CONTRATO DE EMPREITADA
ABANDONO DA OBRA
PAGAMENTO
Sumário

I – O contrato de empreitada é um contrato sinalagmático, do qual decorrem obrigações recíprocas e interrelacionadas para ambas as partes, obrigando-se uma das partes a realizar uma obra no tempo e modo convencionados, e a outra a pagar o respetivo preço.
II – O pagamento do preço é a obrigação correlacionada com a obrigação da realização da obra, pelo que, inexistindo convenção em contrário quanto ao modo de pagamento, o preço apenas é devido após a realização e entrega da obra, cabendo o ónus da prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, ao empreiteiro, em ação instaurada contra o dono da obra para pagamento do preço devido.
III – O empreiteiro apenas não terá de alegar e provar que concluiu a obra e que a entregou, se alegar e provar que o vencimento da obrigação de pagamento do preço, em face do acordado entre as partes, ocorreu em momento anterior ao da conclusão e entrega da obra.
IV – Inexiste acordo de pagamento quando apenas se provou que o empreiteiro ia realizando os trabalhos com a promessa por parte da dona da obra de que iria efetuar pagamentos, uma vez que, em concreto, não tinha sido acordado entre as partes qualquer prazo para tais pagamentos.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 331/18.3T8TVR.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
“(…) – Construções, Lda.” (Autora) intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra … (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, devendo, em consequência, ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 16.534,80, acrescida de juros moratórios vincendos.
Para o efeito, alegou, em síntese, que a Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de construção civil, conhecendo a Ré o trabalho da Autora desde há longos anos, e existindo entre esta e o legal representante da Ré uma relação de amizade e camaradagem profissional, sendo que em junho de 2016 a Ré solicitou à Autora um orçamento para obras de remodelação de um imóvel que pretendia adquirir em Tavira, tendo a Autora enviado à Ré vários orçamentos, cujo último foi em 28 de julho de 2017, sendo que as várias alterações visavam incluir ou excluir diferentes materiais ou obra a realizar.
Mais alegou que o início dos trabalhos se iniciaram em janeiro de 2017, e porque existia uma relação de amizade e confiança entre as partes, os trabalhos iniciaram-se sem o pagamento de 50% do preço orçamentado, nunca tendo havido cumprimento por parte da Ré das condições de pagamento expostas no orçamento aceite, contudo, os trabalhos contratados iam sendo realizados com a promessa por parte da Ré e seu companheiro de que iriam regularizar os pagamentos, até que, na parte final dos trabalhos, porque as promessas não eram cumpridas, a Autora recusou-se a continuar com os mesmos, ficando apenas por executar a ligação exterior do tubo da salamandra da cave e fixar no exterior, no terraço, o tubo do ar condicionado da sala do rés-do-chão.
Alegou ainda que a Ré pagou, em janeiro de 2017, já no decurso dos trabalhos, € 2.000,00, e, em meados de julho de 2017, € 7.000,00, não tendo pago qualquer outro valor, sendo que, de acordo com o orçamento aceite, deveria ter pago 50% do valor orçamentado na adjudicação dos trabalhos, 45% durante a execução dos trabalhos e 5% após a sua conclusão.
Alegou, por fim, que, de acordo com a fatura apresentada, o montante de € 25.534,80, referente aos trabalhos realizados, deveria ter sido liquidada até 12-03-2018, mostrando-se, por isso, em dívida a quantia de € 16.534,80, bem como juros moratórios vincendos desde 12-03-2018 até integral e efetivo pagamento.
A Ré (…) apresentou contestação, afirmando, em síntese, que a Autora nunca lhe pediu o pagamento de 50% no início da obra, tendo inclusive recusado tal pagamento e insistido que fossem pagando consoante os materiais e as obras fossem avançando, tendo sido, desse modo, feito o pagamento.
Mais alegou que os trabalhos foram sendo pagos em adiantado, tendo já pago um total de € 19.000,00 em dinheiro, sendo que muitos trabalhos ficaram por executar e outros não foram devidamente feitos, contabilizando a Ré os trabalhos mal executados em € 6.776,00, pelo que foi a Autora quem incumpriu o contratado.
