COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL CRIMINAL
EXECUÇÃO DE QUANTIA ILÍQUIDA
EXECUÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO LÍQUIDA
Sumário

 I) O tribunal criminal tem competência para executar a decisão penal que, conhecendo de pedido de indemnização civil, condene em quantia indemnizatória líquida.
II) No caso de a sentença criminal ter condenado em quantia indemnizatória ilíquida, carecendo de liquidação posterior, mas prévia à execução patrimonial (cfr. art.ºs 716.º, n.ºs 4 e 5, e 360.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - o que consubstancia uma tarefa tipicamente cível, sobre a fixação do dano a indemnizar - a competência para o efeito, residirá no tribunal de natureza cível, atento, ademais, o disposto no art.º 82.º, n.º 1, do CPP.
III) O artigo 82.º, n.º 1, do CPP não se encontra revogado.
IV) A sentença criminal que condene em indemnização ilíquida traduz uma decisão proferida em processo de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal – artigo 82.º, n.º 1, do CPP – cabe a tribunal de natureza cível e, que, por isso, não se encontra incluída na exclusão a que se refere o n.º 2 do artigo 129.º da LOSJ.
V) Relativamente a tal decisão, não se mostra necessário liquidar a obrigação ilíquida indemnizatória noutra ação declarativa intentada para o efeito, podendo a liquidação ter lugar, em conformidade com o disposto no artigo 716.º, n.ºs. 1, 4 e 5, do CPC, no âmbito da ação executiva instaurada para o efeito junto do tribunal civil – o juízo de execução territorialmente competente (cfr. artigo 129.º, n.ºs. 1 e 2, da LOSJ) – respectivo.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
*
MPI… instaurou contra Z…– SUCURSAL EM PORTUGAL, os presentes autos de execução, para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, fundada em sentença condenatória, pedindo o pagamento pela executada da quantia de € 185 986,00 € (Cento e Oitenta e Cinco Mil Novecentos e Oitenta e Seis Euros), tendo apresentado, em 15-10-2019 requerimento executivo onde invocou os seguintes factos:
“O exequente vem por força do art.º 82º nº1 do CPP, intentar acção executiva ao abrigo dos art.º 716º nº4, ex vi artº5 do CPC, contra a executada com os seguintes fundamentos:
1) A executada foi condenada por sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Lisboa Norte, transitada em julgado, no Juízo Local Criminal de Sintra – Juiz 1 Processo n.º … a indemnizar o Exequente pelos danos não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença.
2) Porque o valor concreto em sede de audiência de julgamento não se conseguiu apurar, daí, ter sido relegado para a execução de sentença o apuramento desse valor.
3) Conforme referido no ponto 67 da matéria dada como provada da douta sentença e a fls. 27 cuja certidão tem o código único de acesso 98LI-S1ME-1UAU-3LR8
“(...) Na situação vertente, o processo de recuperação do estado de saúde do lesado não se encontra ultimado, para além de que este, após a audiência de julgamento terá sido (ou será a breve trecho) intervencionado cirurgicamente, o que determinará novo período de convalescença, subsequentes e conexas dores, em particular no pós-operatório, e as limitações físicas que o mesmo sentirá até que a convalescença ocorra.
Nessa medida, e sendo ainda impossível de determinar um quantum compensatório global pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, tal deverá ser relegado para liquidação a efectuar em execução de sentença - cfr. arts. 564.°, n.° 2, do C. Civil e 661. °, n.° 2, do CPC. (...)”
4) O dano corporal pode gerar, e normalmente gera, danos de caráter não patrimonial merecedores de indemnização, entre os quais se contam o sofrimento físico e psíquico (angústia, tristeza, apreensão) por se ter visto impedido de andar, e posteriormente, por andar com dificuldade e muita dor, o sofrimento que padeceu durante o tratamento, o não conseguir desenvolver a actividade profissional que anteriormente exercia e por, a sua vida deixar de ser, o que era anteriormente ao acidente.
5) Sendo os danos não patrimoniais insuscetíveis de quantificação, o seu ressarcimento tem uma função essencialmente compensatória: permitir ao lesado dispor de uma soma de dinheiro que lhe permita adquirir bens ou serviços que lhe deem alguma satisfação, compensando-o, ainda que sofrivelmente, pelo mal padecido, pelo que o seu quantitativo não pode ser meramente simbólico
6) Da matéria de facto dada como provada quanto ao pedido cível, na douta sentença, do ponto 19 a 68 o exequente:
19. Por via de contrato de seguro titulado pela apólice nº …, a demandada seguradora assumiu a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo com a matrícula 17---05, nos termos e condições dessa apólice de seguro (cuja cópia se encontra 316 e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
7)Do pedido de indemnização deduzido por MPI, exequente:
20. No 25/5/2016 MPI foi transportado para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, numa maca rígida e com colete cervical, onde foi observado, tendo posteriormente sido sujeito a Raio X (Perna, Coluna Cervical, Lombar e Dorsal, e Bacia) e Ecografia (Renal).
21. Por, à data, não ter sido detectada qualquer fractura, foi-lhe dada alta, tendo o médico referido que as dores seriam "só musculares e ligamentares" aquando da entrega de um CD com os vários exames realizados.
22. Bastante queixoso e não conseguindo colocar-se de pé ou sequer sentar-se, o demandante foi das urgências até ao seu carro numa cadeira de rodas, onde foi colocado a muito custo.
23. No dia 27 de Maio de 2016, MPI continuava com bastantes dores ao nível do pescoço, costas, joelho e pé, e com dificuldades em andar, mesmo com o auxílio de um par de muletas, dependente de outrem para a realização da sua higiene e alimentação.
24. Ainda no dia 27/5/2016, dirigiu-se ao Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, por forma a ser avaliado pelo médico do Seguro de Acidentes de Trabalho, unidade hospitalar onde lhe foi realizada uma Ecografia ao joelho e uma TAC à cervical, não tendo sido identificadas alterações significativas.
25. À data da sua observação no Hospital da Cruz Vermelha, MPI levou consigo o CD que lhe foi entregue no Hospital de Santa Maria, mas que não foi ali visionado.
26. O demandando recebeu, em dias diferentes, a visita de dois verificadores das Seguradoras de Acidentes de Trabalho e da condutora causadora do sinistro, tendo mais de uma vez que lhes contar como tudo aconteceu, o que o fez reviver esse trauma.
27. O demandante esteve angustiado no compasso de espera até que a seguradora da condutora envolvida no sinistro assumisse extra-judicialmente a responsabilidade do mesmo.
28. No dia 07 de Junho de 2016, MPI foi a uma nova consulta de ortopedia, onde ainda sentia fortes dores nas costas e pé, mesmo estando sujeito a forte medicação (Opiáceos).
29. Não obstante, o clínico que o observou referiu-lhe que, como não tinha nada partido, teria nova consulta no dia 27 de Junho de 2016.
30. Como no dia 18 de Junho de 2016 o Ofendido não se estava a sentir bem, deslocou-se a custo ao Hospital da Luz para uma segunda opinião, tendo sido marcada com urgência uma Ressonância Magnética à Coluna Lombar, TAC ao Tórax e Ressonância Magnética ao pé.
31. Após a realização desses exames, no dia 26 de Junho de 2016, em consulta no Hospital da Luz, MPI foi informado de que padecia de uma fractura vertebral compressiva da vertente anterior e lateral esquerda da D12 e de duas fracturas no Sacro, bem como fascite plantar e tenossonivite peronial esquerdo e aconselhado a repouso.
32. No dia seguinte, dirigiu-se ao Hospital da Cruz Vermelha para abordar o médico do Seguro da Medicina do Trabalho, que lhe prescreveu uma repetição da TAC à coluna dorsal e sagrada, para comprovação do diagnóstico de fractura da D12 e repouso (sem realizar qualquer tipo de alteração ao diagnóstico anterior).
33. No dia 06 de Julho de 2016, os exames solicitados confirmaram as fracturas identificadas no Hospital da Luz.
34. Continuou, porém, o Ofendido com dores e com o mesmo grau de incapacidade, de repouso em casa e a tomar medicação, designadamente “Adalgur N”, “Flexiban”, “Zilpen”, “Nolotil 575 mg e “Clonix”.
35. Para além disso, permanecia incapaz de tomar banho ou utilizar a sanita sozinho.
36. Carecia ainda o demandante de ajuda para se vestir e despir e utilizava muletas para a sua deslocação, sentia dores a espirrar e a tossir, bem como a realizar flexão do tronco.
37. Devido às dores que sentia, estava impossibilitado de permanecer sentando durante mais de 20 minutos, precisando de se deitar.
38. No dia 01 de Agosto de 2016, realizou nova TAC à Coluna Dorsal, que identificou uma moderada consolidação da D12.
39. Nessa sequência, em Outubro de 2016, foi-lhe prescrito pelo Hospital da Cruz Vermelha o início da realização de Fisioterapia, com deslocações diárias de Táxi, o que MPI fez, de forma continuada, até ao dia 11 de Janeiro de 2017.
40. No dia 12 de Janeiro de 2017 o ofendido foi a uma avaliação de Dano no Hospital da Cruz Vermelha, tendo tido alta clínica na situação de IPP (Incapacidade Permanente Parcial) de 8%.
41. Na data indicada em 40. foi-lhe comunicado que deveria apresentar-se no Local de Trabalho ou na Medicina do Trabalho da sua instituição no dia seguinte.
42. Assim, no dia 13 de Janeiro de 2017, MPI apresentou-se no seu Local de Trabalho ainda que não conseguisse ainda carregar pesos, subir e descer escadas, dobrar o pescoço, tossir, espirrar e ir à casa de banho e carecesse de se deitar de 30 em 30 minutos e a ter que tomar medicação, devido às fortes dores que sentia.
43. Com grande dificuldade conseguiu ficar sentado atrás de uma secretária na maior parte do período da manhã até que fosse sujeito à avaliação na Medicina do Trabalho, agendada para o período da tarde.
44. Na Medicina do Trabalho, o Médico definiu que o ofendido passaria a estar Apto Condicionalmente, pelo que iria experimentar trabalhar, não podendo, no entanto, realizar "movimentação de cargas, flexão/rotação do tronco, subida e descida de escadas", sendo depois reavaliado em Fevereiro de 2017.
45. No dia 16 de Janeiro de 2017, embora com dores, o Ofendido dirigiu-se ao seu Local de Trabalho, subindo a muito custo para o 1.º andar e sentando-se atrás da sua secretária, tendo recorrido à medicação para conseguir aguentar todo o período da manhã, indo depois deitar-se no seu carro durante a sua hora de almoço.
46. Durante as entradas e saídas, o Ofendido explicava explicar aos seus colegas e utentes que ainda não estava bom e que estava a recuperar.
47. Na parte da tarde do dia 16/1/2017, não conseguindo aguentar as dores, o demandante solicitou à sua superior hierárquica autorização para se dirigir ao Hospital da Cruz Vermelha, a qual prontamente lhe fez uma nova folha de encaminhamento como recaída, por forma a que o seu estado fosse novamente avaliado pelo Médico do Seguro.
48. Deste modo, deslocou-se o Ofendido com imensas dores para o Hospital em apreço, levando consigo toda a papelada.
49. Já nesse Estabelecimento Hospitalar foi-lhe dito que o motivo da recaída se devia ao acidente datado de 25 de Maio de 2016 e que relativamente a esse acidente o Médico já lhe havia dado alta, razão pela qual não lhe podiam aceitar a inscrição com base nesse motivo.
50. No dia 18 de Janeiro de 2017, na decorrência de nova avaliação na Medicina do Trabalho, o Médico colocou na Ficha de Aptidão para o Trabalho do Ofendido Inapto Temporariamente, devendo o mesmo ser reavaliado no mesmo Serviço em Fevereiro.
51. No dia 22 de Fevereiro de 2017 o Ofendido foi a uma nova consulta na Medicina do Trabalho, apresentando as queixas do costume: dores nas costas ao fazer movimentos de flexão, rotação, inclinação, a levantar pesos leves, a subir e descer escadas, a andar em pisos irregulares, a andar nos transportes públicos e a permanecer sentando por períodos superiores a 30/45 minutos, precisando de se deitar.
52. E, encontrando-se ainda a tomar a medicação habitual, atestou novamente o Médico que este ficaria mais uma vez Inapto Temporariamente, devendo ser reavaliado em Abril e que ainda não tinha uma posição por parte da Seguradora em relação à sua situação.
53. No dia 20 de Abril de 2017 o Ofendido realizou uma nova avaliação em Medicina do Trabalho, que mais uma vez perpetuou o seu estado de Inapto Temporário.
54. A 18 de Maio de 2017 foi realizada uma nova avaliação do Ofendido na Medicina do Trabalho, tendo sido atestado na Ficha de Aptidão do mesmo que este estaria Apto Condicionalmente, não devendo para o efeito realizar movimentação de cargas, flexão/rotação do tronco, subir e descer escadas, devendo alternar ao longo do dia entre a posição de pé e a posição de sentado, devendo evitar ainda a exposição a vibrações de corpo inteiro.
55. De regresso ao Centro de Dia, com a indicação específica de não subir e nem descer escadas, teve o Ofendido que ficar na sala com os idosos do Centro de Dia durante quase todo o dia, passando, contudo, a sua hora de almoço e alguns períodos da manhã e tarde, deitado no seu carro para conseguir aliviar as dores nas costas e pescoço.
56. Nos dias 22 e 30 de Maio de 2017, no Hospital Ortopédico de Santana, o demandante foi avaliado pela equipa de Ortopedia, que identificou que lhe deveria ser realizada uma cirurgia à coluna, de forma a estabilizar a fractura da D12.
