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INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
Sumário
I - A inutilidade superveniente da lide ocorre quando a pretensão visada pelo demandante foi alcançada por outro meio fora do processo. II - Encontrando-se pendente ação especial de preferência limitada e arbitramento do preço, prevista no art. 1029º CPC conjugada com o art. 1004º CPC, a posterior instauração da ação de preferência pelo autor não justifica a extinção da instância na primitiva ação, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277º/e) CPC, porque a pretensão visada pelo demandante não foi alcançada por essa via fora do primitivo processo, por não lhe ter sido reconhecido o direito de preferência apenas sobre o concreto prédio objeto do contrato de arrendamento, nem fixado o preço proporcional sobre a venda dos vários prédios.
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
Na presente ação de preferência limitada e determinação do preço, em que figuram como:
- AUTOR: B…, com domicílio profissional na rua …, n.º …, Porto, ….-…, portador do número de identificação fiscal ………,
- RÉUS: Herança indivisa aberta por óbito de C…, com o NIF. ………, sendo cabeça de casal, D…, abaixo melhor identificado;
Herança indivisa aberta por óbito de E…, com o NIF. ………, sendo cabeça de casal, D…, abaixo melhor identificado;
D…, portador do NIF. ………, residente na Rua …, n.º …, …, ….-… Viana do Castelo, casado com F…, na qualidade de herdeiro, cabeça de casal e interessado das 1.ª e 2.ª Rés;
G…, portadora do NIF. ………, residente na rua …, .., 1.º Dtº, …, Vila Nova de Gaia, na qualidade de herdeira e interessada da 1.ª e 2.ª Rés
H…, portador do NIF. ………, residente na rua …, …, Ap. .., 4.º, Porto, na qualidade de herdeiros e interessado das 1.ª e 2.ª Rés;
veio o autor peticionar o suprimento ao exercício parcelar de preferência em relação ao prédio melhor identificado no artigo 5.º, alínea A) da petição, pelo preço proporcional de € 154.952,91 (cento e cinquenta e quatro mil, novecentos e cinquenta e dois euros, noventa e um cêntimos),
Alegou para o efeito e em síntese, que os 3.º a 5º RR cabeça de casal e interessados, únicos herdeiros, dos prédios abaixo melhor identificados que são propriedade das 1.ª e 2ª RR.
Em julho de 2002, por contrato não reduzido a escrito, o Autor tomou de arrendamento o primeiro andar do prédio urbano composto por casa de dois pavimentos e casa de 1 pavimento, sito na rua …, n.º …, … e … da união de freguesias … concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 246 da freguesia … e inscrito na matriz predial sob os artigos 994.º e 1856.º da dita união de freguesias. Tendo, desde essa data, passado aí a exercer a sua atividade profissional de Advogado.
Mais alegou que despendeu cerca de €50.000,00 em benfeitorias que não são possíveis de retirar, nomeadamente, na fachada; reboco, pintura e a porta de entrada, e no seu interior: colocando divisórias em pladur (3 gabinetes, secretaria, sala de reuniões, WC e cozinha), armários, portas, isolamento, 3 clarabóias, pinturas globais, escadas, resguardo em aço e vidro laminado.
Em 10 de Agosto de 2018 foi o A. notificado para querendo exercer o direito de preferência na alienação destes imóveis, bem como de outros melhor identificados e descritos na alínea A) prédio urbano composto por casa de dois pavimentos e casa de 1 pavimento, sito na rua … n.º …, … e … da união de freguesias … concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 246 da freguesia … e inscrito na matriz predial sob os artigos 994.º e 1856.º da dita união de freguesias; e na alínea B) prédio urbano composto por 16 casas, sito na rua … n.º … da união de freguesias … concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 247 da freguesia … e inscrito na matriz predial sob os artigos 994.º e 1856.º da dita união de freguesias, com os artigos matriciais 958.º, 960.º, 962.º, 964.º, 966.º, 968.º, 970.º, 972.º, 974.º, 976.º, 978.º, 980.º, 982.º, 984.º, 986.º, 988.º pelo preço global de € 825.000,00, a concluir-se até ao dia 31 de Agosto de 2018.
Em consequência, respondeu o A. por carta datada de 16/08/2018 alegando, além do mais que, “… na comunicação recebida não deixaram inequivocamente expresso, que só venderiam os imóveis, em conjunto e por um preço global que indicam, a coisa objeto da preferência, com outras, por a separação lhes causar “prejuízo apreciável”. E assim sendo, por estar em tempo e ter legitimidade desde já declaro, expressamente, que pretendo exercer o direito de preferência em relação ao prédio que me está arrendado (Alínea A) pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, atendendo, ainda, que os imóveis (A e B) são verdadeiramente autónomos. Opta-se, face aos elementos que são hodiernamente conhecidos, pelo exercício parcelar de preferência e não pela aquisição conjunta. Por fim e nesta vereda, informa-se que dará entrada imediata a ação de arbitramento necessária para fixação do valor proporcional do imóvel, que prefiro, nos termos da ação de suprimento”.
Mais alegou que os prédios são verdadeiramente autónomos, não existindo qualquer zona comum. Têm viabilidade e índice construtivo autónomo. O prédio A tem apenas 469 m2, é um talhão, com uma pequena frente, em comparação com o prédio B, com cerca de 2028 m2, com várias frentes, essencialmente para uma rua mais calma (…) com prédios de luxo recentes, corte de ténis e ginásio, e ainda uma entrada pela rua … pelo n.º …. Os prédios podem ser vendidos separadamente, sem que exista qualquer prejuízo, muito menos apreciável, para os RR, pretendendo o autor exercer o seu direito apenas quanto ao prédio (A) sob o qual é parcialmente inquilino.
O prédio sob a alínea A) tem 469 m2, e o sob a alínea B) tem 2028 m2. O prédio A) tem 151 m2 e o prédio B) tem 790,6 m2 de área coberta respetivamente, sendo o preço global de € 825.000,00, dividido pelos m2 existentes, encontramos o preço do M2. O projetado preço do m2 (€ 330,39) multiplicado pela área do prédio A), obtemos o preço proporcional de € 154.952,91.
Mais refere que a este valor deverá sempre atender ao montante que foi despendido pelo Autor, nas obras de fachada e interior do n.º 426, caso contrário, sem as benfeitorias realizadas, o valor deste prédio seria manifestamente inferior (espaço amplo s/ casa de banho nem qualquer divisão) em ruínas.
De acordo com a avaliação patrimonial, determinada no ano de 2016, o prédio A), com as edificações existentes (Artigo Matricial 994 e 1856) têm o valor de € 142.619,16, sendo que o prédio com o artigo matricial n.º 1856 foi inscrito na matriz em 1967, não tem licença de utilização e assim não pode ser autonomizado do prédio A).
As casas que compõem o prédio B), descrição 247, são todas elas anteriores a 1951, podendo ser autonomizáveis e vendidas separadamente. Este prédio (B) tem duas frentes, uma das quais com mais de 35 metros de frente.
Na rua … os prédios (A e B) nem tão pouco são contíguos, existindo dois imoveis (prédios urbanos) pelo meio, um dos quais recentemente recuperado e fora do objeto do negócio.
Conclui que o valor do prédio A, proporcional do negócio, cifra-se em € 154.952,91 (cento e cinquenta mil euros).
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Proferiu-se despacho que ordenou a citação dos requeridos.
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Em 04 de outubro de 2018 o Autor veio dar conhecimento no processo que procedeu ao pagamento da renda relativa ao mês de setembro de 2018 por transferência bancária, como sempre tem feito. No entanto, em 13/09/2018, recebeu o cheque n.º ………., por parte do 3.º R., com a de que terá procedido à venda do imóvel. O Autor não procedeu ao depósito do mesmo, considerando válido o pagamento da renda relativamente ao mês de setembro de 2018.
Na carta, remetida pelo 3.º Réu, é referido um novo proprietário, sendo que até ao momento não houve qualquer contacto por parte deste novo alegado proprietário. Face à recusa do recebimento de renda anterior, foi procedido ao depósito condicional de nova renda relativamente ao mês de outubro de 2018, à ordem do 3.º R e dos presentes autos - conta n.º …………., na I….
Tendo os Réus sido devidamente informados por carta registada com aviso de receção, datada de 03 de outubro de 2018.
Mais refere que nessa missiva datada de 03 de outubro de 2018, os réus também foram informados, mais uma vez, que o autor pretende exercer o seu direito de preferência limitado.
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Citados os réus, vieram os requeridos D…, G… e H… deduzir oposição, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção suscitam a ilegitimidade ativa do autor, por não estar acompanhado dos demais interessados que celebraram o contrato de trespasse.
Suscitam, ainda, a ilegitimidade passiva, porque com a celebração da escritura pública de compra e venda em 30 de agosto de 2018 deixaram de ser proprietários do imóvel em causa nos autos e objeto da preferência.
Por fim, suscitam a ilegalidade do pedido de suprimento ao exercício do direito parcelar à preferência, porque foram citados para se pronunciarem sobre o pedido de determinação do preço do imóvel e face à escolha do tipo de procedimento, pelo Requerente, consideram que o tribunal está impedido de apreciar tal pedido, porquanto implica uma tomada de decisão sobre o exercício do direito de preferência, que não é atribuição neste tipo de processo.
Por impugnação, alegou que ao requerente não lhe assiste o direito de preferência legal em relação ao prédio arrendado, porque não constitui uma fração de um prédio constituído em propriedade horizontal, não sendo um bem jurídico autonomizável, nem lhe assiste esse direito em relação a todo o imóvel.
Mais alegaram que mesmo assim entenderam comunicar ao autor a intenção de venda de todo o prédio e o preço global, o que fizeram em relação a todos os arrendatários, dando a possibilidade de depois licitarem entre si.
O autor optou por não exercer a preferência, pelo que não lhe assiste qualquer direito de preferir perante tal atitude os requeridos procederam à venda do prédio, por um preço global.
Alegaram, ainda, que ao autor não lhe assiste o direito de preferência que invoca e independentemente de tal, teve oportunidade de comprar os vários prédios constantes das descrições 246 e 247 e não o quis, razão pela qual a ação improcede de facto e de direito.
Consideram que o preço indicado pelo autor não corresponde ao valor real e de mercado do imóvel, que ascende a € 425.000,00.
Por fim, alegam que não se aceitam as benfeitorias genericamente alegadas pelo autor e muito menos o valor alegadamente despendido nas mesmas.
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Na resposta às exceções, o autor manteve a posição inicial, mas para suprir a ilegitimidade passiva, requereu a intervenção principal provocada da sociedade que adquiriu o prédio “J…, S.A.”.
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Em 15 de fevereiro de 2019 (ref. Citius 400205422) proferiu-se o seguinte despacho:
“ Uma vez que através do sistema verifiquei que o A. instaurou uma ação de preferência contra os demandados, a qual segue sob o nº 2092/19.0T8PRT, J6, considerando que nos presentes autos, para além do pedido de determinação do preço parcial, o A. peticionou “o suprimento ao exercício parcelar de preferência”, suscitam-me dúvidas sobre qual o sentido e finalidade deste último pedido.
Assim, notifique o A. para, no prazo de 10 dias, esclarecer o que pretende com tal pedido ou o que se lhe afigurar por conveniente”.
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O Autor dando satisfação ao convite que lhe foi dirigido veio alegar que com “o suprimento do exercício parcelar de preferência”, pretende, notificado que foi em 10 de Agosto de 2018 para exercer o direito de preferência na alienação de dois prédios (A e B), ser-lhe possibilitado o arbitramento necessário para a preferência de um prédio apenas (prédio A) e não conjuntamente (A e B). Obtendo assim o suprimento judicial quanto ao exercício parcelar de preferência visto que os Requeridos injustificadamente, sem prejuízo apreciável, não aceitam a preferência exercida apenas quanto ao imóvel A).
Mais alega que indicou o imóvel sob o qual pretende a determinação, bem como o preço que fundamentadamente julga adequado, fazendo e requerendo prova nesse sentido.
Alegou, ainda, que a ação de preferência (com número de processo 2092/19.0T8PRT) foi instaurada por mera cautela, por causa do perigo da caducidade do direito. Na ação de preferência (com número de processo 2092/19.0T8PRT) foi suscitada a questão da prejudicialidade quanto aos presentes autos e a sua suspensão até à decisão transitada em julgado a proferir no âmbito deste processo.
As questões colocadas neste processo não perderam atualidade com a propositura da ação de preferência, até porque os presentes autos foram instaurados antes da ocorrência da venda, que ocorreu por única e exclusiva vontade dos aqui Requeridos iniciais, em arrepio às informações e declarações então prestadas pelo Requerente e a referida ação de preferência, com n.º processo 2092/19.0T8PRT, foi instaurada posteriormente aos presentes autos.
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Os requeridos em resposta alegaram que o A. fez dois pedidos, neste processo: a determinação do preço e o reconhecimento do direito de preferência.
Quanto ao primeiro pedido, a determinação do preço, já o dissemos, que a parte do negócio que o A. entendeu preferir, tem um preço perfeitamente determinado, pelo que, nada mais há a determinar.
Quanto ao segundo pedido, isto é, o reconhecimento do direito de preferência, o A. com a propositura da ação de preferência fez pedido idêntico. É pois inequívoco que existe identidade de pedido. No entanto, a verificação da litispendência ocorre na ação de preferência, instaurada em segundo lugar.
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Proferiu-se despacho que admitiu a intervenção principal requerida pelo autor.
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Citada a interveniente veio contestar alegando, em síntese, que celebrou o contrato de compra e venda pelo preço global indicado na escritura e por “imposição” dos RR. vendedores, teve como pressuposto a capacidade construtiva, pois que as construções em si, nenhum relevo têm e serão no futuro objeto de demolição.
Todas as construções existentes, têm largas décadas de anos, senão centenárias, estando alguma delas em ruína, como é o caso de um dos dois prédios que o A. pretende preferir.
Concluindo que a venda dos prédios separadamente, implicava um prejuízo substancial para os vendedores.
Mais alega que não assiste ao autor o direito de preferência que se arroga e ainda, o valor indicado é manifestamente inferior ao valor real de mercado.
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O Autor veio responder à matéria das exceções, mantendo a posição inicial e impugnou os factos.
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O Autor veio requerer a intervenção principal dos cônjuges dos requeridos D… e H….
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O tribunal não se pronunciou sobre a pretensão.
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A Interveniente veio opor-se à admissibilidade da resposta à contestação.
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Em 20 de dezembro de 2019 (ref. Citius 410338530) proferiu-se o seguinte despacho:
“Uma vez que já foi efetuada a alienação do imóvel a que respeita o alegado direito de preferência invocado pelo A. (cfr. doc. nº 3 junto à contestação dos RR. D… e outros) e tendo o A. já intentado a respetiva ação de preferência (cfr. fls. 120 e segs), notifique as partes para, em 10 dias, se pronunciarem quanto à eventual extinção da presente instância, por inutilidade superveniente”.
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O Autor veio pronunciar-se sobre a proposta de decisão, alegando para o efeito, que a ação de preferência, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – J6, com o n.º processo 2092/19.0T8PRT, foi proposta por mera cautela, atendendo ao prazo de caducidade legalmente previsto.