Realizada a audiência prévia, não foi possível a conciliação das partes, tendo sido proferido despacho saneador, onde foi fixado o valor da causa em € 16.534,80, identificado o objeto do litígio e os temas de prova.
Realizado o julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida sentença em 02-10-2020, com o seguinte teor:
Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente, por não provada, e, em sua consequência, absolve-se a Ré do pedido formulado pela Autora.
Custas pela Autora – artigo 527.º do NCPC.
Registe e notifique.
Inconformada com a sentença, a Autora “(…) – Construções, Lda.” interpôs recurso, apresentado as seguintes conclusões:
1. Discutida a causa, no que ora releva, resultou provada a factualidade seguinte:
2. 5. O último orçamento teve o seguinte teor:
“(…) Orçamento nº 725 D TVR/2016
3. TOTAL 2.0760,00
(…)
A todos os valores acresce o IVA em vigor (VAT not included)
As condições de pagamento: 50% adjudicação + 45% no decorrer dos trabalhos + 5% na conclusão da obra
(…)”.
9. Os trabalhos iam sendo realizados com a promessa por parte da Ré e seu companheiro de que iriam efectuar pagamentos.
10. Uma vez que não eram cumpridas as promessas de pagamento, a Autora recusou-se a continuar com os trabalhos.
(…)
4. Exarou-se para além do mais na sentença recorrida:
“Quanto ao preço, ou seja, a contrapartida pecuniária, como dispõe o artigo 1211.º do Código Civil, “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra”. Atente-se a que, no caso, não se apura, da factualidade provada, que tenha sido convencionada coisa diferente. E assistia à Autora o ónus de provar tal convenção.”
5. É contra tal asserção, na parte sublinhada, que a A. se insurge.
6. A R. / Reconvinte não alega em parte nenhuma da sua contestação que não tivesse ficado convencionado forma de pagamento do preço. Aliás escreve na contestação redigida por si, …”Em momento algum o Sr. (…) me pediu o pagamento de 50% antes pelo contrário, eu perguntei quando fazíamos esse pagamento ao que ele recusou e insistiu que fossemos pagando consoante os materiais e as obras irem avançando, e assim foi, como poderão verificar nas mensagens nunca acedeu a aceitar uma transferência bancária, que para nós era bem mais fácil, sempre insistiu em receber em dinheiro e conforme mensagens sempre pagamos como pedia, apenas o que acontecia era ter de esperar um ou dois dias para que conseguíssemos levantar o dinheiro. 10º Os trabalhos iam sendo pagos em adiantado, e nem sempre cumprido…”.
7. Decorrendo desde logo destas passagens que de facto ocorreu um acordo de pagamento da empreitada que se regia pelas condições opostas no orçamento aceite pela R., cujo facto foi como fica dito, considerado provado.
8. Existe e é por isso patente uma nítida contradição entre os factos considerados provados e não provados e a decisão tomada pelo tribunal “a quo”.
9. É a própria R. que na sua contestação diz que pagou, e teve preocupação até de justificar os pagamentos de acordo com as condições de pagamento do orçamento contratado, nunca se furtando á responsabilidade de tais formas de pagamento, apenas referindo que teria procedido ao pagamento, andou mal o tribunal “a quo” ao concluir que não se provou que houvesse convenção de pagamento do preço da empreitada. Tanto que, como se pode ler da sentença proferida segundo alegava a Ré na contestação terá sido os tais 5% do valor total da factura que faltariam pagar.
10. Era obrigação do tribunal “a quo” perante a factualidade provada e encontrando-se admitida por acordo das partes, (como ficou uma vez que não houve oposição da R.,) concluir que efectivamente haviam ficado convencionadas as formas de pagamento da empreitada e nunca, que o pagamento do preço dependia da aceitação da obra por parte da R.
11. Ainda que o tribunal “a quo” não considerasse que esse acordo era o que se previa no orçamento aceite pelas partes, sempre teria que considerar a existência de um acordo de pagamentos efectuados no decorrer da obra e à solicitação da A., porquanto tal se retira expressamente dos factos provados, não provados e da própria contestação da Ré – ou seja, admitidos pelas partes.