57. Na decorrência deste relatório a SCML realizou nova ficha de reencaminhamento para a Seguradora para reabertura do Processo, sendo que, no dia 31 de Maio de 2017 o Ofendido foi mais uma vez colocado pela Medicina do Trabalho como Inapto Temporariamente para o trabalho, situação que ainda perdura na presente data.
58. O regresso do Ofendido ao trabalho entre os dias 19 e 29 de Maio de 2017 causou-lhe cansaço e angustia, por nesses dias ter estado na mesma sala com os Utentes do Centro de Dia.
59. Desde o dia 25/5/2016 que o Ofendido tem dificuldade em fazer amor com a sua companheira, o que se revelou bastante confrangedor para ambos.
60. O demandante continua a acordar 2 a 3 vezes por noite devido às fortes dores e também a tomar a medicação.
61. Não consegue espirrar, tossir, calçar as meias ou os sapatos, fazer flexão, torção, rotação e inclinação da coluna ou aguentar as irregularidades que se fazem sentir nalguns pisos sem sentir dores.
62. Para além disso, desde o acidente ocorrido no dia 25 de Maio de 2016 até à data, que o demandante não pôde ir a concertos, festejar o Natal, o Carnaval e a Páscoa fora de casa, nem ir de férias, saltar, correr ou andar de transportes públicos.
63. Acresce não poder praticar Basketball, Ténis, pesca submarina ou realizar percursos na Natureza ou andar de Mota, veiculo o qual hoje em dia não equaciona voltar a andar devido ao trauma com que ficou, e que era uma das suas grandes paixões.
64. Esteve de repouso de Maio a Agosto de 2016, saído apenas de Táxi para avaliações no Hospital da Cruz Vermelha, sendo que, nem sequer Fisioterapia fez, apesar das fortes dores que o acometiam e que melhoraram ligeiramente em Agosto com o início da Fisioterapia.
65. O demandante sente-se ainda frustrado pelo facto de, devido à sua incapacidade para o trabalho, lhe ter sido retirado do Cargo de Coordenador, sendo-lhe atribuídas apenas as funções de Terapeuta Ocupacional que, ainda assim, poderá não conseguir exercer.
66. Por esse motivo, não está afastada a hipótese de o ofendido ter de começar do zero noutra área de trabalho e já com 41 anos de idade.
67. Encontra-se previsto que o demandante seja sujeito a intervenção cirúrgica de ortopedia, devido à fractura sofrida na D12, a ocorrer no decurso do mês de Outubro ou de Novembro de 2018.
68. O demandante desconhece ainda os custos decorrentes do parqueamento do seu motociclo.”
7) Conforme ponto 34 da matéria de facto dada como provada, na douta sentença, o exequente esteve um mês para lhe diagnosticarem uma fratura, sendo que teve de se deslocar a várias consultas e arrastar-se com muitas dores, por dificuldade em se movimentar, conforme prova o plasmado nos pontos 36 e 37 da matéria de facto dada como provada.
8) Isto após a seguradora ter solicitado novos exames
9) O exequente deslocou-se diariamente de táxi ao hospital da Cruz Vermelha em Lisboa desde outubro de 2016 a junho de 2017.
10) A impossibilidade de se deslocar por seus próprios meios e ter sempre de levar a sua mulher para o ajudar, provocava-lhe angústia e depressão.
11) Ao que acrescia, a frustração e desespero pelo facto de não ver melhorias no seu caso clínico, muito pelo contrário, apesar dos fortes analgésicos, continuava constantemente com dores. Ponto dado como provado.
12) “As deslocações diárias desde sua casa em Sintra, desde outubro de 2016 a junho de 2017 ao Hospital da Cruz Vermelha para fazer fisioterapia, com os incidentes do transito, nomeadamente travagens, e o pára arranca durante a manhã na IC 19, a trepidação da viatura, provocavam-lhe grandes dores, com a agravante de ter de ir sentado, o que durante mais de 30 minutos para si era penoso.”
13) Mesmo com todo o sofrimento, frustração e vexame por não poder desempenhar a sua atividade profissional, tentou ir ao local de trabalho em 16 de Junho de 2017, ponto 45.
14) As constantes perguntas dos utentes e colegas, provocavam-lhe um enorme sofrimento tristeza e revolta em virtude de ter de estar constantemente a reviver o acidente.
15) O olhar de piedade com que olhavam para ele e lamentavam o seu estado de saúde, agravou o seu estado de saúde mental, causando-lhe desanimo, tristeza e total falta de autoestima.
16) Relembrar que: “viatura da arguida, ao entrar na via central de trânsito da rotunda, veio a embater com a sua parte frontal esquerda na parte lateral direita do motociclo.
Na sequência do descrito embate, MPI foi projectado para o solo e ficou imobilizado junto ao nó de saída para as bombas de gasolina da "Repsol" ali existentes.
Como consequência directa e necessária do embate descrito, o ofendido MPI sofreu, para além das dores aí localizadas, feridas abrasivas ao nível do antebraço direito e do sacro e uma fractura vertebral compressiva da vertente anterior e lateral esquerda da D12 e de duas fracturas no Sacro, bem como fascite plantar e tenossonivite peronial esquerdas.”
17) Ter de lembrar constantemente estes factos, dados como provados na sentença, nomeadamente o medo que teve de morrer na altura que o acidente ocorreu, bem como, quando estava deitado no chão, que viesse um carro e o atropelasse, o medo de ficar paraplégico, adicionado às dores que estava padecendo, são lembranças traumáticas, que lhe causam sofrimento.
18) As lesões referidas em 6. foram determinantes, de uma incapacidade, de MPI, exercer as suas funções profissionais, desde 25/05/2016 até a presente data.
19) Estes factos aliados aos constantes, dos factos dados como provados nos pontos 47 a 49 acentuaram-lhe o sentimento de frustração e tristeza, por não saber mais o que fazer, sentindo-se um incapacitado.
20) Esta situação é agravada, conforme refere a matéria dada como provada no ponto 47 a 49.
21) No dia 18 de Janeiro de 2017, na decorrência de nova avaliação na Medicina do Trabalho, o Médico colocou na Ficha de Aptidão para o Trabalho do Ofendido Inapto Temporariamente, devendo o mesmo ser reavaliado no mesmo Serviço em Fevereiro.
22) O que foi novamente atestado em 22 de fevereiro, conforme ponto 52, prorrogado para 20 de abril, ponto 53.
23) Tendo regressado ao trabalho conforme ponto 54 da matéria de facto dada como provada, em Maio, acabou por ser novamente dado como inapto para o trabalho conforme ponto 57.
24) As dores foram muitas ao ter de se deslocar para o seu posto de trabalho, ter a determinada altura, de vir para o seu carro deitar-se por não aguentar as dores. Ponto 55
25) Deslocava-se posteriormente a avaliação de Medicina do Trabalho, que o considerava novamente inapto.
26) Esta situação foi recorrente, conforme o já dado como provado, o que provocou um sofrimento fortíssimo ao requerente.
27) Esteve inapto para o trabalho até ao dia 16/01/2020.
28) Conforme está de facto provado na sentença, ponto 62:
“62 - (...) desde o acidente ocorrido no dia 25 de Maio de 2016 até à data, que o demandante não pôde ir a concertos, festejar o Natal, o Carnaval e a Páscoa fora de casa, nem ir de férias, saltar, correr ou andar de transportes públicos.”
63 - Acresce não poder mais praticar Basketball, Ténis, pesca submarina ou realizar percursos na Natureza ou andar de Mota, veiculo o qual hoje em dia não equaciona voltar a andar devido ao trauma com que ficou, e que era uma das suas grandes paixões.
29) Até ao dia de hoje e será assim para a frente, o exequente não poderá como já provado até à data da sentença, ir a concertos, saltar, correr, ou andar de transportes públicos.
30) As placas e os parafusos que tem na região dorsal, em consequência da intervenção cirúrgica, referida no ponto 67, da matéria dada como provada na sentença, não lhe permitem nunca mais realizar a totalidade dos movimentos que fazia antes do acidente.
31) Desde a data do acidente até Dezembro de 2019, que não podia festejar o natal e páscoa fora de casa, o que lhe provocou grande tristeza, porquanto sempre foi tradição festejar estas datas em Família, em casa de seus pais, já idosos.
32) Naqueles anos, não pôde passar com eles as épocas festivas, o que lhe causou profunda tristeza.
33) Foi dado como provado no ponto 67 que: “ Encontra-se previsto que o demandante seja sujeito a intervenção cirúrgica de ortopedia, devido à fractura sofrida na D12, a ocorrer no decurso do mês de outubro ou de Novembro de 2018
34) Efetivamente, o exequente foi submetido a intervenção cirúrgica no Hospital de Santana, a 6 de novembro de 2018, conforme relatórios passados pelo seu médico, ilustre clínico, Dr. Estanqueiro, que ora se juntam. Documento 3 , 4 e 5.
35) Este em14 de Janeiro de 2019, posteriormente a 24 de setembro de 2019, referiu que o requerente deverá por mais 6 a 8 semanas manter-se em reabilitação.doc 4.
36) Este só teve alta em janeiro de 2020, conforme relatório que ora se junta, doc 7.
37) A intervenção cirúrgica a 6 de novembro de 2018, teve de ser devidamente autorizada pelo Tribunal, após Parecer do IML, porque a Seguradora entendia que não havia necessidade de tal intervenção, apesar das constantes dores por parte do exequente, o que mais uma vez lhe provocou angústia.
38) É o próprio cirurgião do Hospital de Santana, Dr. Estanqueiro, que refere no seu relatório em 5 de fevereiro de 2019, doc. 5, que a cirurgia em 6 de novembro de 2018, pecou por tardia.
39) Ao pecar por tardia, fez com que se arrastasse no tempo um grande sofrimento, grandes dores, pois o exequente quase se arrastava e não tinha posição, o que é provado pelo relatório médico, documento 6, de 11 de junho de 2019, que refere que a reabilitação é bastante dolorosa , sendo que em 14 de janeiro o relatório refere que as melhorias são lentas., doc.7.
Depressão
40) Se tivesse logo sido submetido a cirurgia, não teria sofrido grande parte das dores, e não teria contraído a grande depressão que de facto contraiu, por não aguentar tantas dores e não saber o que mais fazer, porque não conseguia recuperar. (relatório de 2/04/2019 do ilustre psiquiatra) doc.8
41) Em consequência da intensidade constantes das dores, o exequente entrou em grave depressão, doc 8.
42) A frustração de não ser autónomo, de ter de se socorrer da esposa, para as necessidades mais básicas, nomeadamente ir à sanita, no início, vestir-se, calçar-se, caminhar e outras actividades da vida diária.
43) O desespero de não apresentar melhoras, apesar de andar em constantes consultas médicas, as diversas altas que lhe foram atribuídas e posteriormente retiradas, quando este era confrontado com a impossibilidade de desenvolver o seu trabalho, que também é uma forma de identidade pessoal além de profissional.
44) O vexame de cada vez que se apresentava para trabalhar, não conseguir desempenhar as funções em consequência das fortes dores.
45) Por último, quando se apresentou novamente ao trabalho, após uma suposta “alta”, a sua entidade patronal, colocou-o junto dos idosos do Centro de Dia, como se de um incapacitado se tratasse, (o que até de fato era verdade), mas atendendo à idade de 41 anos do requerente, o destruiu psicologicamente, sentindo-se, humilhado, anulado e desprovido de auto estima.
46) Num Centro de Dia, ocupado por idosos, muitos deles já com grandes patologias.
47) As enormes dores sentidas durante mais de 3 anos 6 meses, consecutivos, a falta de mobilidade que o acidente lhe provocou, a sua dependência de terceiros, refletiram-se na sua saúde física, psicológica e emocional.
48) Todas estas situações de saúde física, levaram a que tivesse de recorrer aos serviços de psiquiatria, o que ocorreu em dezembro de 2018, tendo sido diagnosticado síndrome ango depressivo doc.8
49) É o ilustre Psiquiatra José Leitão, que declara no seu relatório, doc 8, que “esta situação clínica precipitada pelo quadro doloroso de lesão funcional decorrente das sequelas ortopédicas do acidente ocorrido em 25 de maio de 2016 “.
50) Existe um nexo de causalidade entre o acidente ocorrido em 25 de maio de 2016 e as sequelas que advieram, que levaram o requerente a ter de recorrer a acompanhamento psiquiátrico acima referido, que ainda hoje mantém.
51) Mantém as consultas, para tentar remover o trauma, e a constante vivência do acidente, cada vez que tinha de explicar o ocorrido, nomeadamente quando se apresentava ao trabalho, aos utentes e colegas, constantemente a interrogá-lo.
52) A sua falta de mobilidade, para um homem com 1,90 m, robusto, o não poder viver a vida como anteriormente, nomeadamente quanto à prática de desportos que sempre praticou e neste momento não pode, em consequência das sequelas provocadas pelo acidente.
53) A sua tristeza por já não conseguir andar de mota, o que era, o que mais apreciava, a sua ida aos Concertos, do que está impedido em consequência de não poder estar muito tempo de pé e em ajuntamentos.
54) Padece de um estado de fragilidade emocional e psicológica/psiquiátrica derivado do Stress Pós-Traumático, decorrente do acidente e agravado pelo longuíssimo período de recuperação e cirurgia tardia.
55) Não podendo também realizar a maioria dos desportos que impliquem contacto físico (futebol, ragueby, voleyball, andebol), ou que impliquem impactos directos sobre a coluna (hipismo, todo-o-terreno, ciclismo, surf, jet-sky, escalada, parapente, kart, etc,etc), nem sequer sendo aconselhado a estar no meio de multidões por risco de queda e agravamento de sintomas ( maioria dos concertos de musica, concentrações públicas, etc)
56) Atendendo à sua idade, ainda jovem, torna-se penoso o exequente não poder desempenhar o débito conjugal como o fazia antes do acidente. Penaliza-se ele próprio, o que ainda torna mais forte o seu penar.
57) Estão aqui em causa as dores sofridas, durante mais de três anos e meio, o sofrimento moral, por não poder andar sozinho, depois, fazê-lo com dificuldade, o sofrimento que isso implica decorrente de não poder realizar tarefas e atividades, necessárias ou de lazer, o sofrimento, pelo tempo desperdiçado em internamentos e deslocações a hospitais e tratamentos, o sofrimento, e as dificuldades acrescidas na realização das atividades do dia-a-dia, consequentes da incapacidade.
58) Contam, ainda, a angústia, tristeza, inquietude e nervosismo, a vivência de «um estado de nervos» que ainda se mantém, atendendo à incapacidade de que padece e não poder continuar a ser e fazer o mesmo, sem ter tido qualquer responsabilidade/escolha para o resultado final.
59) Tudo isto consequência do acidente, ocorrido no dia 25 de maio de 2016, que lhe deixou sequelas para a vida toda.
60) Tendo desenvolvido uma grave depressão de evolução crónica, em consequência do acidente, lesões e dores, sendo estas, apesar de não tão fortes, actualmente, sempre  persistentes.
61) Por isso, o Requerente terá de manter acompanhamento psiquiátrico durante toda a suavida, para poder debelar a grave depressão que o acometeu e posteriormente ser sempre vigiado/acompanhado.
62) Por ano tem que submeter em média a quatro consultas de psiquiatria, no valor total de € 340,00/ano.
63) Por cada deslocação para se dirigir à consulta de sua casa sita … em Algueirão ao consultório médico sito na Rua Elias Garcia nº 160, r/chão, em Queluz, distam 15 Km ( 30 Kms, ida e volta), de acordo com Guia Michelin, pelo que gasta, a 0,36€/Km, 10,80€ .
64) Se contabilizarmos as consultas pelo menos até aos 78 anos, de idade, de acordo com a PORDATA, idade média de esperança de vida, para os homens, deverá gastar em consultas o valor de 11.560€ e deslocações, em termos futuros a quantia de 1 468,80€.
65) Bem como uma média de 25€ em despesas de farmácia a cada 3 meses o que corresponderá a um gasto anual com farmácia de 100€ e durante 34 anos de cerca 3 .400€.
66) As consultas de psiquiatria, a que o exequente foi sujeito, conforme documentos,9, a 15, no valor de 690€ deverão ser pagas, pois são devidas, assim como o valor das deslocações até agora no valor de € 86,40, e ainda os gastos com a farmácia que são de 176,72€, doc 11-b), 12 b), 113 b) c) o que perfaz a quantia de € 953,12.
67) O que totalizará em termos futuros a quantia de consultas, deslocações e medicamentos o valor total de € 16.428,80, a que deverá acrescer o pagamento das consultas, medicamentos e deslocações já efectuadas, totalizando 17.381,92€.
68) Para permitir melhor qualidade de vida e tratar da sua saúde, o ora requerente terá que fazer estes tratamentos/acompanhamentos durante pelo menos os 34 anos, considerados em termos temporais contínuos.
69) Assim, o ora requerente necessitará do valor calculado aritmeticamente acima referido, para fazer face aos custos desses tratamentos, psicoterapia e medicamentos, durante toda sua vida.
70) O requerente antes do acidente, era uma pessoa, muito saudável, alegre, activa e com uma grande autoestima.
71) Após aquele, tornou-se face às dores constantes e sequelas, taciturno, triste e muito inseguro, “como que carregando o mundo às costas”
72) O exequente teve de se socorrer de consulta do dano corporal, na Medisan, conforme documento 16, onde despendeu a quantia de 300€ para poder ser aferido o seu grau de incapacidade, aferindo o quantum doloris e afirmação pessoal e dano sexual.
73) O exequente de acordo com o relatório, doc.1 do Ilustre clinico de Dano Corporal, Dr. Monteiro Filipe, sofreu os seguintes períodos de incapacidade:
ITA de 27/05/2016 a 11/01/2017, data da alta da Seguradora
ITP de 30% de 12/01/2017 a 13/06/2017
ITA de 14/06/2017 a 13/09/2017 após nova avaliação na Seguradora
ITP de 30% de 14/09/2017 a 05/11/2017 até à intervenção cirúrgica
ITA de 06/11/2018 até 24/09/2019 mantendo seguimento em ortopedia
74) O quantum doloris de acordo com aquele ilustre clínico, foi fixada no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, necessidade de tratamento cirúrgico, tratamento de fisioterapia e período de recuperação funcional prolongado/ vitalício.
75) Pois que, o material cirúrgico que lhe foi colocado/aparafusado à coluna vertebral, coloca sempre pressão sobre os músculos, ligamentos provocando stress localizado e tensão muscular constante, levando à necessidade de realização de fisioterapia para o seu relaxamento (sem os quais se torna insuportável ter qualquer tipo de funcionalidade).
76) O Dano estético permanente fixável no grau 1 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta a cicatriz.
77) O exequente antes dos factos, era uma pessoa saudável, de porte atlético, 1,90m de altura, grande desportista.
78) Ora em consequência da intervenção cirúrgica ficou com uma costura de 14 cm, o que lhe desfigura o dorso.
79) O exequente padece do sentimento de vergonha, nomeadamente quando precisar de ir à praia/piscina, por causa desta costura, ou quando tiver de estar sem camisa.
80) Como o próprio requerente refere: " sou uma pessoa que respeitava o meu corpo, sentindo-me violentado pelas marcas que sou forçado a transportar para o resto da vida por responsabilidade de outro".
"Nunca tinha anteriormente aceitado alterar o meu corpo, através de tatuagens porque tinha um grande respeito por este corpo físico, que nos vai acompanhar para o resto da nossa vida, tendo cuidado com o mesmo. Esta cicatriz/acidente obrigaram-me/violentaram-me a ter que transportar esta marca, que me foi imposta por terceiros e que eu não escolhi, para transportar para o resto da vida".
81) No Relatório, documento 1, quanto à repercussão permanente na actividade sexual foi fixada num grau de 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta a limitação de certas posições e movimentos durante a prática sexual.
82) Quanto ao prejuízo de afirmação pessoal, numa escala de 5 graus de gravidade crescente, foi fixada em 3.
83) O exequente ficou com limitação da sua mobilidade de tal forma que a sua sequela foi enquadrada na alínea Md0905, da tabela da Avaliação de Incapacidades Permanentes em direito Civil (anexo II do DL 352/07 de 23/10) correspondente a um défice funcional permanente de integridade física/psíquica fixável em 6 pontos, numa escala de 3 a 7.(doc1)
84) O acidente foi uma grande calamidade para o exequente, porque lhe truncou o presente, lhe matou o futuro e lhe roubou o direito a uma vida saudável, a uma vida pessoal, social e desportivamente muito rica e sadia, que era a sua vida antes do acidente.
85) O seu bem estar económico social, familiar e desportivo e a excelente qualidade de vida que desfrutava, tendo-lhe trazido o desgosto amargura e sofrimento, e dores que se agravarão com o decurso dos anos, assim como em consequência do acidente agarrou a depressão , que será para a vida.
86) O exequente sofreu um grande desgosto por ter ficado com o capacete e luvas totalmente danificados.
87) Tinha um grande valor estimativo nestas duas peças, porque tinham sido escolhidas e oferecidas tendo por isso um grande valor simbólico e emocional. Pelo que deverá ser ressarcido em termos de danos não patrimoniais no valor de 300€ por estas peças
88) Estas ofensas traduzem-se, em graves danos não patrimoniais que merecem a tutela do direito, artº 496º nº1 do CC
89) Acresce que na origem deste pedido está um dano corporal grave, resultante da violação ilícita e culposa do direito subjectivo à integridade física e à saúde do requerente, integrantes do direito de personalidade ( art.º24º e 25º da CRP e 70º do CC), sendo que tal dano corporal é emergente de um acidente de viação, em cuja produção o requerente não teve o menor contributo.
90) A situação económica do requerente foi severamente afetada.
91) A situação económica da lesante, neste caso a Seguradora, que a representa, é muitíssimo mais sólida, pois sempre pode transferir os custos para os seus clientes, particularmente para os culpados.
92) Todos estes factos, nomeadamente tratar-se de súbita incapacidade de uma pessoa, em plena forma atlética, e na pujança da vida, a juntar à gravidade das lesões que sofreu e que o atormentarão para sempre, releva a seu favor na fixação equitativa do quantum compensatório, que deverá ter em conta a função sancionatória da responsabilidade civil. (doc 1 a 8)
93) Conforme o Acórdão do STJ: “Quando os danos físico-psíquicos decorrentes de um acidente atingem pessoas cuja esperança de vida, seja ainda muito elevada, sejam incapacitantes e dolorosos e perdurem ao longo da vida, justifica-se que o montante compensatório a atribuir possa superar o que é vulgarmente atribuído pela própria perda do direito à vida” A c. STJ 60/2002.L1S1, 2ª sec. de 20/01/2010
94) Pelo que os valores dos danos não patrimoniais deverão ser contabilizados, no valor de 80.000,00€
95) Artigo 564.º (Cálculo da indemnização)
1.O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
96) Refere o acórdão do STJ2 de 10.11.2016: “Ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.
II. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição as possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais a sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas - em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado. (sublinhado nosso).
Tal está bem explicito na sentença, quer no ponto 67 da matéria de facto dado como provada, como a fls 27: “o processo de recuperação do estado de saúde do lesado não se encontra ultimado, para além de que este, após a audiência de julgamento terá sido (ou será a breve trecho) intervencionado cirurgicamente, o que determinará novo período de convalescença, subsequentes e conexas dores, em particular no pós-operatório, e as limitações físicas que o mesmo sentirá até que a convalescença ocorra.”( negrito nosso)
97) Donde decorre que deverão ser agora contabilizados os danos futuros, como decorre da própria sentença, e porque agora teve alta o exequente da parte de ortopedia. Documento 7.
98) Das lesões que o requerente sofreu, para além dos efeitos constantes da matéria de facto provada na sentença e posteriormente conforme o referido nos relatórios médicos, que se juntam, “ficou com cicatrizes na coluna, contratura dos trapézios superior, contratura para vertebral junto à cicatriz de transição dorso lombar, rigidez do ráquis dorso lombar, e dor em todos os movimentos da coluna vertebral” Necessita de assistência medica medicamentosa de acordo com as queixas dolorosas, relatórios médicos.
99) Tendo em consideração que a colocação de material cirúrgico, rígido aparafusado à coluna vertebral, causa intrinsecamente à sua presença, stress sobre o organismo ao nível de compressão muscular e ligamentar, o processo de convalescença, vai perdurar no tempo, necessitando de realizar fisioterapia para controlar as dores e a tensão muscular causadas pelo material colocado.
100) O Tribunal de Trabalho, já depois de ter sido proferida a sentença nestes autos, atribuiu-lhe uma incapacidade de 12% para o trabalho, com fundamento na Junta médica, conforme doc. 2, sendo que em termos de IPP, conforme documento, referente a relatório do ilustre clínico de dano corporal, Dr. Monteiro Filipe, a sua incapacidade parcial permanente é de 15%., doc 1
101) Atendendo a que a lesão que sofreu, irá perdurar para sempre, com várias sequelas, nomeadamente com uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 12% e em termos de direito civil de 15%, esta lesão trouxe ao exequente, uma perda da capacidade de ganho, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica e intelectual.
102) Mesmo com um maior dispêndio de esforço e de energia, o exequente não vai mais conseguir desempenhar as tarefas que anteriormente conseguia, o que se traduz num grande sofrimento psicossomático e por isso enquadrável nos danos não patrimoniais.
103) Não restam dúvidas que o dano biológico que o requerente sofreu lhe destroçou a sua vida futura, nas suas múltiplas facetas: pessoal, social, profissional, familiar e económica, afetando-lhe ainda a sua vida sexual e diminuindo-lhe drásticamente, para sempre, a sua qualidade de vida.
104) Porque assim é, tal dano, in casu, assume um cariz dinâmico que acaba por abranger vários fatores, nomeadamente as atividades laborais e a maior penosidade e esforço no exercício dessas atividades até na vida diária, fora do âmbito da vida laboral, bem como a ”perda de chance”.
105) O dano biológico abrange ainda: o “quantum doloris”, o dano estético permanente, as repercussões nas atividades desportivas e de lazer, o prejuízo sexual, o desgosto pela brutal diminuição da capacidade físico-psíquica e por perder, para sempre, a qualidade de vida.
106) É salvo melhor entendimento, jurisprudência dominante, a que entende que, até nas hipóteses em que a afectação da pessoa, do ponto de vista funcional, não se traduz em perda de rendimento, deve, todavia, relevar o dano biológico, porque determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado.
107) Ora no caso vertente a incapacidade permanente de que o requerente, ora exequente, é portador, diminui-lhe, extraordinariamente a sua capacidade de ganho porque o impossibilita de desempenho de determinadas funções, conforme o dado como provado na douta sentença, art 69º e 70º:
69. O demandante sente-se ainda frustrado pelo facto de, devido à sua incapacidade para o trabalho, lhe ter sido retirado do Cargo de Coordenador, sendo-lhe atribuídas apenas as funções de Terapeuta Ocupacional que, ainda assim, poderá não conseguir exercer.
70. Por esse motivo, não está afastada a hipótese de o ofendido ter de começar do zero noutra área de trabalho e já com 41 anos de idade.”.
108) Até ao acidente era um ótimo profissional, respeitado por todos como prova disso e fazendo jus pela qualidade de trabalho, sempre prestado à instituição que representa, a Santa …de Lisboa ( há mais de 20 anos), tendo por isso já ocupado, vários cargos de relevância, dentro desta instituição, sendo disso prova, o respeito tido pelas suas várias chefias, acerca da qualidade do seu trabalho.
