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EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO FUNGÍVEL
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário
I- A sanção pecuniária compulsória só é possível em relação às obrigações de facere ou non facere infungíveis. II- Uma prestação de facto fungível é aquela que pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem que daí resulte qualquer prejuízo para o interesse do credor. III- Nas execuções para prestação de facto fungível, não pode ser fixada qualquer quantia a título de sanção pecuniária compulsória. IV- Se é certo que uma prestação de facto negativo, quer seja de non facere, quer de pati (suportar que o credor pratique certos atos, como um direito de passagem), são, em regra, prestações infungíveis (porquanto só o próprio devedor se pode abster de determinada conduta ou só ele pode tolerar uma determinada conduta do credor), tal não ocorre quando a violação da obrigação negativa consistir na construção de uma obra, porquanto esta pode ser demolida, convertendo-se, então, numa prestação fungível.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
C. J. e J. R. intentaram execução para prestação de facto com base em decisão judicial condenatória - a sentença proferida na acção sumária nº 36/08.3TBVRM do extinto Tribunal da Comarca de Vieira do Minho; e a sentença homologatória de transacção, proferida na acção sumária nº 133/10.5TBVRM, do extinto Tribunal Judicial da Comarca de Vieira do Minho - contra S. M., com o seguinte pedido:
“Termos em que, após citação da executada, requer-se:
A - A realização de perícia para verificação da existência da infracção, bem como, verificada que seja a infracção, indicar logo a despesa provável em que importa a reposição natural, nos termos do artº 876º do CPCivil, aguardando-se despacho para indicação de perito;
B- Seja ordenada à executada a demolição de todas as obras efectuadas (muro, portões e chapa colocados) e reposição dos prédios e servidões no estado anterior em conformidade com o ordenado judicialmente, em prazo que os exequentes reputam ser suficiente, o qual deverá ser de trinta dias, requerendo que, citada a executada para em 20 dias dizer o que se lhe oferecer, tal prazo seja fixado judicialmente - cfr. artº 874ºCPCivil.
C - Seja ordenado à executada o pagamento da quantia de 8.000,00€ a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos exequentes.
D - Admitindo que a executada possa não cumprir com a obrigação no prazo que lhe vier a ser fixado judicialmente, os exequentes requerem, desde já, seja cumprido o estatuído no artº 870º do CPCivil, procedendo-se à prestação de facto pelos exequentes, porque fungível, à custa da executada.
E - A aplicação de sanção pecuniária compulsória à executada à razão de 50,00€ diários, contados do final do prazo que venha a ser fixado, até efectiva prestação de facto”.
Citada a executada, apresentou esta oposição por embargos de executada, que vieram a ser julgados improcedentes.
A executada não cumpriu, voluntariamente.
Os autos prosseguiram com a conversão da execução em execução para pagamento de quantia certa, ao abrigo do disposto nos artigos 869º e 870º do Cód. Proc. Civil, tendo-se nomeado perito com vista a avaliar o custo da prestação e a indicação do prazo necessário para a realização da obra.
Foi proferida a seguinte decisão relativa ao pedido de aplicação desanção pecuniária compulsória:
“Da sanção pecuniária compulsória:
Os exequentes requereram que, decorrido o prazo que vier a ser fixado para o cumprimento da obrigação, deve a executada ser condenada em sanção pecuniária compulsória no valor de € 50 por cada dia que não cumprir o estabelecido
Foi observado o contraditório.
Cumpre apreciar.
Dispõe o artigo 829º-A, nº 1, do Cód. Civil que “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso”
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/10/2005 (processo nº 0553099, acessível no sítio www.dgsi.pt/jtrp), «A fungibilidade ou infungibilidade de uma prestação mede-se pelo seu aspecto prático, como se infere do art. 767º do CC, ou seja, pela possibilidade ou não de esta poder ser cumprida por terceiro. Se for, a prestação é fungível; se não, isto é, se o cumprimento por terceiro for de excluir, a prestação será infungível, sempre tendo em vista a satisfação do interesse do credor».
No caso, a prestação requerida é fungível, conforme os próprios exequentes reconhecem (cfr. alínea D do pedido constante do requerimento executivo), pelo que não é admissível a fixação de sanção pecuniária compulsória.
Pelo exposto, decide-se rejeitar o requerimento executivo na parte em que os exequentes requerem a condenação da executada numa sanção pecuniária compulsória.
Custas do decaimento, que se fixa em 5%, a cargo dos exequentes.
Registe e notifique”.