Nessa mesma ação, foi peticionada a suspensão dessa mesma instância até à prolação da decisão final a proferir nos presentes autos, visto que aqui se pretende que se determine, além do mais, o preço proporcional do imóvel a preferir.
As partes são as mesmas o pedido e causa de pedir são destintos, pelo que a presente ação é e deverá sempre ser, conhecida previamente à ação de preferência.
O imóvel que se pretende preferir, é distinto e autónomo de outros imóveis vendidos conjuntamente, o preço declarado de venda foi arbitrário e é desproporcional, sendo por isso necessário proceder-se, conforme requerido, à determinação do preço para posterior preferência.
Nos presentes autos pretende o autor a determinação do preço proporcional em relação ao prédio a preferir; suprimento ao exercício parcelar de preferência em relação a esse prédio, devendo a ação principal (preferência) aguardar o desfecho destes autos nos termos peticionados no artigo 21.º daquela petição. Só após a prolação desta decisão, estaremos na posse de todos os elementos essenciais para prosseguimento da ação de preferência.
Quer o preço, quer ainda as rendas estão a ser depositados à ordem deste processo.
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Os requeridos vieram alegar que nada têm a opor à extinção da presente instância, por inutilidade superveniente, atento o facto de o imóvel já ter sido alineado e o preço de cada um dos imóveis, nomeadamente o do imóvel que o autor pretende preferir isoladamente, se encontrar perfeitamente determinado no respetivo contrato de compra e venda, nada havendo, pois, a determinar.
O preço de cada um dos imóveis, objeto da transação em causa, designadamente o preço do imóvel que o autor pretende preferir isoladamente, foi perfeitamente determinado entre as partes, como lhes é permitido pelo princípio da liberdade contratual, é do perfeito conhecimento do autor e foi efetivamente pago pela ré compradora aos réus vendedores, conforme consta do respetivo contrato de compra e venda junto aos autos.
Terminam por pedir que a presente instância seja declara extinta, por inutilidade superveniente da lide.
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A Interveniente alegou por sua vez que a determinação do preço, pedida está efetivamente prejudicada, porquanto do contrato de compra e venda, junto pelos réus, resulta o preço da transação dos vários prédios, designadamente, do prédio que o autor pretende preferir, isoladamente.
Assim, não há, efetivamente, que determinar o que já foi determinado. A determinação do preço das coisas é uma faculdade que assiste aos seus proprietários. O arbitramento que o autor pretende que seja feito, está totalmente desconforme com esta realidade jurídica.
O autor para pôr em causa o preço da venda consagrado no referido contrato, deveria, tão só, invocar a simulação do preço e provar a mesma. O autor na impossibilidade de conseguir tal desiderato, pretende que o mesmo seja conseguido pela via do arbitramento, independentemente da vontade manifestada pelos proprietários dos imóveis vendidos.
Termina por considerar que deixou de interessar a apreciação da determinação do preço do prédio, cuja determinação se encontra feita e resultou da vontade, nunca posta em causa, dos seus legítimos proprietários.
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A interveniente juntou os documentos que protestou apresentar, a respeito dos quais o autor veio exercer o contraditório, procedimento que mereceu oposição da interveniente.
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Proferiu-se a sentença que se transcreve:
“O A. apresentou a presente ação especial nos termos dos arts. 1004º e 1029º do CC.
Alegou, para o efeito, que é arrendatário de imóvel que o senhorio pretende vender, juntamente com outros.
Pretende o A. preferir nessa venda, mais requerendo, através da presente ação especial, que seja determinado o preço que deve ser proporcionalmente atribuído ao imóvel de que é arrendatário. Contudo, tal como decorre da escritura de fls. 78 e segs., em 31-8-2018, após a interposição da presente ação, mas anteriormente à sua citação, o senhorio/proprietário procedeu à venda do referido imóvel, juntamente com outros.
Nessa sequência, tal como decorre da certidão de fls. 120 e segs., o A. intentou a ação que corre termos sob o nº 2092/19.0T8PRT, neste Juízo Cível do Porto (J 6), pedindo, com base no invocado direito de preferência, que seja declarado legítimo proprietário do referido imóvel.
Vejamos.
A presente especial visa, nos termos do art. 1029º do CPC, determinar o preço que deve ser proporcionalmente atribuído ao bem relativamente ao qual o A. pretende preferir.
Ora, o processo especial de notificação para preferência, previsto nos arts. 1028º e segs. do CPC, é um processo de jurisdição voluntária, em que ainda não existe um conflito de interesses a compor; nele, em princípio, inexiste litígio ou pretensão; nele não há nem controvérsia sobre a existência do direito, nem sobre a oportunidade do seu exercício (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-9-1991, in www.dgsi.pt).
Assim, é pressuposto deste processo especial que o bem em causa não tenha sido vendido.
Tal conclusão retira-se do disposto nos arts. 1029º, nº 3, e 1028, nºs 2 a 4, para o qual aquele remete, que prevêem os passos a tomar, após a determinação do preço, até à celebração do contrato (ou, caso este não seja celebrado, à adjudicação do bem ao preferente).
Em contrário, caso o bem já tenha sido vendido sem que tenha sido conferido ao preferente a possibilidade de exercer esse direito, deverá este último intentar a respetiva ação comum de preferência.
Refira-se que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-3-2011, invocado pelo A. a fls. 220 e segs. e disponível em www.dgsi.pt, que admite o recurso do preferente ao Tribunal, através desta ação especial, para determinação do preço da coisa a ser vendida conjuntamente com outras, versa uma situação em que o bem ainda não foi vendido.
Nestes termos, será no âmbito da ação de preferência - em que o adquirente é igualmente chamado e na qual ele se poderá ver preterido - que o Tribunal procederá à apreciação do direito do preferente.
Com efeito, conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6-5-2010, in www.dgsi.pt, pela ação de preferência opera-se a sequela própria do respetivo direito real.
A ação de preferência assume-se, portanto, como uma ação de natureza constitutiva: sendo ela procedente, provoca uma mudança na ordem jurídica existente, consistente na substituição do adquirente pelo autor com efeitos “ex tunc”.
O direito de preferência surge no âmbito de tal ação como o de obter a substituição coerciva da posição do comprador no contrato celebrado com o terceiro adquirente, com violação dos pressupostos legais condicionantes do seu nascimento. Tudo se passará, em suma, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente.
Assim, conclui-se que o A. não retirará da presente ação qualquer utilidade. Tendo o imóvel em causa sido vendido, é na ação comum constitutiva de preferência – a qual já foi intentada e corre termos sob o nº nº 2092/19.0T8PRT – que o A. poderá ver satisfeita a sua pretensão, aí obtendo a substituição coerciva da posição do comprador no contrato celebrado com o terceiro adquirente.
Mais: é igualmente nessa ação de preferência que o A. verá definido o preço a pagar pela aquisição do imóvel. Aliás, tal preço já se encontrará especificado no contrato de compra e venda de fls. 78 e segs., tal como imposto, aliás, pelo o art. 63º do Código do Notariado. De todo o modo, caso o A. assim o entenda, sempre poderá, nessa mesma ação (tal como já o fez, conforme decorre da petição inicial de fls. 120 e segs., designadamente, nos arts. 59º e segs. dessa peça processual), invocar e demonstrar a simulação desse preço, pugnando pela fixação do preço efetivo.
Mais: é também nesta ação de preferência que se deverá apurar, nos termos do 417º, nº1, do CC, se a preferência deverá incidir sobre as coisas restantes, caso estas não sejam “separáveis sem prejuízo apreciável”.
Face ao exposto, tendo em conta que o imóvel relativamente a qual o A. pretende preferir já foi vendido a terceiro e tendo já sido interposta a respetiva ação comum constitutiva de preferência, considero que desapareceu o interesse material na tramitação da presente ação especial destinada à determinação do preço do referido imóvel, pelo que a mesma deverá extinguir-se por inutilidade superveniente, nos termos do art. 277º, al. e), do CPC.
Nesta medida, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nos autos.
Assim, julgo extinta a presente instância, por inutilidade superveniente.
As custas ficam a cargo do A., por não se vislumbrarem motivos que permitam imputar aos RR. tal inutilidade, tendo em conta, designadamente, que a venda do imóvel ocorreu anteriormente à sua citação (art. 536º, nºs. 3 e 4, do CPC).
Fixo à presente ação o valor de 30 000,01 € (dada a não impugnação, pelos RR., do valor indicado pelo A. e o disposto no art. 296º, nº 1, do CPC)”.
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O Autor veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir a revogação da sentença.
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Os requeridos vieram responder ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
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Terminam por considerar que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo negar-se provimento ao recurso apresentado.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação e sobre a nulidade da sentença, proferiu-se o despacho que se transcreve:
“O A., em sede de alegações de recurso, invocou a nulidade da decisão proferida nos presentes autos, designadamente, na parte relativa à responsabilidade pelas custas, por a mesma não especificar os respetivos fundamentos de facto e de direito.
Invoca, se bem vemos, o disposto no art. 615º, nº 1, al. b), do CPC.
Não obstante, compulsada a decisão proferida nos autos, julgamos que a decisão proferida não padece do vício que lhe é apontado em sede de alegação de recurso, tal como decorre do seu próprio teor.
Com efeito, não obstante a decisão em causa não conhecer do mérito da pretensão do A., a verdade é que, no seu âmbito, são mencionadas as circunstâncias processuais (as quais resultam dos próprios autos e das peças processuais neles incorporadas) que fundaram tal decisão.
O vício invocado poderá constituir, quanto muito, um vício de julgamento; porém, tal vício não se confunde com a invocada nulidade da sentença. Com efeito, tal como vem sendo afirmado pela jurisprudência, nos moldes exemplarmente resumidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-6-2016, in www.dgsi.pt, “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.”.
Nesta medida, e nos termos do art. 617º, nº 1 do CPC, entendemos não existir qualquer nulidade a suprir e, consequentemente, sustentamos a decisão proferida.
Notifique”.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- nulidade da sentença, por omissão dos factos provados e não provados;
- omissão de fundamentação de facto;
- da verificação dos pressupostos para julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide;
- da responsabilidade pelas custas devidas na ação.
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2.Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos considerados na sentença:
- O A. apresentou a presente ação especial nos termos dos arts. 1004º e 1029º do CC.
- Alegou, para o efeito, que é arrendatário de imóvel que o senhorio pretende vender, juntamente com outros.
- Pretende o A. preferir nessa venda, mais requerendo, através da presente ação especial, que seja determinado o preço que deve ser proporcionalmente atribuído ao imóvel de que é arrendatário.
- Por escritura de fls. 78 e segs., em 31-8-2018, após a interposição da presente ação, mas anteriormente à sua citação, o senhorio/proprietário procedeu à venda do referido imóvel, juntamente com outros.
- Nessa sequência, tal como decorre da certidão de fls. 120 e segs., o A. intentou a ação que corre termos sob o nº 2092/19.0 T8PRT, neste Juízo Cível do Porto (J 6), pedindo, com base no invocado direito de preferência, que seja declarado legítimo proprietário do referido imóvel.
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3. O direito - Nulidade da sentença -
No ponto Y das conclusões de recurso, suscita o autor a nulidade da sentença, por na sentença não se ter declarado os factos julgados provados e não provados, nem analisou criteriosamente a prova.
Com efeito, nos termos do art. 615º/1 b) CPC, a sentença é nula, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade ocorre desde que se verifique a falta absoluta de fundamentação, que pode referir-se só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
A irregularidade está diretamente relacionada com o dever imposto ao juiz de motivar as suas decisões, conforme resulta do disposto no art. 607º CPC[2].
Contudo, a omissão de exame crítico das provas não preenche a apontada nulidade, pois para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão”[3].
A falta de fundamentação da decisão de facto ou ainda, a omissão de análise crítica da prova, porque não foram ponderados determinados elementos de prova, não constitui fundamento para nulidade da sentença. O dever de fundamentação da matéria de facto, previsto no art. 607º/2 CPC, não se confunde com o dever de fundamentação da decisão final, onde se trata da aplicação do direito aos factos e apenas este vício pode gerar a nulidade da sentença.
A falta de fundamentação da decisão de facto quando muito poderá gerar o reenvio do processo ao tribunal de 1ª instância para completar a fundamentação, nas circunstâncias do art. 662º/5 CPC ou em última instância, a anulação do julgamento, com repetição, ao abrigo do art. 662º/4 CPC.
Na situação concreta, a sentença começa por enunciar os factos relevantes que estiveram na base da decisão, apesar de não fazer a distinção entre provados e não provados conforme determina o art. 607º/3 e 4 CPC e na decisão o juiz do tribunal “a quo” atendeu apenas aos factos que transcreveu na sentença, especificando os fundamentos de direito em que assentou a decisão.
Desta forma, a sentença não se mostra ferida de nulidade por falta de fundamentação de facto.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob o ponto Y.
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- Omissão de fundamentação da decisão de facto;
Na alínea Y das conclusões sustenta o apelante que na sentença não se analisou criteriosamente as provas, se nem indicou as ilações tiradas dos factos instrumentais e, não se especificou os demais fundamentos decisivos para formar a convicção. Não se especificou ainda os factos admitidos por acordo compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, nem fez uma apreciação das provas, documentos, juntos aos autos que levariam, sem qualquer dúvida, a uma decisão destinta, nomeadamente quanto à responsabilidade das custas.
Cumpre apreciar da alegada omissão de fundamentação e suas consequências.
A decisão da matéria de facto está subordinada ao critério estabelecido no art. 607º/4/5 CPC, onde se prevê:
“1. (…)
2. (…)
3. (…)
4.Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência.
5. O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6. (…).”
Deste regime decorre que cumpre ao juiz explicar os motivos que influenciaram e determinaram a decisão acerca da matéria de facto, fazendo uma análise crítica da prova.
Nesse processo de decisão cumpre concretizar os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção, mas não tem que catalogar as razões que se foram revelando no decurso da audiência e que determinaram, uma a uma, que se formasse a convicção do tribunal, mas apontar seletivamente, entre as razões que “decidiram”, aquela ou aquelas que tiveram a maior força persuasiva[4].
Face ao critério estabelecido na lei e no sentido de garantir a transparência das decisões, cumpre ao juiz no ato de julgar a matéria de facto demonstrar o raciocínio lógico que conduziu à decisão, ponderando os diversos meios de prova e a sua natureza, a razão de ciência da testemunha e nisso se traduz a análise crítica da prova[5].
A doutrina tem defendido que cumpre explicar o motivo pelo qual se deu particular relevância a um depoimento em detrimento de outro, bem como, se deu particular relevo a um relatório pericial em prejuízo de outro, ou relevância ao depoimento de um perito em detrimento de um laudo pericial[6].
A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo, determinar a sua relevância e proceder à sua valoração.
TEIXEIRA DE SOUSA vai mais longe, sugerindo um método de análise: “[s]e o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos”[7].
Contudo, a lei apenas prevê um critério e não impõe um método de análise, permitindo desta forma ao julgador procurar a fórmula que melhor preencha o critério legal, face ao caso concreto.
A necessidade de fundamentação não importa perda de liberdade de julgamento, a qual se mostra garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 607º/5 CPC[8].
Quando a prova é gravada, a sua análise crítica constitui complemento fundamental da gravação, mas não dispensa a fundamentação, porque só através desse ato é possível apurar o convencimento do juiz.
Como refere LEBRE DE FREITAS: “[q]uando a prova é gravada, a sua análise critica constitui um complemento fundamental da gravação; indo, nomeadamente, além do mero significado das palavras do depoente (registadas em audiência e depois transcritas), evidencia a importância do modo, como ele depôs, as suas reações, as suas hesitações e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o depoimento. Ainda que a prova seja gravada e, portanto, suscetível de ser reapreciada pela Relação (art. 712º /1 a contrario), a necessidade de fundamentação séria, leva, indiretamente, o tribunal a melhor confrontar os vários elementos de prova, não se limitando ás suas intuições ou ás suas impressões mais fortes recebidas na audiência decorrida e considerando, um a um todos os fatores probatórios submetidos à sua livre apreciação, incluindo, nos casos indicados na lei, os relativos à conduta processual da parte. A fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional”[9].
A falta de motivação determina a remessa do processo ao tribunal da 1ª instância, nas circunstâncias previstas no art. 662º/2 d) CPC ou a anulação do julgamento, ao abrigo do art. 662º/2/c) CPC.
Daqui decorre que a determinação da fundamentação sobre certos pontos da matéria de facto cede quando seja impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção de prova (art. 662º/3 b) e d) CPC).
A verificar-se esta situação o juiz do tribunal “a quo” tem de justificar a razão da impossibilidade cabendo à Relação valorar a relevância de tal impossibilidade, nomeadamente para determinar a eventual anulação da decisão proferida[10].
De igual modo, cumpre salientar, que apenas a falta de fundamentação em relação a factos essenciais, justifica a remessa do processo à 1ª instância para efeitos de fundamentação da decisão.
Julgado provado ou não provado um facto, sem fundamentação, que não se revele concretamente essencial para a decisão da causa, a exigência a posteriori da fundamentação, em via de recurso, é inútil, sendo a falta de fundamentação irrelevante.
No caso concreto, a sentença contém a fundamentação da decisão de facto, assente toda ela em prova documental devidamente referenciada, sendo de concluir que o juiz do tribunal “a quo”, fazendo um juízo crítico da prova, observou o critério legal, na fundamentação da decisão da matéria de facto.
Acresce que o apelante não indica os concretos factos que carecem de fundamentação.
Na fundamentação crítica da decisão da matéria de facto cumpre apenas indicar os fundamentos que foram decisivos, para a decisão, nem se exige a fundamentação facto a facto, sobretudo quando está em causa matéria de facto conexa entre si, como ocorre no caso presente.
Conclui-se, que o juiz do tribunal “a quo“ procedeu a uma análise critica da prova, pois conheceu do conteúdo dos vários meios de prova, determinou a relevância e procedeu à respectiva valoração, com indicação dos fundamentos decisivos para a formação da sua convicção.
Neste contexto, a fundamentação da matéria de facto respeita o critério legal, motivo pelo qual não se justifica a remessa do processo à 1ª instância para completar a fundamentação, nem a anulação da decisão.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob o ponto Y.
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- Da verificação dos pressupostos para julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide -
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A) a S), insurge-se o apelante contra a sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por entender que através da instauração da ação de preferência, em data ulterior à presente ação, não logrou obter a satisfação da sua pretensão nesta ação, que consiste em ver reconhecido o seu direito de preferência limitada ao prédio arrendado e a fixação proporcional do preço em relação ao preço global da venda, mantendo-se por isso, a utilidade da instância.
Na resposta ao recurso, renovam os apelados os argumentos da sentença, no sentido de se julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.
Na sentença concluiu-se:
“Face ao exposto, tendo em conta que o imóvel relativamente a qual o A. pretende preferir já foi vendido a terceiro e tendo já sido interposta a respetiva ação comum constitutiva de preferência, considero que desapareceu o interesse material na tramitação da presente ação especial destinada à determinação do preço do referido imóvel, pelo que a mesma deverá extinguir-se por inutilidade superveniente, nos termos do art. 277º, al. e), do CPC”.
Está em causa apurar se a instauração da ação de preferência pelo autor constitui fundamento para extinção da presente lide por inutilidade superveniente (art. 277º/e) CPC).
Adiantando a resposta, entendemos que não, pelos motivos que se passam a expor.
Dispõe o art.º 277.º, al. e) do CPC que a instância extingue-se com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
Em tese geral, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, como refere LEBRE DE FREITAS “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar — além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio"[11].
ABRANTES GERALDES observa que “[a] inutilidade superveniente decorre em geral dos casos em que o efeito pretendido já foi alcançado por via diversa, sendo o caso mais típico o do pagamento da quantia peticionada ou, em geral, o cumprimento espontâneo da obrigação em causa ou a entrega do bem reivindicado”[12].
Desta forma, a impossibilidade superveniente da lide só ocorre quando, na pendência do processo, desaparece algum dos sujeitos ou o objeto da causa. Por sua vez, a inutilidade superveniente da lide ocorre quando a pretensão visada pelo demandante foi alcançada por outro meio fora do processo.
Daí que não se possa afirmar que a mera instauração de uma segunda ação faz desaparecer o interesse material na tramitação da primeira ação e por isso, se mostra inútil, pois a inutilidade superveniente da lide pressupõe sempre que o autor tenha conseguido obter a satisfação da sua pretensão fora da primeira ação.
Tendo presente estas aspetos cumpre relembrar os fundamentos da pretensão do autor e o fim que visa alcançar com a presente ação.
O autor/apelante veio peticionar o suprimento ao exercício parcelar de preferência em relação ao prédio melhor identificado no artigo 5.º, alínea A) da petição, pelo preço proporcional de € 154.952,91 (cento e cinquenta e quatro mil, novecentos e cinquenta e dois euros, noventa e um cêntimos),
O autor invocando a qualidade de arrendatário de uma parte de um prédio, que vai ser objeto de venda juntamente com outros por um preço global, pretende preferir apenas no prédio objeto do contrato de arrendamento e pelo preço proporcional. A comunicação da proposta de venda, por parte dos proprietários, foi realizada por via extrajudicial.
Nos termos do art. 417º/1 do Código Civil sob a epígrafe “Venda da coisa juntamente com outras” prevê-se:
“1.Se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o direito ser exercido em relação àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito, porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes, se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável”.
Na previsão da norma enquadram-se as situações em que o obrigado à preferência decide alienar o bem objeto da mesma em conjunto com outros bens por um preço global, uma contrapartida única por aquele conjunto de bens[13].
O titular do direito à preferência pode optar por exercer o seu direito em relação àquela, pelo preço proporcionalmente atribuído.
Na falta de acordo entre as partes é através da ação prevista no art. 1029º CPC que o titular do direito à preferência pode exercer o seu direito, ainda que na doutrina seja controvertido o âmbito de aplicação do processo em causa, como se irá explicar mais à frente.
O art. 1029º/1 CPC com a epígrafe “ Preferência limitada” prevê: “1. Quando o contrato projetado abranja, mediante um preço global, outra coisa além da sujeita ao direito de preferência, o notificado pode declarar que quer exercer o seu direito só em relação a esta, requerendo logo a determinação do preço que deve ser atribuído proporcionalmente à coisa e aplicando-se o disposto no art. 1004º. 2.A parte contrária pode deduzir oposição ao requerido, invocando que a coisa preferida não pode ser separada sem prejuízo apreciável. […]”.
A ação em causa constitui uma ação de arbitramento para fixar o valor proporcional da coisa objeto da preferência, podendo prosseguir, caso a oposição não proceda, para a fase da venda e adjudicação, nos termos do art. 1028º CPC.
Distinta desta ação é, àquela outra, prevista no art. 1037º CPC ( art. 1465º CPC de 1961 ), à qual ainda que de forma indireta se faz referência na sentença, com a citação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de setembro de 1991, Proc. 080164 (acessível em www.dgsi.pt).
Com efeito, no citado acórdão observa-se:
“No processo (de jurisdição voluntaria) de notificação para preferência, previsto no citado artigo 1465º do Código de Processo Civil, não há um conflito de interesses a compor, não há litigio nem pretensão: o seu fim e, tão só, apurar a quem deve ser atribuído o direito de preferência, havendo várias pessoas com esse direito. Nele não há nem controvérsia sobre a existência do direito nem sobre a oportunidade do seu exercício.
Porque não há litigio nem pretensão, não e admitida oposição. Mesmo que, nesse processo, tenha existido mais do que um licitante e o que ofereceu o preço mais alto não faça o respetivo depósito, o facto de o licitante a quem foi devolvido o direito de preferência não depositar o preço não lhe tira a qualidade de preferente.[…] O requerente anuncia um propósito de aproveitar o direito de preferência, mas ainda se não esta a exerce-lo, "ainda se não entrou no litígio da preferência". E o tribunal não define ai o direito, cuja fonte esta na lei ou no contrato - não na notificação.
Na ação de preferência (a que o adquirente e chamado e na qual ele se poderá ver preterido) e que haverá lugar a oposição e o tribunal procedera a sua definição. Naquele outro processo, o tribunal limita-se a devolver o direito em função de licitações.
Pode, mesmo, não ser necessário socorrer-se do processo estabelecido no citado artigo 1465, cuja utilização, alias, não poderia sequer ser imposta pelos recorrentes, por falta de legitimidade para invocarem ou exercerem o direito de preferência, de que não são titulares.
Com efeito, antes de mais, seria de acentuar a não obrigatoriedade e, mesmo, a desnecessidade de o arrendatário habitacional, como titular de um direito de preferência legal, notificar os restantes preferentes para que digam se pretendem ou não exercer o direito de preferir.[…] Mas, usando-se tal processo, como foi o caso, não obstava a que as partes fizessem terminar esse processo por transação, renunciando o notificado (o outro arrendatário habitacional) ao seu direito de preferência, e, assim, ficando somente o requerente com possibilidade de vir a exercer o direito de preferência.
Como no processo de notificação para preferência ainda se não esta a exercer o direito de preferência e não pode haver atribuição desse direito em função de licitações (e, com efeito, não foi atribuído), tal processo não tem seguimento. E, na verdade, extinguiu-se sem que tivesse havido licitações.
Tudo se passa, portanto, como se o notificado tivesse renunciado ao seu direito antes de ser instaurado o processo de notificação para preferir. Não houve licitações nem a consequente atribuição do direito. Não há que falar, sequer, em licitante: efetivamente, não há licitante.
Portanto, carece de sentido e não tem cabimento a aplicação, neste caso, do disposto no n. 1 do artigo 1465 do Código de Processo Civil. Como o requerente ficou sozinho, não há que determinar o preferente nem há que efetuar qualquer depósito.
A atribuição do direito de preferência aos recorridos resultou de renúncia ao respetivo direito por parte dos preferentes simultâneos, ou seja, dos outros arrendatários habitacionais”.
As considerações tecidas neste aresto não aproveitam para o concreto caso, por não estarmos na presença de uma ação em que o direito de preferência caiba a diversas pessoas e se pretenda, por licitação, atribuir o direito a um dos preferentes.
No processo previsto no art. 1029º CPC existe um litígio relacionado com o exercício da preferência limitado a um único prédio e a fixação do respetivo valor.
O processo em causa constitui o meio processual ao dispor do titular do direito à preferência para exercício do direito concedido pelo art. 417º/1/2 CC, na falta de acordo entre as partes, como já se referiu.
Através desta ação visa o preferente restringir o seu direito à coisa sobre a qual tem preferência – “preferência limitada” -, reduzindo o preço à importância que proporcionalmente corresponde à coisa no preço global.
Contudo, não existe consenso na doutrina sobre o âmbito de aplicação deste processo, quando a notificação para a preferência é exercida pela via extrajudicial,
O Professor HENRIQUE MESQUITA defende a tese de inexistência de analogia entre a notificação judicial e a notificação extrajudicial[14] e afirma que a aplicar-se o regime do anterior artigo 1459.° do Código de Processo Civil (atualmente artigo 1029.º CPC) aos casos de notificação extrajudicial, “a proposição de uma ação de arbitramento, necessariamente dispendiosa, poderia redundar, no comum dos casos, numa atividade inútil, com a qual o preferente não lograria efetivar, sem mais, o seu direito de opção”.
O Professor AGOSTINHO GUEDES[15], discorda da opinião de HENRIQUE MESQUITA, antes aceitando a analogia entre os dois modos de notificação (judicial e extrajudicial) e as consequências deles, defendendo que: “[e]m primeiro lugar, os efeitos da notificação para preferência, em sentido estrito, são exatamente os mesmos, quer esta seja judicial ou extrajudicial.
Se regularmente feita, a sua realização consubstancia o cumprimento do dever previsto no artigo 416.º, n.º 1, do Código Civil e torna certo o prazo de caducidade do direito de preferir. O dever de contratar com o preferente, cuja impossibilidade de incumprimento no caso de notificação judicial é alegada por Henrique Mesquita, constitui-se com a declaração do preferente de querer preferir.
Constituído esse dever, a lei civil e a lei adjetiva contam com o seu cumprimento voluntário por parte do devedor, tal como demonstra o artigo 1458.°, n.º 2, Código de Processo Civil [ atual art. 1028º CPC] quando prevê que, feita a declaração do preferente, só “se nos vinte dias seguintes não for celebrado o contrato” o preferente pode requerer que se designe dia e hora para a parte contrária receber o preço, ou seja, o devedor tem vinte dias para cumprir o seu dever face ao preferente.
Caso o devedor não cumpra esse dever, o preferente poderá, em regra, obter para si o bem objeto da prelação nos termos do art. 1458.º, n.º 4, Código de Processo Civil [atual art. 1028º CPC], mas não se pode afirmar que o preferente tem a certeza de que o bem lhe será adjudicado; com efeito, se é certo que uma eventual recusa do sujeito passivo em celebrar o contrato não evitará a adjudicação do bem ao preferente, também é verdade que não encontramos na lei processual nenhuma norma que impeça o sujeito passivo de, entre a comunicação para preferência e adjudicação ao preferente, celebrar o contrato projetado com terceiro, coisa que impedirá a aludida adjudicação, pelo menos se esta tiver natureza translativa.
Além disso, a diferença ainda será mais ténue caso se entenda (como nós entendemos) que o art. 1458.°, n.°4, Código de Processo Civil [atual art. 1028º CPC] prevê, afinal, uma execução específica do dever de contratar e que igual possibilidade assiste ao preferente no caso de comunicação extrajudicial (…)”.
Para o Professor ANTUNES VARELA o preferente na situação prevista no art. 417º CC “[…] tem a faculdade “de restringir o seu direito à coisa a que o pacto se refere, reduzindo o preço devido à importância que proporcionalmente corresponde a essa coisa dentro do preço global estabelecido; na falta de acordo sobre tal determinação, haverá que recorrer à ação de arbitramento necessária para fixar o valor proporcional da coisa”[16].