109) Atenta a sua saúde, de ferro, como se costuma qualificar a boa saúde, a sua capacidade atlética, tenacidade, determinação, vontade de vencer, o seu indiscutível saber acumulado, era fundadamente previsível que o exequente pudesse ainda manter aquele mesmo nível de rendimento, durante toda a sua carreira profissional.
110) Obviamente não estamos em face de um dano previsível certo, sobre o qual se possa formar um juízo infalível, mas isso é da própria natureza do dano futuro.
111) O dano futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que irá ocorrer, com fundada probabilidade, como neste caso.
112) A indemnização por dano futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, o requerente teria obtido se não tivesse ocorrido o acidente, cuja culpa coube totalmente à segurada da executada, arguida nestes autos.
113) Mesmo nas hipóteses em que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduz em perda de rendimentos de trabalho, deve, todavia, relevar o dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do exequente.
114) A compensação do dano biológico tem por base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição, às possibilidades de exercício de uma profissão ou de futura mudança ou reconversão de emprego do lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente, pelo grau de incapacidade, que definitivamente o vai afectar,
115) quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas;
116) AC RL 26/09/2017: “Uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, na diminuição da condição física resistência e capacidade de esforço por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade, neste sentido”.
117) A jurisprudência concorda com a ressarcibilidade do dano biológico, mesmo que implique apenas, a realização de um maior esforço do lesado para obter o mesmo rendimento. Neste sentido Ac STJ 6/07/2004, 13/04/2011, 26/09/2017
118) Considerando o acima alegado, que o dano futuro não pode ser apurável com exatidão, ter- se -à de remeter para a necessidade de recurso à equidade, nos termos do art.º 566º nº 3 do CC. O seu vencimento anual anterior ao acidente era de 26.857,32. Tinha 40 anos, à altura do acidente. Ficou com as sequelas constantes dos documentos, relatórios médicos que se juntam e aqui se dão como reproduzidos. O seu tempo provável de vida laboral será até pelo menos 70 anos de idade, e esperança de vida de acordo com PORDATA, anda praticamente nos 78 anos para os homens.
Progressão de carreira entre outros factores como seja o progresso tecnológico
119) Deverá ainda ser contabilizado a maior penosidade e grandes esforços acrescidos: No relatório já mencionado de Dr. Monteiro Filipe, documento 1, consigna-se que o exequente é portador de uma Incapacidade Geral Parcial Permanente Global de 15 pontos, em termos de avaliação de dano corporal em direito civil, sendo que para o trabalho essa incapacidade parcial permanente ficou em 12%, doc 1 e 2 .
120) Para exercer a sua activiade profissional, apesar de ter tido várias altas condicionais, “não realizar "movimentação de cargas, flexão/rotação do tronco, subida e descida de escadas", quando se apresentava ao trabalho era de imediato considerado inapto.
121) Para o exequente é muito penoso o exercício da sua actividade profissional
122) Sendo o défice físico-psíquico elevado, as características da sua actividade e as exigências que sobre o requerente recaem, poderão contribuir para o agravamento do seu débil estado de saúde, porque tem grandes limitações, nomeadamente:
123) O requerente é Terapeuta Ocupacional (cuja área profissional da qual, com 20 anos de prática, já é um especialista), é a de trabalhar na reabilitação física de utentes idosos, na sua reabilitação de AVC, de traumatismos crânio-encefálicos, de enfartes do miocárdio, de doentes com artrite reumatoide, com artroses, etc.
124) O fato de atualmente não se conseguir movimentar de forma normal e de não poder levantar pesos nem poder fletir as costas, ou de subir e descer escadas, deixa-o quase ao mesmo nível de limitação dos idosos que recuperava.
125) Todo o seu trabalho que se centrava essencialmente na sua capacidade física para reabilitar os seus utentes e continuar a exercer a sua atividade profissional fica posta em causa, para além das dores que sofre, e que só são mitigadas com a realização de fisioterapia continuada, e realização de medicação.
126) Dificuldades e dores físicas/funcionais para realizar a (flexão/extensão, rotações e inclinações) do tronco, a subida de ruas inclinadas, a correr, a realizar saltos, o que causa implicitamente dificuldades/impossibilidades a exercer a minha mobilidade física normal e as mesmas funções físicas que realizava anteriormente.
127) Tem dificuldades em realizar atividades lúdicas devido à dificuldade na realização de flexão do tronco, e ou suportar qualquer impacto na coluna vertebral, bem como em levantar pesos ou fazer atividades, que sejam resistidas. Dificuldades a nadar, por falta de resistência e por cansaço fácil devido à utilização dos grupos musculares da coluna vertebral, ficando com dores após a sua realização.
128) Tem indicação pelo médico da medicina do trabalho da SCML, que deve realizar paragens, de qualquer atividade que exerça a cada 60 minutos (devido às dores que tem por estar sentado ou de pé durante algum tempo).
129) Tem dificuldade em fazer tarefas domésticas, que impliquem esforços e permanência na posição de pé, ou com flexão da coluna, durante algum tempo, nomeadamente engomar, aspirar o chão, limpar janelas, quase todas.
130) Os ditos grandes esforços acrescidos, para o desempenho da sua actividade profissional, o exequente sente que face ao défice permanente que o afecta, são tão grandes, que poderá ficar incapacitado de a exercer a curto/medio prazo.
131) No caso concreto a perda da capacidade de ganho deve ser calculada como se o requerente tivesse ficado incapacitado para a sua actividade, embora conjugando o cálculo com a possibilidade de exercer outra actividade
Quanto à perda de chance
132) A perda de chance, traduz-se na perda de oportunidade, sendo que essa é já um dano em si, em cuja avaliação é determinante o grau de probabilidade.
133) Do que não há dúvida, é que o requerente se não fosse o acidente, teria progredido na sua carreira profissional, ponto 65 da sentença : ” demandante sente-se ainda frustrado pelo facto de, devido à sua incapacidade para o trabalho, lhe ter sido retirado do Cargo de Coordenador, sendo-lhe atribuídas apenas as funções de Terapeuta Ocupacional que, ainda assim, poderá não conseguir exercer.”
134) Teve perda do rendimento mensal por não poder continuar a prestar profissionalmente as mesmas funções, pelas incapacidades físicas que passou a ter, tendo um impacto mensal de menos 265 € o que implica que até aos 70 anos menos um valor de 265 x 14 meses x 26 anos = 96460 €, doc 17 e 18
135) Amante de desporto, praticando assiduamente basquete, caça submarina, e andar de mota, perdeu a chance de voltar a praticar e evoluir na actividade que desenvolvia de uma forma bastante boa.
136) Existiu quer a nível profissional quer pessoal, perda de oportunidades, havendo alta possibilidade de obter o benefício que daí poderia resultar, pelo que se entende deverá haver lugar a indemnização por perda de chance, a fixar com recurso ao princípio da equidade
137) Mas igualmente como causa directa, necessária e adequada ao acidente, o exequente sofreu uma perda de chance de maior relevo na sua vida futura.
138) Na evolução de carreira, o exequente teria de estar apto a exercer determinados movimentos físicos, nomeadamente de força, que em consequência da incapacidade com que ficou, lhe estão vedados, perdendo a chance de continuar a ser promovido, e sim estar a correr-lhe a vida profissional em sentido contrário, já com uma despromoção efetivada a 05/04/2020.
139) As suas atividades estão essencialmente ligadas ao desporto, terapeuta, o que com esta incapacidade, o impossibilita, de exercer, pelo que aqui também estamos face a uma perda de oportunidade, chance.
140) Por não poder realizar exercícios físicos, de manutenção, o que derivará em provável obesidade e outros problemas de saúde e fragilidades físicas ao nível da coluna/esqueleto e cardio pulmonares, perde a oportunidade continuar a ter uma vida saudável.
141) As placas e parafusos que lhe foram introduzidos, nunca lhe permitirão mais, realizar a totalidade dos movimentos, portanto, não terá melhorias ao nível físico, dependente que está, já, de medicação constante.
142) Considerando a penosidade, os grandes esforços acrescidos, que lhe são exigidos, em consequência da sua incapacidade permanente, 15%, défice físico psíquico, que o limita e as perdas de chance acima referidas, sobretudo a impossibilidade de obter formação cientifica na área da sua especialidade, que potenciaria condições de probabilidade de evolução na carreira, que a curto/medio prazo terá de deixar, seria adequado a titulo de dano biológico futuro, o montante de 150.000,00€
143) Pelo que, o ora exequente terá que ser indemnizado atendendo aos valores referentes a consultas de psiquiatria, medicamentos, deslocações e restantes danos morais, danos futuros na vertente de danos biológicos, consulta de dano corporal e valor estimativo de luvas e capacete, pelo valor total de 17.381,00+80.000,00+150.000,00+300,00+300,00, totalizando o valor de € 247.981,00
144) A este valor acrescem juros de mora à taxa legal nos termos do disposto nos art.º 703 nº1 a) e 550º nº 3 b) do CPC desde a citação até integral pagamento
145) No entanto, como o exequente no caso de condenação da executada, receberá a indemnização através de um único pagamento, o que implica uma mais-valia de capital, deverá ser descontado ¼, para evitar enriquecimento injusto, de acordo com a jurisprudência corrente (…)”.
*
Consta do dispositivo da sentença dada à execução, proferida em 07-11-2018, pelo Juízo Local Crimina de Sintra – Juiz 1, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, a seguinte decisão:
“(…) A) Julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência:
A.1.) Condeno a arguida Maria …como autora material de um crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias, à taxa diária de €8,00 (oito euros), num total de € 720,00 (setecentos e vinte euros);
A.2.) Condeno a arguida na pena acessória de seis meses de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do previsto no artigo 69.º, n.º 1 alínea a) e 148.º, ambos do Código Penal;
A.3.) Condeno a arguida no pagamento de três unidades de conta, a título de taxa de justiça individual, nos termos do artigo 513.º, n.º 1 e 514.º, do Código de Processo Penal, bem como nos demais encargos a que deu azo.(…)
B) Julgo parcialmente parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por MPI e, em consequência condeno a demandada “Z…– Sucursal Em Portugal”:
B1) No pagamento de uma indemnização compensatória global pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, a liquidar em sede de execução de sentença; e
B2) No pagamento da quantia de € 1.245,00 (mil duzentos e quarenta e cinco euros), acrescida dos juros de mora, à(s) taxa(s) legal(ais) sucessivamente em vigor, contabilizados desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento, do mais sendo absolvida (…)”
*
Em 22-10-2020 foi proferida a seguinte decisão:
“MPI intentou, neste Juízo de Execução de Sintra, a presente execução contra Z…-Sucursal em Portugal, dando à execução sentença judicial proferida no Juízo Local Criminal de Sintra, deste Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Oeste.
Cumpre apreciar e decidir da competência deste Juízo de Execução para a tramitação dos autos.
Dispõe o art. 129.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, quanto à competência dos juízos de execução, o seguinte:
“1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível.
3 - Para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor.”.
E, por sua vez, estatui o art. 131.º, do mesmo diploma, que “A execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido.”.
Consequentemente, é este Juízo de Execução materialmente incompetente para a sua tramitação, sendo para tanto competente o Juízo Criminal onde a sentença foi proferida.
A infração das regras de competência em razão da matéria é de conhecimento oficioso e determina a incompetência absoluta do tribunal, acarretando, no caso, o indeferimento liminar da pretensão requerida (arts. 96.º, 97.º e 99.º, n.º 1, todos do Código do Processo Civil).
Termos em que, face ao exposto, indefiro liminarmente o requerimento executivo.
Custas pelo exequente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (art. 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela II que do mesmo faz parte integrante).
Registe e notifique”.
*
Não se conformando com esta decisão, dela apela a exequente, pugnando pela sua revogação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da decisão de indeferimento liminar na ação executiva, por considerar o tribunal cível incompetente em razão da matéria, com fundamento em sentença judicial de foro criminal que ordenou que a indemnização por danos não patrimoniais, estes, fossem liquidados em execução de sentença.
2. Entende-se que nos termos do art 82º nº 1 do CPP, é competente o tribunal cível para liquidar em execução de sentença os danos não patrimoniais, em que foi condenada a Seguradora “Z…– Sucursal em Portugal” .
3. Art. 82º nº1 CPP: “….se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.».
4. É a própria norma a conferir competência para se executar este tipo de decisão, ao tribunal civil.
5. Há decisões judiciais cíveis condenatórias genéricas que podem ser liquidadas no âmbito do processo executivo, «bastando» que aí não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração (por exemplo, aquelas cuja liquidação «só» dependa de cálculo aritmético).
6. No processo criminal, no pedido de indemnização civil, não vigora este ónus não só por processualmente, não estar prevista a existência deste tipo de incidente.
7. Como também o eventual recurso ao disposto no C. P. C. por força do disposto no artigo 4.º, do C. P. P. dever-se-à considerar, afastado por haver norma expressa e especial (citado artigo 82.º, n.º 1, do C. P. P.) que determina que pode haver uma condenação genérica exequível, tal significando que não é necessário liquidar antes da execução, essa condenação genérica.
8. Em caso de condenação genérica em pedido de indemnização civil, a execução corre perante o tribunal civil, art 82º nº1 do CPP.
9. O legislador determina que toda essa sentença transite para os tribunais cíveis, onde será liquidado o respetivo valor, não existindo o ónus de primeiro se liquidar a sentença e só depois se executar, podendo fazê-lo, ao abrigo do citado artigo 716.º, n.º 1, ex vi n.º 5, do mesmo diploma, do C. P. C. intentando desde logo a ação executiva no tribunal civil.
10. O legislador previu assim que, quando não seja necessário primeiro liquidar a sentença antes de executar (como sucede em processo penal), essa liquidação é realizada na própria execução.
11. O artigo 82.º, n.º 1, do C. P. P. não foi expressamente revogado, nem sequer há uma revogação tácita do artigo pois as normas em causa não são incompatíveis.
12. Na economia do instituto da adesão a disposição do art.º 82º n.º1 do Código de Processo Penal ao consagrar, nos casos de necessidade de prévia liquidação, a competência é do tribunal civil, constitui a excepção, já que a regra é a competência do tribunal criminal para executar as suas decisões mesmo em matéria de indemnização.
13. O que é corroborado pelo art 129º nº 1 e 2 , não se aplicando ao caso artº131º da L. O. S. J.
14. Estando em causa condenações criminais na parte cível (o processo de execução de decisão criminal está previsto no C. P. P. – artigos 467.º e seguintes -), são da competência do juízo de execução todas aquelas que devam correr perante um tribunal civil – as ilíquidas por força do artigo 82.º, n.º 1, do C. P. P.
- e são da competência do tribunal criminal aquelas que sejam condenatórias líquidas.”
15. É esta a opção do legislador que assim mantém a competência para a tramitação e decisão do incidente de liquidação de sentença de condenação genérica proferida em sede criminal, que incida sobre matéria cível nos tribunais cíveis (juízo de execução).
16. Pelo que se entende, que deverá ser revogado o presente despacho de indeferimento liminar, de que se recorre, devendo ser substituído por outro, que entenda ser competente o presente tribunal cível”.
*
A executada – citada para os termos do recurso e da causa, em conformidade com o disposto no artigo 641.º, n.º 7, do CPC - contra-alegou, tendo concluído o seguinte:
“1. A execução intentada baseia-se na existência de uma sentença judicial transitada em julgado, a qual foi proferida no âmbito do processo …TSNT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Sintra – Juiz 1, na qual a executada foi condenada “No pagamento de uma indemnização compensatória global pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Demandante, a liquidar em sede de execução de sentença”.
2. Não deveria o exequente intentar ação executiva contra a executada, por não deter ainda título executivo contra ela, antes deveria ter intentado ação declarativa nos juízos cíveis, e não, nos juízos de execução (por não deter título exequível) e nem nos juízos criminais (por a quantia não depender de simples cálculo aritmético)!
3. “II - Tratando-se de liquidação que não depende de simples cálculo aritmético, vigora para a autora o ónus de proceder à liquidação no âmbito do verdadeiro processo de declaração ulterior que o incidente de liquidação constitui, com a alegação e prova dos factos que fundamentam a pretendida liquidação.” Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8.02.2018.
4. Conforme doutrinal e jurisprudencialmente defendido, a ação declarativa a intentar deverá sê-lo perante os tribunais cíveis, por a douta sentença a quo condenatória ter sido proferida pela instância criminal, a qual somente teria competência para as doutas sentenças em que a condenação é certa, líquida e exequível, o que não sucede no presente caso.
5. Verifica-se, assim, a incompetência material dos juízos de execução, devendo manter-se integralmente a douta decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo e de extinção da execução.”.
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Admitido liminarmente o requerimento de interposição de recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso - , a única questão a decidir é a de saber:
A) Se deve ser revogado o despacho recorrido que declarou a incompetência do juízo de execução para a apreciação do presente pleito, concluindo se ao tribunal criminal, que condenou no pagamento da indemnização cível a liquidar posteriormente, assiste competência para a respetiva liquidação e execução?
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3. Enquadramento de facto:
São elementos factuais relevantes para a apreciação do recurso os termos processuais constantes do relatório.
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4. Enquadramento jurídico:
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A) Se deve ser revogado o despacho recorrido que declarou a incompetência do juízo de execução para a apreciação do presente pleito, concluindo se ao tribunal criminal, que condenou no pagamento da indemnização cível a liquidar posteriormente, assiste competência para a respetiva liquidação e execução?
Cumpre, de acordo com o exposto, apreciar se existe motivo para a revogação do despacho recorrido, de 22-10-2020, que declarou a incompetência material do Juízo de Execução para conhecer do presente pleito e considerou a competente o Juízo Criminal onde a sentença foi proferida, indeferindo liminarmente o requerimento executivo.
O despacho recorrido assentou a decisão no entendimento de que, estando em causa a execução de sentença judicial proferida no Juízo Local Criminal de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Oeste, o disposto nos artigos 129.º e 131.º da LOSJ (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto) determinada que o Juízo de Execução é materialmente incompetente para a tramitação da causa, sendo competente, para o efeito, o Juízo Criminal onde a sentença foi proferida.
A recorrente entende a competência para a tramitação e decisão do incidente de liquidação de sentença de condenação genérica proferida em sede criminal, que incida sobre matéria cível, cabe aos tribunais cíveis (juízo de execução), em suma, porque:
- Nos termos do art 82º nº 1 do CPP, é competente o tribunal cível para liquidar em execução de sentença os danos não patrimoniais, em que foi condenada a Seguradora “Z… – Sucursal em Portugal”;
- O artigo 82.º, n.º 1, do CPP determina que pode haver uma condenação genérica exequível, tal significando que não é necessário liquidar essa condenação genérica antes da execução (cfr. artigo 716.º, n.º 1, ex vi do n.º 5, do CPC), podendo ser intentada logo a acção executiva no tribunal civil e aí ter lugar a liquidação;
- Existindo norma expressa (artigo 82.º, n.º 1, do CPP) deve ser afastado o recurso ao CPC, pelo disposto no artigo 4.º, do CPP, pelo que, em caso de condenação genérica em pedido de indemnização civil, a execução corre perante o tribunal civil;
- O artigo 82.º, n.º 1, do CPP não foi revogado (expressa ou tacitamente);
- O artigo 82.º, n.º 1, do CPP, considerando que, nos casos de necessidade de prévia liquidação, a competência é do tribunal civil, constitui exceção à regra de que a competência para a execução de decisões, mesmo em matéria de indemnização, cabe ao tribunal criminal, o que é corroborado pelo art 129º nº 1 e 2 , não se aplicando ao caso artº131º da L. O. S. J.;
- Estando em causa condenações criminais na parte cível (o processo de execução de decisão criminal está previsto no C. P. P. – artigos 467.º e seguintes -), são da competência do juízo de execução todas aquelas que devam correr perante um tribunal civil – as ilíquidas por força do artigo 82.º, n.º 1, do C. P. P.- e são da competência do tribunal criminal aquelas que sejam condenatórias líquidas.
A recorrida, como se viu, contrapôs que a decisão recorrida deve ser mantida por entender que o exequente não pode intentar ação executiva, não detendo ainda título executivo, antes devendo ter intentado ação declarativa nos juízos cíveis, e não, nos juízos de execução (por não deter título exequível) e nem nos juízos criminais (por a quantia não depender de simples cálculo aritmético).
Vejamos:
O poder jurisdicional encontra-se dividido por diversas categorias de tribunais, sendo que, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (cfr. artigos 211.º, n.º 1, da Constituição e 29.º da LOSJ, Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto e 64.º do CPC).
Na ordem jurídica interna a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território (cfr. artigo 37.º, n.º 1, da LOSJ e artigo 60.º do CPC).
As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada (cfr. artigos 40.º, n.º 2, da LOSJ e 65.º do CPC), de acordo com a natureza das matérias das causas suscitadas perante eles.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (A competência declarativa dos tribunais comuns; Lex, 1994, p. 76): “A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e competência residual”. Pelo primeiro critério cabem-lhes as causas cujo objeto é uma situação regulada pelo direito privado, civil ou comercial. Pelo segundo, incluem-se na sua competência todas as causas que apesar de não terem por objeto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal não judicial ou a tribunal especial.
A LOSJ dispõe que, na 1.ª instância, os tribunais são, em regra, tribunais de comarca (artigo 79.º), sendo estes de competência genérica ou especializada (artigo 80.º, n.º 2).
Os tribunais de comarca desdobram-se em juízos, que podem ser de competência especializada, genérica ou de proximidade, nos termos previstos nos artigos 81.º, n.º 1, e 130.º da LOSJ e no Regulamento da Organização e Funcionamento dos Tribunais, abreviadamente, ROFTJ, aprovado pelo D.L. n.º 49/2014, de 27 de março.
Os juízos de competência especializada podem ser dos seguintes tipos (artigo 81.º, n.º 3, da LOSJ):
“a) Central cível;
b) Local cível;
c) Central criminal;
d) Local criminal;
e) Local de pequena criminalidade;
f) Instrução criminal;
g) Família e menores;
h) Trabalho;
i) Comércio;
j) Execução”.
Conforme referem, ainda com atualidade, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 207): “A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas. Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram”.
Anota Henriques Gaspar (Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, anotação ao artigo 10.º, p. 48) que:
“A competência dos tribunais define-se como a parte da jurisdição que a lei atribui (ou distribui) pelos diversos tribunais, de acordo com modelos de organização e critérios específicos de repartição.
A competência material – competência em razão da matéria – constituiu a parcela de jurisdição distribuída pelos diversos tribunais de acordo com critérios de repartição fundados na natureza das causas submetidas a julgamento e decisão.
A repartição da competência em razão da matéria é fixada pelas leis de organização judiciária (…).
A competência material dos tribunais, estabelecida em razão da natureza dos casos submetidos a julgamento, pressupõe um pré-ordenamento de organização: a competência dos tribunais em razão da matéria é fixada por amplo princípio de inclusão, competindo aos tribunais judiciais o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem de jurisdição (artigo 40.º da LOSJ), devolvendo-se às normas de processo a definição e a atribuição de competência aos diversos tribunais em função da natureza das causas, ou em situações muito específicas, da qualidade das pessoas. (…)
A competência material de cada tribunal em questões penais está regulada no CPP, e subsidiariamente nas leis de organização judiciária, e determina-se em razão da natureza das causas e, em certas circunstâncias muito contadas, também da qualidade das pessoas, e, ao mesmo tempo, de acordo com a repartição própria da predefinição das regras sobre competência territorial”.
A lei processual civil estabelece sobre competência em razão da matéria, desde logo, as normas dos artigos 64.º e 65.º:
- Artigo 64.º: “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”; e
- Artigo 65.º: “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotadas de competência especializada”.
No que respeita a competência para a execução fundada em sentença estabelecia o artigo 90.º, n.º 1, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, que:
“1 - Para a execução que se funde em decisão proferida por tribunais portugueses, é competente o tribunal do lugar em que a causa tenha sido julgada”.
Presentemente, estabelece o artigo 85.º, n.º 2, do CPC em vigor que: “2 - Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com carácter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham”.
E, no artigo 87.º do CPC – relativo à “Execução pelas indemnizações” - prescreve-se que:
“1 - Para a execução pelas indemnizações referidas no artigo 542.º e preceitos análogos é competente o tribunal em que haja corrido o processo no qual tenha sido proferida a condenação.
2 - A execução pelas indemnizações corre por apenso ao respetivo processo”.
“A determinação da competência do Tribunal em razão da matéria, tal como, a decisão das excepções dilatórias de natureza processual, é decidida face à petição ou requerimento inicial e tomando em conta, por um lado, a pretensão formulada ou a medida jurisdicional requerida e, por outro, a relação jurídica ou situação factual descrita nessa peça processual” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01-07-1993, in C.J., t. 3, p. 144).
Será, pois, em função da natureza da pretensão que se aferirá, face à lei processual em questão e à lei de organização judiciária, qual o Tribunal competente para a apreciação de um pleito.
Interessa reter, em particular, as disposições dos artigos 37.º a 40.º, 117.º, 118.º e 129.º a 131.º da LOSJ, onde se dispõe o seguinte:
- Artigo 37.º (Extensão e limites da competência): “1 - Na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território. 2 - A lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais”.
- Artigo 38.º (Fixação da competência): “1 - A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei. 2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa”;
- Artigo 39.º (Proibição de desaforamento): “Nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal ou juízo competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei”;
- Artigo 40.º (Competência em razão da matéria): “1 - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. 2 - A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada”.
- Artigo 117.º (Competência [dos Juízos centrais cíveis]): “1 - Compete aos juízos centrais cíveis: a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00; b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal; c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência; d) Exercer as demais competências conferidas por lei. 2 - Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos. 3 - São remetidos aos juízos centrais cíveis os processos pendentes em que se verifique alteração do valor suscetível de determinar a sua competência”;
- Artigo 118.º (Competência [dos Juízos centrais criminais]): “1 - Compete aos juízos centrais criminais proferir despachos nos termos dos artigos 311.º a 313.º do Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, e proceder ao julgamento e aos termos subsequentes nos processos de natureza criminal da competência do tribunal coletivo ou do júri. 2 - Os juízos centrais criminais de Lisboa e do Porto têm competência para o julgamento de crimes estritamente militares, nos termos do Código de Justiça Militar”;
- Artigo 129.º (Competência [dos Juízos de execução] ): “1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil. 2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível. 3 - Para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor”;
- Artigo 130.º Competência [dos Juízos locais cíveis, locais criminais, locais de pequena criminalidade, de competência genérica e de proximidade]): “1 - Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada. 2 - Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem ainda competência para: a) Proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, onde não houver juízo de instrução criminal ou juiz de instrução criminal; b) Fora dos municípios onde estejam instalados juízos de instrução criminal, exercer as funções jurisdicionais relativas aos inquéritos penais, ainda que a respetiva área territorial se mostre abrangida por esse juízo especializado; c) Exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, onde não houver juízo de execução ou outro juízo ou tribunal de competência especializada competente; d) Julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação, salvo os recursos expressamente atribuídos a juízos de competência especializada ou a tribunal de competência territorial alargada; e) Cumprir os mandados, cartas, ofícios e comunicações que lhes sejam dirigidos pelos tribunais ou autoridades competentes; f) Exercer as demais competências conferidas por lei (…)”; e
- Artigo 131.º (Execução por multas penais e indemnizações): “A execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável compete ao juízo ou tribunal que as tenha proferido”.