Os exequentes interpuseram recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões:
1ª O despacho recorrido, que representa a decisão final do Tribunal relativamente à condenação da executada em sanção pecuniária compulsória, assenta em pressupostos-de facto – errados e viola a lei.
2ª A presente execução funda-se em sentenças condenatórias proferidas no âmbito dos processos que correram termos pelo extinto Tribunal da Comarca de Vieira do Minho sob o nº 36/08.3TBVRM e nº 133/10.5TBVRM, sendo que, no primeiro processo, a executada foi condenada a, além do mais, “c)… manter livre e desimpedido o acesso referido em b) deste dispositivo, de modo a permitir o trânsito de pessoas a pé para a parcela de terreno referida em 12. ou, em alternativa, a entregar aos Autores cópia da chave do aloquete da cancela em ferro que se encontra colocada no inicio do seu prédio, assim como a abster-se da prática de quaisquer actos que ofendam ou perturbem o exercício de tal direito a favor do prédio identificado em 1…”.
3ª Aquelas sentenças há muito transitaram em julgado e a executada, não obstante os direitos reconhecidos aos exequentes nas aludidas sentenças e respectivas condenações, violou grosseiramente os direitos dos exequentes ali reconhecidos, não se abstendo de praticar actos que ofendem e perturbam tal exercício.
4ª Esta violação dos direitos dos exequentes foi alegada e concretizada no artigo 5º, nº 2. e 3. do Requerimento Executivo.
E a Oposição mediante Embargos de Executado – que correu termos por apenso aos presentes autos com o nº 335/20.6T8GMR-A – foi julgada improcedente por sentença proferida em 15.09.2020 e já transitou em julgado.
5ª Pelo menos uma das prestações em que a executada foi condenada – a obrigação de manter livre e desimpedido o acesso à parcela de terreno já indicada nos autos, permitindo o trânsito de pessoas a pé para a mesma, abstendo-se da prática de actos que ofendam ou perturbem o exercício de tal direito a favor do prédio dos Exequentes – consiste numa prestação de facto negativo, numa obrigação de abstenção a que apenas estava e está sujeita a executada – nesta parte infungível, porque só a executada a poderia ou poderá cumprir.
6ª Atento o disposto no artº 876º, nº 1, do CPCivil, “ Quando a obrigação do devedor consista em não praticar algum facto, o credor pode requerer, no caso de violação, que esta seja verificada por meio de perícia e que o Juiz ordene:
(…)
b) A indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido; e
c) O pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter na execução.”
7ª Tratando-se de prestação de facto negativo, por força do dispositivo acabado de mencionar, há, sem margem para dúvida, o direito de os exequentes peticionarem a fixação de uma sanção pecuniária compulsória. Aliás, o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória à razão de 50 € diários não foi sequer contestado pela Embargante/executada.
8ª Os exequentes, seguindo de perto o disposto no artigo 876º do CPCivil, partem do pedido de realização de uma perícia para verificação da violação pela executada, pedem a reposição dos prédios no estado anterior pela demolição das obras que tenham sido efectuadas, pedem a indemnização pelo prejuízo sofrido e, antecipando a eventualidade de não cumprimento da demolição – pedido D, pedem que sigam os autos o disposto no artigo 870º do CPcivil, em estreito cumprimento do disposto no artigo 877º do CPCivil, o qual, no seu nº 2, remete expressamente para os termos prescritos nos artigos 869º a 873º (só nesta eventualidade – a de não cumprimento da demolição - é que apontam a fungibilidade desta prestação pois, não sendo cumprida nesta parte a demolição pretendida poderá sê-lo por terceiro à custa do devedor).
9ª O despacho recorrido, ao decidir como decidiu, fez uma errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito em que fundou a decisão, violando o disposto no artigo 876º do CPCivil.
TERMOS EM QUE, sempre com o douto suprimento que de Vossas Excelências se espera, Ilustrados Desembargadores, deve o douto despacho recorrido, porque viola a lei, ser alterado por outro onde se determine a aplicação à executada de sanção pecuniária compulsória no valor de 50 € por cada dia que não cumpra o estabelecido, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!
A executada contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A questão a resolver prende-se com a admissibilidade da sanção pecuniária compulsória.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Os factos com relevo para a decisão constam do relatório supra, a que acresce o seguinte:
1 - Por sentença datada de 14 de Abril de 2009, proferida nos autos da acção declarativa que correu termos pelo extinto Tribunal da Comarca de Vieira do Minho sob o nº36/08.3TBVRM , em que é Ré S. M., aqui executada, e Autores os aqui exequentes, foi declarado no dispositivo, o seguinte:
" Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente procedente por provada e, consequentemente:
a) Declaro os Autores J. R. e C. J. proprietários do prédio identificado em 1. dos factos provados, assim como da parcela de terreno com as dimensões e confrontações descritas em 12. dos factos provados, que daquele prédio é parte integrante;
b) Declaro que o prédio referido em 4. dos factos provados se acha onerado com uma servidão predial de passagem a pé, constituída por usucapião, a favor do prédio identificado em 1., numa extensão de cerca de 10 metros, que se desenvolve pelo rossio do prédio aludido em 4., com inicio no portão de acesso ao mesmo, até à cancela que dá acesso à parcela de terreno referida em 12.;
c) Condeno a Ré a manter livre e desimpedido o acesso referido em b) deste dispositivo, de modo a permitir o trânsito de pessoas a pé para a parcela de terreno referida em 12. ou, em alternativa, a entregar aos Autores cópia da chave do aloquete da cancela em ferro que se encontra colocada no inicio do seu prédio, assim como a abster-se da prática de quaisquer actos que ofendam ou perturbem o exercício de tal direito a favor do prédio identificado em 1.
d) Condeno a Ré a repor a rede, com cerca de 1m de altura, que delimitava a parcela de terreno referida em 12. no estado em que se encontrava antes de ter sido derrubada em Agosto de 2007;
e) Condeno a Ré a pagar aos Autores a quantia de 500,00€, a titulo de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 500,00€ de compensação por danos não patrimoniais”;
2 - Por sentença homologatória da transacção firmada no dia 30 de Janeiro de 2013, no âmbito do processo nº 133/10.5TBVRM, o qual correu termos pelo extinto Tribunal Judicial da Comarca de Vieira do Minho, a Autora, aqui executada e os RR., aqui exequentes, acordaram nos seguintes termos:
" Claúsula 1ª
Requerentes e Requeridos acordam que a servidão de passagem a pé que onera o prédio daquela identificado no artigo 1º da petição inicial, que se mostra constituído a favor do prédio de que os Requeridos são proprietários identificado no artigo 10 da petição inicial é mudada do local onde actualmente se encontra e que é evidenciada no croquis junto da petição inicial com o documento nº 5 para o local assinalado no mesmo croquis sob a designação de letra A;
Claúsula 2ª
As obras de mudança de servidão serão efectuadas pela Requerente e a suas expensas no prazo de 30 dias, devendo esta proceder à remoção da cancela do local onde esta se encontra, para o local referido no artigo supra, mantendo-se a cancela e, portanto, o acesso ao prédio dos requeridos com a mesma largura actualmente existente, que é de 1,50metros
Do requerimento executivo consta, ainda, o seguinte:
3 - Com este processo da mudança de servidão, os Requeridos, aqui exequentes, concederam em mudar a servidão declarada nos presentes autos (processo 36/08.3TBVRM), nas alíneas b) e c) do dispositivo, por forma a que a servidão desse o menor prejuízo à aqui executada. Contudo, o direito de servidão manteve-se, com as características que lhe foram atribuídas pela acordada mudança.
4 - As sentenças referidas, tanto a proferida nos presentes autos, bem como a proferida nos autos que correram termos com o processo nº 133/10.5TBVRM, há muito que transitaram em julgado.
5 - A executada, no lugar onde deveria ter colocado uma rede com uma altura de cerca 1 metro, que delimitava o terreno dos exequentes e da executada, construiu um muro em tijolo e cimento com cerca de 1,80 metros de altura, cerca de 15 centímetros de largura e cerca de 11 metros de comprimento;
6 - Nos meses de Fevereiro e Março do ano de 2019 a executada colocou um portão de chapa com cerca de 3,32 metros de largura por cerca de 1,40 metros de altura, no acesso ao logradouro do seu prédio, impedindo os exequentes de acederem ao mesmo logradouro para entrarem na cancela, também situada dentro do logradouro, que dá acesso à parcela de terreno de que são proprietários e identificada em a) do dispositivo da sentença dos presentes autos.
7 - Na mesma data, a executada invadiu a parcela de terreno reconhecida na alínea a) do dispositivo da sentença dos presentes autos e colocou uma chapa com cerca de 1,52 metros de altura por cerca de 1 metro de largura, impedindo, desta feita, os exequentes de acederem à parcela de terreno identificada na alínea a) do mesmo dispositivo, pelo lado poente, através da entrada directa do prédio dos exequentes para a sua própria parcela.
8 - No dia 26 de Dezembro de 2019 a executada procedeu ao abate de todas as videiras (11) que se encontravam na parcela de terreno pertença dos exequentes e identificada na alínea a) do dispositivo da sentença. Naquele mesmo espaço cortou seis pés de roseira e todas as flores que os exequentes ali tinham plantadas.
Dispõe o artigo 829º-A do Código Civil que “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo (…), o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento”, a fixar “segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar”.
A sanção pecuniária compulsória destina-se a forçar o demandado resistente a abster-se de um comportamento que lhe está proibido, designadamente fazendo “acompanhar a condenação no cumprimento, de medidas destinadas a exercer pressão sobre a vontade do devedor, capazes de vencer a sua rebeldia e de decidi-lo a cumprir voluntariamente” (CALVÃO DA SILVA, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1995, pg. 372).
Por não ter natureza indemnizatória, a sanção pecuniária compulsória pode ter lugar independentemente da existência ou não daquela e do respeito devido da condenação efectuada. Limita-se a, acessoriamente, reforçar esta última.
Contudo, a sanção pecuniária compulsória só é possível em relação às obrigações de facere ou non facere infungíveis (neste sentido, veja-se os Acórdãos da Relação do Porto de 30/04/2009 e de 04/06/2012, da Relação de Guimarães de 28/09/2010 e da Relação de Lisboa de 13/02/2014, in www.dgsi.pt).
Tratando-se de uma prestação de facto fungível, a mesma pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem que daí resulte qualquer prejuízo para o interesse do credor – ver Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª edição, pág. 97 – fungibilidade que aparece legalmente consagrada no artigo 767º do C.C.
Assim, conforme decorre desse preceito legal e é jurisprudência unanime nos nossos tribunais superiores, apenas nas prestações de facto infungíveis é que há lugar à condenação e pagamento dessa sanção, não fazendo sentido que tal suceda noutras situações.
“E compreende-se que assim seja, pois que consistindo a sanção pecuniária compulsória uma medida coercitiva de caracter compulsório que visa forçar o devedor a cumprir, não faz sentido que essa coercividade seja usada nas situações em que o facto possa ser prestado por terceiro ou até pelo próprio credor que depois pode fazer repercutir esse custo na esfera patrimonial do devedor” – Acórdão do STJ de 19/09/2019, processo n.º 939/14.6T8LOU-H.P1.S1 (Maria João Vaz Tomé), in www.dgsi.pt.
Se os devedores não cumprirem o ordenado segue-se a execução para prestação de facto na qual a obra ordenada pode ser feita por outro à custa daqueles – cfr. artigos 868.º e seguintes do Código de Processo Civil, quanto à execução para prestação de facto e à possibilidade de o exequente optar pela prestação de facto por outrem ou executá-la ele próprio.
Conforme se pode ler em Antunes Varela, obra citada, pág. 99: “O campo de aplicação das sanções pecuniárias compulsórias limita-se às prestações de facto não fungíveis. Como o devedor não pode ser substituído, sem prejuízo para o credor, na realização das prestações dessa natureza por terceiro que fosse chamado a fazê-lo no próprio processo de execução forçada, a lei não encontra outro meio de procurar satisfazer o interesse do credor que não seja o de impor ao obrigado uma espécie de multa civil por cada dia que ele tarde a cumprir ou por cada vez que ele falte ao cumprimento”.
Compreende-se que assim seja, pois nas prestações de facto em que o devedor não pode ser substituído por terceiro, não há possibilidade de cumprimento coercivo, pois na execução não se pode fazer cumprir a obrigação por terceiro - Calvão da Silva “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1987, páginas 371 e seguintes e 450.
No caso em apreço, com bem se decidiu em 1.ª instância, estamos perante um facto fungível que pode ser prestado por terceiro, conforme, aliás, os exequentes reconhecem e pedem no seu requerimento executivo.
A pretensão da realização da prestação por outrem não é teleologicamente compatível com a pretensão do pagamento da quantia devida como sanção pecuniária compulsória.
Logo, e tendo os exequentes optado pela prestação por outrem, por entenderem que estavam perante facto fungível, não podem reclamar sanção pecuniária compulsória, pois a mesma, como vimos, ao abrigo do art.° 829°-A, do CC, destina-se apenas a cobrir a hipótese de prestação de facto infungível.
Veja-se que os exequentes pedem o seguinte:
“A - A realização de perícia para verificação da existência da infracção, bem como, verificada que seja a infracção, indicar logo a despesa provável em que importa a reposição natural, nos termos do artº 876º do CPCivil, aguardando-se despacho para indicação de perito;
B- Seja ordenada à executada a demolição de todas as obras efectuadas (muro, portões e chapa colocados) e reposição dos prédios e servidões no estado anterior em conformidade com o ordenado judicialmente, em prazo que os exequentes reputam ser suficiente, o qual deverá ser de trinta dias, requerendo que, citada a executada para em 20 dias dizer o que se lhe oferecer, tal prazo seja fixado judicialmente - cfr. artº 874ºCPCivil.
C - Seja ordenado à executada o pagamento da quantia de 8.000,00€ a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos exequentes.
D - Admitindo que a executada possa não cumprir com a obrigação no prazo que lhe vier a ser fixado judicialmente, os exequentes requerem, desde já, seja cumprido o estatuído no artº 870º do CPCivil, procedendo-se à prestação de facto pelos exequentes, porque fungível, à custa da executada.
E - A aplicação de sanção pecuniária compulsória à executada à razão de 50,00€ diários, contados do final do prazo que venha a ser fixado, até efectiva prestação de facto”.
Apesar de fazerem alusão, na alínea A) do pedido, ao artigo 876.º do CPC, que se aplica aos casos em que a obrigação do devedor consista em não praticar algum facto (referindo-se, concretamente, à condenação da executada na “obrigação de manter livre e desimpedido o acesso à parcela de terreno já indicada nos autos, permitindo o trânsito de pessoas a pé para a mesma, abstendo-se da prática de actos que ofendam ou perturbem o exercício de tal direito a favor do prédio dos Exequentes”, segundo referem nas suas alegações de recurso), a verdade é que esta execução em particular, tem por objetivo “a demolição de todas as obras efectuadas (muro, portões e chapa colocados) e reposição dos prédios e servidões no estado anterior em conformidade com o ordenado judicialmente” – alínea B) do pedido -, e, admitindo, desde logo, que a executada possa não cumprir com a obrigação no prazo que lhe vier a ser fixado judicialmente, os exequentes requerem – alínea D) do pedido -, desde já, seja cumprido o estatuído no artº 870º do CPCivil, procedendo-se à prestação de facto pelos exequentes, porque fungível, à custa da executada.
Ou seja, são os próprios exequentes que definem a prestação em causa, como fungível, logo, não compatível com o pedido de sanção pecuniária compulsória.
Não parece haver dúvidas que as prestações de facto negativo, quer sejam de non facere, quer de pati (suportar que o credor pratique certos atos, como um direito de passagem), são, em regra, prestações infungíveis (porquanto só o próprio devedor se pode abster de determinada conduta ou só ele pode tolerar uma determinada conduta do credor), mas tal não ocorre quando a violação da obrigação negativa consistir na construção de uma obra, porquanto esta pode ser demolida. Veja-se o que dispõe o artigo 829º nº 1 do Código Civil: “Se o devedor estiver obrigado a não praticar algum acto e vier a praticá-lo, tem o credor o direito de exigir que a obra, se obra feita houver, seja demolida à custa do que se obrigou a não a fazer. 2. Cessa o direito conferido no número anterior, havendo apenas lugar à indemnização, nos termos gerais, se o prejuízo da demolição para o devedor for consideravelmente superior ao prejuízo sofrido pelo credor” – neste sentido cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 14/06/2018, processo n.º 255/ 17.1T8CHV-A.G1 (Sandra melo), in www.dgsi.pt.
Ora, se é certo que, na primeira sentença, em 2009, a executada foi condenada a manter livre e desimpedido o acesso à parcela dos autores, e em 2013, foi celebrada a transação entre as partes através da qual acordaram na mudança de local da servidão, ficando as obras de mudança de servidão a cargo da executada, “devendo esta proceder à remoção da cancela do local onde esta se encontra, para o local referido no artigo supra, mantendo-se a cancela e, portanto, o acesso ao prédio dos requeridos com a mesma largura actualmente existente, que é de 1,50metros”, só em 2019, a executada construiu o muro e colocou o portão de chapa e a chapa, obras contra as quais os exequentes reagem através desta execução.
A demolição destas obras consubstancia uma prestação de facto fungível, podendo ser realizada por outrem, pelo que não é compatível com a pretensão do pagamento da quantia devida como sanção pecuniária compulsória.
Termos em que improcede a apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
***
Guimarães, 25 de fevereiro de 2021
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho