereiro de 2020.
E, relativamente ao fundamento para tal factualidade provada, fez-se constar na motivação/fundamentação o seguinte:
“A convicção probatória foi formada com base nas declarações prestadas em audiência quer pelos progenitores quer pelas testemunhas arroladas, conjugadas com os elementos documentais também juntos aos autos, incluindo relatórios sociais e relatório da ATE.
Gabriela… , progenitora, referenciou os termos do acordo de 2008, explicando que os valores (quer a componente variável quer a fixa) foram pagos até Setembro de 2009 inclusive. A partir dessa data – que coincide com a vinda para os Açores -, segundo a progenitora, «não foi pago um cêntimo». Explicitou o tipo de despesas variáveis (consultas anuais, vacinas, mensalidades do colégio, etc).
(…)
Duarte…. progenitor, reconheceu ter deixado de pagar a parte fixa em Outubro de 2009. Mais aduziu considerar que o acordo não está em vigor, na sequência da sentença proferida em 2012. No que respeita à componente variável da prestação referenciou nunca ter sido interpelado e ainda não ter autorizado a realização de nenhuma das despesas. Afirmou não reconhecer qualquer uma das facturas e negou ter recebido emails sobre o assunto.
(…)
Uma nota final para referenciar que o ónus da (alegação e) prova do pagamento pendia sobre o requerido, nos termos gerais (artº 342º, nº 2 do RGPTC). No entanto o próprio reconheceu não ter procedido a qualquer pagamento a partir de Outubro de 2009”.
Ora, perante aquela matéria factual provada, que, reafirmamos, não mereceu impugnação por parte do Apelante, e fundamentação apresentada, surge evidente a prova do não pagamento das prestações alimentícias em equação, que o próprio Requerido reconheceu nas declarações prestadas em julgamento. À luz e semelhança, aliás, do que mencionou em contestação, na reiteração da versão da inexistência de decisão que o obrigasse a tal pagamento, e não propriamente que tivesse procedido a este.
Não pagamento que encontra, ainda, corroboração no teor dos relatórios sociais juntos, conforme decorre do teor de fls. 191, 198 e 495.
Por fim, no que concerne ao ónus probatório, é exuberante a falta de razão do Recorrente.
Conforme bem refere a sentença apelada, a prova do facto extintivo do pagamento, desde que provada que esteja a obrigação – cf., artigos 342º, nº. 2, e 799, nº. 1, ambos do Cód. Civil -, sempre competiria ao Requerido demandado, que a não observou minimamente. Ou seja, não era a Requerente quem tinha que provar o não pagamento da prestação alimentícia por parte do Requerido progenitor, competindo antes a este, provada a existência da obrigação, conforme decorre efectivamente provada, que a teria efectivamente cumprido.
Ademais, e in casu, tal ónus surge como mitigada relevância, atenta a efectiva e concreta prova, realizada pela Requerente, do não pagamento das prestações por parte do progenitor devedor.
Donde, sem ulteriores delongas, improcede, igualmente, o presente fundamento recursório.
- Da indevida actualização automática da prestação de acordo com a inflação
Referencia, ainda, o Apelante ter ocorrido, contra a lei, actualização da prestação em mais de 3.000 €, aduzindo que tal actualização teria que ser comunicada pela Requerente ao progenitor pai para que surtisse efeitos.
Conclui, então, que tal decisão que actualiza a prestação quando o acordo entre as partes obriga a uma notificação entre ambos, só pode ser nula, ilegal e imoral.
Decidindo:
Conforme decorre do facto 3. provado, a prestação alimentícia mensal deveria “ser actualizada anualmente de acordo com o índice de inflação do ano anterior”.
E, analisado o teor da regulação do exercício do poder paternal que foi objecto de homologação, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento nº. …/2008 – cf., certidão junta a fls. 279 a 283 -, constata-se que a actualização da pensão alimentícia, em função do índice de inflação, foi efectivamente acordada nos termos expostos, sem previsão de qualquer condicionalismo a um alegado acordo ou comunicação prévia.
Donde, torna-se incompreensível a alusão do Recorrente no sentido de fazer depender tal actualização de uma putativa prévia notificação, sendo certo que o mesmo também apenas o afirma, sem cuidar de o sustentar ou justificar minimamente.
Pelo que, sem carência de ulteriores argumentos, improcedem, neste particular, as afirmadas conclusões recursórias.
- Da não ponderação das provas documentais sobre as condições sócio-económicas do Requerido progenitor
Nas conclusões apresentadas, referencia, ainda, o Recorrente não terem sido ponderadas as provas documentais sobre as suas condições económicas.
Apreciando:
A aduzida alegação surge totalmente vazia de conteúdo, sem da mesma lograr o Apelante Requerido extrair quaisquer consequências, nomeadamente a nível factual, atenta a ausência de qualquer impugnação da matéria de facto apresentada.
Por outro lado, estando em equação um processo especial de incumprimento na vertente do não pagamento das prestações alimentícias mensais e despesas de saúde, educação e lúdicas partilhadas, a aferição da actual situação económica do Requerido devedor tem uma importância muito mitigada ou dirimida. O que não sucederia caso estivéssemos perante processo tutelar de alteração da regulação das responsabilidades parentais, nomeadamente na vertente da pensão alimentícia e eventual partilha das demais despesas eventuais da filha menor.
Pelo exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, improcede, nesta vertente, a conclusão recursória apresentada.
- da não realização de qualquer tentativa de conciliação, conforme legalmente determinado
Por fim, referencia, ainda, o Apelante não ter sido realizada qualquer tentativa de conciliação, em contraposição com o legalmente determinado.
Decidindo:
Também nesta vertente não se entende o teor da argumentação aduzida.
Efectivamente, os presentes autos seguiram os seus termos (demasiado longos) legalmente definidos, entre os quais consta a realização de uma conferência de progenitores, nos termos legalmente definidos, à data, no artº. 181º, nºs. 2 e 3, da OTM, conforme resulta da acta de fls. 166 e 167. E, logicamente, na qual foi tentada a realização de acordo entre os progenitores, sem qualquer sucesso.
Aliás, mais recentemente, novo acordo foi procurado obter através da realização de audição técnica especializada – cf., despacho de fls. 510, de 21/12/2018 -, sem que lograsse, conforme já era então expectável, a obtenção de qualquer êxito – cf., relatório de fls. 552 e 553, datado de 18/03/2019.  
Por todo o exposto, injustificada que se revela a alegação do Requerido, igualmente neste segmento, julga-se improcedente a pretensão recursória apresentada.
Ora, inexistindo outros fundamentos apelatórios aduzidos pelo Recorrente progenitor, nomeadamente no que concerne aos montantes apurados/determinados na sentença apelada, e não se impondo o oficioso conhecimento de quaisquer outros fundamentos, o juízo é de total improcedência das conclusões recursórias aduzidas, com consequente confirmação da bem elaborada sentença apelada/recorrida.
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas da presente apelação são suportadas pelo Requerido/Apelante/Recorrente.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Recorrente/Requerido DUARTE…, em que figura como Apelada/Recorrida/Requerente GABRIELA…;
b) Em consequência, confirma-se, in totum, a – bem elaborada - sentença recorrida/apelada ;
c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas da presente apelação são suportadas pelo Requerido/Apelante/Recorrente.
                    
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021
Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco
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[1] Maria de Nazareth Lobato Guimarães, Alimentos, in Reforma do Código Civil, Lisboa, Ordem dos Advogados, 1981, pág. 178.
[2] Adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990.
[3] Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959.
[4] RLJ, Ano 102º, págs. 98 e 262.
[5] Assim, o sumariado no douto aresto da RC de 21/06/2011 – Relator: Jorge Arcanjo, Processo nº. 11/09.0TBFZZ.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
[6] A Criança e a Família – Uma questão de direito(s), 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 228 e 229.
[7] Relator: Carvalho Martins, Processo nº. 1339/11.5TBTMR.A.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf .
[8] Nas palavras dos doutos arestos do STJ de 7/5/80 - BMJ 297º-342 – e da Relação do Porto de 26/1/78 - Colectânea de Jurisprudência, 1978, 3º138 -, “a medida da prestação alimentar destina-se pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidade serem actuais. Na fixação dos alimentos há que ter em conta em cada caso concreto, não só as necessidades primárias do alimentado, mas também as exigências decorrentes do nível de vida e posição social correspondentes à sua situação familiar”.
[9] Nas palavras do douto aresto do STJ de 20/11/2003 - in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, “para se aquilatar da maior ou menor capacidade do devedor de alimentos terá de se tomar em linha de conta não só com os seus meios de rendimento como também com os encargos a que se encontre adstrito, para além daqueles que possam decorrer da própria prestação alimentícia a determinar. Mas tais encargos, obviamente, que carecem de ser hierarquizados de modo a que só sejam tomados em consideração os que se mostrem justificados pelas necessidades de uma condigna subsistência do prestador de alimentos, excluindo-se todos aqueles que promanem de uma obrigação que não possa, ou não deva, prevalecer sobre a obrigação alimentar. É que se assim não fosse, bastaria ao devedor de alimentos assumir os encargos voluptuários e desnecessários que lhe aprouvesse para ficar desobrigado de prestar alimentos, o que a ética e o direito não aceitam” (sublinhado nosso).