Importa ainda considerar, para a cabal resolução da questão em apreço, que o exequente, invocando o disposto no artigo 82.º n.º 1 do CPP, intenta a presente execução, fundada em sentença, proferida pelo Juízo Local Criminal de Sintra – Juiz 1, no Processo n.º 146/16.3PTSNT, que condenou a ora executada a indemnizar o exequente pelos danos não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença, liquidação a que o exequente procede no requerimento executivo.
E, efetivamente, conforme consta da decisão criminal supra mencionada, a sentença de 07-11-2018 condenou a ora executada, nomeadamente, a pagar uma “indemnização compensatória global pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, a liquidar em sede de execução de sentença”.
Interessa, assim, reter ainda as disposições dos seguintes preceitos legais:
- Artigo 609.º, n.º 2, do CPC (Limites da condenação): “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado (…)”;
- Artigo 358.º do CPC (Ónus de liquidação): “1 - Antes de começar a discussão da causa, o autor deduz, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito. 2 - O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada” (pormenorizando os artigos 359.º e 360.º do CPC, o modo de dedução da liquidação e os termos ulteriores do incidente);
- Artigo 716.º do CPC (Liquidação): “1 - Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido. 2 - Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis. 3 - Além do disposto no número anterior, o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação. 4 - Quando a execução se funde em título extrajudicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o executado é citado para a contestar, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568.º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os n.os 3 e 4 do artigo 360.º. 5 - O disposto no número anterior é aplicável às execuções de decisões judiciais ou equiparadas, quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, bem como às execuções de decisões arbitrais (…)”.
- Artigo 564.º, n.º 2, do CC: "Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior".
Explicitando, detidamente, as circunstâncias em que tem lugar a condenação em liquidação ulterior refere-se no Acórdão do STJ de 09-11-2016 (Pç 1453/10.4TAPVZ-E.P1.S1, rel. RAUL BORGES) o seguinte, com inteira pertinência para o caso em recurso:
“(…) Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. IV, Lisboa, 1984, pág. 15, em anotação ao artigo 805.º então vigente, dizia: “É ilíquida a execução cujo montante é indeterminado”, assinalando a pág. 16 que o disposto no artigo 805.º não impedia o credor do uso, quando fosse caso disso, do incidente da instância regulado nos artigos 378.º a 380.º.
Como refere Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil, Anotado, 2.ª edição, Janeiro 2014, Ediforum, pág. 872 (e na 3.ª edição, Maio de 2015, pág. 933, e no Código de Processo Civil Anotado, 18.ª edição, Setembro de 2014, pág. 1134), “São ilíquidas, para efeitos de execução, as obrigações que têm por objecto uma prestação cujo quantitativo não se encontra determinado ou fixado, de tal modo que o devedor sabe que deve, mas desconhece o quantum, bem como aquelas que têm por objecto uma universalidade”.
“É o caso de (…) por não haver elementos para fixar a quantidade, o tribunal ter condenado no que se viesse a liquidar em execução de sentença, por não ter sido possível fixar, na acção declarativa as consequências do facto ilícito (…), sendo caso em que a liquidação depende da fixação de factos”.    
Nestes casos o tribunal não dispõe de elementos fácticos que lhe permitam conhecer do pedido de indemnização em toda a sua amplitude, há uma insuficiência de matéria de facto e a montante, de elementos probatórios que a ela conduzam, que a suportem, não sendo bastantes para fixar o objecto ou a quantidade da indemnização.
O tribunal conhece do pedido formulado, fixa a matéria constitutiva do direito a indemnização (acidente, facto ilícito, culpa, nexo causal), que é definitiva, mas para a abordagem do dano reparável, não tem elementos suficientes para fixar a natureza, gravidade, dimensão, extensão do dano (danos futuros, incapacidade temporária ou definitiva, dano biológico, dano estético e dano não patrimonial) e daí a necessidade de especificar o conteúdo da obrigação ilíquida, através de incontornável liquidação, convertendo o pedido genérico em pedido específico.
Sendo a liquidação dependente de simples cálculo aritmético, v.g., contagem de juros de certo capital, dúvidas não haverá de ser competente para a liquidação o tribunal penal.
Diversamente se coloca a questão quando o tribunal penal relega para execução de sentença a definição do pedido específico, a concretização do objecto da sua condenação, e a liquidação há-de ter lugar por meio de incidente de liquidação, que é um incidente da instância declarativa.
No domínio do Código de Processo Penal de 1929, integrado no Título VIII - Das Execuções - Capítulo III - Da execução por multa, imposto de justiça, custas e indemnizações, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 185/72, de 31 de Maio, estabelecia o
Artigo 643.º
Execução por indemnização
A execução por indemnização, movida contra o réu ou assistente, seguirá os termos da execução em processo civil no juízo da condenação e por apenso, salvo o disposto no § 3.º do artigo 34.º. 
 (Este preceito veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 402/82, de 23-09, que na sequência da publicação do novo Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, do mesmo dia, procedeu a uma profunda reestruturação do CPP, reformulando o Título VIII do Livro II relativo a execução das penas, tendo pelo artigo 53.º revogado os artigos 625.º a 644.º do CPP e o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 06-11).
Por seu turno, estabelecia o
Artigo 34.º:
Reparação por perdas e danos      
“O juiz, no caso de condenação, arbitrará ao ofendido uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que não lhe tenha sido requerida.
§ 3.º - As pessoas a quem for devida a indemnização poderão requerer, antes de proferida sentença final em 1.ª instância, que ela se liquide em execução de sentença, e neste caso, se procederá à liquidação e execução perante o tribunal civil, servindo de título exequível a sentença penal”. (Sublinhámos).
Este artigo veio a ser revogado pelo Código de Processo Penal de 1987, “sucedendo-lhe” o artigo 82.º.
Integrado no Título VI - Das partes civis - do Livro I - Dos sujeitos do processo, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis”, estabelece o
Artigo 82.º
Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis
1 - Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.
A diferença do preceituado para o antecessor está em que agora o tribunal tem o poder dever de condenar em liquidação de execução e sentença, fá-lo oficiosamente, quando antes apenas o podia fazer a requerimento dos titulares do direito a indemnização.
Comentando este preceito, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, pág. 244, começa por afirmar que a liquidação em execução de sentença é diferente do reenvio para os tribunais civis.
A liquidação em execução de sentença tem lugar nas seguintes condições:
a. o tribunal penal já decidiu, com trânsito em julgado, que é devida uma indemnização;
b. a liquidação em execução de sentença perante tribunal civil é decidida oficiosamente;
c. o motivo da remessa é o da inexistência fáctica de “elementos bastantes” para a decisão perante o tribunal penal.
Diferentemente no caso de reenvio para os tribunais civis não há decisão sobre o mérito da pretensão civil, a decisão sobre esta matéria é remetida para os meios civis, o tribunal penal pode decidir oficiosamente ou a requerimento, sendo o motivo da remessa a excessiva complexidade fáctica ou legal dos elementos existentes nos autos (quando as questões “inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes”).
Como explicita na nota 5, se o processo está já arquivado quanto à matéria criminal, prosseguindo os autos para conhecimento da matéria cível, “o tribunal penal não pode remeter o processo para os tribunais civis”.
Ora, como é bem de ver, este impedimento não existe no caso presente em que houve já conhecimento do pedido, sendo ordenada a liquidação quando o processo não está arquivado quanto à matéria criminal, podendo haver recurso, como houve, embora apenas por parte da demandada relativamente ao decidido quanto a outros dois demandantes e até porque a solução ditada foi consensual, como referiu a sentença condenatória.
Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, em comentário ao artigo 82.º, na pág. 252, refere:
“Estabelecem-se os procedimentos ao dispor do tribunal para os casos de insuficiência de elementos para arbitrar a indemnização no processo penal. O n.º 1 contém solução idêntica à do processo civil – artigo 609.º, n.º 2, do CPC, para os casos em que, havendo prova do facto ilícito, da responsabilidade e do nexo de causalidade, não estiverem suficientemente precisados os elementos para «fixar a indemnização», isto é, para determinar a natureza e o montante da indemnização: o tribunal define a responsabilidade dos demandados, mas remete os interessados para o procedimento de execução de sentença, a requerer no tribunal cível”.
Questiona-se, pois, a quem compete a liquidação da indemnização fixada no âmbito de processo de natureza penal, onde foi conhecido pedido de indemnização civil, mas em que, por falta de elementos suficientes, condenou em indemnização a liquidar ulteriormente: Ao tribunal penal da condenação, que configurou o título executivo? Ou ao tribunal civil? E, nesta última situação: Ao juízo cível ou ao juízo de execução?
Ainda na vigência do CPP de 1929 foram proferidas decisões no sentido de que o tribunal civil seria o competente para a liquidação de sentença proferida em processo penal, de que são exemplos os seguintes arestos:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-1996 (Pº 046998, rel. BESSA PACHECO): “É o tribunal civil o competente para a liquidação em execução de sentença da indemnização atribuida ao ofendido em processo penal sujeito ainda ao regime do C.P.P. de 1929, servindo de título executivo a própria sentença penal”; e
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-10-2008 (Pº 1525/2008-7, rel. MARIA DO ROSÁRIO MORGADO): “No artigo 34º, parágrafo 3, do Código Processo Penal de 1929 determinava-se que as pessoas a quem fosse devida indemnização poderiam requerer a sua liquidação em execução de sentença e que, nesse caso, se procederia à liquidação (em execução) perante o tribunal civil, servindo de título executivo a própria sentença penal. Por sua vez, no artigo 71º, da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, estabelece-se que os tribunais referidos nos artigos 56º e seguintes – em que se incluem os tribunais criminais (v. artigo 58º) – são competentes para executar as respectivas decisões. O artigo 71º, da L.O.T.J. não derrogou o parágrafo 3, do artigo 34º do Código de Processo de 1929, pelo que é competente para a execução da sentença proferida no processo-crime o Tribunal Cível”.
Já na vigência do CPP de 1987, algumas decisões – desvalorizando a prescrição do artigo 82.º, n.º 1, do CPP e até a considerando revogada – pronunciaram-se no sentido da competência dos tribunais criminais, inclusive na situação contemplada no dito normativo, considerando não ser possível deduzir incidente de liquidação em ação executiva. Neste sentido:
- O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-05-2008 (Pº 2496-07-2, rel. RICARDO SILVA): “Actualmente, com a entrada em vigor do D.L. 38/2003, deixou de existir a possibilidade de liquidação prévia até ali prevista no artº 661º, nº 2 do C.P.Civil, no que toca a sentenças judiciais, na medida em que o art.º 805 n.º 4 do mesmo C.P.Civil só admite a dedução do incidente de liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético quando o título executivo não for uma sentença. Assim, se antes da vigência daquele diploma – o citado D.L. 38/2003 -, houve uma condenação no que se liquidar em execução de sentença, nos termos do nº 1 do artº 82º do C.P.Penal, deve entender-se que a actual redacção dos n.os 5 do art.º 47º, e 2 do art.º 378°, ambos do Código de Processo Civil, implicam a parcial revogação da primeira proposição do n.º 1 do art. 82.º do CPPenal, devendo a liquidação dos danos futuros ser processada como um incidente, no âmbito do processo declarativo – enxerto cível do processo penal – que é reaberto para esse efeito. De facto, onde, no n.º 1 do citado art.º 82.º, se lê o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença, o teor literal da norma não pode prevalecer, sendo de interpretar o comando legal restringindo-o ao sentido de os danos futuros virem a ser liquidados, oportunamente, segundo o processo próprio, como se disse, em enxerto cível do processo penal. Depois disso, o processo executivo será instaurado e correrá de acordo com a lei de organização judiciária – artº 103º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, com as sucessivas alterações. Aliás, mantendo-se a liquidação dos danos futuros na acção declarativa – que não pode deixar de ser o enxerto cível tramitado e julgado no processo penal – assegura-se que não se quebre a vinculação do juiz “natural” (com sentido naturalístico) ao caso concreto sub judice, com aproveitamento de todo o esforço anteriormente desenvolvido e da prévia aquisição de conhecimento sobre a respectiva problemática, nas sua múltiplas implicações”; e
- A decisão do Vice-Presidente da Relação de Évora de 28-04-2014 (Pº 164/13.3YREVR, ANTÓNIO M. RIBEIRO CARDOSO): “O tribunal criminal que condenou no pagamento da indemnização cível a liquidar posteriormente, é o competente para processar e conhecer do incidente de liquidação, renovando-se a instância no enxerto cível”.
Não obstante, tendo por referência o aludido artigo 82.º, n.º 1, do CPP, cuja revogação não acolhe, a jurisprudência maioritária - tem alinhado, com consistência, no sentido de que, a regra de que o Tribunal criminal executa as suas decisões (na decorrência do princípio de que o decisor deve ser o executor – cfr. artigo 131.º da LOSJ), apenas cederá nesta situação, em que, por falta de elementos para a liquidação da indemnização, a competência residirá no tribunal civil, a quem, igualmente caberá a execução, por não ter sentido que aí se procedesse à liquidação no tribunal civil e os autos voltassem ao tribunal criminal para a execução.. Neste sentido, vd. as seguintes decisões:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-07-2007 (Pº 06P2547, rel. SORETO DE BARROS): “De acordo com o disposto no art. 82.º, n.º 1, do CPP, a execução de sentença penal instaurada para liquidação de valor não determinado, diversamente do que sucede com as execuções para pagamento de quantia certa, que seguem por apenso ao processo-crime, «corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal». (…)”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-09-2009 (Pº 76/09.5YFLSB, rel. ARMINDO MONTEIRO): “A execução de sentença criminal, segundo o disposto no art. 470.º do CPP, corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido e, porque a lei não distingue, assim há-de reputar-se tanto no que toca aos seus efeitos penais, como quanto aos efeitos estritamente civis e, neste domínio, qualquer que seja a espécie executiva. Esse princípio, de algum modo enformando o pensamento legislativo e integrando a solução a dar à questão suscitada, colhe apoio também no art. 90.º do CPC, segundo o qual, para a execução que se funde em decisão proferida pelos tribunais portugueses é competente o tribunal de 1.ª instância onde a causa foi julgada. No entanto, nos termos do art. 82.°, n.º 1, do CPP, se o tribunal não dispuser de elementos para fixar a indemnização, condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a liquidação corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal. Esta norma do art. 82.º pode e deve reputar-se o afloramento de um princípio geral segundo o qual a execução de sentença criminal corre os seus termos ante o tribunal criminal onde foi proferida e por apenso ao processo penal, excepção feita naquela peculiar situação do n.º 1, como flui do Ac. do STJ de 11-07-2007 – Proc. n.º 2547/06 - 3.ª Secção. De acordo com o art. 102.º-A, n.º 1, do DL 38/2003, de 08-03, compete aos juízos de execução exercer no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no CPC. Excluem-se do n.º 1, segundo o seu n.º 2, além do mais, as sentenças proferidas nos tribunais criminais cujos termos não devam correr nos tribunais cíveis. Aquelas que o devem são as destinadas à liquidação indemnizatória e não quaisquer outras”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2009 (Pº 09P0612, rel. RAUL BORGES): “Em consequência da entrada em vigor da Lei 42/2005, de 29-12, as Varas Criminais receberam competência para a execução das suas decisões, independentemente da natureza criminal ou cível das matérias em causa, cingindo-se a competência dos juízos de execução apenas às execuções de decisões de natureza cível em que esteja em causa a liquidação”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-10-2010 (Pº 13582/02.3TDLSB, rel NUNO GOMES DA SILVA, apud, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01-10-2013 (Pº 765/05.3JDLSB-C.L1-5, rel. JORGE GONÇALVES e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-06-2014, Pº 11056/12.3YYLSB.L1-6, rel. VÍTOR AMARAL): “(…) quanto às execuções de natureza cível (…) correlacionadas com a acção penal há as que não devem correr perante o tribunal civil – que são a regra – e as que devem correr perante esse tribunal que são aquelas em que, como determinado pelo art. 82º, nº 1, 2ª parte CPP, haja necessidade de liquidação prévia”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2010 (Pº 3230/04.2TDLSB-A-5, rel. VIEIRA LAMIM): “As execuções de natureza cível, relativas a sentenças proferidas por tribunal criminal que podem caber na previsão do nº 2 do art. 102º-A da LOFTJ são as proferidas na sequência de pedidos cíveis deduzidos em processo crime por força do princípio da adesão (art. 71 e ss CPP). Quando as execuções respeitem a condenação em quantia certa a regra é que não devem decorrer perante o tribunal cível mas perante o tribunal criminal. Apenas decorrem perante o tribunal civil aquelas em que haja necessidade de liquidação prévia, como determina o art. 82º, nº 1, 2ª parte do CPP. Esta interpretação, de considerar como regra a competência dos juízos criminais para a execução das decisões civis por si proferidas, é que mais se coaduna com a unidade do sistema jurídico. Na verdade, os juízos de execução foram criados para resolver o problema decorrente das elevadas pendências de acções executivas nos tribunais cíveis dos grandes centros urbanos, acções essas sem relevância estatística nos tribunais criminais. Por outro lado, excluindo o legislador dos juízos de execução as acções executivas relativas aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos, não se compreenderia que não adoptasse a mesma regra geral em relação aos tribunais criminais. A excepção a essa regra geral quanto aos tribunais criminais será, apenas, como se referiu, a relativa às execuções com necessidade de liquidação prévia, pois se o art.82, nº1, 2ª parte, CPP, determina que corram perante o tribunal civil, não faria sentido que aí se procedesse à liquidação e que voltassem ao tribunal criminal para a fase seguinte da execução. Considerando o sistema no seu todo, faz assim sentido (podendo ser tido como elemento coadjuvante da interpretação proposta) a regra do art. 2º, da Portaria nº 114/08, de 6Fev. Esta Portaria, que regula a tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1ª instância processados de acordo com as disposições do Código de Processo Civil (arts.1º e 2º) exclui do seu âmbito de aplicação os pedidos de natureza civil deduzidos na acção penal e também os processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01-10-2013 (Pº 765/05.3JDLSB-C.L1-5, rel. JORGE GONÇALVES): “A execução das decisões cíveis proferidas por tribunal criminal integram a competência do tribunal criminal, salvo havendo condenação no que se liquidar em liquidação de sentença. O art.º 102º-A, nº 1, da LOFTJ, na redacção da Lei nº 42/2005, de 29/08, que estabelece a regra geral da competência dos juízos de execução, “...exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil”, introduz no nº 2 exclusões a esta regra geral da competência, designadamente, para “...as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante tribunal civil”, voltando a estabelecer o princípio geral de que o decisor deve ser o executor. Deste modo, as execuções de natureza cível proferidas por tribunal criminal integram a competência do tribunal criminal, salvo as que, como determinado pelo art.º 82º, nº 1, 2ª parte do CPP, haja necessidade de prévia liquidação, caso em que devem correr perante tribunal civil”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-06-2014 (Pº 11056/12.3YYLSB.L1-6, rel. VÍTOR AMARAL): “1. - Segundo o art.º 102.º-A, n.º 2, da LOFTJ, ocorre exclusão da competência dos juízos de execução, não só quanto aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos – que continuam a ser competentes para executar as suas decisões –, como relativamente às execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, segundo a lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil. 2. - Estas execuções de sentença são referentes aos pedidos indemnizatórios cíveis em processo crime, ali deduzidos segundo o princípio da adesão (art.º 71.º do CPPen.). 3. - Neste âmbito, se a condenação é em quantia indemnizatória ilíquida, a ter, por isso, de ser objecto de liquidação, para subsequente execução patrimonial, obrigando à realização de tarefa tipicamente cível de fixação do quantum do dano a indemnizar, a dever correr perante tribunal vocacionado para o efeito, isto é, perante tribunal da esfera cível, são competentes para a execução de sentença os juízos de execução. 4. - Se, ao invés, a condenação é em quantia indemnizatória líquida, apenas restando executar a decisão, é competente para a execução de sentença o tribunal criminal, correndo a execução por apenso ao respectivo processo crime”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-02-2014 (Pº 773/13.0T2OVR.P1.C1, rel. BARATEIRO MARTINS): “O tribunal/juízo criminal é, mesmo em circunscrição territorial em que há juízo de execução, o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível a execução das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização que exija uma liquidação prévia”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2015 (Pº 498/06.3GALNH.L1-5, rel. LUÍS GOMINHO): “I - Os tribunais criminais são competentes para a execução da suas decisões condenatórias proferidas na sequência dos pedidos cíveis deduzidos em processo crime, por força do princípio da adesão contido no art. 71.º e segts. do Cód. Proc. Penal. II - Só assim não sucederá, nos casos em que na sentença se haja utilizado da faculdade prevista no art. 82.º, n.º1, do mesmo Código, ou seja, em que tenha havido condenação “no que se liquidar em execução de sentença”; III - Nesta hipótese, a competência pertence aos tribunais cíveis, servindo de título executivo a sentença penal. IV - Tal preceito não se mostra tacitamente revogado pelo actual art. 716.º do Cód. Proc. Civil, na decorrência da alteração legislativa que foi conferida a este Diploma pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho. V - Na situação acima excepcionada, tendo-se instaurado a execução e a liquidação no tribunal criminal (por apenso ao respectivo processo), verifica-se uma violação das pertinente regras de competência material, a qual traduz uma excepção dilatória, a conduzir à absolvição do réu da instância”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-09-2015 (Pº 794/00.3GBAMT-A.P1, rel. ANTÓNIO GAMA): “As secções de competência especializada da Instância Central são competentes para a execução das suas decisões condenatórias em quantia líquida, proferidas na sequência de pedido civil deduzido em processo crime”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-03-2015 (Pº 54/05.3TABRR-B.L1-6, rel. AGOSTINHO TORRES): “I - O tribunal/juízo criminal é, mesmo em circunscrição territorial em que há juízo de execução, o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível a execução das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização que exija uma liquidação prévia. II - No entanto, nos termos do art. 82.°, n.º 1, do CPP, se o tribunal não dispuser de elementos para fixar a indemnização, condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a liquidação corre perante o tribunal cível com competência executiva que caberá a competência para o processamento da liquidação prévia”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-11-2016 (Pº 1453/10.4TAPVZ-E.P1.S1, rel. RAUL BORGES): “I - O tribunal criminal é o competente para a liquidação dependente de simples cálculo aritmético, o que ocorrem por exemplo, quando em causa está a determinação de juros de certo capital. A execução de sentença condenatória criminal em indemnização de quantia certa caberá ao tribunal criminal e no que toca às que condenem em liquidação em execução de sentença, a lei processual penal prevê expressamente, pelo art. 82.º, que devem correr nos tribunais civis. II - A liquidação deixou de se poder efectuar no momento liminar da execução (anteriores arts. 805.º a 810.º, do CPC), sendo agora feita na pendência da acção declarativa. Com a reforma da acção executiva deixou de nesta ter lugar o incidente de liquidação da obrigação. Esta alteração não colide com o art. 82.º, do CPP, nem o revoga tacitamente. O que as leis de organização judiciária nos dizem, particularmente desde a criação dos juízos de execução em 2003, é que a previsão do art. 82.º, do CPP mantém plena actualidade, de modo tal que a matéria é ressalvada da exclusão, como resulta do art. 102.º-A, n.º 2, da Lei 3/99, como do disposto no art. 126.º, n.º 2, da Lei 52/2008 e do art. 129.º, n.º 2, da Lei 62/2013. III - A competência dos juízos de execução cingir-se-á apenas às execuções de decisões de natureza cível em que esteja em causa a liquidação, sendo competentes as Varas Criminais para executar as suas decisões, independentemente da natureza criminal ou cível das matérias em causa. Da conjugação do preceituado nos arts. 82.º, n.º 1, do CPP e arts. 102.º-A, n.º 2 e 103.º, da LOFTJ, retira-se que a Vara Criminal, como tribunal de competência específica, tem competência para executar as próprias decisões, criminais ou de natureza cível (com excepção da liquidação em execução de sentença), donde decorre a competência daquele tribunal para tramitar a acção executiva proposta contra o recorrente e consequentemente desta secção criminal para conhecer do presente recurso”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2018 (Pº 869/17.0T8PDL.L1-1, rel. ISABEL FONSECA): “Apresentando-se para execução uma sentença condenatória proferida no âmbito de um processo de natureza criminal, consubstanciando uma condenação genérica, tal decisão vale como título executivo (art. 703º, nº1, alínea a) do CPC), iniciando-se a execução com a liquidação, nos termos do art. 716º, nº4 do CPC, aplicável ex vi do disposto no nº5 do mesmo preceito. Em face do disposto no art. 82º, nº1, 2ª parte do Código de Processo Penal, não vigora no processo penal o ónus de liquidação no âmbito do processo declarativo, imposto pelo art. 358º, nº2 do CPC”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-01-2019 (Pº 2263/15.8JAPRT.P2, rel. JOÃO VENADE): “Estando em causa condenações criminais na parte cível, cujo processo de execução de decisão criminal está previsto nos artigos 467º e segts. do CPP, são da competência do juízo de execução todas aquelas que devam correr perante um tribunal civil, as ilíquidas por força do artigo 82º, n.º1, do CPP, e são da competência do tribunal criminal aquelas que sejam condenatórias líquidas”; e
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04-06-2020 (Pº 258/20.9T8STB.E1, rel. RUI MACHADO E MOURA): “Estando em causa execução por condenação criminal na parte cível, são da competência do tribunal criminal aquelas que sejam condenatórias líquidas e, por isso, os juízos de execução de Setúbal são incompetentes em razão da matéria para conhecer da mesma, devendo os autos ser oportunamente remetidos ao Juízo de Grândola, mais concretamente para apensação ao processo comum no qual ocorreu a condenação criminal na parte cível”.
Entendemos sufragar esta orientação jurisprudencial, no sentido de, em regra, o tribunal criminal é o competente para executar as respetivas decisões. Tal sucederá, inclusive, quando conheça de pedido de indemnização civil e condene em quantia indemnizatória líquida.
Já no caso de a sentença criminal ter condenado em quantia indemnizatória ilíquida, carecendo de liquidação posterior, mas prévia à execução patrimonial (cfr. art.ºs 716.º, n.ºs 4 e 5, e 360.º, n.ºs 3 e 4, do CPC), o que “traduz a realização de tarefa tipicamente cível de fixação do montante/quantitativo do dano a indemnizar, a dever, por isso, correr termos perante tribunal vocacionado para o efeito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-06-2014, Pº 11056/12.3YYLSB.L1-6, rel. VÍTOR AMARAL), a competência para o efeito, residirá no tribunal cível, atento, ademais, o disposto no art.º 82.º, n.º 1, do CPP.
Conforme sublinha a recorrente, nesta última situação, é a própria norma a conferir competência para se executar este tipo de decisão, ao tribunal civil.
E tal atribuição de competência sucede não só para os termos da liquidação, mas, claro está, para os termos da subsequente execução.
A recorrida contrapõe, contudo, que, tratando-se de uma liquidação que não depende de simples cálculo aritmético, a exequente não deveria intentar ação executiva, “por não deter ainda título executivo contra ela, antes deveria ter intentado ação declarativa nos juízos cíveis, e não, nos juízos de execução (por não deter título exequível) (…)”.