12. De acordo com o que fica reproduzido, houve efectivamente um incumprimento culposo da Ré na falta de pagamento da empreitada conforme se havia previsto no orçamento, ou à solicitação da A. Por falta desse pagamento pontual, assistia á A. a faculdade de abandonar a obra e iniciar a acção de processo comum, o que fez, pelo que era obrigação da R. proceder ao pagamento da empreitada até pelo menos á fase em que se encontrava (trabalho executado e despesas realizadas), e ainda, caso tivesse sido peticionado a uma compensação por lucros cessantes. Até porque se considera facto provado no seu ponto n.º 24, que a Autora teve despesas e encargos com os trabalhos realizados e os materiais necessários aos mesmos.
13. Por outro lado, no caso vertente é manifesto que o dono da obra, a R., não conseguiu convencer o tribunal “a quo” da existência dos direitos que alegava e que eram inibidores da sua obrigação de aceitação da obra e, portanto, de pagamento do preço. A este propósito veja-se o elenco dos factos não provados.
14. É assim patente que mal andou o tribunal “a quo” ao julgar a acção improcedente, considerando que da factualidade provada, não havia sido convencionada forma de pagamento do preço da empreitada, pelo que o mesmo, por falta dessa convenção apenas era devido no acto de aceitação da obra, violando assim o disposto artigo 1227.º do Código Civil.
15. 13. Violou assim o tribunal “a quo” o disposto no artigo 342.º e 1273.º do Código Civil.
16. Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada por ter julgado improcedente a acção, e substituída por outra que condene a R. no pedido deduzido, julgando-o totalmente procedente.
Assim se fazendo JUSTIÇA.
A Ré (…) contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
I- O recurso da Autora não deve proceder e deverá manter-se a douta sentença tão bem fundamentada, que julgou a ação improcedente por não provada e, em consequência, a absolvição da Ré.
II- As conclusões da Autora não podem proceder, por não serem provadas na douta sentença.
III- O tribunal na douta sentença recorrida não violou os artigos 342.º e 1273.º do Código Civil.
IV- Nestes termos deve-se manter a sentença recorrida que absolveu a ré do pedido da autora.
Assim se fazendo justiça.
O tribunal a quo admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo sido recebido o recurso neste tribunal nos seus exatos termos.
Dispensados os vistos legais por acordo, cumpre apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Existência de acordo de pagamento; e
2) Incumprimento culposo da Ré na falta de pagamento da empreitada.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. A Autora (…) – Construções, Lda., é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de construção civil.
2. A Ré (…) solicitou à Autora, em Junho de 2016, um orçamento para obras de remodelação de um imóvel na Rua (…), n.º 25, em Tavira.
3. A 27 de Junho de 2016 a Autora enviou à Ré um orçamento, com o n.º 1095 TVR/2016.
4. A pedido da Ré, esse orçamento foi alterado a 30 de Setembro de 2016, a 22 de Fevereiro de 2017, a 15 de Março de 2017, a 13 de Julho de 2017, sendo o último a 28 de Julho de 2017.
5. O último orçamento teve o seguinte teor:
“(…) Orçamento n.º 725 D TVR/2016
(…)
Cliente: (…)

(…)
A todos os valores acresce o IVA em vigor (VAT not included)
As condições de pagamento: 50% adjudicação + 45% no decorrer dos trabalhos + 5% na conclusão da obra
(…)”.
6. As alterações referidas no ponto 4 visavam incluir ou excluir diferentes materiais ou obras a realizar.
7. Os trabalhos de remodelação iniciaram-se a pedido da Ré.
8. Os trabalhos de remodelação iniciaram-se em Janeiro de 2017.
9. Os trabalhos iam sendo realizados com a promessa por parte da Ré e seu companheiro de que iriam efectuar pagamentos.
10. Uma vez que não eram cumpridas as promessas de pagamento, a Autora recusou-se a continuar com os trabalhos.
11. Foram realizados os trabalhos referenciados nos pontos (…) do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
12. Foram realizados os trabalhos de demolição e remates de parede que separa sala/cozinha, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
13. Foi realizado o fornecimento e aplicação de pavimento, e acabamentos, na cave, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
14. Foi realizada a pintura de paredes e tectos na cave, sala e cozinha, e acabamentos, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
15. Foi realizado o fornecimento e aplicação de pavimento e rodapé, pintura e acabamentos, no hall e quarto na cave, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
16. Foi realizada a reparação e pintura de paredes, e acabamentos, na sala e cozinha, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
17. Foi realizado o trabalho de peças de remate dos degraus das escadas, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
18. Foi realizado o fornecimento e montagem de salamandras na sala e cave, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
19. Foi realizado o fornecimento e montagem de sanca na sala, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
20. Dos trabalhos referidos no ponto … do “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”, ficaram por colocar tubagens na cave.
21. Ficou por executar, pela Autora, a ligação exterior do tubo da salamandra da cave, e fixar no exterior o tubo do ar condicionado na sala do rés-do-chão.
22. A Ré (…) pagou € 2.000,00 (dois mil euros) em Janeiro de 2017, e pagou mais € 7.000,00 (sete mil euros) até meados de julho de 2017.
23. A Autora emitiu à Ré a factura n.º (…), datada de 12/03/2018, da qual consta “Vencimento em 2018-03-12” e “Referente a trabalhos diversos em moradia conforme o orçamento N.º 725 D TVR/2016”, no valor líquido de € 20.760,00, acrescido de IVA, no total de € 25.534,80 € (vinte e cinco mil e quinhentos e trinta e quatro euros e oitenta cêntimos).
24. A Autora teve despesas e encargos com os trabalhos realizados e os materiais necessários aos mesmos.
E deu como não provados os seguintes factos:
1. A 27 de Junho de 2016 a Autora enviou à Ré o orçamento n.º 725 B TVR/2016.
2. A Ré aceitou as condições de pagamento expostas no orçamento.
3. Foi realizado o polimento de pedra das escadas, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
4. Foi realizada a pré-instalação para A/C, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
5. Foi realizado o fornecimento e montagem das tubagens a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
6. Foi realizada a alteração eléctrica na cozinha, a que se referiu o ponto … do mencionado “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”.
7. Foi porque não foi possível, uma vez que o terraço estava cheio de mobílias, que ficou por executar a ligação exterior do tubo da salamandra da cave, e fixar no exterior o tubo do ar condicionado na sala do rés-do-chão.
8. O valor total referente às despesas e encargos que a Autora teve com os trabalhos realizados e os materiais necessários aos mesmos, foi no montante total de € 25.534,80 (vinte e cinco mil e quinhentos e trinta e quatro euros e oitenta cêntimos).
9. O (…), gerente da Autora, sempre soube que as obras seriam contratadas pelo companheiro da Autora, e a Autora foi apenas a intermediária que o recomendou.
10. O (…), gerente da Autora, recusou o pagamento de 50% e insistiu que a Ré e o seu companheiro fossem pagando consoante os materiais e as obras fossem avançando.
11. A Ré e o seu companheiro sempre pagaram quando o (…), gerente da Autora, pedia.
12. No mês seguinte à finalização dos trabalhos na cave, a Ré e o seu companheiro aperceberam-se que as paredes não haviam sido picadas e rebocadas, nem colocado produto por causa da humidade, pois começaram a empolar.
13. Foram efectuados pagamentos à Autora no total de € 19.000,00 (dezanove mil euros), em dinheiro.
14. Dos trabalhos referidos no ponto … do “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”, os remates foram mal executados, vendo-se altos e baixos.
15. Dos trabalhos referidos no ponto … do “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”, a aplicação foi mal feita, as juntas ficaram com espaços ocos, e não foi rematado no encosto à parede, o que permite a passagem de formigas.
16. Dos trabalhos referidos no ponto … do “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”, as pinturas foram efectuadas na cave sem o tratamento necessário.
17. Dos trabalhos referidos no ponto … do “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”, as escadas não foram polidas.
18. Dos trabalhos referidos no ponto … do “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”, as pinturas foram efectuadas sem qualquer tratamento às paredes.
19. Dos trabalhos referidos no ponto … do “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”, todas as pedras foram danificadas na aplicação.
20. Dos trabalhos referidos no ponto … do “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”, a tubagem da sala não ficou como à Ré e ao seu companheiro foi informado.
21. A Autora não soube instalar a salamandra, pois as paredes ficaram todas estaladas.
22. Dos trabalhos referidos no ponto … do “Orçamento n.º 725 D TVR/2016”, a sanca em esferovite danificou-se assim que funcionou com a salamandra.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) existia um acordo de pagamento no contrato de empreitada; e (ii) houve incumprimento culposo da Ré na falta de pagamento da empreitada.
1 – Existência de acordo de pagamento
Segundo a Apelada, existe uma contradição entre o que consta dos factos provados e não provados, por um lado, e o que foi decidido na sentença recorrida, por outro, quanto ao acordo de pagamento, tendo a sentença errado ao considerar, perante tal factualidade, a inexistência de acordo de pagamento, devendo considerar a existência de acordo de pagamento nos termos das condições de pagamento constante do orçamento contratado ou, pelo menos, a existência de um acordo de pagamentos efetuados no decorrer da obra e a solicitação da Autora.
Apreciemos.
Dispõe o artigo 1207.º do Código Civil que:
Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

Dispõe igualmente o art.igo 1211.º, n.º 2, do Código Civil, que:
2. O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.

O contrato de empreitada é, assim, um contrato sinalagmático, do qual decorrem obrigações recíprocas e interrelacionadas para ambas as partes, obrigando-se uma das partes a realizar uma obra no tempo e modo convencionados, e a outra a pagar o respetivo preço.
É igualmente um contrato oneroso, por pressupor um pagamento; comutativo, por ambas as partes conhecerem, desde o início, as vantagens patrimoniais dele emergente; e consensual, por resultar do mero acordo estabelecido entre as partes[2].
O pagamento do preço é a obrigação correlacionada com a obrigação da realização da obra, pelo que, inexistindo convenção em contrário quanto ao modo de pagamento, o preço apenas é devido após a realização e entrega da obra, cabendo o ónus da prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, ao empreiteiro, em ação instaurada contra o dono da obra para pagamento do preço devido.
Conforme bem refere o acórdão do STJ, proferido em 04-03-2010, no âmbito do processo n.º 5445/07.2TBVNG.P1.S1[3][4]:
1. Na acção instaurada pelo empreiteiro contra o dono da obra, para pagamento do preço desta, incumbe-lhe alegar e provar que a concluiu.

O empreiteiro apenas não terá de alegar e provar que concluiu a obra e que a entregou, se alegar e provar que o vencimento da obrigação de pagamento do preço, em face do acordado entre as partes, ocorreu em momento anterior ao da conclusão e entrega da obra.
Cita-se, a este propósito, o acórdão do TRC, proferido em 09-04-2013, no âmbito do processo n.º 144746/10.9YIPRT.C1[5]:
II – A recusa, por parte do dono da obra, de pagamento da parte final do preço por não estarem ainda concluídos os trabalhos, traduz um accionar adequado da excepção de não cumprimento do contrato (artigo 428º, nº 1 do CC), no âmbito do contrato de empreitada, sendo que este accionar só estaria excluído se o vencimento da obrigação de pagamento do preço fosse anterior à entrega da obra.

No caso em apreço, a Apelante (a empreiteira), na presente ação, veio alegar que, apesar de não ter concluído a obra, tinha direito ao preço, por o dono da obra não ter procedido ao pagamento da obra nos termos acordados, ou seja, 95% desse preço em momento anterior à conclusão e entrega da obra. Competia-lhe, assim, alegar e provar os momentos em que a obrigação de pagamento do preço se vencia.
Entende ainda a Apelante que, em face da matéria dada como assente, é evidente que resultou provada a existência de um acordo de pagamentos entre a Apelante e a Apelada.
Ora, da matéria dada como provada, consta que a Apelante enviou à Apelada um primeiro orçamento em 27-06-2016, vindo a enviar sucessivamente outros orçamentos, sendo o último em 28-07-2017, apesar de a obra já se ter iniciado em janeiro de 2017.
Consta igualmente que, nesse último orçamento, estava aposto “As condições de pagamento: 50% adjudicação + 45% no decorrer dos trabalhos + 5% na conclusão da obra”.
Porém, não consta da matéria provada que este orçamento tenha sido aceite pela Apelada, constando, aliás, dos factos não provados que “A Ré aceitou as condições de pagamento expostas no orçamento” (facto não provado 2), pelo que apenas resultou provado que este foi o último orçamento enviado pela Apelante à Apelada, já não que o mesmo tenha sido aceite pela Apelada, e, concretamente, que tenha sido aceite quanto às condições de pagamento.
Acresce que a Apelante não veio impugnar a matéria fáctica provada e não provada, entendendo apenas que houve errada aplicação do direito a tais factos, pelo que se conformou com essa matéria fáctica.
Assim, e quanto à primeira pretensão da Apelante – a de que deveria ter sido considerado que as partes tinham acordado o modo de pagamento nos termos constantes do orçamento transcrito no ponto 5 dos factos provados – apenas nos resta concluir que não lhe assiste qualquer razão.
Considera ainda a Apelante que, pelo menos, terá de se considerar a existência de um acordo de pagamentos efetuados no decorrer da obra e a solicitação da Autora, em face dos factos provados 9 e 10 e do que foi referido pela Apelada em sede de contestação.
Ora, consta expressamente dos factos não provados que “O (…), gerente da Autora, recusou o pagamento de 50% e insistiu que a Ré e o seu companheiro fossem pagando consoante os materiais e as obras fossem avançando” (facto não provado 10), ou seja, o facto alegado pela Apelada, em sede de contestação, foi expressamente considerado não provado, sendo que, uma vez mais, a Apelante não veio solicitar a impugnação da matéria de facto, designadamente, que este facto passasse de não provado a provado, conformando-se, assim, com a circunstância de ser considerado não provado.
Dir-se-á ainda que quando a versão da Apelante é no sentido de que o acordo de pagamentos era o que constava do orçamento (50% adjudicação + 45% no decorrer dos trabalhos + 5% na conclusão da obra), e a versão da Apelada é no sentido de que o pagamento era efetuado à medida que a obra ia avançando, estamos perante versões diferentes, pelo que não se pode recorrer à confissão para dar alguma das versões como provadas, sendo que, da apreciação efetuada na sentença recorrida, não resultou sequer provada qualquer das duas versões.
Por fim, entende a Apelante que os factos provados 9 e 10 consubstanciam um acordo de pagamentos e um fundamento justificativo para a interrupção da obra por falta de pagamento.
Consta de tais factos que:
9. Os trabalhos iam sendo realizados com a promessa por parte da Ré e seu companheiro de que iriam efectuar pagamentos.
10. Uma vez que não eram cumpridas as promessas de pagamento, a Autora recusou-se a continuar com os trabalhos.

Na realidade, do facto provado 9 não resulta a existência de um acordo de pagamentos, apenas que a Apelante ia realizando os trabalhos na obra, prometendo-lhe a Apelada e o companheiro desta de que iriam efetuar pagamentos, porém, nada consta sobre acordos relativos aos prazos em que os pagamentos prometidos iriam ser realizados, pelo que, inexistindo quaisquer prazos acordados para essas promessas de pagamento, é impossível concluir efetivamente pela existência de um acordo de pagamentos que afaste o regime supletivo constante do n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil.
Relativamente ao facto provado 10, o mesmo reporta-se à motivação para a recusa de terminar a obra por parte da Apelante, pelo que será o mesmo apreciado infra.
Concluindo, improcede a pretensão da Apelante, uma vez que, em face dos factos que se mostram provados, não é possível concluir pela existência de um acordo de pagamento que afasta o disposto no n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil.
2 – Incumprimento culposo da Ré na falta de pagamento da empreitada
Segundo a Apelante, como a Apelada incumpriu culposamente a empreitada por falta de pagamento, assistia à Apelante a faculdade de abandonar a obra e iniciar a presenta ação, pois, era obrigação da Apelada proceder ao pagamento da empreitada até, pelo menos, à fase em que se encontrava (trabalho executado e despesas realizadas), e ainda, caso tivesse sido peticionado, a uma compensação por lucros cessantes, até porque o facto provado 24 considera que a Apelante teve despesas e encargos com os trabalhos realizados e os materiais necessários aos mesmos.
Decidamos.
Conforme já mencionámos supra, não resultou provado qualquer acordo de pagamentos, pelo que, nos termos do art. 1211.º, n.º 2, do Código Civil, o preço só é devido pela Apelada no ato da aceitação da obra, o que, como também resulta da matéria dada como assente, ainda não ocorreu, visto que a Apelante se recusou a terminar a obra, por a Apelada e o seu companheiro não terem cumprido as promessas de pagamento, sendo que, de qualquer modo, também resultou provado que, durante a realização dos trabalhos, foi pago pela Apelada à Apelante, para pagamento da obra, o montante de € 9.000,00 (facto provado 10).
Inexistindo qualquer incumprimento contratual por parte da Apelada, não assistia à Apelante qualquer direito a abandonar a obra e, consequentemente, a obter o pagamento do preço acordado.
Conforme bem refere a sentença recorrida:
A Autora visa com a presente acção obter um valor de capital, e respectivos juros vincendos, emergente daquele contrato.
A exigibilidade de um tal direito de crédito poderia verificar-se por uma de duas vias. Ou:
- a título do preço da obra (artigo 1211.º do Cód. Civil); ou
- a título de indemnização pelo trabalho executado e despesas realizadas (artigo 1227.º do Cód. Civil), no caso de impossibilidade de execução da obra não imputável a qualquer das partes; ou, então,
- a título de indemnização dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra, no caso de desistência da empreitada por parte do dono da obra (artigo 1229.º do Cód. Civil).
Quanto ao preço, ou seja, a contrapartida pecuniária, como dispõe o artigo 1211.º do Cód. Civil, “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”. Atente-se a que, no caso, não se apura, da factualidade provada, que tenha sido convencionada coisa diferente. E assistia à Autora o ónus de provar tal convenção.
Daí que a exigibilidade do pagamento do preço esteja dependente da prévia aceitação da obra por parte do seu dono, expressa ou presumida – artigos 1211.º, n.º 2 e 1218.º do Código Civil.
Mas, se a própria Autora reconhece, como provado ficou, que se recusou a continuar com os trabalhos, ou seja, que não acabou a obra, não se pode equacionar que tenha havido aceitação da obra por banda da Ré.
Pelo que não se poderá reconhecer à Autora o direito a perceber o preço da obra.
Por outro lado, não se apura também que tenha ocorrido uma impossibilidade de execução da obra não imputável a qualquer das partes, de que decorresse, para a esfera da Autora, o direito a perceber uma indemnização pelo trabalho executado e despesas realizadas – artigo 1227.º do Cód. Civil.
Finalmente, dos factos apurados também não resulta que a Ré haja desistido da obra, pelo que também se encontra arredada a possibilidade de a Autora reclamar indemnização dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.
Sublinhe-se que, efectivamente, no caso, é a própria Autora quem reconhece que se recusou a prosseguir os trabalhos.
Tanto basta para que a acção deva improceder.

Efetivamente, subscrevemos na íntegra a fundamentação expendida. Não tendo havido ainda conclusão da obra e respetiva aceitação, o preço não se mostra devido; não se encontrando demonstrada a impossibilidade de execução da obra não imputável a qualquer das partes, não tem a Apelante direito à indemnização prevista nos termos do artigo 1227.º do Código Civil; e não tendo a Apelada desistido da empreitada, também não tem a Apelante direito à indemnização prevista no artigo 1229.º do Cód. Civil, pelo que improcede in totum a pretensão da Apelante.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Notifique.
Évora, 25 de fevereiro de 2021
Emília Ramos Costa (relatora)
Conceição Ferreira
Rui Machado e Moura
__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Conceição Ferreira; 2.º Adjunto: Rui Machado e Moura.
[2] Veja-se o acórdão do STJ, proferido em 25-10-2012, no âmbito do processo n.º 204/07.5TBSAT.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[3] Consultável em www.dgsi.pt.
[4] No mesmo sentido, os acórdãos do TRC, proferidos em 09-04-2013, no âmbito do processo n.º 144746/10.9YIPRT.C1; e, em 20-05-2014, no âmbito do processo n.º 161682/12.7YIPRT.C1; ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
[5] Consultável em www.dgsi.pt.