Defende, ainda, o mesmo AUTOR que sendo o preço um dos elementos essenciais da alienação, se o obrigado à preferência não tiver indicado, como lhe cumpre, o preço atribuído à coisa objeto da preferência, dentro do preço global convencionado, terá o preferente de propor a ação de arbitramento a que se refere o nº2 do art. 1459 do Código de Processo Civil [atual art. 1029º CPC] para determinação do preço, no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento do preço global. O preço, porém, só será obrigado a depositá-lo depois de fixado judicialmente o que compete à coisa objeto da preferência”[17].
Mesmo na hipótese em que o obrigado à preferência omite a notificação, procedendo à venda do prédio objeto de preferência juntamente com outros por um preço global, defende o Ilustre Professor que só com a ação de arbitramento fica determinado um dos elementos essenciais para o exercício da preferência, a determinação do preço proporcional, sendo certo que na ação de preferência está obrigado a depositar o preço real e não o preço hipotético[18].
Não aceitando o preferente a aquisição conjunta de bens, comunicada pelo obrigado à preferência, além daquele sobre que recai o seu direito, não estando o obrigado à preferência adstrito a discriminar o preço de cada coisa integrante do conjunto, assiste ao preferente parcelar, mesmo em caso de notificação extrajudicial, o direito de requerer arbitramento judicial para determinar o valor proporcional e assim exercer o direito de preferência com o âmbito inicial, não sendo de afastar por analogia a aplicação do regime jurídico do artigo 1029.º (preferência limitada) do Código de Processo Civil, nos termos da ação de suprimento prevista no artigo 1004.º deste diploma.
Neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência, entre outros, no Ac. STJ 16 de março de 2011, Proc. 1113/06.0TBPVZ.P1.S1, Ac. STJ 01 de julho de 2014, Proc. 599/11.6TVPRT.P2.S1 (que confirmou o Ac. Rel. Porto 25 de novembro de 2013, Proc. 599/11.6TVPRT.P2), Ac. Rel. Lisboa 07 de maio de 2020, Proc. 10633/18T8LSB.L1-6, – todos acessíveis em www.dgsi.pt.
O Ac. STJ 16 de março de 2011, Proc. 1113/06.0TBPVZ.P1.S1, ao qual se refere a sentença, foi proferido no âmbito de uma ação de preferência, estando em causa apreciar da caducidade do direito do preferente.
Considerou o citado aresto:
“Os 1ºs RR pretendiam vender dois prédios conjuntamente e tinham comprador para eles pelo preço global de 500.000€ e foi esse projeto de venda concreto que comunicaram ao A. marido, concedendo-lhe a preferência nessas condições.
Não tinham os 1ºs RR que descriminar os preços de cada um dos prédios que pretendiam alienar, exatamente porque queriam vendê-los por um preço global, como a lei lhes faculta, nem tinham que alegar que lhes adviria prejuízo se as vendessem separadamente porque lhes era lícito a venda conjunta, mesmo que a venda individualizada não lhes causasse qualquer prejuízo, embora, neste último caso, não pudesse impor a venda assim projetada ao preferente se ele quisesse restringir o exercício do direito apenas ao imóvel de que é arrendatário. Tal imposição só era lícita, se a separação dos prédios lhes causasse prejuízo devendo notar-se que a separabilidade ou inseparabilidade dos prédios não tem a ver com a sua individualidade física ou jurídica, mas sim com uma ligação funcional ou económica.
Ora, tendo o A. marido sido notificado para exercer o direito de preferência no prazo de 8 dias, o que obviamente se refere à declaração de preferência e não à concretização do negócio, competia-lhe declarar que pretendia preferir ou no conjunto e pelo preço global proposto, ou apenas em relação ao prédio de que é arrendatário (objeto do seu direito de preferência).
Nesta última hipótese, devia requerer ao tribunal a determinação do preço que competiria proporcionalmente ao arrendado, nos termos da ação de suprimento prevista no Art. 1429º do C.P.C. por aplicação do Art.º 1459 do mesmo diploma legal, apesar de a notificação para a preferência ter sido efetuada extrajudicialmente.
De facto, não sendo obrigatória a notificação judicial para preferência, e produzindo a notificação extrajudicial os mesmos efeitos, não havendo acordo na fixação do preço proporcional devido pela alienação da coisa separada, a questão tem de ser solucionada por via judicial, impondo o princípio da adequação formal do Art.º 265º-A do C.P.C., a solução mais adequada que, na nossa ótica, será a acima proposta.
Aliás, a manifesta analogia das situações sempre justificaria tal solução.
Portanto, seria nessa ação de suprimento que o obrigado à preferência teria de alegar e provar que o prédio não podia ser vendido separadamente sem prejuízo considerável.
Não era, antes, na carta/notificação, que tinha de fazer tal alegação.
Acontece que, apesar de notificado para preferir nas referidas condições, o A. marido nada disse no prazo legal dos 8 dias.
E, como se provou, não exerceu conscientemente o seu direito de preferência por não ter interesse em adquirir os dois prédios em conjunto pelo preço global proposto (cfr. ponto XI da matéria de facto), sabendo perfeitamente que aos 1ºs RR só interessava a venda conjunta pelo aludido preço global, como também se provou (o que, porém, não obrigava os AA. a aceitar tal posição dos vendedores, como é óbvio).
É assim evidente que, se pretendia exercer o direito de preferência apenas em relação ao prédio de que é arrendatário, tinha de manifestar aos 1ºs RR. tal pretensão no prazo concedido para exercer o seu direito, nos termos acima explicitados.
Não o fez, porém, como se disse, o que não pode senão significar que aceitou a venda conjunta pelo preço global comunicado, o que, todavia não lhe interessava, não colocando a questão de preferir apenas em relação ao prédio objeto do seu direito, como a lei lhe facultava, mesmo contra a vontade dos vendedores, que só poderiam obstar a tal pretensão provando que a venda separada do arrendado ao A. lhe causava prejuízo relevante.
Caducou, por isso, o direito de preferência do A..”
No Ac. STJ 01 de julho de 2014, Proc. 599/11.6TVPRT.P2.S1, proferido também em sede de ação de preferência e estando em causa a caducidade de exercício do direito, considerou-se:
“Não aceitando o preferente a aquisição conjunta de bens, comunicada pelo obrigado à preferência, além daquele sobre que recai o seu direito, não estando o obrigado à preferência adstrito a discriminar o preço de cada coisa integrante do conjunto, assiste ao preferente parcelar, mesmo em caso de notificação extrajudicial, o direito de requerer arbitramento judicial para determinar o valor proporcional e assim exercer o direito de prelação com o âmbito inicial, não sendo de afastar por analogia a aplicação do regime jurídico do art.1459º (preferência limitada) do Código de Processo Civil, nos termos da ação de suprimento prevista no art. 1429.º deste diploma”.
Evidencia-se na jurisprudência a relevância da instauração deste tipo de processo para efeitos de apreciar do prazo de caducidade no exercício do direito à preferência na respetiva ação.
Constitui, assim, o processo previsto no art. 1029º CPC e 1004ºCPC, o meio processual próprio para o autor exercer o direito de opção em relação ao prédio que pretende preferir estando em causa a venda de um conjunto de coisas por um preço global, bem como, o modo de fixação do preço proporcional.
A ocorrência da venda a terceiros na pendência da ação, ainda que antes do ato de citação, apenas torna inviável a concretização da venda ou adjudicação na presente ação, mas não impede que se aprecie do direito a preferir, apenas num único prédio e a determinar o valor proporcional, tanto mais que na ação já se encontra o terceiro que adquiriu todos os prédios, formando a decisão caso julgado quanto ao interveniente.
A procedência da ação de preferência tem como resultado a substituição com eficácia retroativa do adquirente pelo preferente. Tudo se passa como se o contrato de compra e venda tivesse sido celebrado entre o alienante e o preferente.
Porém, tal como o apelante/autor estrutura a sua pretensão, apenas pretende exercer a preferência sobre o concreto prédio objeto do contrato de arrendamento e não sobre todos os demais objeto da venda e pelo preço proporcional fixado na presente ação de arbitramento.
O objeto de um e outro processo são distintos.
Podemos equacionar uma relação de prejudicialidade entre as duas ações, desde logo porque a possibilidade de preferir sobre aquele concreto prédio deve ser definida nesta ação, dado que a coisa preferida pode não ser separável e o autor não estar interessado em exercer a preferência em relação a todas as coisas; o depósito do preço real e proporcional na venda, será o que resultar do arbitramento.
Por outro lado, o prosseguimento desta ação para efeito de fixação do preço, como defende o apelante, passará sempre pela apreciação daquela outra questão que é prévia e que consiste em apurar se assiste ao autor o direito de preferência, como aliás, já se decidiu, no Ac. Rel. Porto 19 de março de 2002, Proc. 0220139 (acessível em www.dgsi.pt), conforme excerto do acórdão que se transcreve:
“Por último, deve dizer-se que não assiste a menor razão ao apelante quando refere (conclusões 1.ª a 3.ª) que o presente processo [processo especial para determinação judicial de preço] visa apenas determinar o preço devido pelo apelante referente ao exercício do direito de preferência limitada de que se arroga, devendo, por isso, o tribunal ter-se limitado a proceder às diligências adequadas à sua fixação.
Se é certo que a presente ação tem como fim último a determinação judicial do preço correspondente a uma dependência um bem vendido unitariamente, por um preço global, não é menos certo que, antes de determinar o preço dessa dependência, há que averiguar se o exercício do direito de preferência em relação à fração do prédio em que se pretende preferir é legalmente admissível. Se o for, terá de proceder-se à realização das diligências necessárias com vista à determinação do preço atinente à parte em que se pretende preferir. Se o não for, como sucede no caso presente, então, a ação tem de ser julgada improcedente, não havendo razão alguma que justifique ou imponha a realização de qualquer diligência com vista à determinação de qualquer preço, o que, a fazer-se, não passaria de ato despido de qualquer utilidade”.
Essa questão que é prévia (e controvertida nos autos), a respeito da dimensão do direito de preferência do arrendatário e tem gerado acesa controvérsia, como bem ilustra o Ac. STJ 18 de outubro de 2018, Proc. 3131/16.1T8/LSB.4.S1 (disponível em www.dgsi.pt) (citados pela interveniente), sendo apreciada nesta ação, constitui uma questão prejudicial em relação à ação de preferência.
Apreciando a argumentação dos apelados é de considerar que a mesma não releva para efeitos de apreciar da utilidade da ação. A questão de saber se na venda realizada estava determinado o preço individual de cada imóvel, prende-se com o mérito e fundamentos da presente ação.
De todo modo constitui jurisprudência uniforme[19] que a menção discriminada dos preços dos imóveis vendidos em conjunto, constante da escritura pública de compra e venda resulta, obrigatoriamente, do art. 63º do Código do Notariado que impõe que nos atos sujeitos a registo predial, a indicação do valor de cada prédio, da parte indivisa ou do direito a que o ato respeitar. São motivos de natureza fiscal e processual que determinam a individualização do valor dos imóveis, sem que tal signifique que, se fossem vendidos separadamente fosse esse o valor real ou venal de cada uma das unidades prediais em causa. É a vontade das partes que releva para efeitos de interpretar a declaração que consta do documento, quanto ao preço (preço global ou preço unitário).
Resta referir que a mera instauração de uma ação, no caso, a ação de preferência, não define direitos, pois apenas a sentença com trânsito em julgado garante tal tutela, motivo pelo qual não se pode afirmar que com a instauração da ação de preferência o autor viu alcançada a sua pretensão.
A instauração da ação de preferência não justifica a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, porque a pretensão visada pelo demandante não foi alcançada por essa via fora deste processo. Não lhe foi reconhecido o direito de preferência apenas sobre o concreto prédio objeto do contrato de arrendamento, nem fixado o preço proporcional sobre a venda dos vários prédios.
Procedem, nesta parte, as conclusões de recurso, com a consequente revogação da decisão, prosseguindo os autos os ulteriores termos.
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- Responsabilidade pelas custas devidas, caso se julgue extinta a ação por inutilidade superveniente da lide -
Nas conclusões de recurso, sob as alíneas T) a X), insurge-se o apelante contra o segmento da decisão que fixou a responsabilidade pelas custas a cargo do autor, para a hipótese de se confirmar a sentença.
A questão suscitada mostra-se prejudicada pela solução da anterior questão e como tal não será apreciada (art. 608º/2 CPC).
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas:
- na ação - pelos requeridos e interveniente, na medida em que decaíram na questão colocada a respeito da utilidade da ação;
- na apelação – pelo apelante e apelados, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/5 e 4/5, respetivamente.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar a sentença, determinando o prosseguimento dos autos, com a apreciação do seu objeto.
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Custas:
- na ação - pelos requeridos e interveniente;
- na apelação – pelo apelante e apelados, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/5 e 4/5, respetivamente.
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Porto, 25 de janeiro de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
______________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, vol II, 2ª edição, pag. 675; JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pag. 705 e segs. e ANSELMO DE CASTRO Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pag. 141. [3] ANTUNES VARELA J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil,2ª edição, revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, pag. 688. [4] RUI AZEVEDO DE BRITO apud ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol.II, 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 2000, pag. 258. [5] Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, ob. cit., pag. 257 e JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, ob.cit., pag. 661. [6] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, ob. cit., pag. 256 e JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, ob. cit., pag. 660. [7] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª EDIÇÃO, Lisboa, Lex, 1997, pag. 348. [8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, ob. cit., pag. 259. [9] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pag. 281 e ainda, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum-Á luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pag. 316. [10] Cfr. LEBRE DE FREITAS E ARMINDO RIBEIRO MENDES Código Processo Civil Anotado, vol III, Tomo I, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pag. 126. [11] JOSÉ LEBRE DE FREITAS E JOÃO REDINHA, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pag. 512 e JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, vol.I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, setembro 2014, pag. 546 [12] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA Código de Processo Civil Anotado-Pare Geral e Processo de Declaração, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, pag. 321 [13] Cfr AGOSTINHO CARDOSO GUEDES O Exercício do Direito de Preferência, Publicações Universidade Católica, Porto, 2006, pag. 403 [14] HENRIQUE MESQUITA “DIREITO DE PREFERÊNCIA, ALIENAÇÃO DA COISA JUNTAMENTE COM OUTRA, POR PREÇO GLOBAL, E NOTIFICAÇÃO PARA PREFERIR, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, páginas 45-71 [15] AGOSTINHO CARDOSO GUEDES O Exercício do Direito de Preferência, ob. cit., pag. 480 e seguintes [16] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1980, pag. 284 [17] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, ob. cit., pag. 285 [18] Cfr. PIRES DE LIMA E ANTUNES VAREL, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição revista e atualizada-reimpressão, Coimbra Editora – grupo Wolters Kluwer, Coimbra, fevereiro de 2011, pag. 376 [19] Ac. STJ 01 de julho de 2014, Proc. 599/11.6TVPRT.P2.S1; Ac. STJ 16 de março de 2011, Proc. 1113/06.0TBPVZ.P1.S1 2011, Ac. Rel. Porto 01 de abril de 2014, Proc. 391/08.5TBVPA.P1 (acessíveis emwww.dgsi.pt)