Não concordamos com este entendimento, subscrevendo as considerações expendidas, a respeito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01-10-2013 (Pº 765/05.3JDLSB-C.L1-5, rel. JORGE GONÇALVES), que temos por plenamente acertadas:
“(…) Não nos impressiona a circunstância de, através da reforma da acção executiva levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, o artigo 805.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, admitir a dedução do incidente de liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético “quando o título executivo não for uma sentença”, pelo que, aparentemente, teria deixado de existir a possibilidade de liquidação prévia até ali prevista no artigo 661.º, n.º 2, do mesmo diploma, no que toca a sentenças, podendo argumentar-se que o artigo 82.º, n.º1, do C.P.P., teria sido parcialmente revogado.
Ocorre que o artigo 82, n.º1, 2.ª parte, do C.P.P., não sofreu qualquer alteração, pese embora as diversas revisões – até ao momento foram já vinte -, e não nos parece que o legislador tenha pretendido que a liquidação da condenação genérica passe a fazer-se no próprio processo penal, ou mais concretamente, no âmbito do pedido cível deduzido em processo penal – que teria de ser reaberto para esse efeito (cfr. artigos 47.º, n.º5, e 378.º, n.º2, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003).
Assim, somos levados a concluir que a menção “não sendo o título executivo uma sentença” significa, na economia do artigo 805.º, n.º4, do C.P.C., “não ocorrendo situação em que a liquidação se deva fazer na acção declarativa, nos termos do artigo 378.º, n.º2 CPC”, pelo que, a ser assim, será possível sustentar que o regime do artigo 805.º, n.º4, se aplica, também, à liquidação da obrigação em caso de condenação genérica por sentença de tribunal criminal proferida no âmbito de um pedido de indemnização civil enxertado.
Tanto mais que o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (…), manda aplicar os procedimentos de liquidação, nos casos que não dependam de simples cálculo aritmético, previstos no artigo 716.º, n.º4, também aos casos de “execuções de decisões judiciais ou equiparadas, quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração” (cfr. artigo 716.º, n.º5)”.
Também sobre esta questão se pronunciou, em sentido, semelhante o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2015 (Pº 498/06.3GALNH.L1-5, rel. LUÍS GOMINHO), nos seguintes termos:
“(…) Objecta o Recorrente a esta conclusão com a circunstância de actual regulamentação do Código de Processo Civil não permitir que se liquide a sentença como incidente da acção executiva, donde aquele art. 82.º, n.º1, do Cód. Proc. Penal, dever considerar-se revogado.
Julgamos não ser bem assim.
A nossa dificuldade em aceitar tal entendimento assenta em três razões:
Desde logo, em abstracto, merece-nos sempre reserva aceitar que a alteração legislativa da regulamentação de uma incidência específica de um determinado Código se opere, sem outra referência explícita, através de um outro que lhe é autónomo.
Depois, porque se torna evidente que a interpretação preconizada não dá solução, pelo menos, a situações abrangidas por efeito de caso julgado formado ao abrigo da Lei anterior, como é o dos autos.
Finalmente, porque não se nos afigura ser essa a conclusão a extrair da respectiva letra, no tipo de hipóteses que temos presente.
Podemos convir perfeitamente que a liquidação continua a subsistir como incidente, da mesma forma que assim ainda continua a ser considerada pelo Cód. Proc. Civil [Antes de começar a discussão da causa, o autor deduz, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito.
2 - O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada (art.358.º).
1 - A liquidação é deduzida mediante requerimento oferecido em duplicado, no qual o autor, conforme os casos, relaciona os objetos compreendidos na universalidade, com as indicações necessárias para se identificarem, ou especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa.
2 - Quando a liquidação seja deduzida mediante requerimento apresentado por transmissão eletrónica de dados, o autor está dispensado de entregar o duplicado referido no número anterior (art. 359.º).
A oposição à liquidação é formulada em duplicado, exceto quando apresentada por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º (art. 359.º, n.º1).]
É certo que o actual art. 716.º do Cód. Proc. Civil parece sugerir a exclusão da necessidade de a ela recorrer nas situações de iliquidez, quando a respectiva condenação se funda numa decisão judicial.
Tratando-se de quantias em dívida, a preferência vai claramente para a sua auto-liquidação (assim, n.ºs 1 e 2).
Mas já assim era anteriormente, sendo que as hipóteses em que, em processo penal, se justifica a remessa para liquidação em execução de sentença, não decorrem da simples necessidade de se operarem cálculos aritméticos.
Aliás, como vimos, nesses casos, a competência mantinha-se/mantém-se no tribunal criminal.
Ora nas situações em que as simples operações aritméticas são insusceptíveis de quantificar o pedido e o título executivo seja extra-judicial, o n.º 4 do referido art. 716.º não deixa de continuar a prever a existência do referido incidente [Quando a execução se funde em título extrajudicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o executado é citado para a contestar, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568.º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os n.ºs 3 e 4 do artigo 360.º].
Sendo que o respectivo n.º 5 estende este regime “às execuções de decisões judiciais ou equiparadas, quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, bem como às execuções de decisões arbitrais”.
Ora seguramente que esse ónus não existia ao momento da formulação do pedido, como temos dúvidas que exista, enquanto tal, em processo penal, para além do que, a mais das vezes, aquela decisão de remissão para a execução de sentença resulta da iniciativa e responsabilidade do próprio tribunal e não da vontade das partes.
Nessa conformidade, diverge-se da solução preconizada”.
Conclui-se que, o regime resultante do artigo 82.º, n.º 1, do CPP “diverge daquele fixado no âmbito do processo civil, em que vigora o ónus de proceder à liquidação na ação declarativa, após o trânsito em julgado da sentença de condenação genérica (art. 358º, nº2), de sorte que a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo (art. 704º, nº6).
Foi este o regime que o tribunal de primeira instância entendeu dever aplicar ao caso, olvidando que a sentença em causa foi proferida em processo penal, como se salientou.
No caso, releva o disposto no art. 716º, nºs 4 e 5. Assim, a hipótese em apreço configura, precisamente, um caso de decisão judicial relativamente à qual, como se viu, não vigora o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, em face do citado art. 82º, nº1 do Cod. de Processo Penal, preceito que entendemos não se mostrar tacitamente revogado pelo atual art. 716.º do Cód. Proc. Civil, na decorrência da alteração legislativa que foi conferida a este Diploma pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, assim se seguindo a orientação preconizada pelo acórdão deste TRL de 12-05-2015 (…).
Assim, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, a sentença condenatória constitui título executivo, sendo a liquidação feita no processo executivo, seguindo-se o processado a que alude o art. 716º, nº4” (assim, o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2018, Pº 869/17.0T8PDL.L1-1, rel. ISABEL FONSECA).
Nesta medida, não se subscreve o entendimento da apelada, no sentido de que a exequente não dispõe ainda de título executivo.
Ao invés de tal posicionamento, a pretensão de liquidação circunscreve-se à respetiva finalidade: Liquidação, com relacionação dos objetos compreendidos na universalidade ou indicação do valor dos danos, “não envolvendo um cariz condenatório” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Sousa, Código de Processo Civil anotado, I volume, Almedina, Coimbra, 2018, p. 416).
Contudo, na liquidação pós-sentença (artigo 360.º, n.º 3, do CPC), a respetiva decisão funciona como um complemento da anterior sentença declarativa, a qual, tem conteúdo condenatório (neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Sousa, Código de Processo Civil anotado, I volume, Almedina, Coimbra, 2018, p. 416), ainda que ilíquido.
Assim, a decisão criminal condenatória, ainda que condenando em obrigação indemnizatória ilíquida, constitui título executivo (cfr. artigo 703.º, n.º 1, al. a) do CPC), muito embora, previamente à execução deva ter lugar o incidente de liquidação.
Nesse sentido, conflui a interpretação do artigo 716.º, n.ºs. 4 e 5 do CPC, segundo o qual, quando a execução se funde em decisão judicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, nem vigore o ónus de proceder à liquidação no processo de declaração, o executado será citado para contestar a liquidação, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568.º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os nºs. 3 e 4 do artigo 360.º do CPC.
Conforme se concluiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-01-2019 (Pº 2263/15.8JAPRT.P2, rel. JOÃO VENADE):
“Há assim decisões judiciais cíveis condenatórias genéricas que podem ser liquidadas no âmbito do processo executivo, «bastando» que aí não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração (por exemplo, aquelas cuja liquidação «só» dependa de cálculo aritmético).
No processo criminal, no pedido de indemnização civil, não vigora este ónus não só por processualmente não estar prevista a existência deste tipo de incidente como o eventual recurso ao disposto no C. P. C. por força do disposto no artigo 4.º, do C. P. P. está, na nossa opinião, afastado por haver norma expressa e especial (citado artigo 82.º, n.º 1, do C. P. P.) que determina que pode haver uma condenação genérica exequível, tal significando que não é necessário liquidar antes da execução essa condenação genérica.
Ressalvando o artigo 82.º, n.º 1, do C. P. P. que em caso de condenação genérica em pedido de indemnização civil a execução corre perante o tribunal civil, o legislador determina que toda essa sentença transite para os tribunais cíveis onde será liquidado o respetivo valor, não existindo o ónus de primeiro se liquidar a sentença e só depois se executar, podendo fazê-lo, ao abrigo do citado artigo 716.º, n.º 1, ex vi n.º 5, do mesmo diploma, do C. P. C. intentando desde logo a ação executiva no tribunal civil.
E assim fazendo o credor, como ainda a lei processual civil prevê, na execução da sentença criminal genérica principia-se por liquidar os valores nos termos do citado artigo 716.º, n.º 4, ex vi, n.º 5, do C. P. C..
O legislador previu assim que, quando não seja necessário primeiro liquidar a sentença antes de executar (como sucede em processo penal), essa liquidação é realizada na própria execução.
O artigo 82.º, n.º 1, do C. P. P. não foi expressamente revogado nem, na nossa opinião, há uma revogação tácita do artigo pois as normas em causa não são incompatíveis sendo ainda possível haver liquidação em sede de execução como aliás este caso é um dos exemplos – neste sentido, que vimos seguindo, Ac. da R. L. de 08/05/2018, www.dgsi.pt e ainda, o Ac. da R. P. de 30/09/2015, em sede de resolução de conflito de competência onde se exara que «Na economia do instituto da adesão a disposição do art.º 82º n.º1 do Código de Processo Penal ao consagrar, nos casos de necessidade de prévia liquidação, a competência é do tribunal civil, constitui a excepção, já que a regra é a competência do tribunal criminal para executar as suas decisões mesmo em matéria de indemnização.» - no mesmo sítio -.
Por fim, o artigo 129.º, da L. O. S. J. determina que «compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.» sendo que, nos termos do n.º 2, «estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível.» - nosso sublinhado.
Ou seja, estando em causa condenações criminais na parte cível (o processo de execução de decisão criminal está previsto no C. P. P. – artigos 467.º e seguintes -), são da competência do juízo de execução todas aquelas que devam correr perante um tribunal civil – as ilíquidas por força do artigo 82.º, n.º 1, do C. P. P. - e são da competência do tribunal criminal aquelas que sejam condenatórias líquidas.
É esta a opção do legislador que assim mantém a competência para a tramitação e decisão do incidente de liquidação de sentença de condenação genérica proferida em sede criminal que incida sobre matéria cível nos tribunais cíveis (juízo de execução) (…)”.
Conclui-se, pois, nos seguintes termos:
- O tribunal criminal que aplicou multas penais e indemnizações previstas na lei processual penal é o competente para executar as respetivas decisões, pelo que, tal tribunal terá competência para executar a decisão penal que, conhecendo de pedido de indemnização civil, condene em quantia indemnizatória líquida.
- No caso de a sentença criminal ter condenado em quantia indemnizatória ilíquida, carecendo de liquidação posterior, mas prévia à execução patrimonial (cfr. art.ºs 716.º, n.ºs 4 e 5, e 360.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - o que consubstancia uma tarefa tipicamente cível, sobre a fixação do dano a indemnizar - a competência para o efeito, residirá no tribunal de natureza cível, atento, ademais, o disposto no art.º 82.º, n.º 1, do CPP;
- O artigo 82.º, n.º 1, do CPP não se encontra revogado;
- A sentença criminal que condene em indemnização ilíquida traduz uma decisão proferida em processo de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal – artigo 82.º, n.º 1, do CPP – cabe a tribunal de natureza cível e, que, por isso, não se encontra incluída na exclusão a que se refere o n.º 2 do artigo 129.º da LOSJ;
- Relativamente a tal decisão, não se mostra necessário liquidar a obrigação ilíquida indemnizatória noutra ação declarativa intentada para o efeito, podendo a liquidação ter lugar, em conformidade com o disposto no artigo 716.º, n.ºs. 1, 4 e 5, do CPC, no âmbito da ação executiva instaurada para o efeito junto do tribunal civil – o juízo de execução territorialmente competente (cfr. artigo 129.º, n.ºs. 1 e 2, da LOSJ) – respetivo.
O despacho recorrido, prolatado à margem destas conclusões, não poderá subsistir.
Em consequência, deverá julgar-se procedente a apelação, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outra decisão que declare a competência para a liquidação e execução se encontra adstrita ao Juízo de Execução.
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A responsabilidade tributária inerente incidirá sobre a apelada/recorrida, que, deduzindo oposição, nela decaiu integralmente – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar procedente a apelação e, revogando a decisão recorrida, a qual se substitui pela presente, declarando ser competente para a liquidação e execução o Juízo de Execução.
Custas pela apelada/recorrida.
Notifique e registe.
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Lisboa, 25 de fevereiro de 2021.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes