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FRAUDE FISCAL
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
PROVA
MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE ARMAS
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário
Há separação de processos em face de um interesse ponderoso e atendível do arguido, um grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado, o atraso excessivo do julgamento de um dos arguidos, a declaração de contumácia, o julgamento na ausência do arguido e a conveniência da separação, e o julgamento pelo tribunal do júri a requerimento de outro arguido. Esta disposição normativa é taxativa e excepcional. Os "tipos-padrão" descritos pelo legislador admitem interpretação extensiva, mas não aplicação analógica. Estando apenas perante eventuais alterações que não deram nem podiam dar origem a qualquer efeito surpresa, susceptível de pôr em causa as expectativas dos arguidos e a organização da respectiva defesa e a comunicação de alteração se insere num momento processual necessariamente (bem) anterior à deliberação (ou decisão) do tribunal (Art.º 365.º do CPPenal) e à formação do juízo probatório sobre a matéria de facto objecto do processo, o tribunal pode considerar e transmitir a eventualidade de vir posteriormente a julgar como provados alguns dos novos factos. Obviamente que antes das alegações, das últimas declarações dos arguidos e do encerramento da discussão, o tribunal não pode afirmar que esses factos (ou quaisquer outros) “estão provados”. Ou seja, os novos factos devem ser apresentados sempre apenas como factos indiciários, sujeitos ao contraditório, tal como resulta do Art.º 358.º, n.º 1, 2.ª parte. Com esta interpretação, são assegurados os princípios do contraditório e da verdade material, sem lesar os direitos de defesa dos arguidos consignados no Art.º 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da CRPortuguesa . O recorrente nada disse quanto à pertinência, necessidade ou proporcionalidade da medida de busca e apreensão em causa, nos seus limites e na sua própria execução (nomeadamente a título de indícios e de fundamentação da passagem dos mandados de busca e apreensão respectivos). Apenas diz que a prova documental recolhida e constante dos presentes autos atinente à faturação e mais documentos respeitantes aos arguidos foi obtida de forma ilegal, tratando-se de prova proibida, designadamente nos termos do n.º 3 do Art.º 126.º do CPPenal, até porque as empresas "Whishiist, Lda" e "AiiYear Management" nunca deram o seu consentimento. Por outra via, nos termos do Art.º 178.º, n.º 6, do CPPenal, os titulares de bens ou direitos objecto de apreensão poderiam ter requerido na altura ao juiz de instrução a modificação ou revogação da medida, sendo correspondentemente aplicável o disposto no Art.º 68.º, n.º 5 do mesmo Código já que o propósito do legislador foi o de proteger o direito de propriedade, enxertando um incidente judicial e contraditório no âmbito do inquérito, confiando a sua decisão à imparcialidade e neutralidade do juiz. Se o Ministério Público gozou de toda a liberdade processual para usar como quis quaisquer factos, documentos e quer durante a investigação para a dedução da acusação, quer para sustentar o libelo acusatório durante o julgamento, o mesmo também aconteceu com as defesas dos arguidos no que respeita ao acompanhamento e a intervenção em todas as fases processuais deste processo. Assim não houve qualquer violação dos princípios constitucionais da “igualdade de armas e do contraditório” ou denegação “da obtenção de benefício legalmente previsto”.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
Nestes autos foram os arguidos (4) JA______ e (5) CA_______ , condenados, entre outros,
. o arguido (4) JA______ , pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo Art.º 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 1, als. a), f) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6, nas penas, respectivamente, de 500 (quinhentos) dias de multa, à taxa diária de €10 (dez euros) e de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; e
. o arguido (5) CA________, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo Art.º 103.º, n.º 1 e Art.º 104.º, n.º 1, als. f) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, nas penas, respectivamente, de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €10 (dez euros) e de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Ambas esses penas de prisão vieram a ser suspensas na sua execução, pelo período de 5 (cinco) anos, com a obrigação de ambos esses arguidos procederem, respectivamente, ao pagamento das quantias de € 624.808,79 (seiscentos e vinte e quatro mil, oitocentos e oito euros e setenta e nove cêntimos) e de € 174.977,13 (cento e setenta e quatro mil, novecentos e setenta e sete euros e treze cêntimos), à Administração Fiscal, no período da suspensão.
Mais foram esses arguidos condenados, em conjunto com as arguidas sociedades,
. o arguido (4) JA______ , no pagamento à Administração Fiscal, da quantia total de € 624.808,79 (seiscentos e vinte e quatro mil, oitocentos e oito euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal (anual) de 4%, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento; e
. o arguido (5) CA________ no pagamento à mesma Administração Fiscal da quantia de € 174.977,13 (cento e setenta e quatro mil, novecentos e setenta e sete euros e treze cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal (anual) de 4%, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento.
Inconformado com esta condenação, apresentaram estes arguidos recursos do respectivo acórdão.
Na motivação do seu recurso o arguido (4) JA______ , extrai as seguintes conclusões:
1- O recorrente foi condenado - cf. IV - DECISÃO, alíneas b) e d) - "pela prática de um crime de FRAUDE FISCAL, p. e p. pelo art. 103o, n°1e 104°, n° 1, al a), f) e g) en°2do RGIT, aprovadopela Lein° 15/2001, de 5/6...na pena de...3 (três) anos e 6 (seis) mesesdeprisão" tendo o tribunal decidido "Suspendera execução...da pena de prisão ..peio período de 5 (cinco) anos, com a obrigação de o arguido proceder ao pagamento da quantia de €174,977,13...noperíodo de suspensãd'.
2- O tribunal decidiu ainda - cf. IV - DECISÃO, alínea f) - '"Julgar parcialmente procedente o pedido civil deduzido pelo Ministério Público, em representação da Administração Fiscal e, em consequência, condenar os demandados "Ramea Properties, LLC"e JÁ________ no pagamento da quantia total de €624.808,79..., acrescida de juros, à taxa legal...de 4%...". (cf. págs. 114 e 115 do acórdão)
3- Desde logo, quanto à QUESTÃO PRÉVIA DA MANUTENÇÃO DE INTERESSE NOS RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS RETIDOS (art. 412°, n° 5, do CPP), cuja síntese se encontra na Motivação, esclarece-se expressamente que o Recorrente mantém interesse nos recursos interlocutórios retidos, a saber:
a) recurso interposto em 11.02.2019 (Refª 21843286/Citius) do despacho proferido no dia 09.01.2019 (Refa 382870722) que não reconheceu a nulidade invocada sobre o despacho que procedeu à comunicação da alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica (Refa 382566808); e
b) recurso interposto em 03.04.2018 (Refª 18491087/Citius) do despacho de 21.02.2018 que determinou "...ao abrigo dopreceituado no art. 30°, n° 1, ais. b)ec) do CPP...a separação do processo relativa mente à arguida Porta Grande, Soc. de Imediaçao Imobiliária, Lda...".
4- No primeiro daqueles recursos interlocutórios, o ora Recorrente defendeu, nomeadamente:
a - Por um lado, a nulidade do despacho que procedeu à alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica descritos descritos na Acusação por violação do dever de fundamentação do Tribunal nomeadamente dos artigos 61°, n° 1, alínea c), 97°, n° 5, 283°, 358°, n° 1 e 361°, do Código de Processo Penal e do disposto nos artigos 32 ° n°1 e 5 e 205 ° n ° 1, da Constituição da Republica Portuguesa.
b - E, por outro, que o art°358°, n°s 1 e 3, do CPP deve ser declarado inconstitucional quando interpretado, como o fez o tribunal recorrido, no sentido de permitir a comunicação aos sujeitos processuais ("in caso, ao arguido) da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, ou da sua qualificação jurídica, sem concretizar os correspectivos meios de prova, por violação do art°32°, n°s 1 e 3, da C.R.P.
5- No outro recurso interlocutório, o ora Recorrente defendeu, designadamente, que:
a - Toda a faturação da Porta Grande - Sociedade de Mediação imobiliária, Lda está entrelaçada com a faturação da Ramea Properties, Llc e da própria Barden Assets, Llc, que toda a acusação baseia-se na contabilidade da Porta Grande - Sociedade de Mediação imobiliária, Lda,
b - E que, por conseguinte, com a separação de processos ora determinada, o arguido recorrente está impossibilitado de explicar a origem dos dinheiros e de justificar toda a contabilidade, pois há uma relação intrínseca entre os factos imputados à « Porta Grande » e ao arguido recorrente, daí que tal separação de processos atenta contra o direito de defesa previsto no art 32°, mormente n°s 1 e 5, da C.R.P.
6- Quanto aos VÍCIOS DO ACÓRDÃO, começemos pela “QUESTÃO PRÉVIA DA (ALEGADA) NULIDADE DA PROVA” (cf. págs. 3 a 12 do acórdão), que foi arguida pelo aqui Recorrente "Na sessão de julgamento ocorrida no dia 11 de Junho de 2018 (cf. fis.3497)..." e relativamente à qual o acórdão diz que:
" Conclui, requerendo que a prova resultante da referida busca seja considerada nula, porque proibida, nos termos do arts. 42° e 43° do Código Comercial e do n° 3 do art. 126° do Código de Processo Penal, arguindo desde logo, a inconstitucionalidade duma interpretação do art. 178°, n° 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual a apreensão aí prevista poderia incidir sobre «bens e documentação de terceiros que não são objeto de investigação» ou «sobre facturas ou documentos que extravasem o conteúdo material do próprio Mandado de Busca e Apreensão»".
7- Com efeito, ponderando que:
a) Toda a contabilidade constante da acusação e concretamente as entradas e saídas dos dinheiros e respetiva faturação, como aliás consta dos correspetivos quadros da acusação, foram obtidos, ainda que por exclusão de partes, com recurso à análise e escrutínio da documentação das empresas "Whishiist, Lda" e "AiiYear Management";
b) O Mandado de Busca e Apreensão de 14.04.2014 mencionava expressamente " facturas e documentos referentes às aquisições intracomunitárias de bens e mercadorias para investigação nestes autos';
c) E ainda que a “Ramea Properties Llc tem/ sede nos Estados Unidos da América e domicílio-em/Gibraltar (como aiiás reconhece o acórdão, cf. pág. 1), território-que não-pertence- à ComunídadeEuropeía/'.
8- Então, como se arguiu na dita sessão de julgamento, a prova documental recolhida e constante dos presentes autos atinente à faturação e mais documentos respeitantes aos arguidos foi obtida de forma ilegal, tratando-se de prova proibida, designadamente nos termos do n° 3 do art. 126° do CPP, até porque as empresas "Whishiist, Lda" e "AiiYear Management" nunca deram o seu consentimento. Devendo, pois, ser declarada nula e de nenhum efeito a prova documental constante na acusação, designadamente a atinente à contabilidade dos arguidos, inciusive por violação material do disposto no n° 8 do art. 132° da CRP;
9- Com efeito, o art. 178°, n° 1 do CPP viola o citado art. 32°, n° 8, da CRP, quando entendido que as buscas apreensões ordenadas no respetivo Mandado são válidas mesmo quando recaiam tais buscas e apreensões sobre terceiros que não são objeto de investigação, e, bem como, quando entendido que recaiam sobre objetos, faturas e documentação que extravasam do conteúdo material do próprio Mandado de Busca e Apreensão.
10- Sobre a questão da prova proibida e sob a epígrafe "Cumpre, então, apreciar e decidir", o tribunal recorrido pondera doutrinariamente o problema, para concluir que, "Assim sendo, como o próprio teor literal do art. 126°, n° 3, do CPP sugere, a nulidade prevista neste artigo é... uma nulidade absoluta, que... pode... ser conhecida em qualquer fase doprocesso..." (cf. págs. 6 a 11 do acórdão / negrito nosso).
11- Porém, o acórdão recorrido, após tais "...considerações preliminares e de enquadramento (apenas referentes ao art. 126°, n° 3, do CPP).", apresenta um único argumento normativo, a saber: "tal como refere o Ministério Público, dos arts. 174°, n° 2 e 178° do C.P.P, inequivocamente, não decorrem limitações à apreensão de documentos (de quaisquer documentos), independentemente de quem seja o seu titular/proprietário, desde que, naturalmente, os mesmos possam ter interesse para a prova.
Ao invés, do próprio dispositivo legal (art. 178° n°s 7 a 12 do C.P.P.) resulta que o legislador não só admite como prevê, expressamente, a tramitação subsequente à efectivação de apreensões de objetos (latu sensu) pertencentes a outro/s que não o/s arguido/s.". (cf. págs. 11 e 12 do acórdão).
12- O Recorrente entende que o tribunal recorrido violou, por erro de interpretação, o disposto nos cit. arts. 174° e 178° do CPP, visto que, uma das limitações à apreensão de documentos é precisamente o consentimento dos visados (cit. art. 126°, n° 3, do CPP), tendo em consideração os interesses jurídicos tutelados - segurança dos cidadãos e reserva da sua privacidade -, qualquer deles de interesse público por declaração constitucional - art. 32°, n° 8, da CRP.
13- Sobre a concreta questão de as empresas "Whishlist, Lda" e "ANYear Management" nunca terem dado o seu consentimento, o acórdão recorrido nada diz, sendo, portanto, nulo por omissão de pronúncia (art. 379°, n° 1, al. c), do CPP), sendo que em qualquer caso, a invocada nulidade por natureza (art. 126°, n° 3, do CPP) é manifesta, pelo que deve ser declarada, com as legais consequências.
14- De outra banda, no acórdão ora em crise, o tribunal recorrido afirma que:
"De todo o modo, mesmo que prevalecesse diferente entendimento, a verdade é que, quer em sede de inquérito, quer na fase de julgamento, a documentação, então, apreendida e relativa às empresas referidas pe/os arguidos (Apensos LXXVIII, LXXX e LXXXIII), nunca foi utilizada e valorada para efeitos de prova.
Ou seja, nenhum relevo legal, para efeitos de valoração e/ou proibição de prova revestiria a, denominada, «abusiva», apreensão'. (cf. pág. 12 do acórdão).
15- Salvo o devido respeito, a documentação, então, apreendida e relativa às empresas referidas pe/os arguidos (Apensos LXXVIII, LXXX e LXXXIII), foi utilizada - ainda que, no limite, pela negativa -, para efeitos de prova, pelo menos em sede de inquérito - o que até se infere do facto de o M°P° ter sempre respondido pela negativa aos pedidos de devolução dessa documentação, feitos pelas empresas em causa.
16- Mesmo que assim não se entenda, o facto é que no próprio acórdão recorrido se surpreende a contradição insanável da fundamentação (art. 410°, n° 2, al. b), do CPP), pois que, ao contrário do antes asseverado pelo tribunal, vem depois reconhecer que utilizou e valorou os Apensos LXXVIII, LXXXe LXXXIII- cf. "2.2. MOTIVAÇÃO / 2) DOCUMENTAL / ffff - Apensos I a LXXXV (conforme termos de apensação de fis. 61, 389, 1123 a 1127 e 1600), sendo com especial relevância os Apensos n°sl, IIIIX, LXXIX'. (cf. págs. 52, 53 e 56 do acórdão).
17 - Quer dizer, é o próprio tribunal recorrido que reconhece que motivou a sua decisão, ora em crise, nos Apensos I a LXXXV, nos quais estão incluídos os Apensos LXXVIII, LXXX e LXXXIII - AFINAL DE CONTAS sempre utilizados e valorados para efeitos de prova.
Vai invocado o pertinente ERRO DE JULGAMENTO.
18- É manifesto que o douto acórdão recorrido aproveitou factos relativos à "Porta Grande, Soc. de Mediação Imobiliária, Lda...", para condenar o Recorrente, apesar de o próprio tribunal ter ordenado a separação de processos.
19- Com efeito, observa-se o seguinte "Quanto à prova testemunhal com mais relevo/interesse probatório: (cf. págs. 57 a 64 do acórdão), concretamente em relação às 14 testemunhas não pertencentes a Administração Fiscal, convocadas pelo acórdão para motivar a sua decisão:
a - Nenhuma trabalhou para a "Ramea"
b - 10 (dez) trabalharam para a "Porta Grande";
c - 1 (uma) nunca ouviu falar da "Ramea"
d - 7 (sete) não mencionam sequer a "Ramea"
e - 1 (uma), só numa reunião ouviu falar da "Ramea"
f - 3 (três), só depois de ouvidas no inquérito ou confrontadas na investigação com o(s) cheque(s), é que ficaram a saber que houve pagamentos feitos pela "Ramea", antes disso sempre pensaram que fosse a "Porta Grande" a pagar-lhes
g - 1(uma), o que diz da "Ramea" é totalmente inócuo
h - 1 (uma) diz que não fazia ideia que a "Ramea" tivesse alguma coisa a ver com a "Porta Grande"
i - Das 17 testemunhas, 13 (treze) referem factos da "Porta Grande"
20- Sendo manifesto, pois, que o tribunal realizou já de forma enviesada, o julgamento da "Porta Grande" - conquanto sem a constituição desta como arguida -, não se entende, pois, o despacho de 21.02.2018 que determinou "ao abrigo do ... art. 30o, n° 1, als. b) e c)do CPP...a separação do processo relativamente à arguida Porta Grande...", por violador do direito de defesa previsto no art 32° da C.R.P.
21- O arguido recorrente viu, assim, ser-lhe denegada, em violação do disposto nos cit. arts. 2° e 32°, n°s 1, 5, e 8, da CRP e 126°, n° 2, al. d), do CPP, a obtenção de benefícios legalmente previstos:
- o direito à conexão de processos: e, bem como,
- o direito à eficácia da justica / realização da justica no caso concreto.
22- Com a separação de processos, o arguido viu-se, mormente, impossibilitado de explicar a origem dos dinheiros e de justificar toda a contabilidade, do lado da acusação, é o próprio M° P° que reconhece que "...quer em sede de investigação, quer de julgamento... foi efetiva mente utilizada e valorada para efeitos de prova a documentação apreendida...relativa à...empresa «Porta Grande» (Apenso LXXIX)' (cf. págs. 5 e 6 do acórdão).
23- Aliás, é o próprio tribunal recorrido que admite que motivou a sua decisão, ora em crise, nos Apensos I a LXXXV, nos quais está incluído o Apenso LXXIX (cf. "2.2. MOTIVA ÇÂO /2) DOCUMENTAL / ffff- Apensos I a LXXXV (conforme termos de apensação de fis. 61, 389,1123 a 1127 e 1600), sendo com especial relevância osApensos n°s I,III, IX, LXXIX'. (cf. págs. 52, 53 e 56 do acórdão).
24- Consequentemente, o Ministério Público gozou de toda a liberdade processual para usar como quis quaisquer factos, documentos e testemunhos relativos à "Porta Grande, Soc de Imediaçao Imobiliária, Lda...", quer durante a investigação para a dedução da acusação, quer para sustentar o libelo acusatório durante o julgamento.
25- Enquanto o ora recorrente se viu "desarmado", manietado, nomeadamente pela impossibilidade acima indicada e sublinhada (cf. Cls. 23), i.e., foi coarctada à defesa a discussão eficaz da matéria probatória que integrava a acusação. O mesmo é dizer que houve uma clara violação dos princípios de igualdade de armas e do contraditório, "detectores de iniquidade" que põem em causa a (justiça da) decisão recorrida (cf. art. 20°, n° 4, da CRP).
26- A normatividade da fórmula do artigo 32°, n° 1, da CRP, na sua dimensão de 'cláusula geral', de modo a englobar 'todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação' (na expressão de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3a edição, Coimbra, 1993, pág. 2020) é, pois, aqui posta em crise.
27- Com efeito, se o princípio da igualdade de armas 'é um princípio que opera essencialmente no âmbito do direito de defesa, no âmbito da preocupação de não colocar o arguido em desvantagem relativamente aos meios processuais de que dispõe a acusação com vista à formação da convicção do tribunal' (cf. Ac. n° 132/92 do TC), não sendo, pois, de acolher normas processuais ou procedimentos delas aplicativos que encurtem inadmissivelmente as possibilidades de defesa do arguido (cfr., a propósito, Acs. n°s. 61/88, 393/89, 172/92 e 186/92, todos do TC), então
28- As garantias de defesa aludidas no artigo 32°, n° 1, da CRP hão-de ser referenciadas às garantias necessárias e adequadas para um eficaz exercício do direito de defesa, interpretado à luz do princípio da proporcionalidade (cf. Ac. n° 133/92 do TC).
29- No caso subjudice, entende-se estarem em causa as garantias de defesa e ainda o princípio da estrutura acusatória do processo em articulação com o princípio do contraditório, com efeito, relembrando que o despacho de 21.02.2018 determinou "...ao abrigo do preceituado no art. 30° n° 1, als. b) e c)do CPP...a separação do processo relativamente à arguida Porta Grande, Soc. de Imediaçao Imobiliária, Lda...", é manifesto que foi acolhido procedimento aplicativo da cit. norma - art. 30°, n° 1, als. b) e c), do CPP - que encurtou inadmissivelmente as possibilidades de defesa do arguido.
30- Foram violadas as seguintes NORMAS JURÍDICAS (art. 412°, n° 2, alínea a), do CPP): Artigos 30°, n° 1, als. b) e c), 126°, n°s 2, al. d), e 3, 174°, 178°, 379°, n° 1, al. c), e 410°, n° 2, alíneas b), do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; e 2°, 20°, n° 4, e 32°, n°s 1, 5 e 8, da LEI FUNDAMENTAL.
Termos em que requer V.Exas se dignem revogar o douto acórdão recorrido, com as legais consequências.
Assim se respeitará a Lei e o Direito e fará a costumada e serena JUSTIÇA!
Por seu turno, o arguido (5) CA________, extrai as seguintes conclusões na sua motivação de recurso:
1- O Juiz 7 do Juízo Criminal de Lisboa revelou uma falta de sensibilidade judicativa decepcionante na análise de prova produzida em julgamento, maxime no que respeita à verdadeira actividade de consultoria (mediante a realização de estudos) levada cabo pelo arguido, ora recorrente, enquanto procurador da "Barden-Assets, LLC"; da legalidade na criação deste empresa e cumprimento estrito das suas obrigações fiscais, revelando um repúdio por este tipo de sociedades que não se coaduna com a actividade de um julgador; e ainda à confusão de conceitos jurídicos, nomeadamente entre mediação imobiliária e consultoria, bem como o desprezo completo - fazendo da beca o esfregão dos seus preconceitos - pelo modos operando contabilistico e financeiro das vulgarmente designadas offshore.
2- Se mal andou o tribunal a quo em matéria de facto - quer julgando incorrectamente alguns, quer na errada subsunção jurídica de outros -, pior esteve em matéria de análise critica da prova, violando o preceituado no art. 374.º, n.s 2 do C.P.P..
3- O presente recurso versa, pois, sobre a impugnação de alguns pontos da matéria de facto - Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, com indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como as provas que impõem decisão diversa e as que devem ser renovadas (412.º, n. 3 do C.P.P.)
4- Tem, ainda, como fundamento a nulidade da decisão por falta de exame critico da prova, violando, o tribunal recorrido, o art. 374.º, n.2 2 do C.P.P. e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ((art. 410º n.º 2, alínea do C.P.P.)
5- Nos termos do art. 430.º do C.P.P., a Relação de Lisboa tem poderes para admitir a renovação da prova e o reenvio do processo para primeira instância e nos termos do art. 431.º, alíneas a) e b) do C.P.P., a Relação de Lisboa tem poderes de cognição que permitem modificar a decisão recorrida quanto à matéria de facto.
6- Foram incorrectamente julgados os pontos 8, 9, 10, 61, 63, 83, 85, 96, 97, 101, 102, 103,104, 105,106,107, 108, 109,110 e 111.
7- Impõem decisão diversa as seguintes provas: depoimento de Rui ... com início às 16h03m48s e termo às 16h37ml4s da Ata de 7/03/2018 e Início às 10h23m47s e termo às Hh40m23s; Oepoímento de JG___ com início às 10hl9n22s e termo às 12h30m02s e início às 14h41m36s e termo às 15hllm33s da Ata do dia 11/06/2018; Depoimento de António … com início às 10h20ml0s e termo às Ilh49m47s da Ata de 4/04/2018; Depoimento de Bento JMS___ com início às 15h05m02s e termo às 15h21m02s da Ata de 04/04/2018; estudo efectuado para a "Longevity" de fls. 377 e ss do DOC. 26/63, Apenso 7; Pacto social da Barden Assets, LLC a fls. 26 do doc. 14/63 do Apenso VI; depoimento de CS___ com início às 15h33m29s e termos às 16h35m04s da Ata
8- Não foi observado, como deveria ter sido, pelo tribunal a quo a seguinte legislação: Lei das Sociedades do Estado de Nova Iorque; Tex Code; Internai Revenue Code, bem como os arts. 4.2 e 94.2 do CIRC.
9- No ponto VI.I da motivação, o ora recorrente relaciona os factos incorrectamente julgados com as provas que assim o obrigam e para lá remete a presente conclusão.
10- A Barden Assets LIC é uma empresa transparente relativamente à finalidade de impostos nos EUA. Por conseguinte, não está sujeita a imposto norte americano. Sendo detida a 100% por um único membro estrangeiro é considerada uma "entidade desconsiderada". O que significa que não existe para efeitos de imposto nos EUA, uma vez que não há autoridade tributária sobre pessoas estrangeiras, a não ser que o seu rendimento tenha origem nos EUA, ou que estabeleça negócios com os EUA.
11- São o Tex Code, o Internal Revenue Code (IRC)e a lei das Sociedades de Nova Iorque que regulam a sua actividade.
12- Tais instrumentos foram desconsiderados no relatório final de inquérito e pelas testemunhas Jorge ... (técnico da Autoridade Tributária), Rui ... (Inspector Tributário e responsável pelo relatório final) e Sandro ... (Inspector Tributário) que participou na elaboração do relatório final). Pelo que, os seus depoimentos se encontarm inquinados.
13- O senhor Inspector Rui ... chega a afirmar que "há uma dupla não tributação permitida por lei", todavia, o tribunal desconsiderou, sem fundamentar, esta parte do seu depoimento.
14- O depoimento do Dr. JG___- testemunha apresentada pela defesa - foi totalmente desvalorizado por questões de ...forma! O tribunal a quo fez tábua rasa de todo o seu vasto conhecimento e experiência na matéria.
15- A impreparação, dos técnicos ouvidos, em matéria de LLC, o seu preconceito contra este tipo de sociedades, bem como a perseguição fiscal enraizada na nossa Administração Tributária, ditaram um acórdão mal elaborado do ponto de vista jurídico.
16- A lei ao abrigo do qual foi constituída a empresa que o ora recorrente detinha foi estritamente cumprida. Os comportamentos fiscais da supra referida sociedade são, todos eles, correctos e legais, conforme "Tex Code", "Internai Revenue Code" e arts. 4.2, n.s 3 e 94., n.9 i, al)f) do Código do IRC.
17- Não houve, nem se provou que os arguidos tivessem gizado um plano, que ditou a constituição das sociedades de direito estrangeiro, a operar como empresas fantasma.
18- É o próprio acórdão que entra em contradição: se por um lado dá como provado que os arguidos elaboraram, em conjunto, um plano; mais à frente, entende que não há uma co-autoria por as actividades criminosas terem sido praticadas de forma autónoma e independente pelos arguidos.
19- A "Barden Assets, LLC" foi criada como estratégia de planeamento fiscal, tendo em conta aquela que era a actfvídade profissional do arguido CA________: consultor com vasta experiência em estudos de mercado.
21- A "Barden Assets, LLC" LABOROU, elaborando estudos para diversas entidades, sendo paga por eles e cumprindo as obrigações fiscais de retenção na fonte.
22- "O objecto social desta empresa de responsabilidade limitada é a prática de todo o tipo de actos legais. A empresa terá poderes ilimitados para se envolver ou praticar qualquer acto legal respeitante a qualquer ou todas as actividades que possam constituir objecto de uma Empresa de Responsabilidade Limitada, de acordo com as leis do Estado de Nova Iorque, excluindo a actividade bancária e os seguros, incluindo todas as faculdades e finalidades actualmente e doravante admitidas por lei para uma Empresa de Responsabiiiadde Limitada" (Estatutos da "Barden Assets-LLC", Doc. 23, Apenso 7).
23- Foram pagos os impostos devidos pela actividade da "Barden-Assetes, LLC", nomeadamente a retenção na fonte de IRC por parte das empresas pagadoras.
24- As entradas de dinheiro na conta da Barden Assets, LLC tiveram origem nos estudos efectuados pelo seu Procurador e /ou na sua intermediação em cessão de quotas.
25- As facturas reflectem exactamente o trabalho efectuado.
26- Em relação ao ano de 2006, conforme quadro constante do ponto 69, as entradas de quantias na conta da Barden Assets, LLC, correspondem a pagamento do trabalho efectivamente efectuado para a "Corcova", depois de deduzido o imposto devido.
27- Já em 2007, conforme quadro constante do ponto 71, as entradas de dinheiro são provenientes da Corcova e Bento JMS___.
28- A Barden LLC levou a cabo uma verdadeira actividade, exercida pelo seu procurador, que se consubstanciou na elaboração de aturados, exaustivos e bem sucedidos estudos. Como vinha sendo, aliás, até aí, o seu percurso profissional. E ainda numa intermediação de uma cessão de quotas.
29- O ora arguido, primeiro em nome individual e, depois, por questões de planeamento e eficácia fiscal, sempre fez da consultoria, mormente elaboração de estudos, a sua actividade profissional. Veja-se, por exemplo, a sua actividade na Vidreira Nacional com estudo junto aos autos, no autódromo de Portimão, no Grupo Pelicano ou no complexo TroiaResort.
30- O objecto social da Barden Assets, LLC, ao contrário do que se dá como provado, com total desprezo pelos documentos oficias, só excluía da sua actividade a banca e os seguros, conforme pacto social constante de fls. 26 do doc. 14/63 do Apenso VI.
31- Os serviços descritos nas facturas (estudos de mercado) foram efectuados pelo seu procurador.
32- Questão diversa e que a investigação poderia ter explorado é a que se prende com a entrega do Imposto de Rendimento Singular a que estaria obrigado o ora recorrente, em função dos trabalhos que fez e conforme manda a Lei das Sociedades Transparentes. Seria este - enquanto dono da empresa - que tinha a obrigação de passar o recibo e entregar os valores - pelos recebimentos sobre o trabalho efectuado -, a título de imposto.
33- A actividade exercida pela Barden Assets LLC, foi, de facto, a de consultoria.
34- Aliás, a existência de empresas de consultaria que laboram em momento temporal anterior às Mediadoras, é uma realidade que sempre existiu, sendo até cada vez mais frequente em Portugal e que só o tribunal recorrido ignorou olimpicamente, desprezando todo o trabalho efectuado previamente à mediação.
34- O tribunal a quo desconsiderou completamente a actividade de consultoria reduzindo-a àquilo a que apelidou de "meros estudos", o que levou a uma condenação arbitrária e ilegal.
35- Veja-se, por exemplo, o depoimento de FH_____ completamente assertivo e esclarecedor: "a mediação é uma venda e a consultoria é um estudo a montante de uma venda".
36- Qualquer homem médio distingue uma de outra.
37- Só o tribunal recorrido, porque movido pelo seu preconceito contra as offshore e assumindo uma dinâmica de justiceiro, entendeu que a mediação consome a consultoria. Dando, assim, erradamente como provados os factos acima referidos e ainda todos aqueles que decorrem desta confusão de conceitos com nefastas e erradas consequências ao nível fiscal. Quais sejam: 104, 105,106,107,108,109,110,111.
38- O acórdão do qual se recorre é nulo POR FALTA DE EXAME CRÍTICO DA PROVA (violação do art. 374.8, n.2 2 do C.P.P.)
39- Dispõe, assim, o art. 374.º n.s 2, sob a epígrafe "requisitos da sentença"-. "Ao relatório segue- se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal" (negrito e sublinhado nosso)
40- No ponto 2.2 MOTIVAÇÃO, 3) TESTEMUNHAL, o tribunal a quo começa por identificar algumas das testemunhas ouvidas (não referindo, em momento algum, fundamento da selecção destas em detrimentos das outras (as não enunciadas), para, de seguida, fazer um curto relato do que foi dito pelas mesmas.
41- A título meramente exemplificativo, pode ler-se, assim, em relação à primeira testemunha indicada (desconhecendo-se, reitera-se, o critério de escolha das elencadas em detrimento das preteridas):"JS____ . Técnico na Autoridade Tributária, disse, em suma, que:- a investigação iniciou-se com a comunicação da suspeita das duas contas bancárias sediadas no BPI (Ramea e Barden LLC); verificaram que aquelas duas empresas não tinham cumprido quaisquer obrigações fiscais, os valores nunca foram declarados nem pelas empresas, nem pelos procuradores; a Ramea não teve qualquer actividade em Portugal; não estava registada a actividade em Portugal; "para mím é o nome duma conta bancária"; o dinheiro que entrou na conta bancária era proveniente da actividade da porta grande; a Porta Grande e a Ramea são as mesmas pessoas; as facturas foram emitidas pela porta grande para a Ramea e a Porta Grande registou como custos; a Barden LLC também não estava registada actividade em Portugal; não tinha meios para exercer a actividade a empresa que efectuava era a Barden imobiliária; embora fossem empresas estrangeiras para exercer a actividade em Portugal tinham que ter contabilidade organizada e cumprir obrigações fiscais."
42- Em momento algum, o tribunal recorrido justifica, de modo analítico, este depoimento (bem como todos os outros que seguem).
43- A tarefa tão nobre quanto fundamental de mostrar à comunidade os motivos que presidiram à escolha daquelas específicas provas - actividade tão mais necessária para a segurança e certeza jurídicas - quando se trata de prova testemunhal - não foi levada a cabo pelo tribunal a quo, pelo que foi violado o disposto no art. 374.º, n.s 2 do C.P.P.
44- Este entendimento do recorrente tem forte acolhimento na jurisprudência portuguesa, como se verá a seguir:
1. Para o julgador considerar determinado facto como provado ou nâo provado, não basta limitar-se à transcrição integral de um determinado meio de prova. A exposição do teor de um meio de prova não permite, por si só, dar a conhecer o percurso lógico, racionai e objectivo que determinou a respectiva valoração e que permitiu adquirir uma dada convicção probatória. Ao não ser efectuado o exame crítico da prova, não se entende, ò luz das regras da experiência comum e perante a informação probatória considerado na decisão para a fundamentar, que não tenha sido outra a opção relativamente aos factos dados como não provados.
II. Embora a decisão dê a conhecer os meios de prova em aue assentou a sua apreciação, com a indicacão do resoectivo conteúdo, não apreciou nem valorou criticamente a prova, dentro dos parâmetros positivados no artº 127º do CPP. não explicitando quais os critérios lógicos e mentais aue seguiu e que levaram o julgador, perante versões não convergentes, a optar por uma delas, não afirmando, inequívoca e completamente, as razões lógicas (decorrentes da normalidade das coisas, das regras da experiência, etc.) por que proferiu aquela decisão de facto - e não outra -. assim não deixando claros os fundamentos que sustentaram a convicção que formou.
III. A mencionada omissão do exame crítico das provas implica a nulidade do acórdão (cfr. Art.ºs 374º. nº 2 e 379º. n.º 1 al.al do CPP) e determino a sua reformulação de molde a permitir oos sujeitos processuais, a interposição de recurso da forma legalmente imposta.
(…)
46- Devendo, por isso, o acórdão recorrido ser considerado NULO!
47- Padece, ainda, o acórdão recorrido do vício previsto na alíne b) do n.s 2 do art. 410.º do C.P.P.
48- Assim, se por um lado se deu como provado que:" De modo a poder ocultar a entrada e saída de verbas das suas contas pessoais e das sociedades realmente existentes em território nacional com a quais os arguidos trabalhavam, bem como de modo a não apresentarem quaisquer rendimentos para efeitos de tributação fiscal, os arguidos deliberaram um plano que consistia em criar empresas estrangeiras e utilizar aquelas quer criando contas bancárias, quer como sendo prestadoras de serviços em território nacional, quando as mesmas eram meras empresas fantasma, sem existência real dominadas e geridas pelos arguidos. Para efeito os arguidos criaram as sociedades arguidas Barden Assets LLC e Ramea Properties LLC."
49 - Por outro, e já no capítulo 3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO, Da co-autoria ou autorias paralelas, entendeu o tribunal recorrido:"Da co-autoria, há que distinguir a mera actuação paralela que ocorre quando diversos agentes praticaram, sem prévio acordo, actos concorrentes para um resultado criminoso (...) Temos, pois, que a grande distinção entre a comparticipação e as autorias singulares paralelas verifica-se por na primeira haver um acordo prévio entre os co- autores que pode ser expresso ou meramente tácito. Sufragando o acabado de transcrever (por há muito constituírem jurisprudência e doutrina pacíficas) poder-se-á, assim, concluir que, no espectro dos crimes fiscais, máxime, na fraude fiscal, co-autores são os sujeitos passivos e aqueles que com eles dividem a execução típica, sendo a decisão e a execução do crime obra comum a todos e cada qual oferece uma contribuição essencial para a realização típica."
50- Para concluir, assim, no ponto e) Da co-autoria/autorias paralelas:"Como se deixou indiciado logo aquando da comunicação da alteração da qualificação jurídica efectuada em sessão de julgamento, a matéria de facto, ora dada como assente, não preenche objectivamente e subjectivamente os requisitos da co-autoria imputada a todos os arguidos.
51- Na verdade, nos termos atrás consignados e tal qual decorre da factualidade dada como provada, no caso dos autos, estamos perante uma mera actuação paralela (por um lado temos a actividade da Ramea LLC e do JA______ e por outro lado a actividade da Barden Assets, LLC e de CA_______ , pese embora a coincidência temporal relativamente à constituição das respectivas sociedades não residentes e à existência de alguma colaboração na fase inicial).Conduindo-se, em conformidade, para o que agora releva, que os arguidos (nos termos assinalados) só responderão pelos resultados causados pelas próprias condutas/actividade.
52- Se do ponto de vista jurídico, o raciocínio do tribunal é irrepreensível, o mesmo não é compatível, coordenável ou coerente com a factualidade dada como provada nos pontos 9 e 10 - onde se assevera que os "arguidos delinearam um plano que consistia em criar empresas estrangeiras e utilizar aquelas, quer criando contas bancárias, quer como sendo prestadoras de serviços, quando as mesmas eram meras empresas fantasmas, sem existência real dominadas e geridas pelos arguidos; "Para efeito os arguidos criaram as sociedades arguidas Barden Assets LLC e Ramea Properties LLC."
53- O tribunal deu, assim, como provado que os arguidos agiram em conjunto, para, mais à frente entender que cada um agiu por si...
54 - Dito pelo nosso Supremo Tribunal:"(...) quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribuna?' (Acórdão do STJ, de 13 de Outubro de 1999, in Acórdãos do STJ, Ano VII, Tomo III, p. 184).
55- Ou, como referem Simas Santos e Leal Henriques, "Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou uma emissão de duas preposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e na qualidade" (Código de Processo Penal 2. Edição II vol., pág. 379).
56- Afirmação que assenta como uma luva no caso concreto: o tribunal a quo, em relação ao mesmo facto e ao mesmo atributo diverge na qualificação, dando como provado: - ao nivel do facto, o arguidos concertaram-se (cfr. Factos provados);- ao nivel do direito: os arguidos agiram per si (cfr. Fundamentação de Direito).
55 - Da análise do texto do acórdão, facilmente se chega à conclusão estarmos em presença de uma contradição insanável entre os factos provados e fundamentação.
57- Mais, a própria decisão ao condenar o arguido, ora recorrente, pela alínea g) do art. 104.º do RGIT - al) C) do ponto IV DECISÃO ("o agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais") cai no vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al) b) do C.P.P.. Não pode condenar-se alguma por conluio quando anteriormente se entendeu que a acção havia sido praticada de forma isolada...
58- Não podia, o tribunal a quo, sem cair na contradição referida, ter dado como provado, em simultâneo que os arguidos agiram em conjunto e que os arguidos agiram por si e paralelamente...
59- A verificação do vício supra enumerado tem como consequência, se tal for possível, a supressão do mesmo pelo tribunal de recurso e, em consequência, a decisão da causa por esse mesmo tribunal ou, na impossibilidade, a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento na totalidade ou para questões concretas identificadas na decisão de reenvio (art. 426.º, n.º 1 do C.P.P.)ln casu, é uma questão estruturante de todo o processo que só pode ser dirimida com a anulação do julgamento e reenvio do processo para novo julgamento.
60- Há, ainda, outra contradição insanável.
61- No ponto 63 dos factos provados, o tribunal dá como provado que a "Barden Assets não cumpriu com quaisquer obrigações contabilísticas e fiscais a que estava obrigada. Já no ponto 78 entende que "os valores facturados pela sociedade arguida Barden Assets LLC traduziram-se em valores pagos (deduzidos dos valores das retenções na fonte em IRC)...", acrescentando no 79 que "os valores de retenção na fonte de IRC foram efectuados e entregues nos cofres do Estado, pelas entidades atrás referidas".
62- Ora, nos termos do art. 4, n.s 3 do Código do IRC, conjugado com o art. 94, n.s 1 al) f) do mesmo Código: "mesmo sem sede ou estabelecimento estável devem ser tributados, em Portugal, os rendimentos relacionados com ESTUDOS... ou seja, mediante a retenção na fonte de 15%".
63- Ora, se por um lado, tanto dos depoimentos das testemunhas António ... e Bento JMS___, como dos pontos 78 e 79 dos factos provados resulta que tal retenção foi feita e entregue, por outro, diz-se no ponto 63 que a Barden Assets LLC não cumpriu com as obrigações que estava obrigada.
64- Mais uma contradição insanável que fica desde já alegada, nos mesmíssimos termos da anterior.
Assim, o tribunal a quem não poderá ter outra atitude que não a absolvição do arguido por verificação dos vícios referidos ao longo de toda a peça recursória. Sem prejuízo do reenvio para novo julgamento, nos termos requeridos e permitidos pela lei adjectiva citada.
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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta a estes recursos, pronunciou-se, quanto a ambos esses recursos, pela sua improcedência no que respeita a todos os fundamentos suscitados.
No decurso da audiência de julgamento vieram a ser proferidas, pelo colectivo de juízes, duas decisões intercalares, uma em que o tribunal de 1.ª instância decide pela separação de processos no que respeita à arguida “Porta Grande, Sociedade de Imediação Imobiliária”, e outra em que comunica uma alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica dos crimes imputados aos arguidos.
De ambas as decisões veio a recorrer o arguido (4) JA______ , sabendo-se que no recurso final do acórdão é referido expressamente a manutenção de interesse na apreciação desses recursos nesta instância de recurso.
No recurso do primeiro despacho, relativo à separação dos processos, o mesmo arguido/recorrente JA______ formula as seguintes conclusões:
1- O presente recurso vai interposto do despacho de 21.02.2018 que determinou "...ao abrigo do preceituado no art. 30º, n° 1, als. b) e c) do CPP...a separação do processo relativamente à arguida Porta Grande, Soc. de Imediacao Imobiliária, Lda...".
2- Foram transcritos na Motivação os extratos dos atos e incidências processuais relevantes para o presente recurso, tal como constam da ATA DE AUDIÊNCIA DE DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO do dia 21-02-2018 e, bem como, da respetiva GRAVAÇÃO ÁUDIO, e que a seguir se sintetizam:
3- Por já se encontrar regularizada a situação no registo comercial quanto à identificação do legal representante da arguida Porta Grande - Soc. de Mediação Imobiliária, Lda, pela Ma Juiza Presidente foi aquele questionado sobre qual a posição que iria assumir relativamente ao prazo para (eventual) abertura de instrução, após a sua notificação legal, tendo o mesmo dito que não prescindia do prazo, após o que a Ma Juiza Presidente proferiu despacho a notificar a dita arguida da acusação deduzida com a advertência de que poderia, querendo, apresentar requerimento de abertura de instrução, no prazo legal.
4- Como consta da ata da audiência, o Digno Magistrado do M°P° requereu a separação de processos quanto à arguida Porta Grande, por forma a não atrasar mais o início do presente julgamento e não pôr em causa a pretensão punitiva do Estado quanto aos demais arguidos.
5- Como consta da gravação áudio o que o Ministério Publico disse ainda; "Deverá ser necessariamente ordenada a separação de processos contra a arguida Porta Grande... se a mesma entender não prescindir do prazo da abertura de instrução" (sublinhado nosso) - irregularidade que se afigura que deve ser reparada nos termos do disposto no n.°2 do art. 123.° do C. P. Penal.
6- Como consta da ata da audiência, pelos Ilustres Defensores dos arguidos, foi manifestada oposição à separação de processo quanto à arguida Porta Grande, nomeadamente pela relação entre os arguidos, desequilibrando a atuação da defesa dos arguidos, na sua perspetiva, designadamente o Mandatário do arguido JA___, ora recorrente, invocou a violação do amplo direito de defesa prevista no art 32° da C.R.P., para os devidos efeitos legais.
7- Seguidamente pela Ma Juiza Presidente foi proferido o despacho recorrido, no qual o tribunal alega, sinteticamente, que neste momento se impõe, claramente, pôr termo ao excessivo e já insustentável retardamento do inicio do julgamento, pois, tal como decorre no artigo 30° do C.P.P., está em causa grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para além da conexão estar a retardar, excessivamente o julgamento dos demais arguidos, assim determinando, ao abrigo do preceituado no artigo 30°, n° 1, als. b) e c) do C.P.P....a separação de processos relativamente à arguida Porta Grande - Sociedade de Mediação imobiliária, Lda.
8- Como resulta, v.g., dos artigos 32°, 35°, 40°, 43°, 47°, 48°, 49°, 50°, 51°, 53°, 91°, 92°, 93°, 94° e 95° da acusação, toda a faturação da Porta Grande - Soc. de Mediação imobiliária, Lda está entrelaçada com a faturação da Ramea Properties, Llc, com efeito, toda a acusação baseia-se na contabilidade da Porta Grande - Soc. de Mediação imobiliária, Lda.
9- Há uma relação intrínseca entre os factos imputados à Porta Grande - Sociedade de Mediação imobiliária, Lda e os imputados à Ramea Properties, Llc. O que foi apurado em sede de relatório das finanças e o encaixe no tipo legal de crime que é feito só pode ser analisado se atendermos à relação sinalagmática entre ambas as partes.
10- A responsabilidade criminal das sociedades arguidas só existe quando existir a responsabilidade criminal da pessoa singular que a representa. conforme se retira do n°3 do artigo 7° do RGIT, e que é, no caso, o arguido ora recorrente: esclarece o art. 2° da acusação que "JA___...é procurador com plenos poderes da sociedade comercial Ramea Properties, Llc" e, já vimos supra, é legal representante da arguida Porta Grande - Soc. de Mediação Imobiliária. Lda.
11- Tal relação intrínseca entre os factos imputados a ambas a sociedades é patente na gravação áudio do Interrogatório do arguido JA______ (ora recorrente), no qual, vg., este afirma "€ 200.000,00...Esse dinheiro foi depositado na conta da Porta Grande", o M° Juiz pergunta "Sabe qual era o lucro da empresa e a parte que cabia aos vendedores? ", o arguido responde "Não sei, não consigo determinar" e o M° Juiz pergunta ainda "não era uma forma de deslocar dinheiro da porta grande para a Ramea? "
12- A transcrição supra espelha bem em que medida a separação de processos ordenada no despacho recorrido impossibilita o arguido recorrente de explicar a origem dos dinheiros e de justificar toda a contabilidade, atentando assim contra o direito de defesa previsto no art 32° da C.R.P., cuja violação de novo se invoca, com as legais consequências.
13- No Ac. TRP de 24-10-2007, CJ, 2007, T4, pág.229, o sumário condensa duas ideias que invalidam a ratio do despacho recorrido: 1) O facto de o arguido ter requerido a abertura de instrução não constitui fundamento para se ordenar a separação de processos, a fim de outro arguido ser julgado em separado: 2) E, além disso, a abertura de instrução não implica, necessariamente, um retardamento excessivo do julgamento (a que o M°P° não é alheio: o despacho recorrido alude ao já longo tempo de inquérito).
14- Por outro lado, a disposição do n.° 1 do artigo 30.° é taxativa e excepcional. O instituto da separação de processos deve ser aplicado de forma restritiva. Os prejuízos muito significativos que resultam da multiplicação de julgamentos sobre os mesmos factos, em termos de economia, mas também para a descoberta da verdade, apontam para a maior contenção no uso desta faculdade.
15- No caso em apreço, não há dúvidas que existe uma situação de conexão processual subjetiva, prevista no artigo 25.° do Código de Processo Penal.
16- Em concreto, a decisão recorrida encontra-se alicerçada no fundamento de que, não tendo a arguida Porta Grande - Soc. de Mediação Imobiliária. Lda, prescindido do prazo de abertura de instrução, se impõe, claramente, pôr termo ao excessivo e já insustentável retardamento do inicio do julgamento, e que a separação de processos cabe no espírito das alíneas b) e c), do artigo 30.° do Código de Processo Penal: - grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para além da conexão estar a retardar, excessivamente o julgamento dos demais arguidos.
17- No caso vertente, Pelos Ilustres Defensores dos arguidos, foi manifestada oposição à separação de processo quanto à arguida Porta Grande e não se nos afigura existir qualquer interesse ponderoso e atendível de algum dos arguidos na aludida separação de processos, bem pelo contrário.
18- As razões enunciadas não colhem, uma vez que o julgamento único e comum evitará maiores despesas, fazendo-se apenas um julgamento, em vez de dois e será possível obviar à realização de inúmeros cúmulos posteriores, desfazendo-se e reformulando-se cúmulos anteriormente feitos, o que apenas prejudica e é mais desfavorável aos interesses do arguido, em ver a sua situação jurídico-penal definida, em tempo razoável, protelando-a injustificadamente.
19- Assim, a separação de processos atenta contra os direitos fundamentais dos arguidos, designadamente, os decorrentes do seu estatuto processual - direito a ver a sua situação jurídico-penal esclarecida, de forma clara e inequívoca.
20- In casu, não restam dúvidas de que ao julgamento único operado pela conexão subjetiva é mais favorável à situação jurídico-penal dos arguidos, respeitando-se assim, a imposição constitucional que estabelece a opção pelo tratamento mais favorável ao arguido. (arts. 2°, n° 4, do Cód. Penal e 29°, n° 4, da CRP).
21- As razões enunciadas no despacho recorrido não têm a virtualidade para colocarem em causa, in casu, os benefícios atinentes à conexão processual e legal, pelo que o despacho que ordenou a separação de processos não assenta em qualquer razão válida nem defende os interesses dos arguidos, muito menos o do recorrente.
22- A decisão recorrida ao determinar a separação de processo apenas com os fundamentos invocados, violou o disposto nos artigos 24.°, 25.° e 30.°, n.°1, do Código de Processo Penal, pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente anulação da separação dos processos e subsequente julgamento único e comum.
23- Só após o M°P° se ter pronunciado no sentido de caso a arguida não prescinda do eventual direito de requerer a abertura de instrução, deverá ser efetuada a separação de processos quanto a esta arguida de forma a não por em causa ou não atrasar mais o julgamento e não por em causa nomeadamente a pretensão punitiva do Estado, é que o tribunal proferiu o despacho recorrido.
24- E neste (despacho recorrido), o tribunal limita-se a dizer que tal como decorre no artigo 30° do C.P.P., está em causa grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para além da conexão estar a retardar, excessivamente o julgamento dos demais arguidos.
25- Curiosa argumentação... quando se constata que durante anos, anos e anos, e mais anos, o processo esteve sob a égide do M.P. e do tribunal, sendo certo que não foi o arguido que promoveu qualquer tipo de actos que retardassem excessivamente a normal tramitação do processo.
26- Trata-se de um despacho não fundamentado, proferido ao arrepio do que dispõe os arts. 97°, n° 5, do CPP e 205 n° 1 da CRP, mas, em qualquer caso, o que releva é que a pretensão punitiva do Estado e/ou o retardamento excessivo do julgamento dos demais arguidos não podem prevalecer sobre o direito fundamental de a arguida Porta Grande - e o ora recorrente é o seu legal representante - requerer a abertura de instrução.
27- Do disposto nos arts. 126°, n°s 1 e 2°, al. d), do CPP e 32°, n° 8, da CRP, se extrai, no caso concreto, que à arguida Porta Grande - Soc. de Mediação Imobiliária. Lda foi-lhe denegado o direito a requerer abertura de instrução neste processo
28- E do disposto no art. 307°, n° 4, do CPP, deflui, consequentemente, que, no caso concreto, os arguidos Ramea Properties, LIc e JA______ (ora recorrente) não puderam beneficiar de um possível despacho de não pronúncia que pudesse vir a ser proferido naquela denegada abertura de instrução. Daí que toda a prova que já foi e vier a ser obtida contra os referidos arguidos é nula.
29- O regime legal do art. 307° do CPP obsta à interpretação defendida no despacho recorrido, pois só terá de ser convocada para o debate a arguida que (não tendo prescindido do prazo para requerer abertura de instrução) a vier a requerer (portanto a Porta Grande, Lda) por isso se alguns arguidos (leia-se, o ora recorrente e a Rameia Properties, Llc) não vierem a requerer a instrução isso não obsta a que a mesma se lhes venha a estender nas suas consequências nos termos do art. 307°, n° 4, do CPP.
30- Ao separar os arguidos acusados, em dois processos autónomos, o tribunal recorrido não só violou o princípio do pedido (arts. 287°, n.°s 1, al. b), e 3, e 288°, n.° 4, do CPP) como violou o princípio da vinculacão temática, intimamente ligado ao da acusação, assim contrariando o disposto pelo art. 32° n° 5 da Constituição.
31- A "hipótese acusatória" [Roxin] que se joga na thematisch bindung des gerichts produzida num inquérito com estrutura acusatória e submetido ao princípio da identidade [o objecto do processo deve manter-se o mesmo desde a acusação até ao trânsito em julgado da sentença], deve ser examinada na fase de julgamento e a separação tolhe decisiva e injustificadamente e exercício integral dos direitos de defesa, assim violando o art. 32° n° 1 da Constituição que preceitua que se concedem ao arguido "todas" as garantias de defesa, pois impede a avaliação de quais os factos efectivamente praticados pelos outros co-arguidos.
32- Se no processo que segue para julgamento é prolatada uma sentença condenatória e no que fica em instrução vem a entender-se que inexiste crime por falta de um elemento do tipo ou de uma condição objectiva de procedibilidade, então essa decisão mais favorável não se estende a todos os arguidos originais dos autos por ter havido uma separação de processos em cumprimento do art. 307° n° 4 do CPP.
33- A ser assim viola-se não só o dever instituído no art. 307° n° 4 do CPP como a Constituição que consagra o princípio do fair trial [processo equitativo ou da lide leal] nos arts. 20°, n° 4, e no art. 32°, n° 1, da Constituição.
34- Existe, ainda, a nulidade insanável prevista no art. 119°, al. d), do CPP - por falta de instrução em caso em que era obrigatória por ter sido requerida -, pois o art. 307° n° 4 do CPP consagra um "dever de o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas a todos os arguidos", independentemente de estes terem requerido ou estado na instrução.
35- Deste modo, o despacho atípico ora recorrido viola o preceituado nos normativos legais seguintes: artigos 17°, 24° e 30° do CPP [separação de processos]; o art. 307° n° 4 do CPP [obrigação de extensão da decisão instrutória a todos os arguidos]; os artigos 287° n.°s 1 al. b) e 3 e 288° n.° 4 do CPP [princípio do pedido]; o artigo 32° n° 5 da Constituição [princípio do acusatório]; os artigos 20° n° 4 e no art. 32° n° 1 da Constituição [princípio do fair trial e as garantias de defesa, no seu todo]; e os artigos 20° e 202° da Constituição [denegação de justiça por impedir uma tutela jurisdicional efectiva e não realizar a função jurisdicional].
36- Ainda que assim não se entenda, a pretensão punitiva do Estado e/ou o retardamento excessivo do julgamento dos demais arguidos não podem prevalecer sobre o direito de defesa do arguido ora recorrente, constitucionalmente consagrado.
37- No entanto basta atentar na linha de interrogatório do arguido recorrente, de que supra se transcreveram alguns extratos, para se concluir que a estratégia de defesa ficou prejudicada, com o consequente encurtamento das garantias de defesa do arguido recorrente (art. 32°, n°s 1 e 5, da CRP)., violando-se, assim, também, o princípio de igualdade de armas.
38- Da ideia do Estado de Direito, que a Constituição consagra logo no art.° 2°, decorre o princípio da lealdade processual, com assento também no art.° 10° da DUDH e 6a da CEDH, vigentes em Portugal, art.° 8° da Constituição.
39- Na acusação diz-se, a final do articulado, que "...cometeram os arguidos em co-autoria material e em concurso real e efectivo, na forma consumada...um crime de Fraude Fiscal Qualificada...e um crime de Branqueamento de Capitais.".
40- Entre os arguidos a quem é assacada a co-autoria material vêm indicados na acusação, em primeiro, quarto e sétimo lugares, respetivamente, a Ramea Properties, Llc, a Porta Grande - Sociedade de Mediação imobiliária, Lda e o ora recorrente enquanto pessoa singular.
41- Neste circunspecto, tendo o arguido ora recorrente estruturado a sua defesa em vista não só dos factos da acusação - estes inalteráveis por força do princípio da acusação - mas também já na perspetiva da qualificação jurídica do tribunal de julgamento, parece-nos que o despacho recorrido, configurando na prática e para todos os efeitos legais um verdadeiro volte face - o arguido está, para todos os efeitos práticos perante outra acusação -, violou o citado princípio da lealdade processual.
42- Os argumentos que vieram sendo aduzidos ao longo destas conclusões do recurso, apontam para um manifesto erro de julgamento da matéria de direito, com graves consequências ao nível da pena que vier a ser eventualmente aplicada. E, assim, justificam plenamente o presente recurso (arts. 379°, n° 1, alínea c), e 410°, n° 1, do CPP).
43- NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS (art. 412°, n° 2, do CPP):
Foram violados os artigos 2°, 20°, 29°, n° 4, 32°, n°s 1, 5 e 8, 202°, e 205, n° 1, da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; 17°, 20°, n° 4, 24.°, 25°, 30°, n° 1, als. b) e c), 97°, n° 5, 119°, al. d), 126°, n°s 1 e 2°, al. d), 287°, n.°s 1, al. b), e 3, 288°, n.° 4, 307°, n° 4, 379°, n° 1, alínea c), e 410°, n° 1, do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; 2°, n° 4, do CÓDIGO PENAL; 10° da DUDH; 6° da CEDH; e 7°, n° 3, do RGIT.
44- IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO (art. 412°, n° 3, do CPP)
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14m38s a 15m33s - REQUERIMENTO DO DIGNO MAGISTRADO DO M°P°
- O Ministério Publico entende que caso a arguida não prescinda do eventual direito de requerer a abertura de instrução, deverá ser efetuada a separação de processos quanto a esta arguida de forma a não pôr em causa ou não atrasar mais o julgamento e não por em causa nomeadamente a pretensão punitiva do Estado quanto aos demais arguidos que estão notificados da acusação e do julgamento há vários anos. Deverá ser necessariamente ordenada a separação de processos contra a arguida Porta Grande... se a mesma entender não prescindir do prazo da abertura de instrução.
18m10s a 21m00s - REQUERIMENTO DO MANDATÁRIO DO ARGUIDO RECORRENTE:
Entendemos que face a esta circunstância processualmente pouco ortodoxa que apesar de se
apontar para a separação de processos que apresenta a presente audiência de julgamento à
cautela deveria ser dada sem efeito , porquanto à eventual abertura de instrução da « Porta
Grande» e dos eventuais atos de instrução, que possam vir a ser requeridos e do eventual
deferimento de pretensão da arguida possa vir a contender com o que vier a ser apurado e
decidido nos presentes autos. Visto que a decisão instrutória a nosso ver terá efeitos sobre os
demais arguidos nos presentes autos, correndo-se até o risco de ter decisões contraditórias.
Sendo certo que se pode ainda suscitar a questão para todos os arguidos, havendo ou não
separação de processos, de se colocar em causa o amplo direito de defesa prevista no art 32° da C.P.R., cuja violação desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
21m13s a 22m27s - REQUERIMENTO DA MANDATÁRIA DO ARGUIDO CA________:
Efetivamente há aqui uma relação intrínseca entre os factos imputados à «Porta Grande» e ao arguido que eu represento que é o sr. CA________. O que foi apurado em sede de relatório das finanças e o encaixe no tipo legal de crime que é feito só pode ser analisado se atendermos à relação sinalagmática entre ambas as partes. É me difícil para mim fazer a minha defesa que já está gizada entendendo que se aplica uma determinada lei que não é aquela que a investigação entende que se aplica e depois não ter aqui o sujeito passivo das relações comercias com quem o meu constituinte teve relações. Portanto me parece que se por um lado a separação ajudava a célere tramitação processual, por outro lado prejudicava a defesa, deixando-a coxa. Portanto parece me que não é de separar os processos.
INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO JA______ (ora recorrente)
(Audiência de julgamento do dia 21.02.2018)
i3mios: ...€ 200.000,00...e que eu depositei na conta da Porta Grande (arguido) 26m37s: Esse dinheiro foi depositado na conta da Porta Grande (arguido)
27m09s: Eu queria que a empresa ganhasse algum e capitalizasse a empresa (arg°) 27mi8s: SABEQUAL ER.A OLUCRODA EMPRESA EA PARTEQUECABIA AOS VENDEDORES (M° Juiz)
27m20s: Não sei, não consigo determinar (arguido)
27m53s: Todos os valores da empresa eram declarados (arguido)
lh03mi9s: Não ERA UMA FORMA DESLOCAR DINHEIRO DA PORTA GRANDE PARA A RAMEA? (Ma Juiz)
Termos em que, apreciados e corrigidos os apontados erros de julgamento em matéria de direito e verificadas as nulidades invocadas, com as legais consequências, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso, revogar-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por superior aresto que determine a anulação da separação dos processos e o consequente julgamento único e comum.
Assim se respeitará a Lei e o Direito e fará a costumada e serena JUSTIÇA!
Por seu turno, no recurso do segundo despacho interlocutório, relativo à alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica, este mesmo arguido/recorrente JA______ apresenta as seguintes conclusões:
1- O presente recurso vai interposto do despacho proferido no dia 09.01.2019 (Ref 382870722), que, com referência a “Fls. 3677/3678” - requerimento de arguição da nulidade e/ou irregularidade do despacho que procedeu à comunicação da alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica (Ref 382566808), por este não indicar os meios probatórios que sustentaram os novos factos indiciários e a nova qualificação jurídica - se limitou a transcrever o sumário do “Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14/1/2015, proferido no processo n.° 72/11.2GDSRT.C1, in www.dgsi.pt.” e “Assim, sem necessidade de outras considerações, indeferindo liminarmente o requerido”.
2- Por conseguinte, o objeto do presente recurso é a apreciação pelo tribunal a quo da nulidade invocada sobre o despacho que procedeu à comunicação da alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica (Ref 382566808) na medida em que não reconheceu que tal despacho de alteração e respetiva comunicação sofre de qualquer vício.
3- Na audiência de discussão e julgamento de dia 20.12.2018 o tribunal recorrido procedeu à alteração não substancial dos factos e, bem como, à alteração da qualificação jurídica, através do Despacho (Ref 382566808), com o teor transcrito na Motivação.
4- Designadamente o arguido recorrente viu-se confrontado com uma série de novos factos indiciários, por referência a dez artigos do libelo acusatório e, no que concerne à alteração da qualificação jurídica, passou de co-autor de um único crime para autor de dois crimes.
5- No dia 07.01.2019 o ora recorrente apresentou requerimento de arguição de nulidade (cf. Fls. 3677/3678) deste supra transcrito despacho proferido no dia 20.12.2018 (Ref 382566808), esgrimindo os seguintes argumentos:
“...resulta genérico, porquanto limita-se a comunicar aos arguidos que da prova produzida resultaram apurados os factos dele constantes, sem especificar, indicar ou apontar qual ou quais os segmentos da prova produzida nos quais o Tribunal se baseou para apurar os factos mencionados e para determinar a alteração da qualificação jurídica.
Ao limitar-se à menção, v.g., “...produzida a prova resulta inexistir...”, sem qualquer outro suporte factual, o Tribunal violou o princípio do contraditório, visto deixar a defesa na impossibilidade de contraditar, em concreto, a referida “prova produzida”.
Afigura-se então a respectiva nulidade ou, se assim se não entender, a respectiva irregularidade, cuja declaração requer nos termos dos arts°118° e segs, por violação, designadamente, das garantias de defesa do arguido, rectius, contraditório, com a consequente violação do disposto no art°32°, n.1 e n.5 da Constituição da República Portuguesa.
Efectivamente, o art°358°, n.1 e n.3, resulta inconstitucional quando interpretado no sentido de permitir a comunicação aos sujeitos processuais (“in casu”, ao arguido) da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, ou da sua qualificação jurídica, sem concretizar os correspectivos meios de prova, por violação do já referido art°32°, n.1 e n.5 da C.R.P., inclusive pela extensão dos meios de prova dos presentes autos - documental e testemunhal.
Com a subsequente violação material do disposto no art°205°, n.1 da C.R.P.”.
6- A arguição de nulidade em apreço mantém-se válida e renova-se nesta sede, já que a justificação apresentada pelo tribunal recorrido no Despacho recorrido, salvo o devido respeito, não colhe minimamente, muito menos num processo desta complexidade, tanto mais que, ao contrário do afirmado pelo tribunal recorrido, nesta matéria não parece haver qualquer unanimidade na jurisprudência.
7- V.g,, veja-se o (ponto 1 do sumário do) Acórdão do TRC proferido no Proc. n° 878/07.7TACBR.C1 - Relator: Luís Teixeira - Descritor: “Alteração Não Substancial dos Factos”, votado por unanimidade em 13-122011:
" 1. A comunicação da alteração não substancial dos factos deve ser fundamentada, concretizando os novos factos indiciados e respectivos meios de prova de onde resulta essa indiciação, única forma e meio de salvaguardar ao arguido os seus direitos de defesa
8- O despacho proferido na audiência de discussão e julgamento de dia 20.12.2018 (Ref 382566808) não está fundamentado, pois concretizando os novos factos indiciados, NÃO indicou os respectivos meios de prova de onde resulta essa indiciação, única forma e meio de salvaguardar ao arguido ora recorrente os seus direitos de defesa.
9- Sufragando a douta opinião do TRC no (corpo do) cit. Acórdão, “Entendemos mesmo que esta questão deve ser linear e considerada evidente, pois a força de uma decisão judicial deve assentar na força da razão e não na razão da força”.
10- Efectivamente, no Ac. TRC de 13-12-2011, proc. 878/07.7 TACBR.Cl, defende-se que, se no decurso da audiência, o tribunal proceder a uma alteração não substancial dos factos, sem que tenha comunicado os respectivos meios de prova de onde resulta essa indiciação, tal abala os direito de defesa do arguido e por isso constitui uma nulidade.
11- Conquanto se louvando naquele Ac. TRC de 13-12-2011, o TRC, no douto Ac. proferido no Proc.n°471/09.0PBTMR.C1 - Relator: Orlando Gonçalves - Descritores: “Alteração Não Substancial dos Factos” / “Falta de Fundamentação”, votado por unanimidade em 18-09-2013, expressa uma opinião mais restritiva, ainda assim contrária à do despacho recorrido e na linha da nossa afirmação supra “muito menos num processo desta complexidade”.
«Esta individualização ou concretização dos meios de prova justifica-se essencialmente quando são produzidas várias provas e possam surgir dúvidas ou dificuldades para o arguido em estabelecer a correspondência entre tais provas produzidas e os novos factos indiciados, dificultando ou impossibilitando a sua defesa de modo eficaz.»."
12- No caso presente, basta atentar na latitude, dimensão e complexidade do Despacho que procedeu à alteração não substancial dos factos e, bem como, à alteração da qualificação jurídica (Ref 382566808) para constatar a absoluta necessidade de individualização ou concretização dos meios de prova, de que se faz eco o acórdão em apreço, sob pena de, como é o caso, impossibilitar a defesa de modo eficaz.
13- É manifesta, pois, a nulidade do despacho que procedeu à alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica descritos na Acusação por violação do dever de fundamentação do Tribunal nomeadamente dos artigos 61°, n° 1, alínea c), 97°, n° 5, 283°, 358°, n° 1 e 361°, do Código de Processo Penal e do disposto nos artigos 32 ° n°1 e 5 e 205 ° n ° 1, da Constituição da Republica Portuguesa.
14- Com efeito, a alteração não substancial dos factos traduz-se numa modificação do objecto do processo como tal definido pela Acusação do Ministério Público e a cujo conteúdo factual se encontra o Tribunal vinculado.
15- A acusação, sendo a base de que o Tribunal terá sempre que partir é, por outro lado, aquilo, e só aquilo, de que o Recorrente se terá que defender não podendo ser acrescentados factos e imputações sem que o Recorrente sobre os mesmos se não possa pronunciar e beneficiar de todas as garantias de defesa que a lei lhe confere.
16- Tal significa que, havendo uma alteração não substancial dos factos da Acusação, os mesmos tenham de ser concretizados e especificados no despacho que se decida por essa mesma alteração, do mesmo modo e cumprindo os mesmos requisitos que o artigo 283° do CPP impõe para a prolacão do despacho de acusação.
17- Pode-se dizer que o despacho que procede à alteração não substancial dos factos tem de ser ainda melhor fundamentado que aquele onde se deduz acusação, uma vez que quem o profere tem ciência directa sobre todos os elementos probatórios relevantes, tendo um especial conhecimento da situação em apreço, pelo que, muito mais facilmente pode e deve fundamentá-lo de forma completa e sem margem para dúvidas.
18- Nos termos do disposto no art. 311°, n°s 2, alínea a), e 3, alínea c) - 2° segmento, do CPP, o juiz deve rejeitar uma acusação manifestamente infundada e tal sucede quando tal libelo não indique as provas que o fundamentam.
19- Neste circunspecto insofismável, temos para nós que o despacho proferido no dia 20.12.2018 (Ref 382566808), que comunicou ao arguido recorrente a alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica, é manifestamente infundado e deve ser “rejeitado”, o mesmo é dizer, neste contexto e momento processual, que é insuperavelmente nulo, nulidade que deve ser declarada com as legais consequências.
20- Ou seja, o despacho de comunicação da alteração não substancial dos factos e da qualificaão jurídica deve ser substituído por outro que efectue a comunicação nos termos legais, i.e., com indicação das provas em apreço.
21- Pois, no despacho cuja nulidade se arguiu é manifesta a total ausência de referência a meios probatórios a sustentar os novos factos indiciados e a nova qualificação jurídica.
22- Note-se, aliás, que no despacho recorrido, o tribunal nem sequer remete in toto, mesmo implicitamente, para a prova produzida em audiência de discussão e julgamento: transcreve tão-somente o sumário de um acórdão e fulmina com um indeferimento liminar.
23- Em qualquer caso, a remissão genérica para toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, como forma de justificar quais os meios probatórios que permitiram ao Tribunal concluir pela alteração sempre seria uma mera fuga à necessidade e obrigatoriedade de indicação concreta e especificada daqueles mesmos meios.
24- A completa ausência de fundamentação demonstra uma clara e notória postergacão dos direitos do Arguido que assim vê claramente esbatidas as suas hipóteses de defesa, constituindo portanto uma claríssima violação dos artigos 61 °, n°1 e 97. ° do Código de Processo Penal, bem como do artigo 205° da Constituição.
25- Ao negar-se ao ora Recorrente a realização do contraditório, ou pelo menos ao torná-la de per si totalmente irrelevante, contribuindo outrossim para a violação do princípio da plenitude das garantias de defesa do arguido, está este Tribunal a colocar ambas as partes numa posição de desigualdade, em desfavor daquele, denegando assim a Justiça que lhe cumpre realizar.
26- O direito de defesa do arguido é um direito constitucionalmente garantido, que não pode ser, de modo algum, denegado pelo Tribunal a quo.
27- Ainda que se entenda que se está perante uma irregularidade, sujeita ao regime do art. 123°, n° 1, CPP, a mesma não se pode considerar sanada, pois, por um lado não tinha de ser arguida no ato e, por outro, sendo irrefutável que o despacho recorrido situa-se abaixo do limiar mínimo de satisfação do dever de fundamentação, tal irregularidade afecta o valor do acto praticado, não podendo ser considerada suprida ou sanada, pelo que sendo a mesma de conhecimento oficioso, mesmo pelo tribunal de recurso, art.° 123° n.°2 do Código de Processo Penal, impõe-se ordenar a sua reparação. (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 203/2004, publicado no Diário da República 2.Ê série, n.° 130, de 3 de Junho de 2004, p. 8641);
28- Com efeito, tal patologia, como é o caso, determina a invalidade do acto e dos termos processuais subsequentes pelo mesmo inquinados: o despacho impugnado é, pois, inválido por falta de fundamentação, devendo ser substituído por outro em que seja reparada a patologia de que aquele enferma. (Cfr. Ac. TRE., datado de 12.07.2012, proferido no Proc.n°9/04.5GAPTM-B.E1 - Relator: Gilberto Cunha).
29- O art°358°, n°s 1 e 3, do CPP deve ser declarado inconstitucional quando interpretado, como o fez o tribunal recorrido, no sentido de permitir a comunicação aos sujeitos processuais (“in casu”, ao arguido) da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, ou da sua qualificação jurídica, sem concretizar os correspectivos meios de prova, por violação do art°32°, n°s 1 e 5, da C.R.P, visto impedir o concreto exercício do contraditório ao (s) arguido (s), ademais num processo desta natureza, com uma volumetria e extensão consideráveis - documental e testemunhal.
30- NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS (art. 412°, n° 2, do CPP): Foram violados os artigos 32°, n°s 1 e 5, e 205, n° 1, da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; e 61 , n° 1, alínea c), 972, n° 5, 283°, 358°, n°s 1 e 3, e 361°, do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes, muito doutamente suprireis, se requer seja o presente recurso julgado procedente e, em consequência, seja deferida a arguição de nulidade/irregularidade do despacho que procedeu à alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica descritos na Acusação por, designadamente:
(ii) inconstitucionalidade do artigo 358°, n° 1 e 3, do Código de Processo Penal na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal recorrido, por violação do disposto no artigo 32°, n° 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
E que vos digneis ordenar os demais termos dos presentes até final.
Para que, pela vossa douta palavra, se cumpra a consueta JUSTIÇA!
A ambos estes recursos interlocutórios o Ministério Público responde, pugnando pela improcedência de cada um dos recursos.
Nesta instância de recurso, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto diz concordar com as respostas apresentadas pelo Ministério Público em 1.ª instância, devendo confirmar-se o acórdão recorrido.
***
II. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Por essa via, são as seguintes questões que há que conhecer nesta instância de recurso:
(i) da nulidade ou irregularidade do despacho que determinou a separação do processo no que respeita à arguida “Porta Grande, Sociedade de Imediação Imobiliária”, exarado a 21/2/2018 na sessão de julgamento dessa data (recurso interlocutório do 4.º arguido interposto em 3/4/2018);
(ii) da nulidade ou irregularidade do despacho de comunicação da alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica proferido na sessão de julgamento de 20/12/2018, suscitada pelo 4.º arguido e indeferida pelo tribunal a quo em despacho de 9/1/2019 (recurso interlocutório do 4.º arguido interposto em 11/2/2019);
(iii) da nulidade ou invalidade da prova resultante do cumprimento do mandado de busca e apreensão de fls. 1365 bem como da omissão de pronúncia do acórdão sobre esta matéria (4.º arguido no seu recurso principal);
(iv) da nulidade do acórdão por falta de fundamentação (ausência de exame crítico da prova) (recurso do 5.º arguido);
(v) da impugnação estrita da matéria de facto com invocação da contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão (recursos principais do 4.º e do 5.º arguidos);
(vi) da mencionada violação do princípio de igualdade de armas e contraditório e da alegada denegação da obtenção de benefício legalmente previsto (recurso principal do 4.º arguido);
(vii) da impugnação alargada da matéria de facto com alusão especificada aos factos impugnados e reapreciação da prova registada (recurso do 5.º arguido) e
(viii) da impugnação de direito, com invocação genérica de “errada subsunção jurídica de factos” e de contradição entre a fundamentação de direito e os factos considerados provados (recurso do 5.º arguido).
***
III. FUNDAMENTAÇÃO
Tendo em conta as questões objecto destes recursos, começa-se por descrever as diversas decisões recorridas.
. Na sessão de 21/2/2018 da audiência de julgamento, veio a ser lavrado o seguinte despacho pela Ex.ma Juíza Presidente do colectivo:
“DESPACHO
Conforme resulta dos autos, os factos dizem respeito aos anos de 2005 a 2007, o processo sofreu inúmeras vicissitudes que retardaram o início da fase de julgamento (para além do já longo tempo de inquérito).
Os argumentos invocados pelas defesas, genericamente, no sentido de que faria todo o sentido proceder ao julgamento conjunto de todos os arguidos embora compreensíveis e até legalmente tutelados - por isso mesmo foram todos acusados em conjunto - a verdade é que neste momento se impõe, claramente, pôr termo ao excessivo e já insustentável retardamento do início do julgamento.
Efectivamente, tal como decorre do art. 30.° do CPP está em causa grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para além da conexão estar a retardar excessivamente o julgamento dos demais arguidos.
Aliás, por motivos idênticos já foi determinada a separação de outros arguidos, não havendo notícia de, então, ter existido qualquer oposição por parte dos demais.
A separação de processos não implica, nem poderia nunca implicar, que o julgamento seja feito de forma parcial, por segmento, sendo manifesto que toda a matéria vertida na acusação (não obstante as separações) poderá ser alvo de produção de prova e contraprodução inexistindo, assim, qualquer risco para a cabal defesa de todos os arguidos.
De igual modo, não se vislumbra qualquer óbice, em termos processuais estritos, quanto a uma qualquer (futura) contradição, estando devidamente acautelado, por lei, o modo de composição e pacificação entre as várias decisões que venham a ser proferidas.
Face a todo o exposto, ao abrigo do preceituado do art. 30.°, n.° 1, als. b) e c) do CPP, determina-se a separação do processo relativamente à arguida Porta Grande, Soc. de Mediação Imobiliária, Lda, extraindo-se, oportunamente, certidão de todo o processado”.
. Também assim, na sessão de julgamento de 11/6/2018, pelo arguido (4) JA______ , veio a ser apresentado o seguinte requerimento:
Solicitada a palavra pelo Ilustre Mandatário do arguido JA______ , no uso da mesma, arguiu a proibição de prova, nos termos dos artigos 126º, n.º 3, 178º, n.º 1 do C.P.P. e 32º, n.º 8 da C.R.P., quanto a toda a documentação bancária apreendida na sequência dos mandados de busca de 12/4/2014 (fls. 1365 e ss. do vol. V).
Após a notificação para se pronunciarem sobre o mesmo requerimento, os arguidos (1) “Ramea, LLC” e (5) CA________, vieram (respectivamente, a fls. 3503-3506 3507-3508) sufragar esse requerimento apresentado pelo arguido (4) JA______ .
. Subsequemente, na sessão de julgamento de 20/12/2018, foram proferidos os seguintes despachos pela Ex.ma Juízes Presidente do colectivo:
“DESPACHO
Realizada a audiência de julgamento, nos termos e para os efeitos do art. 358°, n.° 1 e 3 do C.P.P., o Tribunal Colectivo comunica aos arguidos as seguintes alterações de facto e da qualificação jurídica:
A. Factos
28°Alteração do ponto iv total de €111,324.50
Acrescento no quadro relativo às entradas provenientes da Barden Assets LLC Maio no valor de €40.000,00
30° Alteração do quadro o correcto é o de fls. 2653 38°
Supressão do segmento "arguido" e JG___em substituição de JPR___
68° 89,67%, que corresponde a 499.772,67 € são de cheques sacados sobre uma conta da sociedade da Corcova S.A., e em que ECA___ levantou e depositou em numerário na conta da Barden Assets LLC, com excepção de dois valores:
- factura n.° 198 da sociedade arguida Barden Assets LLC datada de 05/12/2006, no montante de €19.020,00 que depois da retenção foi paga pela Corcova S.A., no montante de €16.167,00 por cheque da Corcova S.A - cheque de caixa 20690002 do BES e não deu entrada na conta do BPI;
- factura n.° 167 da Bardens Assets datada de 26/05/2006, no montante de €153.359,00, que depois da retenção foi pago pela Corcova S.A. no montante de €130.355,00 com cheque de caixa 00055493 BES, e que deu entrada no montante de € 129.000,00, conforme quadro infra.
69° Alteração do ponto iii total de €111,324.50
Acrescento no quadro relativo às transferências para a sociedade Ramea, LLC Abril no valor de €2493,00;
Maio no valor de €1794,00;
Junho no valor de €1860,00.
77° Supressão do segmento "arguido" e JG___em substituição de JPR___
85° Supressão do segmento "arguido" e JG___em substituição de JPR___
87° As entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade arguida Barden Assets, LLC., foram assim originadas pela ocultação de serviços resultantes da actividade exercida pela sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda.
88° Barden Assets, LLC em substituição de Barden Assets-Mediação Imobiliária , Lda. na segunda linha
114° 2° quadro substituído pelo 2° quadro constante de fls. 2676.
B. Qualificação Jurídica
A acusação imputa a prática a todos os arguidos, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art. 103°, n.° 1 e 104°, n.° 1, al. a) e g) e n.° 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5/6 e de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 386°- A do C.P.
Produzida a prova resulta inexistir co-autoria.
Assim, de acordo com a factualidade descrita na acusação, com as alterações acima descritas, imputa-se a prática:
A cada um dos arguidos Ramea LLC e JA______ de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103°, n.° 1 e 104°, n.° 1, al. a), f) e g) e n.° 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5/6 e de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 386°- A do C.P.
A cada um dos arguidos Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., Barden Assets, LLC e CA_______ de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103°, n.° 1 e art. 104°, n.° 1, al. f) e g) e n.° 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5/6 e de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 386°- A do C.P.
Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público e aos Ilustres Mandatários presentes, por estes foi requerido o prazo de 10 (dez) dias para defesa, face às alterações ora comunicadas.
Seguidamente, pela Mm.a Juíza Presidente foi proferido o seguinte
DESPACHO
Concede-se o prazo de 10 dias a todos os arguidos, nos termos e para os efeitos do art. 358.°, n.° 1 e 3 do CPP.
Tendo em conta o grande volume de serviço, designadamente de natureza urgente (com preenchimento integral da agenda até final do mês de Fevereiro de 2019), a circunstância de estar já em curso, concomitantemente com os demais julgamentos, o julgamento do processo 93/13.0JELSB (J8), ao qual presido e assume especial complexidade e, ainda, o processo n.° 99/16.8JELSB (J8) com início agendado para 8 de Janeiro de 2019, ao qual, também, irei presidir, tem natureza urgente e é de media complexidade, para leitura do acórdão dos presentes autos designa-se o próximo dia 05.04.2019, às 09h30.
Logo, todos os presentes foram devidamente notificados e, na falta de qualquer recurso, foi declarada encerrada a audiência quando eram 10 horas e 34 minutos.
. De seguida, em 7/1/2019, pelo arguido (4) JA______ , veio a ser apresentado o seguinte requerimento:
“JA___, arguido nos autos à margem indicados, tendo tido acesso ao douto acordão que comunicou, em 20.12.2018, a alteração não substancial dos factos constantes da douta acusação (o que aconteceu tão- somente no dia 04.01.2019, certamente por razões informáticas atinentes ao sistema Citius e que são absolutamente alheias à sua vontade), vem, por este meio, dizer e requerer a V.Exa o seguinte:
1 - Foi proferido o seguinte acordão: "Realizada a audiência de julgamento, nos termos e para os efeitos do disposto no art°358°, n.1 e n.3 do C.P.P., o Tribunal Colectivo comunica aos arguidos as seguintes alterações de facto e da qualificação jurídica:...A. Factos....B. Qualificação Jurídica produzida a prova resulta inexistir co-autoria...".
2 - Este douto acordão resulta genérico, porquanto limita-se a comunicar aos arguidos que da prova produzida resultaram apurados os factos dele constantes, sem especificar, indicar ou apontar qual ou quais os segmentos da prova produzida nos quais o Tribunal se baseou para apurar os factos mencionados e para determinar a alteração da qualificação jurídica.
3 - Ao limitar-se à menção, v.g., "...produzida a prova resulta inexistir.", sem qualquer outro suporte factual, o Tribunal violou o princípio do contraditório, visto deixar a defesa na impossibilidade de contraditar, em concreto, a referida "prova produzida".
4 - Afigura-se então a respectiva nulidade ou, se assim se não entender, a respectiva irregularidade, cuja declaração requer nos termos dos arts°118° e segs, por violação, designadamente, das garantias de defesa do arguido, rectius, contraditório, com a consequente violação do disposto no art°32°, n.1 e n.5 da Constituição da República Portuguesa.
5 - Efectivamente, o art°358°, n.1 e n.3, resulta inconstitucional quando interpretado no sentido de permitir a comunicação aos sujeitos processuais ("in casu", ao arguido) da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, ou da sua qualificação jurídica, sem concretizar os correspectivos meios de prova, por violação do já referido art°32°, n.1 e n.5 da C.R.P..
6 - O que, consequentemente, deverá ser entendido como falta de fundamentação nos termos do art°97°, n.5 do C.P.P.
7 - Com a subsequente violação material do disposto no art°205°, n.1 da C.R.P”.
. Este último requerimento veio a merecer, em 9/1/2019, o seguinte despacho:
“Fls. 3677/3678 - Como tem sido entendimento (ao que se julga) unânime da jurisprudência: «I - O nosso processo penal, de estrutura basicamente acusatória integrado por um princípio de investigação, admite que, sendo a descrição dos factos na acusação uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime acusado possam constar desde logo dessa peça, podendo surgir durante a discussão factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos, matéria regulada nos artigos 303.°, 358.° e 359.° que distinguem entre “alteração substancial” e “alteração não substancial” dos factos descritos na acusação ou pronúncia.
II - Se a alteração dos factos for não substancial, isto é, não determinar uma alteração do objecto do processo, o tribunal pode investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação ou da pronúncia e que tenham relevo para a decisão da causa, exigindo-se, porém, que ao arguido seja comunicada a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (n.° 1 do artigo 358.°), ressalvando-se os casos em que a alteração derive de factos alegados pela defesa (n.° 2).
III - A lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do n.° 1 do artigo 358.°, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova (...)», Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14/1/2015, proferido no processo n.° 72/11.2GDSRT.C1, in www.dgsi.pt.
Assim, sem necessidade de outras considerações, indefere-se o requerido.
Notifique.
Lisboa, d.s”.
. O teor relevante do acórdão recorrido, proferido pelo tribunal a quo, é o seguinte:
“Da questão prévia da (alegada) Nulidade da Prova
Na sessão de julgamento ocorrida no dia 11 de Junho de 2018 (cf. fls. 3497) o arguido JA______ veio arguir a nulidade da prova, invocando, em síntese, que:
A busca efectuada no dia 7 de Maio de 2014, efectuada nas instalações da empresa “Flexis Gestores, Lda.”, em Caparide, São Domingos de Rana, com base em mandado de busca emitido pelo Ministério Público, documentada através do auto de busca e apreensão de fls. 1374/1378, conduziu à apreensão de documentação relativa não apenas a entidades visadas na investigação efectuada nos presentes autos, como é o caso da empresa “Porta Grande, Lda.”, mas também a outras entidades, desde logo as empresas “Wish List” e “All Year”, que seriam estranhas à investigação em curso.
O mandado de busca e apreensão de fls. 1365, para além de se referir expressamente a “facturas e documentos referentes às aquisições intracomunitárias de bens e mercadorias”, algo que não abrangeria facturas emitidas pela empresa “Ramea LLC”, não faria qualquer menção à apreensão de documentação pertencente às referidas empresas “Wish List” e “All Year” – o que não obstou a que tal documentação fosse apreendida e utilizada para efeitos da prova a valorar nos presentes autos.
Conclui, requerendo que a prova resultante da referida busca seja considerada nula, porque proibida, nos termos dos arts. 42º e 43º do Código Comercial e do nº 3 do art. 126º do Código de Processo Penal, arguindo, desde logo, a inconstitucionalidade duma interpretação do art. 178º, nº 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual a apreensão aí prevista poderia incidir sobre “bens e documentação de terceiros que não são objecto de investigação” ou “sobre facturas ou documentos que extravasem o conteúdo material do próprio Mandado de Busca e Apreensão”.
Os arguidos “Ramea, LLC” e CS___, vieram (respectivamente, a fls.3503/3506 3507/3508) sufragar o requerimento apresentado pelo arguido JA___.
O Ministério Público respondeu, em síntese, nos seguintes termos:
“Começando pela questão relativa ao alegado “extravasar” do conteúdo material dos Mandados de Busca e Apreensão emitidos pelo Ministério Público, por terem sido apreendidos documentos que não corresponderiam a “facturas e documentos referentes às aquisições intracomunitárias de bens e mercadorias”, fácil se torna verificar que o Mandado emitido pelo Ministério Público não se limita a ordenar a apreensão destes últimos documentos, mas de quaisquer facturas e, em geral, “todos os objectos, documentação e outros elementos, designadamente…” aqueles que foram indevidamente realçados pelo arguido como sendo objecto exclusivo de tal Mandado.
Quanto à noção de que as apreensões efectuadas na sequência da emissão de Mandado de Busca pela autoridade judiciária competente não poderão incidir sobre bens ou objectos de “terceiros” que não sejam objecto de investigação, tão pouco se vê onde se baseia o arguido para sustentar tal afirmação, quando os arts. 174º, nº 2 e 178º do Código de Processo Penal nenhuma limitação colocam à apreensão de quaisquer elementos, pertençam a quem pertencerem, desde que os mesmos “possam servir a prova”.
Mas, ainda que o arguido pretendesse alegar que, no caso concreto, nada justificaria a apreensão de documentação pertencente a terceiros não expressamente identificados no Mandado de Busca, nem no despacho que levou à respectiva emissão (ver fls. 1355 a 1359), tão pouco lhe assistiria razão.
Com efeito, a busca efectuada incidiu sobre documentação existente numa empresa de contabilidade que no caso trabalhava não apenas para a “Porta Grande”, cujos registos contabilístico são expressamente mencionados como devendo ser apreendidos no despacho que ordenou a Busca, como para outras empresas e entidades com ligação ao arguido JA______ , como aquelas que são referidas no requerimento ora formulado pelo arguido.
Quanto à alegada violação dos referidos artigos do vetusto Código Comercial, a proibição de apreensão ou exame de escrita comercial aí prevista não é aplicável em processo penal, sob pena de não ser admissível a apreensão da escrita das próprias entidades visadas pela investigação, que o próprio arguido parece considerar legalmente aceitável.
Assim, afigura-se aceitável que, face ao determinado no despacho que determinou a realização e Busca e no respectivo Mandado, os elementos da A. T. que a realizaram tenham considerado que poderia ter interesse para a prova a produzir a apreensão de elementos pertencentes a tais entidades, não se vendo qualquer razão para considerar tal apreensão abusiva, face desde logo ao teor do Mandado de Busca emitido e ao objecto da investigação em curso.
Porém, mesmo que pudesse de algum modo considerar-se abusiva a apreensão de elementos contabilísticos não pertencentes à empresa “Porta Grande”, nunca a mesma poderia levar a que fosse considerada nula a prova efectivamente produzida ou a produzir nos autos.
Com efeito, apesar de a Acusação deduzida pelo Ministério Público indicar como relevante a totalidade da prova documental junta aos autos, o certo é que quer em sede de investigação, quer de julgamento, não foi efectivamente utilizada e valorada para efeitos de prova a documentação apreendida na ocasião em causa e relativa às empresas referidas pelo arguido (Apensos LXXVIII, LXXX e LXXXIII), mas apenas a relativa à própria empresa “Porta Grande” (Apenso LXXIX).
Logo, mesmo tendo em conta a versão mais extrema da teoria dos “frutos da árvore envenenada”, nenhum relevo poderia ter, em sede de valoração da prova efectivamente produzida em sede de julgamento e susceptível de fundar a convicção do Tribunal, a apreensão da documentação que o arguido considerará não dever ter sido efectuada”.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
A este propósito, CLÁUDIO LIMA RODRIGUES, “Proibição de prova no âmbito do direito processo penal: escutas telefónicas e da valoração da prova proibida pro reo”, Maio de 2013, Portal Verbo Jurídico:
«A matéria das proibições de prova no âmbito do Direito Processual Penal apresenta, desde logo, um fundamento jurídico-constitucional, uma vez que o art. 32.º, n.º 8 da CRP dispõe que: “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
Entendeu, assim, o legislador constitucional que, embora, a realização da justiça seja um valor com dignidade constitucional, é um valor que não pode ser encarado de forma absoluta. Não pode a realização da justiça ser perseguida com um intolerável sacrifício para os direitos fundamentais dos cidadãos.
Em concretização do preceito constitucional, veio o legislador processual penal prescrever no art. 126.º do CPP, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova” que: “São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas” (art. 126.º, n.º 1 do CPP), ao passo que o n.º 3 do mesmo artigo dispõe que, “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.
Entendeu, no entanto, por bem, o legislador ordinário, estatuir que se a utilização desses métodos proibidos de prova constituir crime, os mesmos podem ser utilizados com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo, nos termos do n.º 4 do art. 126.º do CPP, cumprindo assim este preceito “a função de avisar órgãos de polícia criminal de que ninguém está acima da lei, dizendo alto e bom som que não há diferença de estatuto entre os representantes da lei e da ordem e os cidadãos delinquentes”.
Apurado o fundamento jurídico-constitucional e legal das proibições de prova, impõe-se a questão de saber quando é que nos deparamos perante uma proibição de prova.
Pode-se afirmar, desde já, que ao contrário das meras regras de produção de prova, as proibições de prova são verdadeiras barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem o objecto do processo, assumindo-se como limites à descoberta da verdade material.
Por sua vez, a delimitação do que constitua uma proibição de prova há-de ser encontrada na Constituição8. No entanto, a questão passa por saber se a violação de um qualquer direito fundamental gera a dita proibição ou, se, pelo contrário, só a violação dos direitos abrangidos pelo n.º 8 do art. 32.º da CRP leva a que estejamos diante de uma verdadeira proibição de prova.
COSTA ANDRADE, parece inclinar-se no sentido da primeira orientação, já que o autor afirma que sempre que se viole um direito fundamental, existirá uma proibição de prova, dada a força jurídica dos preceitos que os consagram (art. 18.º da CRP).
No mesmo sentido vai a doutrina espanhola, tendo por base o art. 11.º, n.º 1 da Lei Orgânica do Poder Judicial (doravante LOPJ) que estatui que “não surtem efeito as provas obtidas, directa ou indirectamente, de forma violadora dos direitos ou liberdades
fundamentais”. Segundo ASCENSIO MELLADO, “este preceito, significa que toda a prova que se obtenha com violação de um direito fundamental há-de ser considerada nula e por consequência a sua valoração, ou tomada em consideração, está vedada, pelo que, em caso algum os tribunais a poderão ter em conta para basear uma sentença condenatória”.
Entendimento diferente tem, no entanto, HELENA MORÃO, que entende que “a proibição de prova em sentido próprio no sistema processual penal português, é somente aquela norma probatória proibitiva cuja violação possa redundar na afectação de um dos direitos pertencentes ao núcleo eleito do art. 32.º, n.º 8 da Lei Fundamental e que o art. 126.º do Código de Processo Penal manteve, sem alargar. Não basta a mera violação de uma proibição legal em matéria probatória”. Mas logo em seguida, alerta a autora, para o facto de não podermos encarar o art. 32.º, n.º 8 da CRP como fornecendo um elenco taxativo de direitos fundamentais, cuja violação gera uma proibição de prova.
Deste modo, quando um determinado direito “se encontrar intimamente relacionado com a dignidade humana e se situar num contexto de especial fragilidade com o poder em matéria probatória, é dever do intérprete proceder à devida aplicação analógica do regime constitucional e legal das proibições de prova”.
Ou seja, perante esta opinião, somente a violação dos direitos fundamentais elencados no art. 32.º, n.º 8 da CRP ou de um outro direito que, embora não pertencendo a esse elenco, seja conexo com a dignidade da pessoa humana, pode gerar uma proibição de prova. O que significa que a violação de outros direitos constitucionalmente protegidos que não pertençam a esse elenco, apenas gera uma nulidade do acto violador do mesmo reconduzível ao sistema geral das nulidades previstas no Código de Processo Penal.
Verificada a existência de uma proibição de prova, cumpre apurar o regime jurídico a que a mesma se encontra submetida, nomeadamente pelo facto de haver uma “imbricação íntima entre as proibições de prova e o regime jurídico das nulidades”15, como resulta do art. 118.º, n.º 3 do CPP que prescreve: “As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova”.
Por conseguinte, esse mesmo acto processual em que se proceda à obtenção da prova por métodos proibidos é inválido, no sentido em que existe um “desvio entre as disposições processuais e a actividade empreendida, capaz de legitimar uma pretensão eliminatória dos efeitos jurídicos produzidos”, sendo que “os actos processuais inválidos dão origem a uma pluralidade de tratamentos, que variam em função da gravidade e da natureza da violação”.
Ora, essa invalidade está relacionada com o sistema de nulidades e irregularidades previsto nos artigos 118.º e seguintes do CPP17. Desde logo, da análise do art. 118.º, n.º 1 do CPP chegamos à conclusão de que as nulidades estão submetidas ao princípio da legalidade, ou seja, o acto só será nulo nos casos em que a lei expressamente fulmine esse desvalor jurídico para o acto em causa, seja nas normas dos artigos 119.º ou 120.º, ou em outras disposições dispersas pelo Código de Processo Penal.
As nulidades, por sua vez, podem ser insanáveis nos casos elencados no art. 119.º do CPP ou noutras disposições avulsas dispersas pelo Código, desde que a lei expressamente a comine para o acto inválido. Esta nulidade, dita insanável, caracteriza-se pelo facto de poder ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, de poder ser invocada por qualquer interessado, mas de não obstar à formação do caso julgado.
As nulidades sanáveis, ou na terminologia legal, nulidades dependentes de arguição, encontram-se especificadas no art. 120.º do CPP, sem prejuízo de outras que se encontrem dispersas pelo CPP e que não se reconduzam à figura das nulidades insanáveis (art. 120.º, n.º 1 e 2 do CPP). Estas, por sua vez, caracterizam-se pela circunstância de só poderem ser conhecidas pelo tribunal no caso de serem arguidas pelos interessados, nos prazos previstos nas diversas alíneas do n.º 3 do art. 120.º do CPP, podendo, no entanto, ser sanadas pela imediação dos eventos previstos no art. 121.º do mesmo diploma.
Nos casos em que a lei expressamente não comine a nulidade do acto ilegal, o mesmo é irregular, por via do já aludido princípio da legalidade que rege em matéria de nulidades (art. 118.º, n.º 1 e 2 do CPP). Esta dirige-se sobretudo a actos que perpetram infracções mais leves, quase sempre de carácter formal, estando “sujeitas a causas de sanação fulminantes”, nos termos do art. 123.º do CPP.
Apresentado o sistema das nulidades do Código de Processo Penal, cumpre perguntar se não haverá, pelo menos, uma outra categoria de nulidade a reger a matéria das proibições de prova, face ao disposto no art. 118.º, n.º 3 do CPP.
São as nulidades que a doutrina denomina de nulidades extra-sistemáticas, nulidades de prova ou nulidades em sentido forte. Embora o entendimento da doutrina maioritária, entre nós, vá no sentido de consagrar a autonomia técnica da nulidade subjacente às proibições de prova, contudo, vozes há que não se mostram concordantes.
Entendem estes últimos autores que, no domínio das proibições de prova, temos de distinguir duas situações. A saber : as provas obtidas em contravenção do art. 126.º, n.º 1 e 2 do CPP, geram uma nulidade insanável, estando assim sujeitas ao regime do art. 119.º do CPP, ao passo que as provas obtidas em violação do art. 126.º, n.º 3 do CPP, apenas geram uma nulidade sanável, sujeita ao regime do art. 120.º do CPP.
O fundamento desta posição parte do entendimento de que o desvalor ético-jurídico subjacente à violação do n.º 1 e 2 do art. 126.º do CPP é superior, e daí a sua submissão ao regime mais gravoso das nulidades insanáveis.
Por sua vez, a prova obtida em contradição com o art. 126.º, n.º 3 do CPP comporta um menor desvalor ético-jurídico, dado que os direitos aí elencados podem sofrer restrições pelo consentimento do seu titular e, como tal, está sujeita ao regime das nulidades sanáveis.
Mas também porque a elas não se refere o art. 119.º do CPP, nem outra disposição do mesmo diploma as fulmina com a nulidade insanável, pelo que têm de aplicar-se as regras relativas às nulidades sanáveis, face ao disposto no art. 120.º, n.º 1 e 2 do CPP31.
Mas, como atrás demos conta, não é este o entendimento da doutrina maioritária entre nós. Desde logo, nota COSTA ANDRADE que “a ligação estreita das proibições de prova à doutrina e ao regime das nulidades não deve todavia, ser entendida como a homogeneização das duas figuras, reconduzindo-se as proibições de prova a meras manifestações de nulidade. Tal entendimento colidiria, com o art. 118.º, n.º 3 que deverá ser interpretado como expressão positivada da intencionalidade do legislador de consagrar as proibições de prova, adscrevendo-lhes uma disciplina que transcende o regime das nulidades processuais […] ”
É assim, a partir deste inciso legal, que parte a doutrina para a defesa das nulidades extra-sistemáticas, a aplicar aos casos em que se verifique a existência de uma proibição de prova.
Face assim ao citado preceito do CPP entende PAULO DE SOUSA MENDES que temos de distinguir três situações, a saber:
1. A lei consagra um regime especial para alguma das nulidades resultantes da violação de normas de prova;
2. A lei comina expressamente a nulidade insanável;
3. A lei não comina expressamente a nulidade insanável e estamos perante uma nulidade sanável, face ao disposto nos artigos 119.º e 120.º do CPP.
Ora, o que se verifica é que o legislador consagrou expressamente esse mesmo regime especial, constituído pelas nulidades do art. 126.º do CPP, brotando a autonomia técnica das nulidades associadas às proibições de prova, face ao sistema geral de nulidades previsto nos artigos 118.º a 123.º do CPP, por força do art. 118.º, n.º 3 do CPP.
A não ser assim, temos igualmente dúvidas de que a nulidade prevista no art. 126.º, n.º 1 do CPP pudesse ser configurada como uma nulidade insanável, uma vez que em bom rigor, apenas constituem nulidades insanáveis as constantes do art. 119.º do CPP e/ou aquelas outras que, embora dispersas pelo Código, sejam expressamente cominadas com essa sanção.
No entanto, como o art. 126.º, n.º 1 do CPP não cominou expressamente essa sanção para os casos em que são utilizados métodos de prova que atentam contra esses direitos fundamentais e indisponíveis dos cidadãos, não restaria outra hipótese, face ao actual regime jurídico das nulidades em vigor, senão a aplicação do regime das nulidades sanáveis, nos termos do art. 120.º, n.º 2 do CPP.
Pelo que jamais se compreenderia que um método de obtenção de prova que colidisse com direitos fundamentais, tanto mais que são direitos indisponíveis, pudesse ainda ver a prova por si obtida utilizada, bastando para tal que a respectiva nulidade não fosse arguida, ou se verificasse algum dos casos de sanação verificados na lei. Tanto mais, que este raciocínio vale igualmente, pelo menos em parte, para os casos em que se considera que estamos perante uma nulidade insanável, isto porque também esta está sujeita a uma condição de sanação, o trânsito em julgado da decisão onde aquela prova inquinada foi valorada.
Por outro lado, também não é líquido que o desvalor ético-jurídico da prova obtida em contravenção do art. 126.º, n.º 1 do CPP, seja mais intenso que o desvalor que incide sobre a prova violadora no preceituado no art. 126.º, n.º 3 do CPP.
Desde logo, porque é a própria Constituição, no art. 32.º, n.º 8, que inclui os direitos à reserva da intimidade da vida privada na sua esfera de protecção. Mas, como é bom de ver, tanto a Constituição (por exemplo o art. 34.º, n.º 4) como o próprio art. 126.º, n.º 3 do CPP admitem a restrição desses direitos, desde que, claro está, seja observado o princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2 da CRP) e o seu conteúdo essencial seja salvaguardado (art. 18, n.º 3 da CRP) No entanto, “estes casos ficam já de fora das proibições de prova, sendo aliás métodos de prova permitidos e regulamentados”. Ou seja, observando a investigação criminal as regras processuais penais que permitem o recurso aos métodos de obtenção de prova, restritivos desses direitos, não há qualquer ilegalidade, não há qualquer proibição de prova. No fundo, não há um desvio entre um acto processual e as regras processuais que possam sustentar a sua invalidade.
Assim sendo, como o próprio teor literal do art. 126.º, n.º 3 do CPP sugere, a nulidade prevista neste artigo é exactamente idêntica à nulidade do n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, uma nulidade absoluta, que caracteriza-se pelo facto de poder ser conhecida oficiosamente em qualquer estado do processo, dado que se assim não fosse o resultado final ficaria na dependência de interesses individuais, quando é hoje tido por assente que muitos dos valores subjacentes às proibições de prova apresentam uma dimensão que ultrapassa o interesse particular de um indivíduo, e que não se sana com o trânsito em julgado da decisão final condenatória, dado que se a força do caso julgado permitisse a sua sanação, permitir-se-ia que houvesse uma recuperação do valor de uma prova proibida. De tal forma que se a decisão final se basear nessa mesma prova, haverá fundamento para a interposição de um recurso extraordinário de revisão, nos termos do art. 449.º, n.º 1, alínea e) do CPP»
*
Feitas estas considerações preliminares e de enquadramento, vejamos, então, o caso em apreço.
Da (simples) leitura dos mandados de busca em crise resulta, desde logo, e ao contrário do alegado pelos arguidos, que o Ministério Público determinou, também, então, a apreensão de quaisquer facturas e, em geral, a apreensão de “todos os objectos, documentação e outros elementos” com relevância para a investigação.
Por outro lado, tal como refere o Ministério Público, dos arts. 174º, nº 2 e 178º do C.P.P., inequivocamente, não decorrem limitações à apreensão de (quaisquer) elementos, independentemente de quem seja o seu titular/proprietário, desde que, naturalmente, os mesmos possam ter interesse para a prova.
Ao invés, do próprio dispositivo legal aplicável (art. 178º, n.º 7 a 12 do C.P.P.) resulta que o legislador não só admite como prevê, expressamente, a tramitação subsequente à efectivação de apreensões de objectos (lato sensu) pertencentes a outros/s que não o/s arguido/s.
Ademais, “in casu”, a busca incidiu sobre uma empresa de contabilidade que trabalhava com a “Porta Grande, Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.” (cujos registos contabilísticos são expressamente mencionados como devendo ser apreendidos no despacho que ordenou a busca, como realça o Ministério Público) e com várias outras empresas e entidades, que, à data, a investigação associava ao arguido JA___, designadamente as que são referidas no requerimento (agora) apresentado pelo arguido.
Por último, no que tange à alegada, violação (dos referidos artigos) do Código Comercial, salvo o devido respeito, afigura-se-nos manifesto que a, ali ínsita, proibição de apreensão ou exame de escrita comercial não tem (não pode ter) qualquer eficácia/validade no âmbito da investigação criminal e/ou do processo penal.
Em suma, nos termos assinalados, concatenando o despacho que determinou a realização da busca e o conteúdo do respectivo mandado, não se vislumbra a existência de qualquer fundamento (muito menos legal e/ou de substrato constitucional) para considerar aquelas apreensões “abusivas”.
De todo o modo, mesmo que prevalecesse diferente entendimento, a verdade é que, quer em sede de inquérito, quer na fase de julgamento, a documentação, então, apreendida e relativa às empresas referidas pelos arguidos (Apensos LXXVIII, LXXX e LXXXIII), nunca foi utilizada e valorada para efeitos de prova. Ou seja, nenhum relevo legal, para efeitos de valoração e/ou proibição de prova, revestiria a, denominada, “abusiva” apreensão.
Face ao exposto, sem necessidade de outros considerandos, julga-se manifestamente improcedente a invocada questão prévia.
**
Mantêm-se os pressupostos de regularidade e validade da lide.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
2.1. Os factos
Discutida a causa resultou provado que:
1- O arguido CA_______ (NIF 100 716 725) e a sua (ex) mulher ECA___ foram procuradores com amplos poderes da sociedade comercial Barden Assets LLC (NIPC 980 315 778), pessoa colectiva estrangeira, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, constituída em 18 de Janeiro de 2005, no Estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América.
2- Por sua vez, o arguido JA______ (NIF 190 920 890), é procurador com plenos poderes da sociedade comercial Ramea Properties LLC (NIPC 980 315 786), pessoa colectiva estrangeira, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, constituída no Estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América.
3- Nos anos 2005, 2006 e 2007, o arguido CA________ declarou à Administração Fiscal, rendimentos obtidos para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), entregando as declarações de IRS conjuntamente com a sua esposa ECA___:
Nome
2005
2006
2007
Rendimento Bruto
Colecta Líquida
Rendimento Bruto
Colecta Líquida
Rendimento Bruto
Colecta Líquida
CA___
36.935,80
0,00
19.333,33
ECA___
14.638,92
5.271,80
20.239,00
TOTAL
51.574,72
7.449,01
5.271,80
0,00
39.572,33
3.932,66
4- Nos anos 2005, 2006 e 2007, o arguido JA______ declarou à Administração Fiscal, rendimentos obtidos para efeitos de IRS, entregando as declarações de IRS conjuntamente com a sua esposa Cristiane Antero:
Nome
2005
2006
2007
Rend Bruto
Colecta Líquida
Rend Bruto
Colecta Líquida
Rend Bruto
Colecta Liq.
JÁ___
0,00
0,00
40.000,00
Cristiane A…
0,00
0,00
9.900,00
TOTAL
0,00
0,00
0,00
0,00
49.900,00
4.392,54
5- A conta bancária da sociedade Barden Assets LLC, reflecte elevados montantes a crédito proveniente de depósitos em cheques e numerário, no montante de € 1.002.874,61 em 2006 e 2007, sendo que a débito, a mesma conta bancária reflecte movimentos que ascendem a € 812.480,08, em 2006 e 2007, maioritariamente constituídos por levantamentos efectuados, em regra, por Carlos ou ECA___, através de cheques não nominativos.
6- A sociedade Ramea Properties LLC é detentora de uma conta bancária aberta e movimentada pelo seu procurador nomeado, JA______ .
7- A conta bancária da Ramea Properties LLC reflecte elevados montantes a crédito provenientes depósitos de cheques, no montante de € 2.319.603,17 em 2006 e 2007, sendo que a débito, a mesma conta bancária reflete movimentos que ascendem a € 2.250.715,44, em 2006 e 2007, maioritariamente constituídos por levantamentos efectuados por JA___ e familiares, e também por ordens de pagamento bancário cujo beneficiário foi a sociedade Macanthony Reality Inter Ireland, Ltd.
8- Todos os arguidos são desconhecidos pelas Autoridades Fiscais dos Estados Unidos da América, sendo que as sociedades arguidas Barden Assets LLC e Ramea Properties LLC apesar de terem sido constituídas nos Estados Unidos da América nunca aí desenvolveram quaisquer actividades comercias.
9- De modo a poder ocultar a entrada e saída de verbas das suas contas pessoais e das sociedades realmente existentes em território nacional com as quais os arguidos trabalhavam, bem como de modo a não apresentarem quaisquer rendimentos para efeitos de tributação fiscal, os arguidos delinearam um plano que consistia em criar empresas estrangeiras e utilizar aquelas quer criando contas bancárias, quer como sendo prestadoras de serviços em território nacional, quando as mesmas eram meras empresas fantasma, sem existência real dominadas e geridas pelos arguidos.
10- Para o efeito os arguidos criaram assim as sociedades arguidas Banden Assets LLC e Ramea Properties LLC.
11- A existência da sociedade arguida Ramea Properties LLC tomou os seus contornos numa reunião de trabalho nos escritórios da empresa Flexis Gestores, sendo que nesta reunião estiveram presentes JG___(que presta serviços de consultadoria offshore), RA___ (filha de JA___), AM___ e ASF___.
12- Tal reunião foi proposta por Henrique Soares Ferreira, que recomendou os serviços de JG___.
13- Assim, a sociedade arguida Ramea Properties LLC foi constituída de acordo com a Lei das Sociedades do Estado de Nova York – Estados Unidos da América - a 15 de Dezembro de 2004, sendo-lhe atribuído o número de sociedade F0412136000620, contando JG___como seu Director.
14- No entanto, a propriedade da sociedade arguida Ramea Properties LLC, foi do arguido JA___ que tomou as rédeas e orientações da mesma e passou a assinar os mais diversos documentos como sendo o “Beneficial Owner”.
15- Em 28/02/2005, o arguido JA___, requereu junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, a atribuição de número fiscal da sociedade, informando desde logo que esta sociedade não exerceria actividade em Portugal e que a sua sede seria na Avenida do Lidador n.º 73, 2765-333 Estoril, Cascais.
16- Nessa sequência, à sociedade arguida Ramea Properties LLC, foi atribuído o NIPC: 980315786.
17- Em 15/06/2007 a sede da sociedade arguida Ramea Properties LLC foi alterada junto Registo Nacional de Pessoas Colectivas por JG___, passando esta a ser no escritório do requerente sito na Avenida Aníbal Firmino da Silva n.º 267-5.º Esq, 2775-692 Carcavelos, mantendo-se, no entanto, a informação e descrição da sociedade como “Sem actividade em Portugal”.
18- Não obstante a sociedade arguida Ramea Properties LLC, ter segundo as Autoridades Fiscais dos Estados Unidos da América declarado como sua actividade principal a detenção participações de capital de empresas Portuguesas, tal não se constatou pois não existem nem nunca existiram quaisquer sociedades com sede em Portugal, cujas participações sociais fossem participadas ou detidas pela sociedade arguida Ramea Properties LLC.
19- Pese embora a sociedade arguida Ramea Properties LLC, tenha feito constar quando se registou no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que não exerceria actividade em Portugal, aquela vigora como interveniente em dois contratos:
a) um designado de “Consultadoria e Gestão de Projectos de Medição Imobiliária”, datado de 19-07-2005, em que foram outorgantes, para além sociedade arguida Ramea Properties LLC, as sociedades arguidas Barden Assets LLC, e Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.., e
b) outro designado “Investors Research and Real Estate Support Agrement”, datado de 06-02-2006, em que o segundo outorgante foi a sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.
20- Assim, quer a 19.07.2005, quer a 06.02.2006, as sociedades arguidas Ramea Properties LLC e Barden Assets LLC aparecem como contraentes, e consultoras especializadas na gestão de projectos imobiliários em território nacional.
21- Nessas datas e decorrente dos referidos contratos, as sociedades arguidas Ramea Properties LLC e Barden Assets LLC prevêem a constituição de sociedades de mediação imobiliária a serem detidas exclusiva e respectivamente por cada uma destas, sempre em território nacional.
22- No contrato datado de 19.07.2005, os contraentes obrigam-se perante a mediadora a fazer a gestão do projecto de mediação relativo à venda dos imóveis da Sociedade Sesimbra 2000 – Sociedade Imobiliária S.A., sendo que, como contrapartida receberiam 2/3 (dois terços) das comissões pagas por esta sociedade, à mediadora, a qual em concreto era a sociedade arguida Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.
23- O contrato datado de 06.02.2006 é constituído por cláusulas de carácter geral, sendo que em nenhum dos contratos é mencionado ou verificado o cumprimento de quaisquer obrigações contabilísticas e fiscais, quer em Portugal, quer nos Estados Unidos da América, pela sociedade arguida Ramea Properties LLC.
24- No decurso do ano de 2006, foi aberta conta bancária em nome da sociedade arguida Ramea Properties LLC junto Banco BPI SA., com o n.º 0-3669519-000-001.
25- Nesta conta bancária começaram a ser realizados movimentos a 10/04/2006, sendo que as pessoas autorizadas a movimentá-la eram o arguido JA______ e sua, então, esposa, Cristiane Unti Bueri Antero.
26- Na conta bancária junto Banco BPI SA., com o n.º 0-3669519-000-001, constam entradas de fundos em 2006 relativamente a valores superiores a 1.000€, num total de 1.012.731,00 € (um milhão doze mil e setecentos e trinta e um euros) e saídas no montante total de 878.013,81 € (oitocentos e setenta e oito mil e treze euros e oitenta e um cêntimos).
27- Na conta bancária junto Banco BPI SA., com o n.º 0-3669519-000-001 e no ano de 2007 foram realizadas entradas de fundos no valor de 1.306.872,17 € (um milhão trezentos e seis mil oitocentos e dois euros e dezassete cêntimos) e saídas de fundos no valor de 1.374.327,63 € (um milhão trezentos e setenta e quatro mil trezentos e vinte e sete euros e sessenta e três cêntimos).
28- As entradas mais significativas no ano de 2006 na conta bancária junto Banco BPI SA., com o n.º 0-3669519-000-001 (referente a valores apurado superiores a € 1.000,00), tiveram origem:
i. Na sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.. – Mediação imobiliária, Lda., (459.939,00€ a que corresponde a percentagem de 41,33%);
ii. JCS___(242.000,00€ a que corresponde a percentagem de 23,90%);
iii. Na sociedade Imobiscaia Soc Fin Imóveis, SA, (100.000,00€ a que corresponde a percentagem de 9,87%);
iv. Na sociedade Barden Assets, (111,324,50€), conforme espelha o quadro infra:
Acrescentando-se no quadro, no que concerne às entradas provenientes da “Barden Assets LLC”, no mês de Maio, o valor de €40.000,00.
29- Por sua vez, as saídas mais significativas no ano de 2006 tiveram como destinatário:
ii. 28,47%, que corresponde a 250.000,00 € são de transferências para a sociedade Paulo Martins & Carvalho, Lda., e que se destinaram à aquisição por JA___ de um imóvel sito na Rua Rainha da Bulgária n.º 99, Cave Frente, Letra B, Piso menos um no Estoril, fls. 25;
iii. 24%, isto é, 211.000,00 €, são de transferências ou levantamentos efectuados por JA___, conforme quadro infra:
30- No decurso do ano de 2007, e quanto a entradas superiores a 1.000 € (mil euros) na conta junto Banco BPI SA., com o n.º 0-3669519-000-001 da sociedade arguida Ramea Properties LLC, estas foram:
i. de 76,11% (que corresponde a 994.670,00€) correspondentes a transferências efectuadas por JCS___;
ii. de 17,30% (que corresponde a 226.202,00 €) correspondentes a transferências efectuadas pela sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., conforme quadro infra:
31- Já relativamente às saídas superiores a €1.000 (mil euros) na conta junto do Banco BPI SA., com o n.º 0-3669519-000-001 da sociedade arguida Ramea Properties LLC, no ano de 2007, e no montante de €1.374.327,63 tiveram como destinatário:
i. 53,70%, que corresponde a 738.092,00€, são transferências para a Macanthony Reality Inter Ireland, Ltd.;
ii. 8,9%, que corresponde a 122.350,00€, são de transferência ou levantamento de JA___, conforme quadro infra:
32 - Quanto às entradas de fundos provenientes da sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., esta e na sua contabilidade registou facturas emitidas com o nome da sociedade arguida Ramea Properties LLC C, nos montantes totais relativos aos anos de 2006 e 2007 de, respectivamente, 347.085,29 € e de € 704.185,29, conforme quadros infra:
33 - Todas estas facturas, n.ºs 106,109,110,114,158,160,162,e 166 do ano de 2006 e n.ºs 172, 174, 178, 180, 182, 185, 188, 196, apresentam como descrição “integrated commercial manegement and service rendering, regarding the real state leisure project development – Portugal”, que se poderá traduzir por: “gestão comercial integrada, em relação ao desenvolvimento do projecto imobiliário de lazer em Portugal”.
34 - Tais facturas não têm uma numeração não sequencial, e deram origem aos registos contabilísticos na sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.:
Em 2006 e,
Em 2007.
35 - Ora, no decurso do ano de 2006 registaram-se assim entradas efectivas de fundos na conta bancária junto Banco BPI SA., com o n.º 0-3669519-000-001titulada pela sociedade arguida Ramea Properties LLC, provenientes da sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., em valor superior de 164.916,50 €, aos evidenciados nos seus registos contabilísticos[1].
36 - Por sua vez, no tocante ao ano de 2007, registaram-se entradas efectivas na conta bancária junto Banco BPI SA., com o n.º 0-3669519-000-001 titulada pela sociedade arguida Ramea Properties LLC, em valor negativo de -172.355,33€ relativo ao declarado contabilisticamente[2].
37 - Contudo e no que se refere aos valores de retenção na fonte de IRC, contabilizados, pela sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda. foram efectivamente entregues nos cofres do Estado, apenas, os relativos ao exercício de 2006, no montante de 52.062,79 € (cinquenta e dois mil e sessenta e dois euros e setenta e nove cêntimos).
38 - A emissão das facturas em nome da sociedade arguida Ramea Properties LLC, era efectuada com a intermediação do JG___, pois era a ele que o arguido JA___ fornecia os dados necessários para o efeito, ou seja (os valores a facturar, bem como, o teor dos serviços que deveriam constar de cada factura).
39 - A sociedade arguida Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda. tem registado como gerente RA___, desde 11/05/2004, no entanto quem exerceu sempre a posição dominante e de tomada de decisões quanto àquela sociedade foi o aqui arguido JA___.
40 - Aliás, quer a sociedade arguida Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., quer a sociedade arguida Ramea Properties LLC foram sempre geridas e administradas pelo arguido JA___.
41 - No ano de 2006 verificou-se ainda a entrada de fundos na conta bancária da sociedade arguida Ramea Properties LLC provenientes de cheques sacados sobre uma conta no BES de que é titular JCS___, no valor de 242.000,00 €.
42 - Por sua vez, no ano de 2007 verificou-se a entrada de fundos na conta bancária da sociedade arguida Ramea Properties LLC provenientes de cheques sacados sobre uma conta no BES com o n.º 01676660157 de que é titular JCS___, no valor de 994.670,00€, cfr. quadro infra:
43 - Tais operações a crédito da sociedade arguida Ramea Properties LLC correspondem ao pagamento de prestações de serviços realizados pela sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., relacionadas com a comercialização do empreendimento turístico com a designação de Quinta da Barracuda, sito no concelho de Albufeira, de que foi proprietária a sociedade Weaver II – Construções Lda., da qual JCS___ foi sócio gerente.
44 - Assim, a conta bancária no BES com o n.º 01676660157 de que é titular JCS___recebia depósitos do José sob a forma de numerário e fundos.
45 - Com este procedimento, (o depósito dos cheques sacados sobre a conta da sociedade Weaver II – Construções Lda., sob a forma de numerário, na conta bancária de que JCS___é titular), foram dissimuladas as reais operações que estiveram subjacentes à sua emissão, no caso, o pagamento à sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., pela comercialização do empreendimento denominado Quinta da Barracuda, situado em Albufeira.
46 - Um dos empreendimentos que a sociedade arguida Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., comercializou foi o da Quinta da Barracuda situado em Albufeira.
47 - Mais, no decurso do ano de 2006, JCS___emitiu cheques à ordem do arguido JA___, nos valores de 70.000,00€ e 130.000,00€, que foram depositados numa conta bancária de que era titular a sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., sendo que tais cheques foram registados na contabilidade da sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.
48 - Assim, o cheque n.º 461025, no valor de 130.000,00 € (cento e trinta mil euros) foi sacado sobre o Banco BES, conta n.º 16766600157 (de JCS___), à ordem de JA___ e depositado na conta da sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., mas registado na contabilidade da Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., a crédito de caixa[3].
49 - Bem assim, o cheque n.º 461211, no valor de 70.000,00€ foi sacado sobre o Banco BES conta n.º 16766600157 (de JCS___), à ordem de JA___ e depositado como numerário na conta da sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.
50 - Atendendo a que estes valores têm como origem a conta bancária de que é/foi titular a sociedade Weaver II – Construções Lda., a forma como foi efectuada a contabilização na sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda. (como registo nas contas de Depósitos à Ordem e de Caixa) dissimula as reais operações que estiveram subjacentes à sua emissão, ou seja, o recebimento pela sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda. do pagamento pelos serviços prestados na comercialização do empreendimento denominado Quinta da Barracuda, situado em Albufeira.
51 - As entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade arguida Ramea Properties LLC provieram assim do desvio de fundos, resultantes de actividades exercidas pela sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., tendo como destinatário final no recebimento desses mesmo fundos, quer o arguido JA___ Alves Antero quer a sociedade Macanthony Reality Inter Ireland Ltd.
52 - Esta sociedade - Macanthony Reality Inter Ireland Ltd. - foi angariadora de clientes.
53 - Este desvio de fundos efectuado pela sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda. para a conta bancária da sociedade arguida Ramea Properties LLC, originou que nos exercícios de 2006 e 2007, no apuramento do seu lucro tributável, fossem indevidamente considerados custos, com pretensas aquisições de serviços pela Sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda. à sociedade arguida Ramea Properties LLC, nos montantes de 347.085,29 € (trezentos e quarenta e sete mil e oitenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos) e de 704.185,29 € (setecentos e quatro mil cento e oitenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos).
54 - Por sua vez, a ocultação quer dos serviços que prestou à sociedade Weaver II – Construções Lda. (nos montantes de 442.000,00 €, resultado da soma de 130.000,00€ + 70.000,00 € + 242.000,00 € e de 994.670,00 €), quer dos serviços que adquiriu à sociedade Macanthony Reality Inter Ireland Ltd., (nos montantes de 48.335,00 € e de 736.466,09 €), influenciaram também negativamente o apuramento do lucro tributável em 393.665,00 € (442.000,00 € - 48.335,00 €) e 258.203,91 € (994.670,00 €-736.466,09 €), respectivamente.
55 - A ocultação de serviços prestados pela sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda. à sociedade Weaver II – Construções Lda., originou para além das vantagens em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, também faltas de liquidação em sede de IVA, nos montantes de 92.820,00 € (442.000,00€ x 21%), e de 208.880,70 € (994.670 x 21%), respectivamente nos exercícios de 2006 e 2007.
56 - Outrossim, o responsável em território nacional pela sociedade arguida Barden Assets LLC pelo pagamento de impostos é o arguido CA_______ , sendo que a actividade principal da sociedade é a detenção participações de capital de empresas Portuguesas.
57 - A sociedade arguida Barden Assets LLC tem sede Suite 23, Portlandhouse, Glacis Road, Gibraltar e a sua gestão é efectuada pela sociedade: Welbeck (NZ) Limited, sendo que sociedade arguida Barden Assets LLC é propriedade de: Burgundy Consultants Limited, e Trafalgar Nominees Limited.
58 - A constituição da sociedade arguida Barden Assets LLC, teve como base uma reunião de trabalho nos escritórios de CS___, sendo então constituída de acordo com a Lei das Sociedades do Estado de Nova York a 20 de Janeiro de 2005, com o número de sociedade F050120000920 tendo sido indicado como seu Director JG___.
59 - A propriedade da sociedade Barden Assets LLC, é do arguido CA_______ e de ECA___.
60 - Em 28/02/2005, o arguido CS___, requereu junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, o pedido de número fiscal da sociedade, informando que a sociedade arguida Barden Assets LLC era “Sem actividade em Portugal”, e que a sede da mesma é na Avenida 25 de Abril, 45 – 1.º Andar, 2750-513, Cascais, tendo-lhe nessa sequência sido atribuído o NIF 980 315 778.
61 - Não obstante a sociedade arguida Barden Assets LLC, segundo as Autoridades Fiscais dos Estados Unidos da América, ter declarado como sua actividade principal a detenção participações de capital de empresas Portuguesas, tal não se constatou, uma vez que inexistem sociedades com sede em Portugal, cujas participações sociais sejam daquela.
62 - Apesar da sociedade arguida Barden Assets LLC, ter feito constar, quando se registou no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que não exerceria actividade em Portugal, aquela no decurso da sua actividade, em território nacional fez-se constar como contraente em diversos contratos, os quais executou:
A) contrato de Gestão Comercial Integrada e de Prestação de Serviços com a Corcova – Investimentos Turísticos, S.A., datado de 01/03/2006;
B) contrato de Mediação Imobiliária celebrado entre a MRI – Macanthony Realty Internacional Spain, S.L, na qualidade de segundo contraente e Corcova – Investimentos Turísticos, S.A, na qualidade de promotora;
C) contrato com a IBBRO, International Business Brokerage, Ltd., de agência comercial, para apresentação de soluções no mercado russo, para as propostas de compra e venda de bens ou serviços e datado de 30/03/2006;
D) contrato de Mediação Imobiliária celebrado entre a Algarinveste, Mediação Imobiliária, Lda., na qualidade de segundo contraente e Corcova – Investimentos Turísticos, S.A, na qualidade de promotora;
E) contrato de Mediação Imobiliária celebrado entre a Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.. Mediação Imobiliária, Lda., na qualidade de segundo contraente e Corcova – Investimentos Turísticos, S.A, na qualidade de promotora e datado de 26/07/2006;
F) contrato de Mediação Imobiliária celebrado entre a Barden Assets, Mediação Imobiliária, Lda., na qualidade de segundo contraente e Corcova – Investimentos Turísticos, S.A, na qualidade de promotora e datado de 26/07/2006;
G) contrato de Gestão Comercial Integrada e de Prestação de Serviços com a Areias de Porches – Realizações Turísticas, Lda., datado de 15/06/2006;
H) Contrato de Mediação Imobiliária com a MRI – Macanthony Realty International Spain, S.L.;
I) Contrato de Prestação de Serviços com Bento JMS___ e LMS..., celebrado em parceria com Longevity – Promoção Imobiliária, Lda. datado de 31/03/2006;
J) Aditamento ao contrato de Gestão Comercial Integrada e de Prestação de Serviços com a Incomatzi-Investimentos e Gestão Imobiliária, S.A., Lda., datado de 30/05/2006;
K) Contrato de Gestão Comercial Integrada e de Prestação de Serviços com a Incomatzi-Investimentos e Gestão Imobiliária, S.A., Lda., datado de 30/03/2006;
L) Contrato com a sociedade Longevity – Promoção Imobiliária, Lda., de regras base de entendimento entre as partes sobre os negócios de mediação envolvidos em conjunto e datado de 01/06/2006;
M) Contrato com a Longevity – Promoção Imobiliária, Lda., contrato de parceria e datado de 01/06/2006;
N) Contrato de Gestão Comercial Integrada e de Prestação de Serviços com Leirinveste, Sociedade de Construção Civil, S.A.., e datado de 18/09/2006;
O) Contrato de Gestão Comercial Integrada e de Prestação de Serviços celebrado com LARBRAS – Sociedade Imobiliária, S.A., a Barden Assets LLC em de 24/10/2005, o qual foi rescindido por não estar a sociedade arguida Barden Assets LLC apta a desenvolver a actividade;
P) Contrato de Gestão Comercial Integrada e de Prestação de Serviços com a Vila Baia-Empreendimentos Imobiliários, SA., assinado a 04/05/2006.
63 - Não obstante a celebração e execução destes contratos, não verificou, em momento algum, o cumprimento de quaisquer obrigações contabilísticas e fiscais, quer em Portugal, quer nos Estados Unidos da América, pela sociedade arguida Barden Assets LLC.
64 - Todavia, a 10/05/2005, foi aberta conta bancária em nome da sociedade arguida Barden Assets LLC na instituição de Crédito Banco BPI SA., com o n.º 3534000-000-001 - Balcão 0219 Alcoitão.
65 - Nesta conta começaram a ser registados movimentos em 10/05/2005, sendo pessoas autorizadas para a movimentar o arguido CA_______ e ECA___.
66 - Assim, a conta bancária do BPI em nome da sociedade arguida Barden Assets LLC, teve entradas em 2006 de 557.321,01 € (quinhentos e cinquenta e sete mil trezentos e vinte e um euros e um cêntimo) e saídas no montante de 444.760,12 € (quatrocentos e quarenta e cinco mil quinhentos e cinquenta e três euros e doze cêntimos) e em 2007 teve entradas de 445.553,60 € (quatrocentos e quarenta e cinco mil quinhentos e cinquenta e três euros e sessenta cêntimos) e saídas de 367.719,96 € (trezentos e sessenta e sete mil setecentos e dezanove euros e noventa e seis cêntimos).
67 - As entradas superiores a 1.000€ (mil euros) na conta do BPI sociedade arguida Barden Assets LLC, no decurso ano de 2006, tiveram origem em:
68 - 89,67%, que corresponde a 499.772,67 € são de cheques sacados sobre uma conta da sociedade da Corcova S.A., e em que ECA___ levantou e depositou em numerário na conta da Barden Assets LLC, com excepção de dois valores:
- factura n.º 198 da sociedade arguida Barden Assets LLC datada de 05/12/2006, no montante de €19.020,00 que depois da retenção foi paga pela Corcova S.A., no montante de €16.167,00 por cheque da Corcova S.A - cheque de caixa 20690002 do BES e não deu entrada na conta do BPI;
- factura n.º 167 da Bardens Assets datada de 26/05/2006, no montante de €153.359,00, que depois da retenção foi pago pela Corcova S.A. no montante de €130.355,00 com cheque de caixa 00055493 BES, e que deu entrada no montante de € 129.000,00, conforme quadro infra.
69 - Relativamente às saídas superiores a 1.000€ (mil euros) na conta do BPI da sociedade arguida Barden Assets LLC no decurso do ano de 2006, as mesmas tiveram como destinatários:
i. 36,27%, que corresponde a 161.296,50€, são de transferências ou levantamentos para o arguido CA_______ ;
ii. 24,16%, que corresponde a 107.450,00€, são de transferências ou levantamentos para ECA___;
iii. 23,65%, a que corresponde a 111.324,50€, são de transferências para a sociedade arguida Ramea Properties LLC, conforme quadro infra:
Acrescentos no quadro relativo às transferências para a sociedade “Ramea, LLC”
- Abril no valor de €2493,00;
- Maio no valor de €1794,00
- Junho no valor de €1860,00
70 - Relativamente às entradas superiores a 1.000€ (mil euros) na conta do BPI da Barden Assets LLC, no decurso ano de 2007, no montante de 445.553,60€, estas tiveram origem:
i. 56,66%, que corresponde a 252.450,00€ são de transferências efectuadas por Bento JMS___;
ii. 25,47%, que corresponde a 113.492,00€ são de transferências efectuadas pela sociedade Corcova, S.A., conforme quadro infra:
71 - Relativamente às saídas superiores a 1.000€ (mil euros) na conta do BPI da Barden Assets LLC, no ano de 2007, e no montante de 367.719,96€, que tiveram como destinatários:
i. 41,8%, que corresponde a 154.002,44€, são de transferências ou levantamentos para o arguido CA_______ ;
ii. 15,31%, que corresponde a 56.300,00€, são de transferências ou levantamentos para ECA___;
iii. 14,89%, que corresponde a 54.750,00€, são levantamentos de Beatriz ... - Empregada da sociedade arguida Barden Assets - Mediação Imobiliária Lda, conforme quadro infra:
72 - Verifica-se assim a emissão de diversas facturas pela sociedade arguida Barden Assets LLC, conforme quadro infra:
73 - Ora, as entradas de fundos mais significativas nos exercícios de 2006 e 2007 tiveram como proveniência as sociedades Corcova S.A., e Vila Baía – Empreendimentos Imobiliários SA. e, ainda, Bento JMS___ e LMS___., no montante global de respectivamente, 632.216,81,00 € e de 477.974,66 € conforme quadros supra.
74 - No que se refere às facturas emitidas a favor da sociedade Corcova S.A., todas apresentam como descrição a seguinte frase: “Market study integrated commercial management and service rendering, regarding the real state project in development Know as Parque da Corcovada”, que se poderá traduzir por: “Estudo de mercado integrado de gestão comercial e de prestação de serviços em relação ao projecto imobiliário em desenvolvimento conhecido como Parque da Corcovada”. A única excepção é no final da frase, pois, o descritivo em cada uma das facturas acaba a seguir à palavra Corcovada com um traço seguido de um número que pretende associar cada uma das facturas a uma fase do mesmo.
75 - Quanto às duas facturas emitidas para a sociedade Vila Baía – Empreendimentos Imobiliários SA., estas também apresentam o descritivo: “Market study integrated commercial management and service rendering, regarding the real state project in development Know as Condomínio fechado de Vila Baía – 1ª phase”, que se poderá traduzir por: “Estudo de mercado integrado de gestão comercial e de prestação de serviços em relação ao projecto imobiliário em desenvolvimento conhecido como Condomínio fechado de Vila Baía – 1ª fase”.
76 - Por sua vez, as facturas emitidas em nome de Bento JMS___ e LMS___, referem ambas, que o motivo para a sua emissão apresenta o seguinte descritivo: “Research and Viability analysis for US management and commercial projects, related with Portuguese corporate business and integrated services”, que se poderá traduzir por: “Pesquisas e análises de viabilidade para projectos de gestão e comerciais nos EUA, de negócios corporativos e serviços integrados para Portugueses”.
77 - A emissão destas facturas, em nome da sociedade Barden Assets LLC, foi solicitada, via e-mail, ao JG___, sendo que aqueles foram enviados em nome do arguido CS___ e nos mesmos, para além do respectivo pedido de emissão de factura, consta apenas, a identificação da entidade, o teor dos serviços e os valores a facturar.
78 - Os valores facturados pela sociedade arguida Barden Assets LLC traduziram-se em valores pagos (deduzidos dos valores das retenções na fonte de IRC) pelas entidades para quem foram emitidas) pelas sociedades Corcova S.A. e Vila Baía – Empreendimentos Imobiliários SA., pela comercialização pelo arguido CS___ e/ou por prestadores de serviços para a sociedade Barden Assets – Mediação Imobiliária Lda., dos bens imobiliários que detinham directa ou indirectamente.
79 - Os valores de retenção na fonte de IRC foram efectuados e entregues nos cofres do Estado, pelas entidades atrás referidas.
80 - Já quanto à sociedade arguida Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., esta registou o início da sua actividade em 17/04/2006, sendo o seu objecto social a prestação de serviços de mediação imobiliária e a administração de imóveis por conta de outrem.
81 - A sociedade arguida Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda. tem o capital de 5.000,00€ dividido em duas quotas, uma de 4.000,00€ pertencente a ECA___, e a outra de € 1.000,00 pertencente a MMA___.
82 - As sócias da sociedade arguida Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., são as (ex)mulher e filha do arguido CS___, sendo que ambas foram designadas gerentes, a (ex)mulher a partir de 30-10-2006 e a filha no período compreendido entre 17-04-2006 a 01-07-2007, data em que foi registada a sua renúncia.
83 - As entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade arguida Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., foram assim originadas, também, pela ocultação de serviços resultantes da actividade exercida pela sociedade Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda.
84 - O destino final das entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade arguida Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., foi o levantamento de tais quantias pelo arguido CS___ Alves Antero, pela, então, mulher deste, ECA___, e por Beatriz ... (colaboradora da sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária Lda.).
85 - Assim, a emissão das facturas em nome da sociedade Barden Assets LLC, com excepção do caso da factura n.º 155 – 02 de 10-03-2006, relativa a pretensos “ Estudos de mercado e serviços integrados de gestão comercial”, no montante de 28.668,81€, que foi registada como custo na contabilidade da sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.. Lda., tiveram como consequência que nos exercícios de 2006 e 2007, no apuramento do lucro tributável da sociedade Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., fossem indevidamente ocultados proveitos relativos a serviços que prestou nos montantes de 633.530,00€ e de 180.974,66€, e imputados custos indevidos na sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., no exercício de 2006, no montante de 28.668,81€.
86 - Esta ocultação de serviços prestados pela sociedade Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., originou além de vantagens em sede sobre o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, também faltas de liquidação em sede de IVA, nos montantes de 133.041,30€ (633.530,00€ x 21%), e de 38.004,67€ (180.974,66 x 21%), respectivamente nos exercícios de 2006 e 2007.
87 - Outrossim, com o intuito de diminuição do seu lucro tributável com vista a eximir-se ao pagamento do imposto legalmente devido, a sociedade comercial Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda. e o seu gerente de facto JA___ contabilizaram facturas provenientes da sociedade não residente em território português denominada de Ramea Properties, LLC. e ocultaram proveitos resultantes de prestações de serviços efectuadas na mediação para venda do empreendimento Quinta da Barracuda, propriedade da sociedade comercial Weaver e administrada por JCS___.
88 - Estes documentos, fiscalmente relevantes, foram emitidos por ordem de JA______ (beneficiário último e administrador de facto daquela entidade), solicitados por JG___e reportaram-se a serviços que não foram prestados pela Ramea Properties, LLC mas sim pela Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.
89 - Ao não declarar a prestação destes serviços e ao contabilizar facturas emitidas pela Ramea Properties, LLC, a Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda. conseguiu diminuir o seu lucro tributável pela via da ocultação dos proveitos resultantes das operações tributáveis e pela via do aumento dos encargos.
90 - Além da contabilização e declaração à Administração Tributária, por parte da Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., de documentos não correspondentes a relações jurídicas reais, com vista a causar a diminuição das receitas tributárias, o arguido JA______ fizeram-no para encobrir uma relação real existente com terceiros sujeitos a obrigações acessórias de fiscalização tributária, nomeadamente, a relação estabelecida com a sociedade Weaver, administrada por JCS___, e utilizando uma entidade não residente com a qual era detentora de relações especiais ou seja a arguida Ramea Properties LLC, atento o facto de tanto emitente como utilizador das facturas em causa serem, de facto, administrados pela mesma pessoa (JA______ ).
91 - Assim, e com esta conduta, foi obtida pela sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., em sede de IRC nos exercícios de 2006 e 2007, as vantagens patrimoniais infra:
Correções ao Lucro Tributável
Exercícios
2006
2007
Ocultação de proveitos
393.665,00 €
258.203,91 €
Custos indevidos
Facturas Ramea
347.085,29 €
704.185,29 €
Factura Barden
28.686,81 €
Total
769.437,10 €
962.389,20 €
Tx IRC
25,00%
25,00%
IRC em Falta
192.359,28 €
240.597,30 €
Retenções de IRC pagas
52.062,79 €
0,00 €
Vantagem Patrinomial Obtida
140.296,49 €
240.597,30 €
92 - Mas esta ocultação de proveitos não teve reflexo, apenas, a nível de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Na verdade, a existência de serviços efectivamente prestados pela Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda. à Weaver deveria ter sido objecto de emissão da respectiva factura e, consequentemente, da liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado o que não ocorreu.
93 - Não emitindo a factura a sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., subtraiu, também, à tributação em IVA as prestações de serviços efectuadas à Weaver diminuindo, também relativamente a este imposto, a receita tributária, por período de imposto, conforme quadros infra:
PERIODO DE IMPOSTO
BASE TRIBUTÁVEL
TAXA
IVA
set-06
130.000,00 €
21%
27.300,00 €
out-06
144.000,00 €
21%
30.240,00 €
nov-06
100.000,00 €
21%
21.000,00 €
dez-06
68.000,00 €
21%
14.280,00 €
TOTAL
442.000,00 €
21%
92.820,00 €
PERIODO DE IMPOSTO
BASE TRIBUTÁVEL
TAXA
IVA
jan-07
107.000,00 €
21%
22.470,00 €
fev-07
171.500,00 €
21%
36.015,00 €
mar-07
364.000,00 €
21%
76.440,00 €
abr-07
145.000,00 €
21%
30.450,00 €
mai-07
39.800,00 €
21%
8.358,00 €
jun-07
32.370,00 €
21%
6.797,70 €
jul-07
44.000,00 €
21%
9.240,00 €
out-07
67.000,00 €
21%
14.070,00 €
nov-07
24.000,00 €
21%
5.040,00 €
TOTAL
994.670,00 €
21%
208.880,70 €
94 - Não deixou, no entanto, de proceder ao pagamento dos serviços solicitados tendo utilizado, para tal, uma estratégia de desvio de fluxos financeiros que se consubstanciou na subtracção, à Weaver, de meios financeiros canalizados para uma conta bancária do seu administrador JCS___ que, por sua vez, os encaminhou para a conta bancária detida no BPI pela Ramea Properties, LLC.
95 - Depois foram estes meios financeiros encaminhados por JA______ para a Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., concluindo o circuito de pagamento dos serviços prestados (ocultado à Administração Tributária e subtraídos à tributação) pela Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.
96 - De modo idêntico, a sociedade não residente Barden Assets, LLC, gerida de facto pelo seu “procurador” em Portugal, CA________, emitiu facturas por prestações de serviços, supostamente por si prestados.
97 - No entanto a Barden Assets LLC não tinha efectiva actividade em território nacional.
98 - Não se coibiu o arguido CA________ de utilizar a entidade em causa para finalidades não declaradas à Administração Tributária e de colaborar essencial e activamente numa utilização indevida daquela, solicitando a emissão de facturas (a pedido de CA________) que, supostamente, titulariam serviços que a mesma não poderia prestar, transmitindo tais documentos jurídico-fiscalmente relevantes ao beneficiário último da entidade em causa (fazendo-se pagar, inclusive pelos serviços prestados nesta intermediação de documentação).
99 - Assim, o arguido CA________ utilizou a conta titulada junto do Banco BPI pela Barden Assents LLC, essencialmente, para ocultar a actividade desenvolvida em território nacional pela sua homónima portuguesa, a Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda. (ambas geridas pelo arguido CA________).
100 - Os recebimentos verificados nesta conta bancária por conta da emissão de facturas para os identificados sujeitos passivos nacionais, resultam, essencialmente, de uma actividade de mediação imobiliária que a Barden Assets LLC não podia (legalmente) exercer, nem tinha condições para levar a cabo.
101 - Para além de lhe estar vedado pelo seu objecto social, a entidade não residente em causa não tinha meios materiais (estrutura, instalações, etc…) ou humanos (trabalhadores próprios ou subcontratados) que lhe permitissem prestar os serviços descritos nas facturas emitidas em seu nome.
102 - Na realidade, a actividade pela qual esta recebeu pagamentos era, de facto, uma actividade (de mediação imobiliária) que vinha sendo desenvolvida em Portugal pela outra empresa do arguido CA________ e que tinha este e sua (ex)esposa como beneficiários.
103 - Assim, os diversos clientes da actividade de mediação imobiliária desenvolvida por CA________ foram, efectivamente, clientes da única empresa (gerida por este) que podia desempenhar os serviços em causa, uma vez que tal actividade se encontra sujeita a licença, nos termos legais, ou seja, da Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda.
104 - A intervenção da sociedade não residente Barden Assets, LLC serviu dois propósitos: o de ocultar a actividade de prestação de serviços de mediação imobiliária, efectivamente, prestados pela Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda. e o de permitir que a ocultação de proveitos desta resultantes, directamente, em proveito próprio do seu gerente, CA________.
105 - Esta ocultação reflectida na ausência de menção aos serviços prestados aos clientes, quer na contabilidade, quer nas declarações fiscais de proveitos levada a cabo pela Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda. só foi possível porque quem encabeçava a actividade desta e da Barden Assets, LLC eram uma única e mesma pessoa (o arguido CA________) o qual beneficiou destas relações especiais existentes entre as empresas para alcançar os seus intentos e porque os clientes aceitaram reflectir nas suas obrigações acessórias, sujeitas a fiscalização tributária, uma realidade tributária que não correspondia à verdade.
106 - Com esta actuação de CA________ foi possível diminuir o lucro tributável da Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., tal como foi possível transformar pagamentos que seriam devidos a esta sociedade pelos serviços prestados, em verbas depositadas ou transferidas para a conta bancária gerida por aquele, titulada pela Barden Assets, LLC, no BPI, em benefício próprio.
107 - Assim, e com esta conduta foi obtida pela sociedade Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., em sede de IRC nos exercícios de 2006 e 2007, as vantagens patrimoniais infra:
Correções ao Lucro Tributável
Exercícios
2006
2007
Ocultação de proveitos
633.530,00 €
180.974,66 €
Tx IRC
25,00%
25,00%
IRC em Falta
158.382,50 €
45.243,67 €
Retenções de IRC pagas
95.029,50 €
27.146,20 €
Vantagem Patrimonial Obtida
63.353,00 €
18.097,47 €
108 - Mas esta ocultação de proveitos não teve reflexo, apenas, a nível de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na verdade, a existência de serviços efectivamente prestado pela Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda. aos seus clientes deveria ter sido objecto de emissão da respectiva factura e, consequentemente, da liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado.
109 - Não emitindo a factura a Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., subtraiu, também, à tributação em IVA as prestações de serviços efectuadas aos seus clientes diminuindo, consequente e relativamente a este imposto, a receita tributária, conforme demonstrado infra.
33
PERIODO DE IMPOSTO
BASE TRIBUTÁVEL
TAXA
IVA
mar-06
84.800,00 €
21%
17.808,00 €
abr-06
94.410,60 €
21%
19.826,23 €
mai-06
153.359,00 €
21%
32.205,39 €
jun-06
112.795,40 €
21%
23.687,03 €
jul-06
62.395,00 €
21%
13.102,95 €
ago-06
43.390,00 €
21%
9.111,90 €
out-06
31.380,00 €
21%
6.589,80 €
nov-06
31.980,00 €
21%
6.715,80 €
dez-06
19.020,00 €
21%
3.994,20 €
TOTAL
633.530,00 €
21%
133.041,30 €
PERIODO DE IMPOSTO
BASE TRIBUTÁVEL
TAXA
IVA
jan-07
46.465,00 €
21%
9.757,65 €
fev-07
68.486,25 €
21%
14.382,11 €
mar-07
33.123,41 €
21%
6.955,92 €
abril-07
8.160,00 €
21%
1.713,60 €
_______________
_________________
_______
________________________
jun-07
6.680,00 €
21%
1.402,80 €
jul-07
1.600,00 €
21%
336,00 €
set-07
2.250,00 €
21%
472,50 €
nov-07
4.400,00 €
21%
924,00 €
TOTAL
633.530,00 €
21%
35.944,58 €
110 - Os pagamentos que deviam ter sido directamente canalizadas dos clientes (por conta dos serviços prestados) para contas bancárias da Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda. foram-no, antes, canalizados para a conta bancária da Barden Assets LLC, muitas vezes transformados em numerário (consequência do levantamento de cheques e posterior depósito em dinheiro).
111 - Esta conduta permitiu que CA________ usufruísse das verbas sem que tais proventos fossem sujeitos a tributação ou, sequer, objecto de qualificação como pagamentos que deveriam ter sido efectuados à Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., (e, como tal, considerados proveitos desata sociedade comercial).
112 - Sendo a factura um documento cuja relevância fiscal é do inteiro conhecimento dos arguidos estes quando solicitavam a emissão daqueles documentos sabiam que não bastavam para o seu processamento os elementos fornecidos, pois mais importante do que a identificação da entidade é o teor dos serviços e os valores a facturar.
113 - Os arguidos agiram com intenção de obter para si um benefício que sabiam indevido, à custa da defraudação da Fazenda Nacional, sendo certo que estavam obrigados a declarar e entregar aos cofres do Estado os montantes do imposto que haviam deduzido e recebido.
114 - Os arguidos agiram com intenção de obter para si um benefício que sabiam indevido, à custa da defraudação da Fazenda Nacional, sendo certo que estavam obrigados a entregar aos cofres do Estado os montantes de IRC e IVA apurados em termos de Lucro Tributável que haviam deduzido e recebido.
115 - Embora soubessem que tinham obrigação de entregar as referidas importâncias à Fazenda Nacional e que as mesmas não eram sua pertença, quiseram fazê-las suas e integrá-las no seu património, delapidando o Estado nas importâncias correspondentes.
116 - Os arguidos ao decidirem positivamente sobre a alteração da facturação, bem como a afectação dos meios financeiros que recebiam, actuaram com o propósito de integrarem os montantes deduzidos e recebidos a título de IRC e IVA, no seu património e obterem, por via disso, vantagens patrimoniais indevidas.
117 - Os arguidos actuaram com o propósito de obterem vantagens patrimoniais indevidas decorrentes da ocultação de factos ou valores não declarados à administração fiscal e consequentemente, obter, assim, vantagens patrimoniais indevidas.
118 - Os arguidos sabiam que tinham a obrigação de indicar nas declarações de imposto os valores relativos aos impostos recebidos, aos lucros recebidos, às despesas que fossem reais e a inserir todos os elementos e contas bancárias das sociedades arguidas na contabilidade das mesmas, no entanto quiseram omitir tais elementos e, assim, obterem benefícios económicos indevidos, o que conseguiram, consubstanciando estes em IRC e IVA que deixaram de ser liquidados e cobrados pela Fazenda Pública, causando, assim, prejuízo ao Estado.
119 - Os arguidos sabiam que tinham a obrigação de indicar, nas declarações de rendimentos de IRC, os valores relativos aos proveitos obtidos, no entanto quiseram omitir tais rendimentos e, assim, obter benefícios económicos indevidos, o que conseguiram, consubstanciando estes em IRC que deixou de ser liquidado e cobrado pela Fazenda Pública, causando, assim, um prejuízo ao Estado.
120 - Os arguidos sabiam que tinham a obrigação de indicar, nas declarações de rendimentos de IVA, os valores relativos aos proveitos obtidos, no entanto quiseram omitir tais rendimentos e, assim, obter benefícios económicos indevidos, o que conseguiram, consubstanciando estes em IVA que deixou de ser liquidado e cobrado pela Fazenda Pública, causando, assim, prejuízo ao Estado.
121 - Ao emitirem as facturas em causa nos autos e ao celebrarem contratos de prestação de serviços simulados, os arguidos bem sabiam que os serviços facturados e contratualizados nunca foram prestados, fazendo representar uma falsa realidade com relevância jurídica e fizeram-no com a intenção conseguida de obterem para si um benefício ilegítimo.
122 - Bem sabiam os arguidos, ainda, que as facturas emitida e contratos celebrados, nas circunstâncias descritas, tinham o propósito de dissimular a verdadeira natureza das quantias, como pagamento recebido da sua actividade e recebimento indevido das mesmas por parte dos arguidos sem comunicação junto da Fazenda Nacional.
123 - Bem sabiam os arguidos que ao utilizarem as empresas com sede fora de território nacional como fachada para a sua actuação e como celebrantes dos negócios em causa obstavam à comunicação de valores tributáveis, em prejuízo da Fazenda Nacional.
124 - Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de não liquidar, nem pagar as contribuições mencionadas, sabendo as suas condutas proibidas e puníveis por lei.
Das condições pessoais dos arguidos
124. Arguido JA______
Nasceu uma família numerosa de estrato social médio alto, sendo o pai médico veterinário e a mãe doméstica. O arguido descreve uma infância normativa, sem problemáticas significativas, tendo tido um percurso escolar normal, tendo concluído o ensino secundário.
Nesta fase, com desejo de autonomia, diligenciou emprego como mediador imobiliário, e bem assim trabalhou no ramo comercial para o grupo Grão Pará, tendo em simultâneo prosseguido e concluído estudos superiores em Gestão pelo ISLA.
Em 1971, JA______ casou pela primeira vez, tendo tido dois filhos. Em 1975, e perante uma situação económica incerta no país, tendo ficado em situação de desemprego, decidiu emigrar com a família para a Venezuela, onde viveu 11 anos. Iniciou naquele país actividade no ramo da imobiliária e aproveitando as necessidades locais, trabalhou também como empreiteiro da construção civil, referindo ter ganho somas significativas de dinheiro. Dada a instabilidade política vivenciada no país de acolhimento, a família regressou a Portugal, tendo o arguido investido o dinheiro ganho, e por sugestão de seu irmão mais novo, na Vidreira Manuel Pereira Roldão.
Entre 1986 e 1997, JA______ manteve-se profissionalmente activo como administrador naquela indústria, experiência que o gratificou, embora distinta das suas áreas de competências, a comercial e da construção civil. Ainda durante essa fase, adquiriu uma quota social da empresa Braz e Braz, da qual a Vidreira Manuel Pereira Roldão era fornecedora.
No plano afectivo, a vida de JA______ entrou em ruptura conjugal tendo-se divorciado em 1997.
Em 2002 teve de vender a sua quota na empresa Braz e Braz e declarar insolvência na Vidreira.
Após 2002, com o intuito de refazer a sua vida profissional, o arguido iniciou actividade como consultor comercial e promotor na área do imobiliário. Nesta fase, fundou duas das empresas co-arguidas, no caso da Ramea Properties LLC e Porta Grande – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.
Após o início da crise financeira de 2008, que teve um impacto imediato e duradouro no mercado imobiliário, JA______ iniciou um período de vicissitudes pessoais e profissionais que se têm mantido até ao presente.
Casou-se, pela segunda vez, em 2005, com uma cidadã brasileira, e até 2008 teve uma vivência marcada pelo sucesso profissional e financeiro, com estabilidade pessoal e familiar. Em 2010 o cônjuge voltou para o Brasil, situação que o fragilizou emocionalmente e economicamente. Ainda nesse ano JA______ voltou a casar, tendo voltado a divorciar-se em 2017.
Profissionalmente é referido um colapso de todos os seus activos, empresas e propriedades até ao presente, sendo que, em termos financeiros, JA______ estará alegadamente dependente da ajuda de amigos. Vive numa casa emprestada, e conta com ajudas pontuais dos amigos, e bem assim da família especialmente dos filhos.
Entretanto solicitou a sua reforma à segurança social, processo que se atrasou, por dificuldades de articulação institucional com os competentes serviços venezuelanos, aguardando ainda a atribuição da respectiva pensão. Pondera, até, requerer declaração de insolvência.
Mantém um convívio regular com seus filhos e ao nível de saúde tem problemas de coluna e do foro oncológico, situações que são acompanhadas clinicamente. Tem, também, um quadro depressivo.
Não tem condenações registadas.
125. Arguido CS___
O percurso de desenvolvimento inicial de CA________ teve lugar em Vale de Santarém, meio rural onde viveu até ao dez anos de idade, altura em que o agregado fixou a residência no concelho de Cascais, tendo sido neste meio habitacional que o arguido permaneceu até se autonomizar, aos 22 anos de idade.
Penúltimo de uma fratria de seis, o arguido foi criado num seio familiar que conseguiu suprir as necessidades de subsistência, sem experienciar dificuldades económicas significativas.
Da dinâmica relacional nuclear destaca a transmissão de afectos e o espírito de união que pautava a atmosfera interactiva, bem como os princípios educativos veiculados pelos progenitores.
CA________ retracta uma trajectória escolar marcada pelo bom desempenho, percurso que, aquando da entrada no liceu, ficou assinalado por um período de interrupção dos estudos, devido ao desenvolvimento de um quadro clínico de foro neurológico, sendo que o agravamento da perda de várias faculdades (e.g. cognitivas) implicou hospitalizações e tratamentos prolongados, que perduraram aproximadamente três anos e meio. A entretanto recuperação total impulsionou a sua prossecução dos estudos, tendo o arguido vindo a concluir a licenciatura em economia, no Instituto Superior de Economia e Gestão.
Findo o ensino superior, CA________ exerceu funções condicentes com a área de formação académica, vínculo por conta de outrem (empresa de construção civil), que manteve por três anos, tendo ascendido ao cargo de Director Financeiro.
Posteriormente, optou por se associar a um amigo e criar um negócio próprio, cujo objecto de actuação se centrava na importação e exportação, bem como na consultadoria (promoção produtos de hardware junto de empresas internacionais).
Mais tarde (1986/1995), com o mesmo sócio, CA________ investiu numa fábrica que operava no sector cristaleiro. No ano 1994, foi eleito Presidente da Associação Nacional da Cristaleira. As sobrevindas dificuldades económico-financeiras do grupo culminaram no encerramento da fábrica.
Ainda no domínio profissional, CA________, aproximadamente no ano 2000, começou a diligenciar no sentido de inverter a situação precária que vivenciava [dependência do vencimento da mulher], procurando potenciar contactos que havia estabelecido no passado, contexto do qual refere ter derivado a realização de alguns trabalhos de consultadoria (e.g. mercado internacional de produtos turísticos). Esta situação manteve-se até ao ano 2005, altura em que CA________ encetou a colaboração com uma das sociedades arguidas (Barden Assets LLC).
Tem quatro filhos maiores e autónomos, fruto de dois matrimónios já dissolvidos, que perduraram aproximada e respectivamente, 17 e 25 anos. Mais tarde, encetou novo relacionamento afectivo, que mantém na actualidade, e do qual tem uma filha menor.
Em termos profissionais, exerce funções comerciais/financeiras na empresa da filha mais velha do segundo matrimónio, firma que opera no ramo internacional do imobiliário.
Na actualidade, CA________, a companheira e a menor em comum coabitam com a filha que o emprega, no imóvel da mesma, sito na morada indicada nos autos.
O arguido CA________ foi julgado e condenado:
- No processo n.º 1481/09.2JDLSB, do 5º Juízo Criminal, 3ª Secção, por sentença proferida em 6/6/2012, transitada em julgado em 6/6/2012, pela prática, em 1/10/2008, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, a qual foi substituída por admoestação;
- No processo n.º 9588/11.0TDLSB, dos Juízos Locais de Lisboa, J3, por sentença proferida em 17/1/2014, transitada em julgado em 17/12/2015, pela prática, em 2008, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), já declarada extinta por despacho 4/6/2017.
Sociedades arguidas
As sociedades arguidas estão inactivas e não têm condenações registadas.
Não se provou que:
- Os valores facturados pela sociedade arguida Barden Assets LLC traduziram-se, também, em valores pagos (deduzidos dos valores das retenções na fonte de IRC) por Bento JMS___ e LMS___ pela comercialização pelo arguido CS___ e/ou por prestadores de serviços para a sociedade Barden Assets – Mediação Imobiliária Lda.
Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, de entre os alegados, todos os que estejam em contradição ou que tenham ficado prejudicados com a matéria de facto dada por assente e não assente.
A matéria inserta na acusação eivada de conclusões/considerações, por não integrar o conceito de factualidade, não foi considerada.
2.2. MOTIVAÇÃO
Estabelece o art. 127.º do Código Processo Penal que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Assim, a regra geral fixada pelo art. 127.º, é de que, na apreciação da prova e partindo das regras de experiência, o tribunal é livre de formar a sua convicção.
Normalmente o que sucede é que face à globalidade da prova produzida, o tribunal se apoie num certo conjunto de provas, em detrimento de outras, nada obstando que esse convencimento parta de um registo mínimo, mas credível, de prova, em detrimento de vastas referências probatórias, que, contudo, não têm qualquer suporte de credibilidade.
Existem, no entanto, algumas restrições legais ao regime da livre apreciação da prova, como sucede com o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (169.º), o efeito de caso julgado nos pedidos de indemnização cível (84.º), a prova pericial (163.º) e a confissão integral sem reservas (344.º).
«Para além da prova directa do facto, a apreciação do tribunal pode assentar em prova indirecta ou indiciária, a qual se faz valer através de presunções. No recurso a presunções simples ou naturais (art. 349º do Cód. Civil), parte-se de um facto conhecido (base da presunção), para concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade, e dos princípios da lógica.
Por conseguinte, sendo permitido em processo penal o recurso a prova por presunções, porque não proibida por lei (art. 125º do CPP), as normas dos artigos 126º e 127º do CPP podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo.
Como decidiu o STJ, no Acórdão de 12-9-2007, disponível in www.dgsi.pt:
“I - A prova do facto criminoso nem sempre é directa, de percepção imediata; muitas vezes é necessário fazer uso dos indícios.
II - “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura” (J. M. Asencio Melado, Presunción de Inocência y Prueba Indiciária, 1992, citado por Euclides Dâmaso Simões, in Prova Indiciária, Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 205).
III - Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.”
*
Feitas estas considerações e de forma global, dir-se-à que o tribunal fundamentou a sua convicção nas declarações dos arguidos JA___ e CS___, conjugadas com a prova pericial e documental constante dos autos, e a prova testemunhal produzida, a saber:
1) PERICIAL:
Perícia a Correio electrónico de fls. 202 a 203 e 205 e 206.
Perícia de fls. 318 a 322 e 323;
Perícia a Correio electrónico de fls. 1442 a 1445 e 1446.
2) DOCUMENTAL:
a- Informação de fls. 43 a 45;
b- Informação de fls. 46 a 48;
c- Auto de Busca e Apreensão de fls. 104 a 104;
d- CD de fls. 105;
e- Auto de Busca e Apreensão de fls.108 a 111;
f- Contrato de fls. 112 a 124;
g- Certidão de fls. 125 a 128;
h- Alteração de actividade de fls. 129 a 132;
i- Cd de fls. 133;
j- Auto de Busca e Apreensão de fls. 148 a 150;
k- Auto de Busca e Apreensão de fls. 153 a 155;
l- Cd de fls. 156;
m- Auto de Busca e Apreensão de fls.159 a 161;
n- Cd de fls. 162;
o- Auto de Busca e Apreensão de fls.243 a 250;
p- Documentação bancária de fls. 251 a 258;
q- CD de fls. 259;
r- Auto de abertura de fls. 294;
s- Auto de selecção de ficheiros de fls. 299 a 304;
t- Cd de fls. 305,
u- Informação de fls. 341 a 350;
v- Listagem de fls. 374 a 376;
w- Certidão de fls. 481 a 490;
x- Certidão de fls. 505 a 207;
y- Alteração de contrato de fls. m542 a 543;
z- Apresentação de fls. 546 a 554;
aa- Cd contracapa do Vol. II dos autos;
bb- Cheques de fls. 634;
cc- Carta de fls. 658 a 660;
dd- Elementos contabilísticos de fls. 661 a 665;
ee- Informação sobre a Urbanização Quinta da Serralheira de fls. 675 a 695;
ff- Relatório de fls. 782 a 902;
gg- Informação Bancária de fls. 1132 a 1139;
hh- Informação Bancária de fls. 1141 a 1183;
ii- Informação Bancária de fls. 1186 a 343;
jj- Informação de fls. 1344 a 1347;
kk- Auto de Busca e Apreensão de fls. 1374 a 1378;
ll- Cd de fls. 1379 a 1383;
mm- Auto de Busca e Apreensão de fls. 1387 a 1390;
nn- Auto de Busca e Apreensão de fls.1393;
oo- Auto de abertura de correspondência de fls. 1407;
pp- Correspondência de fls. 1409;
qq- Elementos contabilísticos de fls. 1572 a 1573;
rr- Elementos contabilísticos de fls. 1604 a 1624;
ss- Elementos bancários de fls. 1643 a 1943;
tt- Elementos Bancários de fls. 1970 a 2456;
uu- Elementos bancários de fls. 2626 a 2627;
vv- Carta datada de 14/07/2004 a fls. 143 do Apenso VII, Doc. 25/63;
ww- E-mail datado de 13/07/2004, a fls. 144 do Apenso VII, Doc. 25/63;
xx- Documento de fls. 130 do Apenso VII, Doc. 25/63;
yy- Formulário de informação da sociedade, fls. 3, 12, 17 do Apenso VII, Doc. 15/63 e fls. 35 a 39;
zz- Carta datada de 05-09-2008, a fls. 43 do apenso VII, Doc. 25/63;
aaa- Requisição de NUIPC, fls. 29 a 31 do Apenso VII, Doc. 15/63;
bbb- Pedido de alteração de sede de fls. 26 a 28 do Apenso VII, Doc. 15/63;
ccc- Contrato de fls. 48 a 52 do Apenso III – Doc. 2/5;
ddd- Contrato de fls. 55 a 58 do Apenso III – Doc.1/5;
eee- Elementos Bancários, Apenso I, Doc. 2/3, Anexo 23, fls. 1 a 5;
fff- Procuração emitida em 19/07/2005, constante de fls. 293 a 295 do Apenso III. Doc. 2/5;
ggg- Documento interno n.º 9064 no Apenso LXXIX, Doc. 8/29;
hhh- Documento interno n.º 1086 no Apenso LXXIX, Doc. 8/29;
iii- E-mail datado de 02/02/2005, a fls. 327 do Apenso VII, Doc. 26/63;
jjj- Formulário de informação da sociedade, Apenso VII, Doc. 14/63, a fls. 1, 7, 10,13, e 34 a 40;
kkk- Doc. 14/63,Cópia do TRUST a fls. 66 e 69 e demais documentos, Apenso VII;
lll- Pedido de número fiscal da sociedade, fls. 25 a 27 do Apenso VII, Doc. 14/63;
mmm- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 529 a 532;
nnn- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 521 a 528;
ooo- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 517 a 520;
ppp- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 509 a 526;
qqq- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 501 a 508;
rrr- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 493 a 500;
sss- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 489 a 492;
ttt- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 429 a 436;
uuu- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 420 a 425;
vvv- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 426 a 428;
www- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 367 a 370;
xxx- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 349 a 350;
yyy- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, a fls. 346 a 348;
zzz- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, de fls. 334 a 339;
aaaa- Contrato, Apenso VII, Doc. 26/63, de fls. 158 a 160;
bbbb- Carta da HMWM, Apenso VII, Doc. 26/63, de fls. 140 a 144;
cccc- Elementos bancários, Apenso I, Doc. 1/3, Anexo 10, fls. 1 a 3;
dddd- Facturas e Emails, Apenso VII, Doc. 26/63, fls. 49; 91; 107; 111; 116; 121; 126; 127; 133; 151; 152; 155; 156; 165; 169; 171; 174; 177; 179; 197; 213;
eeee- Emails do Apenso VII, Doc. 26/63 a fls. 156;
ffff- Apensos I a LXXXV (conforme termos de apensação de fls. 61, 389, 1123 a 1127 e 1600), sendo com especial relevância os Apensos n.ºs I, III, VII, IX, LXXIX.
- todos devidamente apreciados e valorados pelo tribunal quanto ao seu teor/conteúdo descritivo e objectivo, nos termos dados como assentes.
3) - TESTEMUNHAL:
1- Jorge ... com domicílio profissional na DSIFAE;
2- Rui ..., com domicílio profissional na DSIFAE;
3- Sandro ..., com domicílio profissional na DSIFAE;
4- Filipa ..., id. a fls. 2542 a 2545;
5- João …, id. a fls. 2559 a 2562;
6- Mark ..., id. a fls. 2591 a 2594;
7- Luís ..., id. a fls. 2595 a 2598;
8- Alfredo..., id. a fls. 2606 a 2609;
9- Cristina …, id. a fls. 2610 a 2613;
10- João …, id. a fls. 2536 a 2538;
11- Domingos …, id. a fls. 2588 a 2590;
12- Beatriz …, id. a fls. 623 a 630;
13- Álvaro …, id a fls. 458 a 461;
14- António …, id. a fls. 508 a 516;
15- Filipa …, id. fls. 590 a 595;
16- Maria …, id. a fls. 638 a 646;
17- Nuno …, id. a fls. 2547 a 2549;
18- Bento JMS___, id. a fls. 2599 a 2602;
*
Quanto à prova testemunhal, com mais relevo/interesse probatório:
Jorge ..., Técnico na Autoridade Tributária, disse, em suma, que:
- a investigação iniciou-se com a comunicação da suspeita das duas contas bancárias sediadas no BPI (Ramea e Barden LLC); verificaram que aquelas duas empresas não tinham cumprido quaisquer obrigações fiscais, os valores nunca foram declarados nem pelas empresas nem pelos procuradores; a Ramea não teve qualquer actividade em Portugal; não estava registada a actividade em Portugal; “para mim é o nome de uma conta bancária”, o dinheiro que entrou na conta bancária era proveniente da actividade da Porta Grande; a Porta Grande e a Ramea são as mesmas pessoas; as facturas foram emitidas pela Porta Grande para a Ramea e a Porta Grande registou como custos; a Barden LLC também não estava registada actividade em Portugal; não tinha meios para exercer actividade a empresa que efectuava a actividade era a Barden Imobiliária; embora fossem empresas estrangeiras para exercerem actividade em Portugal tinham que ter contabilidade organizada e cumprir as obrigações fiscais.
Rui ..., Inspector Tributário, referiu, em síntese:
- Foi o responsável pela realização do relatório final na fase da investigação; a investigação iniciou-se com a comunicação de operações bancárias suspeitas; contas tituladas no BPI por duas empresas não residentes, Ramea e Barden LLC; o dinheiro era movimentado por pessoas singulares; fizeram a consulta das declarações de rendimentos das pessoas visadas e os montantes não estavam reflectidos; as empresas estavam assim a ocultar actividade desenvolvida em Portugal; eram empresas residentes nos EUA, não eram lá tributadas; situação de dupla não tributação; estavam registadas em território nacional e declararam ambas que não iam exercer actividade em Portugal; o objecto social era a detenção de participações sociais; no caso de exercerem actividade era necessário fazerem o registo do início da actividade e efectuarem as respectivas declarações; descobriram facturação de serviços supostamente prestados por estas empresas; chegaram à conclusão que estas empresas existiam para substituírem a empresas residentes na facturação de serviços prestados e serviam para contabilização de facturas prestadas a título de custos; houve facturas em que houve retenção na fonte dos 15% de IRC e tiveram sempre isso em consideração aquando do apuramento da vantagem patrimonial; parte da actividade destas empresas estrangeiras destinava-se a encobrir a actividade das empresas nacionais; havia uma propositada confusão da actividade das empresas estrangeiras com as portuguesas que consistia numa mera separação formal de uma actividade que era toda desenvolvida pelas portuguesas; mesmo que fosse actividade das pessoas singulares não bastava o pagamento dos 15% de retenção na fonte, sempre teria que ser tributado em sede de IRS; ambas as empresas estrangeiras foram intervenientes em contratos celebrados em Portugal, exerceram actividade em território nacional; no que se refere às Barden (LLC e Imobiliária) verificaram que supostamente havia uma subtracção formal das competências/ da actividade/de actos à empresa portuguesa para a empresa estrangeira, a consultadoria e a actividade imobiliária eram actividades da empresa portuguesa; a Ramea estava como emitente de facturas com os objectivos de empolar os custos da Porta Grande e ocultar os rendimentos da Porta Grande.
Sandro ..., Inspector Tributário, disse, em síntese:
- Participou na segunda fase das buscas e na elaboração do relatório final; era o arguido Carlos quem representava as duas Barden (a estrangeira e a portuguesa); confrontado com o Apenso VII, fls. 489, 493 e seguintes, 529 e seguintes, contratos em que teve intervenção a Barden LLC, conclui que a Barden LLC não tinha pessoas para fazer o que contratava (cláusula 2ª de fls. 530) e que só quando as vendas se concretizavam é que a Barden LLC era paga; verificaram que houve uma situação em que a empresa “Areias de Porche” não aceitou as facturas emitidas pela Barden LLC e que teve que ser a Barden Lda. a facturar (confrontado com fls. 156 do Apenso VII, confirmou ser esta a situação que estava a mencionar); num dos primeiros contratos em que foram intervenientes a Ramea e a Barden LLC constava que aquelas empresas se comprometiam a criar empresas portuguesas para a execução (confrontado com o Apenso III, Documento 2/5, a fls. 48/52, confirmou ser este o contrato a que se refere).
Filipa…, em suma, referiu que:
- Trabalhou como comercial para a Porta Grande de Agosto/Setembro de 2006 a Novembro de 2007; a Porta Grande fazia vendas no Algarve, era quem pagava aos mediadores, quase todos ingleses; faziam a ligação entre os promotores e os mediadores estrangeiros; recebiam uma comissão da Porta Grande; eram pagos a recibos verdes; o Sr. Santinha tinha um empreendimento, Barracuda, era cliente da Porta Grande; os pagamentos eram efectuados por cheque; agora já sabe (foi ouvida no inquérito e confrotada com os documentos) que a maioria dos pagamentos foram feitos pela Ramea, alguns cheques iniciais eram da Porta Grande mas depois todos os outros eram da Ramea.
João… disse, outrossim, que:
Trabalhou como comercial para a Porta Grande de Agosto/Setembro de 2006 a Novembro de 2007; a Porta Grande era a equipa comercial de promotores, eram a equipa de vendas no terreno; numa fase inicial iam à procura de clientes, numa fase posterior, no Algarve, faziam parcerias com empresas internacionais para eles virem fazer as vendas; era quem pagava aos mediadores, quase todos ingleses; faziam a ligação entre os promotores e os mediadores estrangeiros; recebiam uma comissão da Porta Grande; eram pagos a recibos verdes; o Sr. Santinha tinha um empreendimento, o Barracuda, era cliente da Porta Grande; os pagamentos eram efectuados por cheque; agora já sabe (foi ouvido no inquérito e confrotado com o cheque) que houve pagamentos feitos pela Ramea, antes disso sempre pensou que fosse a Porta Grande a pagar-lhe.
Cristina… referiu, em síntese, que:
- Trabalhou como comercial para a Porta Grande de Janeiro de 2006 até 2010; no início eram os dois irmãos (o José e o CA________) que estavam a fazer as vendas no Algarve, em Albufeira; passado cerca de um ano os irmãos separaram-se/zangaram-se e a testemunha ficou a trabalhar para o arguido JA______ ; serviam apenas como intermediários entre os promotores e as imobiliárias, essencialmente estrangeiras; recebia as suas comissões por cheque, assinados pelo JA______ .
João ... referiu, em síntese, que:
- Trabalhou como consultor imobiliário para a Porta Grande de Janeiro de 2006 até 2007 no escritório sede, em Cascais; era pago com recibos verdes, uma percentagem das vendas que fazia, de casas, não eram empreendimentos; sabe que a empresa tinha vendas de empreendimentos no Algarve.
Luís … disse, em suma:
- Trabalhou como comercial para a Porta Grande e para a Barden Assets, na venda de apartamentos no Algarve; basicamente as funções consistiam em estarem nos empreendimentos à espera que viessem os parceiros estrangeiros que traziam os clientes; não se recorda com quem foi a entrevista mas inicialmente os dois irmãos trabalhavam juntos; passado cerca de um ano os irmãos separaram-se/zangaram-se e a testemunha ficou a trabalhar para o arguido CA________ durante uns meses; depois este acusou-a de andar a fazer espionagem para o irmão JA______ e foi trabalhar com este último; nunca ouviu falar da Ramea.
Mark … referiu, em suma, que:
- Trabalhou na Porta Grande nos anos de 2006 a 2008; a empresa fazia vendas e fazia contratos de mediação com várias empresas, contratos com os construtores e as vendas com outros agentes de venda; assim ocorreu em vários empreendimentos, Barracuda, Corcova, Ocean Village, Baia Grande, a maior concentração era em Albufeira, mas também em Olhão e Lagos; os stands de vendas estavam nos próprios empreendimentos, em contentores ou nos apartamentos modelo; nos contratos algumas vezes a Porta Grande aparecia como imobiliária mediadora e depois havia um contrato à parte entre a Porta Grande e as outras mediadoras; os irmãos Antero inicialmente estavam juntos, depois cada um abriu a sua empresa, o Carlos também trabalhava nesta área, em empreendimentos em termos semelhantes ao irmão José; o empreendimento Barracuda quem construiu foi o Sr. Santinha, quem comercializou foi a Porta Grande com a colaboração de empresas estrangeiras, os vendedores da Porta Grande acompanhavam sempre os compradores que vinham com as mediadoras, os contratos entre a Porta Grande e os construtores eram precisamente para esse serviço; a Porta Grande facturava aos construtores e depois pagava aos outros mediadores e aos colaboradores da Porta Grande; numa reunião ouviu falar da Ramea, era uma empresa que o José tinha, não sabe se teve alguma coisa a ver com a venda do Barracuda; havia duas Barden, uma era estrangeira, eram as duas do Carlos.
Alfredo... disse, em síntese, que:
- Trabalhou para a Porta Grande nos anos de 2005/2006, inicialmente os irmãos estavam juntos, depois separaram-se, ficou sempre com o José; fazia vendas no Corcova, acompanhava os agentes das empresas estrangeiras e acompanhava clientes directos, faziam vendas, se fosse cliente directo recebiam maior percentagem; no Barracuda não comercializaram directamente, só faziam acompanhamento aos mediadores, recebiam um prémio, eram pagos e acordo com as deslocações, quem lhe pagou foi sempre a Porta Grande, nunca ouviu falar da Ramea; recebia por cheque ou por transferência; só foi confrontado já na investigação com cheque da Ramea, emitiam sempre recibos verdes à Porta Grande; o Sr. Santinha era o dono do Barracuda, não tinham contrato para venda do Barracuda, com a Macanthony tudo tinha que estar documentado, era assim que eles funcionavam; o José servia de intermediário entre o Barracuda e a Macanthony.
Domingos …, em síntese, declarou que:
- Trabalhou para a Barden Assets Imobiliária, como vendedor imobiliário; basicamente trabalhavam com parceiros estrangeiros, ingleses, só iam mostrar não vendiam directamente; recebiam as comissões das vendas feitas pelos parceiros, era à percentagem, passavam recibos verdes; trabalhou no Ocean Village e num outro em Albufeira; saiu da Barden em 2007, 2008, trabalhou lá cerca e um ano e tal, trabalhava nos stands de venda.
Beatriz ..., em suma, disse que:
- Foi secretária do CA________, começou a trabalhar na Barden em 2005/2006, a ECA___, a então esposa deles, também lá trabalhava, quem geria era o Carlos; a empresa era de mediação imobiliária, tinham clientes estrangeiros, pessoas individuais e empresas estrangeiras; inicialmente tinham quatro vendedores, depois entraram ainda mais dois ou três; faziam todos mediação, complexos inteiros no Algarve; a Barden Assets LLC era um nome que ouvia antes de serem a Barden Assets Imobiliária, Lda.; levantava cheques por ordem dos patrões para fazerem pagamentos na Barden Assets Imobiliária, Lda. e às vezes levava 300/400 euros para a Imobiliária para servir como dinheiro de caixa; quem assinava os cheques não sabe, quem lhos dava era a ECA___; confrontada com o I Volume do Apenso 1, Anexo 10, fls. 132, 134/135, confirma que se tratava de levantamentos e depósitos subsequentes nas contas dos vendedores/empregados da Barden Imobiliária, Lda., com fls. 153 confirmou, também, o depósito na conta da Barden LLC de 40.000,00; a contabilidade da Barden Lda., era feita fora; os contactos com os clientes internacionais quem os fazia eram o Carlos e o filho deste; a partir de 2009 deixaram de lhe pagar, teve que sair da empresa, teve que ir para tribunal, nunca recebeu o que lhe ficaram a dever;
Álvaro …, T.O.C., referiu, em suma, que:
- Era o T.O.C. da Porta Grande, recebeu sempre ordens do arguido José; a documentação era entregue uma vez por mês; a actividade da empresa era a mediação imobiliária; a Porta Grande facturava às construtoras; relativamente às facturas da Ramea não tinha ideia que aquela empresa tivesse alguma coisa a ver com a Porta Grande, eram serviços de intermediação imobiliária e de divulgação dos empreendimentos; confrontado com o Apenso V, fls. 11 e 14 e seguintes e 112 e com o Apenso 79, em jeito de explicação referiu que lhe foi dito que havia clientes que não queriam passar facturas e que mais tarde a situação seria regularizada, que não era dinheiro da Porta Grande era para pagar a outros intermediários, para pagar comissões;
António ... disse, em suma, que:
- Conheceu os dois irmãos na altura das vendas do parque da Corcova, de que era proprietário, em 2006/2007, as vendas foram feitas em simultâneo com a construção, apareceram os dois irmãos que na altura, aparentemente, trabalhavam juntos; como eles tinham contactos com mediadores internacionais. a consultoria consistia na procura de parceiros, mediadores imobiliários, para fazerem a venda; a Barden Assets, LLC era do Carlos, a Porta Grande era do José; com a Porta Grande o valor a pagar estava expresso nos contratos, com a Barden o pagamento era feito em função do valor global das vendas; a consultoria consistia na gestão dos preços, no modo de apresentação ao mercado, no estabelecimento dos preços e condições de pagamento; fosse a Barden portuguesa ou estrangeira teria aceite o negócio, para o Corcova não havia risco; no stand de vendas não havia funcionários do Corcova, estavam lá os vendedores das imobiliárias estrangeiras e os da Porta Grande; noutro empreendimento em Olhão, Village Marina a Porta Grande continuou a trabalhar no stand de vendas e os clientes eram enviados pelas imobiliárias estrangeiras, nesse empreendimento já não precisou da Barden, já tinham aprendido, as imobiliárias estrangeiras já tinham conhecimento do empreendimento.
Filipe V... disse, em suma:
- Trabalhou na Porta Grande em dois períodos temporais, da primeira vez, em 2004, quem estava à frente da empresa era a Rita, a filha do José, na segunda vez já era o José quem estava à frente da empresa e não esteve lá sequer um ano; era vendedora, passava recibos verdes; houve uma altura em que lhe pediram para depositarem dinheiro da empresa na conta bancária dela e ela depois passou cheques de destino do dinheiro para as contas que o José indicou.
Maria ... referiu, em síntese:
- Era secretária do JA______ , foi ele quem a contratou para ir para a Porta Grande; no inicio os irmãos davam-se bem, um colega dela, o Miguel, uma vez foi para Londres por causa de um projecto que os irmãos tinham em conjunto, depois zangaram-se, o Carlos até pôs uma acção contra o José; ela organizava os dossiers para irem para o contabilista (AM___); lembra-se da Ramea era uma empresa do José; a Barden LLC era do Carlos; o JG___era o advogado da Ramea; este seis/sete anos na Porta Grande, foi despedida; quem mandava na empresa era o José, quem assinava os cheques para pagamentos era a Rita, a filha do José, a Rita deixava os cheques assinados e depois ela (testemunha) ou o José preenchiam-nos; ia levantar cheques da conta e dava o dinheiro ao José, lembra-se de ir ao BPI, não se recorda se a conta era da Porta Grande ou da Ramea, chegou a lá ir depositar cheques; a parte comercial da empresa era no Algarve, os negócios eram arranjados pelo José; não se lembra de ter passado alguma factura à Barden LLC.
Bento JMS___ disse, em síntese:
- Formalizou um contrato com a Barden LLC (confrontado com fls. 420 e seguintes do Apenso VII, documento 26/63, confirmou que foi esse o contrato) que se destinava a angariação de clientes com vista à venda da cessão de quotas da Sociedade Moutinho Monchique, que ele (testemunha) representava; do património da sociedade fazia parte, também, um lote isolado; o contrato foi feito apenas com o CA________, foi ele quem trouxe o comprador.
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Explicando e concatenando a prova:
A matéria fáctica dada como provada nos pontos 1º a 8º, 11º a 17º, 19º, 20º a 37º, 41º e 42º, 44º e 45º, 47º a 49, 56º a 60º, 62º, 64º a 68º, 70º a 73º, 74º a 79, 80º a 83º não suscitou controvérsia - a prova documental e pessoal (assunção por parte dos arguidos e resultante dos depoimentos prestados) - convergiu exactamente no mesmo sentido.
Relativamente à prova documental e por pontos:
1º e 2º - Apenso 7;
3º e 4º - Pasta 1 do Apenso 1;
5º - fls. 86 e seguintes e Pasta 1 do Apenso 1;
6º e 7º - Pastas 2 e 3 do Apenso 1 (Anexo 23) e Apenso 73;
8º - Pasta 3 do Apenso 1 (Anexo 23), fls. 41 a 47 e Apenso 7;
11º e 12º - Fls. 130, 163, Apenso 4;
13º - fls. 15/63 do Apenso 7;
14º - Apenso 7;
15º,16º e 17º - fls. 29/31 e Apenso 7, documento 15/63;
19º - fls. 48/52, documento 2/5 do Apenso 3, fls. 55/58, documento 1/5 do Apenso 3;
24º a 31 º - documentação bancária;
32º e 33º - documento 1/5 do Apenso 3, Apenso 5;
34º a 37º - Apenso 79, documento 1/5 do Apenso 5;
38º - Documentos 10/63 e 25/63 do Apenso 7;
41º e 42º - documentação bancária de fls. 2243/2410 e documentação bancária da Ramea;
44º e 45º - documentação bancária e fls. 1765/1963, 1970/2452.
47º a 49º - fls. 9064/9086, Apenso 39, doc. 8/29 e a documentação contabilística exibida à testemunha AM___;
56º a 59º - documento 4/63 e 26/63 do Apenso 7, fls. 327;
60º - fls. 25/27 e documento 14/63 do Apenso 7;
62º - Apenso 7, documento 26/63, fls. 445 e seguintes, 473 e seguintes, 429 e seguintes, Pasta 1 do Apenso 1, fls. 521, 509, 501, 443, 489, 493, 429, 420, 426, 367, 346, 334, 158/160 e 140/301 e seguintes da Pasta 1 do Apenso 1 (documento 26/63, fls. 351, 337 e 437 da Pasta 1 do Apenso 1);
64º a 66º - Documentação bancária relativa à Barden LLC, Apenso I, Doc.1/3, Anexo 10, fls. 1 a 3.
70º e 71º - Documentação bancária;
72º – fls. 304/345, Pasta I do Apenso I, fls. 1604/1624;
74º - fls. 349/400 Pasta I do Apenso I, fls. 1604/1624, facturação da Corcova;
75º - fls. 305/309;
76º - fls. 320/327 Pasta I do Apenso I;
77º - Doc. 26/63, troca de e-mails;
79º - Fls. 304/335, 348/350 Pasta I do Apenso I;
80º a 82º - registos comerciais.
Arguidos Ramea, LLC e JA______
O arguido JA___, ao longo da prestação de declarações em julgamento, admitiu a quase totalidade dos factos, pese embora tenha invocado que actuou a pedido do JCS___ e confiou no que lhe havia sido dito por JG___e que, por isso, não tinha inteira consciência da ilicitude da sua conduta.
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O que se apurou:
Pese embora da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Cascais conste que a gerência da sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., era exercida por RA___, desde 11/05/2004, das declarações do arguido JA______ e dos depoimentos atrás sintetizados (colaboradores da Porta Grande) resulta, sem margem para dúvidas, que foi sempre o JA______ o gerente de facto da sociedade (cf., também, procuração emitida em 19/07/2005, constante de fls. 293 a 295 do Apenso III. Doc. 2/5).
Isto é, não há dúvidas, e o próprio arguido JA______ confirmou, que a sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., e a Ramea Properties LLC, foram, de facto, administradas por ele.
Quanto às entradas de fundos provenientes de cheques sacados sobre uma conta no BES de que é titular JCS___, apuraram-se nos anos de 2006 e 2007, depósitos, respectivamente, nos montantes de 242.000,00€ e de 994.670,00€.
Tais depósitos, como também acabou por confirmar o arguido JA______ , aquando da prestação de declarações em julgamento, correspondiam a prestações de serviços realizados pela sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., relacionadas com a comercialização do empreendimento turístico com a designação de Quinta da Barracuda, sito no concelho de Albufeira, de que foi proprietária a sociedade Weaver II - Construções Lda., e de que JCS___ foi sócio gerente.
Da análise realizada à conta bancária sobre a qual foram sacados os cheques depositados na conta da Ramea Properties LLC resulta que JCS___depositava nessa conta sobre a forma de numerário, fundos que, conforme documentação de fls. 2336 e 2437 a 2452, tiveram origem numa conta bancária de que era titular a sociedade Weaver II - Construções Lda.
Com este procedimento, (depósito dos cheques sacados sobre a conta da sociedade Weaver II - Construções Lda., sob a forma de numerário, na conta bancária de que JCS___é titular), foram dissimuladas as reais operações que estiveram subjacentes à sua emissão, no caso, o pagamento à sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., pela comercialização do empreendimento denominado Quinta da Barracuda, situado em Albufeira.
Isso mesmo foi também confirmado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas e que eram à data colaboradores da Porta Grande, Lda.
Da documentação bancária resulta, ainda, que o JCS___ emitiu cheques à ordem do JA___ no ano de 2006, com os montantes respectivamente de 70.000,00€ e 130.000,00€, que foram depositados numa conta bancária de que era titular a sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda.
Esses cheques foram registados na contabilidade da sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., nos seguintes termos:
- Cheque n.º 461025, no montante de 130.000,00€ sacado sobre o BES, conta n.º 16766600157 (de JCS___), à ordem de JA___ e depositado na conta da sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., mas que está registado na contabilidade da Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., a crédito de caixa, documento interno n.º 9064 no Apenso LXXIX, Doc. 8/29;
- Cheque n.º 461211, no montante de 70.000,00€ sacado sobre o BES conta n.º 16766600157 (de JCS___), à ordem de JA___ e depositado como numerário na conta da Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., (documento interno n.º 1086 no Apenso LXXIX, Doc. 8/29).
Ou seja, não obstante estes fundos terem proveniência na conta bancária de que é/foi titular a sociedade Weaver II - Construções Lda., a forma como foi efectuada a contabilização na sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., (como registo nas contas de Depósitos à Ordem e de Caixa), também dissimula as reais operações que estiveram subjacentes à sua emissão, que no caso, foi o recebimento pela sociedade Porta Grande, Mediação Imobiliária, Lda., pelos serviços prestados na comercialização do empreendimento denominado Quinta da Barracuda, situado em Albufeira.
Ou seja, as entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade Ramea Properties LLC., tiveram a sua origem no desvio de fundos, resultantes de actividades exercidas pela sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda.
Aliás, o destino em geral dado a essas entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade Ramea Properties LLC. foram o arguido JA___ Alves Antero e a sociedade Macanthony Reality Inter Ireland Ltd, como o próprio arguido JA______ confirmou, embora invocando que todo este procedimento foi por ele adoptado a pedido do JCS___.
Este desvio de fundos da sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., para a conta bancária da sociedade Ramea Properties LLC, originou que nos exercícios de 2006 e 2007, no apuramento do seu lucro tributável, fossem indevidamente considerados custos, com pretensas aquisições de serviços pela Sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda. à sociedade Ramea Properties LLC. Enquanto a ocultação quer dos serviços que prestou à sociedade Weaver II - Construções Lda., quer dos serviços que adquiriu à sociedade Macanthony Reality Inter Ireland Ud., influenciaram também negativamente o apuramento do lucro tributável.
A ocultação de serviços prestados pela sociedade Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., à sociedade Weaver II - Construções Lda., originou, para além das vantagens em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, também faltas de liquidação em sede de IVA, tudo nos termos dados como assentes e com os montantes que resultam dos correspondentes cálculos aritméticos. Arguidos Barden (LLC, Lda.)e CA________
O arguido CS___, nas declarações prestadas em julgamento, admitindo, do ponto de vista objectivo, parte da factualidade descrita na acusação, alegou, em síntese, que actuou em conformidade com a lei, que não há qualquer fraude, que as duas empresas tinham actividades diferentes (a Barden LLC era uma empresa de consultoria e a Barden Lda. era de mediação imobiliária) e que os negócios foram de facto executados pela Barden LLC.
*
O que se apurou:
Apesar de a sociedade Barden Assets LLC ter feito constar, quando se registou no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que não exerceria actividade em Portugal, constatou-se que foi outorgante nos contratos constantes do apenso VII, Doc. 26/63.
Em 10/05/2005 foi aberta conta bancária em nome de Barden Assets LLC no BPI.
Da análise à conta bancária do BPI em nome da Barden Assets LLC, conclui-se que do total de entradas e saídas de fundos apuradas em valores superiores a 1.000€ (mil euros), as entradas em 2006 totalizaram 557.321,01€ e saídas no montante de 444.760,12€ e relativamente ao ano de 2007 as entradas totalizaram 445.553,60€ e saídas de 367.719,96€.
Relativamente às entradas superiores a 1.000€ (mil euros) na conta do BPI da Barden Assets LLC, no ano de 2006, e no montante de 557.321,59€, as mesmas tiveram origem:
- 89,67%, que corresponde a 499.772,67€, são de cheques sacados sobre uma conta da sociedade da Corcova S.A., e em que se apurou que ECA___, levantou e depositou em numerário na conta da Barden Assets, com excepção de dois valores:
- Factura n.º 198 da Bardens Assets, datada de 05/12/2006, no montante de €19.020,00 que depois da retenção foi pago pela Corcova SA, no montante de €16.167,00 por cheque da Corcova S.A - cheque de caixa 20690002 do BES e não deu entrada na conta do BPI analisada;
- Factura n.º 167 da Bardens Assets, datada de 26/05/2006, no montante de €153.359,00, que depois da retenção foi pago pela Corcova SA no montante de €130.355,00 com cheque de caixa 00055493 BES, e que deu entrada no montante de € 129.000,00.
Nos exercícios de 2006 e 2007 tiveram como proveniência a sociedade Corcova S.A., a sociedade Vila Baía - Empreendimentos Imobiliários SA., Bento JMS___ e LMS___, no montante global de, respectivamente, 632.216,81,00€ e de 477.974,66€.
As facturas emitidas para a sociedade Corcova S.A., apresentam como descrição: "Estudo de mercado integrado de gestão comercial e de prestação de serviços em relação ao projecto imobiliário em desenvolvimento conhecido como Parque da Corcovada".
Quanto às duas facturas emitidas para a sociedade Vila Baía - Empreendimentos Imobiliários SA., estas também apresentam o descritivo: "Estudo de mercado integrado de gestão comercial e de prestação de serviços em relação ao projecto imobiliário em desenvolvimento conhecido como Condomínio fechado de Vila Baia - 1a fase".
De acordo com a documentação constante do apenso VII, Doc. 26/63, a emissão destas facturas, em nome da sociedade Barden Assets LLC, foi solicitada, via e-mail, ao arguido JG___, conforme resulta de fls. 49; 91; 107; 111; 116; 121; 126; 127; 133; 151; 152; 155; 156; 165; 169; 171; 174; 177; 179; 197; 213.
Ora, desde logo, como resulta das próprias declarações do arguido CA________, a sociedade Barden Assets LLC, não dispunha de quaisquer meios materiais e humanos.
Mais, da análise à conta bancária do Banco BPI não resulta terem sido efectuados quaisquer pagamentos a terceiros relativos a esses serviços.
Por outro lado, como salientou o inspector tributário, Sandro ..., no seu depoimento, num dos primeiros contratos em que foram intervenientes a Ramea e a Barden LLC constava que aquelas empresas se comprometiam a criar empresas portuguesas para a execução, conforme resulta do Apenso III, Documento 2/5, a fls. 48/52.
A sociedade Barden Assets - Medíação Imobiliária, Lda., registou o início da sua actividade em 17/04/2006. O seu objecto social reporta-se à prestação de serviços de mediação imobiliária e à administração de imóveis por conta de outrem; 'E, um capital de 5.000,00€ dividido em duas quotas de 4.000,00€ e 1.000,00€, pertença de respectivamente ECA___, e de MMA___. As sócias da sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., em relação ao arguido CS___, são respectivamente esposa e filha, e ambas foram designadas gerentes, a (ex)esposa desde 30-10-2006 e a filha desde 17-04-2006 a 01-07-2007, data em que foi registada a sua renúncia.
Entre as sociedades Barden Assets LLC e Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., existiam relações especiais, que permitiram, por um lado, a emissão da facturação em nome da sociedade Barden Assets LLC, e por outro, dissimular a real entidade que prestou os serviços, e que dispunha dos meios materiais e humanos necessários à sua realização, a sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária Lda.
Aliás, tal procedimento ficou perfeitamente plasmado na situação em que os serviços facturados pela sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária Lda., conforme consta da sua contabilidade e respectiva documentação de suporte, para a sociedade Areias de Porches Lda., foram anteriormente objecto de pedido, pelo arguido CS___, de emissão de factura em nome da sociedade Barden Assets LLC, a JG___, conforme mails que constam do Apenso VII, Doe. 26/63, a fls. 156.
Para além desta ocultação, apurou-se ainda e relativamente a algumas das entradas de fundos na conta bancária do BPI de que é titular a sociedade Barden Assets LLC, que o arguido CS___o Antero, também teve o propósito de ocultar a sua proveniência, visto que, cheques de pagamento de serviços prestados pela sociedade Corcova SA., foram levantados previamente pela sua esposa ECA___ e só depois depositados como numerário nessa conta.
Este procedimento teve como consequência a comunicação de operações financeiras suspeitas, por parte do Banco BPI, conforme fls. 2626 e 2627, e foi esta mesma comunicação que esteve na origem da acção de inspecção, cuja informação final deu lugar à instauração dos presentes autos.
Aliás, o destino, em geral, dado a essas entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade Barden Assets LLC, foram os levantamentos efectuados pelo arguido CS___ Alves Antero, pela sua, então, esposa, ECA___, e por Beatriz ... (colaboradora da sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária Lda.).
A este propósito, é de realçar o depoimento de Beatriz ..., atrás sumariado, do qual resulta, sem margem para dúvidas, que, “aos olhos” daquela testemunha, tal conta era movimentada, para todos os fins, pelo arguido CA________ (e a seu pedido) como se se tratasse de uma conta da Barden, Lda., para além de que, “a Barden LLC era um nome que se ouvia antes de serem a Barden Lda.,” como referiu.
Por fim, de anotar que a versão apresentada pelo arguido CA________, no sentido de que a Barden LLC (ele) efectuou e foi paga por meros estudos de mercado/consultoria padece, no caso, face aos montantes envolvidos, de qualquer sustentabilidade/razoabilidade económica.
Partindo, assim, destas conhecidas e provadas circunstâncias conhecidas, mediante um raciocínio lógico, obtém-se a conclusão, firme, segura e sólida de que as entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade Barden Assets LLC., não foram oriundas (como o arguido invocou em julgamento) do exercício de uma actividade da própria Barden LLC, mas sim, de ocultações de serviços, resultantes da actividade exercida pela sociedade Barden Assets ¬Mediação Imobiliária, Lda.
E assim sendo, outra conclusão não se pode retirar senão a de que, pelo menos na sua esmagadora maioria, os valores facturados pela sociedade Barden Assets LLC, traduziram-se em valores pagos (deduzidos dos valores das retenções na fonte de IRC) pelas entidades para quem foram emitidas, no caso, como se deu por assente, a sociedade Corcova S.A. e a sociedade Vila Baía - Empreendimentos Imobiliários SA., pela comercialização efectuada pelo arguido CS___ e/ou por prestadores de serviços para a sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária Lda.
E, assim, a emissão daquelas facturas em nome da sociedade Barden Assets LLC tiveram como consequência que nos exercícios de 2006 e 2007, no apuramento do lucro tributável, relativamente à sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., fossem indevidamente ocultados proveitos.
Tendo esta ocultação de serviços prestados pela sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., originado, para além das vantagens em sede sobre o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, também faltas de liquidação em sede de IVA.
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Uma nota, ainda, para explicar as alterações aos pontos 28º e 69º - os valores dos quadros dos art. 28º e 69º constantes da acusação foram somados, isto é, conforme resulta de fls. 57, 59 e 70 do Anexo 23 do Apenso I e fls. 87 do Anexo 10, há dois carimbos sobrepostos no cheque no valor de €40.000,00 ou seja, o cheque foi depositado duas vezes, em dois dias diferentes, e em 8/5/2006 verifica-se um lançamento de €35.000,00 em numerário depositado na Ramea, sendo que o único lançamento na conta bancária da Barden é o da saída de €40.000,00 e na Ramea entraram €35.000,00, ou seja, o cheque não está lançado como depositado na conta bancária da Ramea.
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Os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelos arguidos JA______ e CA________, a saber, Francisco ..., RA___, CA________ dos Santos Martinho e JG___, não puseram, de algum modo, em causa a prova e a convicção acabada de consignar.
Com efeito:
- a testemunha Francisco … limitou-se a tecer considerações genéricas/teóricas a respeito das diferenças, em tese, entre as actividades de consultoria e a de mediação imobiliária;
- as testemunhas RA___ e CM___(ambos familiares dos arguidos) nada de relevante declararam e confirmaram, até, a intervenção da Porta Grande na venda do empreendimento Barracuda, “sem contrato”, a pedido do JCS___, amigo do JA______ de longa data;
- a testemunha JG___, para além da inerente intrínseca fragilidade das suas declarações, já que é co-arguido num processo conexo e pendente, prestou um depoimento altivo, arrogante e, até, por vezes, em tom jocoso, não nos merecendo, por isso, qualquer credibilidade.
*
Finalmente, no que concerne aos elementos subjectivos, atentas as circunstâncias objectivas apuradas e relatadas, tratando-se de dois empresários experientes, não nos restaram quaisquer dúvidas quanto ao conhecimento, intenção e propósitos com que os arguidos actuaram e, outrossim, quanto ao conhecimento do desvalor e desconformidade axiológica e normativa das suas condutas.
A respeito das condições pessoais dos arguidos teve-se em consideração as suas declarações, o teor dos relatórios sociais e os C.R.C..
* Relativamente aos factos dados como não provados:
No que diz respeito aos valores pagos por Bento JMS___ e LMS___ e facturados pela sociedade arguida Barden Assets LLC a prova produzida não foi suficiente para que se concluísse, que se tratavam, também, de valores pagos (deduzidos dos valores das retenções na fonte de IRC) pela comercialização pelo arguido CS___ e/ou por prestadores de serviços para a sociedade Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda.
Na verdade, tendo em conta o concreto negócio em causa (contrato de fls. 420 e seguintes do Apenso VII, documento 26/63), e o depoimento da testemunha Bento JMS___ (acima sumariado) na ausência de outra prova, subsistem dúvidas de que se tratou (também) de uma prestação de serviços por parte da Barden Assetts – Mediação Imobiliária, Lda.
E tal impossibilidade ou insuficiência probatória releva, “in casu”, atento o objecto processual delineado pela acusação, pois, como resulta da dinâmica processual, muito embora, numa primeira fase, a investigação tenha alvitrado a abrangência da actividade fraudulenta também na óptica da actividade do/s arguido/s a “título individual” (com as, eventuais, repercussões em sede de IRS) optou, posteriormente, por se cingir às empresas.
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
3.1. Enquadramento jurídico-penal
Uma vez fixada a matéria de facto cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
O Ministério Público deduziu acusação imputando a prática aos arguidos, em co-autoria material e em concurso real, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art. 103º, n.º 1 e 104º, n.º 1, al. a) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6 e de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368º-A, n.º 1 e 2 do C.P.
Aquando da comunicação da alteração (não substancial) de factos e de alteração da qualificação jurídica imputou-se a prática:
- A cada um dos arguidos Ramea LLC e JA______ de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103º, n.º 1 e 104º, n.º 1, al. a), f) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6 e de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 386º- A do C.P.
- A cada um dos arguidos Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., Barden Assets, LLC e CA_______ de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103º, n.º 1 e art. 104º, n.º 1, al. f) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6 e de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 386º- A do C.P.
Vejamos.
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Do crime de fraude fiscal
Dispõe o Artigo 103.º do R.G.I.T.
1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Por seu turno, determina o
Artigo 104.º
Fraude qualificada
1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.
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Resulta do artº 103 do RGIT, que a fraude fiscal se consuma quando o agente, com a intenção de lesar patrimonialmente o Estado, atenta contra a verdade e transparência exigidas na relação Fisco-contribuinte, através de qualquer das modalidades de falsificação e omissão acima referidas ainda que nenhum dano/enriquecimento indevido venha a ter lugar.
A conduta do agente tem de ser susceptível de causar diminuição das receitas tributárias. Pode não as vir a causar.
Como refere Paulo Dá Mesquita «O crime de fraude fiscal caracteriza-se essencialmente por ser um crime de aptidão ou perigo abstracto-concreto, pois o tipo não se limita a descrever uma conduta genericamente perigosa nem exige a comprovação concreta de uma situação de perigo, mas exige a comprovação de uma aptidão concreta da acção para diminuir as receitas tributárias. A conduta tem de ser susceptível de causar diminuição das receitas tributárias».
Trata-se, conclui Dá Mesquita, de um crime de resultado cortado pois se no plano objectivo basta o preenchimento de uma das condutas prevista no tipo e a susceptibilidade de causar diminuição das receitas tributárias, no plano subjectivo exige-se uma intenção de diminuir as receitas fiscais do Estado. Daí a referência, no tipo, a condutas que “visem” vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias (“A tutela penal das deduções e reembolsos indevidos do imposto. Contributo para uma leitura da protecção dos interesses financeiros do Estado pelos tipos de fraude fiscal e burla tributária “Rev. do Ministério Público”, pág. 59).
Ou seja, neste tipo de crimes o elemento subjectivo do tipo é mais exigente do que o elemento objectivo uma vez que exige a intenção de obter um resultado que na prática pode não se verificar.
Com efeito, como referem Figueiredo Dias e Costa Andrade «a lei penal fiscal não inscreve o dano patrimonial entre os pressupostos objectivos da factualidade típica (...) no que ao chamado tipo objectivo concerne, necessário, e suficiente, ao preenchimento da factualidade típica da fraude fiscal é apenas o atentado à verdade ou transparência corporizado nas diferentes modalidades de falsificação (“O crime de fraude fiscal no novo direito penal tributário português” Revista de Ciência Criminal, ano 6, fas. 1º, Jan. Mar 1996, pág. 91).
Os valores de transparência e verdade exigidos na relação Fisco-contribuinte constituem o bem jurídico imediatamente tutelado pela incriminação.
«No crime de fraude fiscal, todas as condutas relevam de um mesmo significado material-típico: todas configuram atentados aos valores da verdade e da transparência. Todas representam a violação dos deveres de colaboração com a Administração, assegurando-lhe o cabal e ajustado conhecimento dos factos fiscalmente relevantes, preordenados a assegurar a realização do património necessário ao exercício das funções estaduais.
As condutas tipificadas no art. 103 do RGIT podem revestir a forma de acção ou de omissão. A realização da conduta de modo activo corresponde à alteração de factos ou valores que devam constar da escrita contabilística ou de declarações apresentadas à administração tributária ou ainda através da celebração de contrato simulado» (Ac. do TRL de 18.07.2013, proc. nº 1/05.2JFLSB, in www.dgsi.pt)
Ao nível do elemento subjectivo, o crime de fraude fiscal exige o dolo, em qualquer uma das modalidades previstas no artº 14 do C. Penal, dirigido integralmente a todos os elementos do tipo.
Como elucidativamente consignado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/2/2018, proferido no processo n.º 27/06.9IDLRA.C1, in www.dgsi.pt. «Materializando-se a fraude fiscal numa defraudação, visando a obtenção de um benefício fiscal ou a causação de um prejuízo ao Estado (fisco), cometido através de uma das formas típicas contempladas nas alíneas a), b) e c) do artigo 103.º do RGIT, para a punição do agente é suficiente que resulte provado ter este querido qualquer das ações ou omissões descritas no tipo, conhecendo a respetiva adequação à obtenção de uma situação tributária mais favorável, como «seja o não pagamento de um imposto, a sua redução ou a obtenção de benefícios fiscais, de reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias» - [cf. acórdão do TRL de 25.02.2015 (proc. n.º 709/08.0IDFUN-A.L1 – 3, disponível in www.dgsi.pt].
Identificado com crime de “tendência interna transcendente” ou de “resultado cortado”, enquanto dispensa - não constituindo elemento do tipo - a efetiva obtenção de vantagem patrimonial [cf. n.º 1 do artigo 103.º], bastando, no ensinamento de Figueiredo Dias e Costa Andrade, que as condutas sejam preordenadas à sua obtenção, relevando o eventual resultado lesivo tão só em sede de medida concreta da pena [cf. “Crime de Fraude Fiscal no Novo Direito Penal Tributário Português”, pág. 432 e ss], exige o dolo-do-tipo e o propósito de obter um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo ao Estado.
Como refere Germano Marques da Silva: «À data da publicação do RGIT, o seu art. 6º que corresponde ao art.º 12º do Código Penal, conjugado com o n.º 3 do art. 7.º, tinha ainda por fim consagrar a responsabilidade penal cumulativa dos agentes individuais e das pessoas coletivas, princípios que vinham já dos diplomas tributários que imediatamente precederam o RGIT e, desde 1984, do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro» - [cf. “Responsabilidade Penal Fiscal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes. A Empresa Falida”, in Curso de Especialização – Temas de Direito Fiscal Penal, 2013, Edição Centro de Estudos Judiciários]».
Do crime de branqueamento de capitais
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Julho de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 712/00.9 JFLSB.L1-5, in www.dgsi.pt. «O ano de 1984 marcou o início, a nível internacional, dos desenvolvimentos fulcrais que estiveram na origem da criminalização do branqueamento de capitais. Por um lado, foi criada nos EUA a “President’s Commission on Organized Crime”, cujo relatório de Outubro de 1984 se deve considerar como o documento gerador da estratégia de criminalização do branqueamento de capitais. Por outro lado, foram iniciados nas Nações Unidas, através da Resolução da Assembleia Geral 39/141 de 14/12/1984, os trabalhos com vista à elaboração de uma nova Convenção Internacional sobre o tráfico de droga, que viriam a ser finalizados em 1988, com a aprovação da Convenção de Viena. Em ambos, o branqueamento de capitais foi sugerido como um assunto a merecer consideração prioritária.
A nível europeu assinalam-se 3 marcos no âmbito da problemática do branqueamento.
A aprovação, pelo Conselho da Europa, em 1990, de uma Convenção, a Convenção 141 relativa ao Branqueamento, Despistagem, Apreensão e Confisco dos Produtos do Crime, que traduz o principal instrumento europeu na matéria de cooperação internacional penal sobre o branqueamento de capitais, tendo entrado em vigor na ordem internacional a 1/09/1993.
A Directiva 91/308/CEE, de 10/06/1991, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para o branqueamento de capitais, justificada no seu preâmbulo por: “A CEE tem designadamente em vista o estabelecimento da livre circulação de capitais no espaço comunitário, o que potencialmente facilita o branqueamento. Face às iniciativas levadas a cabo por vários Estados Membros com o propósito de evitar que os criminosos retirem vantagens da liberalização dos movimentos financeiros e face aos desenvolvimentos internacionais sobre a matéria, a CEE decidiu emitir uma Directiva com vista a harmonizar o tratamento comunitário do problema porque as diferentes regulamentações nacionais poderiam gerar constrangimentos incompatíveis com os princípios do mercado interno”.
A Directiva obriga os Estados Membros a proibir o branqueamento de capitais oriundos do tráfico de droga, e a instituir controlos ou mecanismos de detecção aplicáveis pelo sistema financeiro, tendo Portugal iniciado o cumprimento da Directiva com o Dec. Lei 15/93 de 22/01, e concluído através do Dec Lei 313/93 de 15/09.
Está em causa a preocupação de evitar que os “branqueamentos” possam optar por uma jurisdição comunitária com controlos menos apertados ou com um sistema de law enforcement menos eficaz. É, pois, necessária a harmonização das legislações, criando um “level playing field” entre os mercados financeiros de cada Estado Membro.
O terceiro marco assinalado corresponde à aprovação de uma Acção Comum que impõe a criminalização do branqueamento de capitais com âmbito genérico.
Como é comummente referido, o crime de branqueamento é um crime derivado, de segundo grau, ou de conexão, estando na sua base da tipificação penal que os bens ou produtos a branquear resultem de comportamentos ilícitos, também eles puníveis criminalmente, sendo assim um dos pressupostos a prática de um crime anterior que proporcione ilicitamente ao seu autor proventos que posteriormente ele ou outrem pretendam camuflar.
Quer a legislação portuguesa, quer outras legislações, procuram normalmente associar o branqueamento à criminalidade mais grave ou mais censurável. Entre nós, as infracções subjacentes começaram por ser muito circunscritas (apenas o tráfico de droga), sendo depois sucessivamente alargadas, ainda que tal alargamento tivesse sido inicialmente feito através do método de catálogo, ou seja, não era utilizada uma cláusula geral delimitadora de uma categoria de crimes, mas uma lista ou enumeração taxativa dos crimes subjacentes.
Tal método veio a sofrer uma evolução com a Lei 10/2002 de 11/02, onde se adoptou um método misto de catálogo conjugado com uma cláusula geral, tratando-se de um método misto que se mantém na actual lei do branqueamento.
Na verdade, ao catálogo de crimes, a parte final do art. 368-A do CP adita a referência genérica aos crimes punidos com penas de prisão de duração mínima de 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos, tendo o legislador optado por uma das duas alternativas facultadas pelo disposto no art. 1º, e, 5º, 2º parágrafo da Directiva, em conjugação com a Acção Comum 98/699/JAI do Conselho de 3/12/1998, e com a Decisão-Quadro do Conselho de 26/06/2001, relativa ao branqueamento de capitais.
Dispõe o art. 368-A do C.P., sob a epígrafe “Branqueamento”:
n.º 1: Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças, ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infracções referidas no n.º 1 do art. 1 da Lei 36/94 de 29/09, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos, assim como os bens que com eles se obtenham.
n.º 2: Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos.
n.º 3: Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens ou os direitos a ela relativos.
n.º 10: A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provém as vantagens.”
O actual art. 368-A do C. Penal foi inserido no Capítulo III dos crimes contra a realização da justiça, do título V, da parte especial, o que parece inculcar a ideia de que o bem jurídico que o legislador visa proteger é a boa administração da justiça. Mas não só. “O branqueamento de capitais lesa autonomamente bens jurídicos próprios que não se confundem com os bens jurídicos tutelados pelo terrorismo, tráfico de droga, lenocínio e por outros. A protecção que a lei penal quer fornecer aos bens jurídicos tutelados por cada um desses tipos, esgota-se na sua tipificação e punição, quando cometidos, porque é nesse cometimento que se lesa o bem jurídico protegido. Haja ou não branqueamento após, o bem jurídico já foi lesado. O branqueamento ofende de modo autónomo outro bem jurídico.
Quanto muito, o branqueamento pode estimular o prolongamento da criminalidade subjacente, com a consequente violação dos respectivos bens jurídicos. (…) Mas isto não quer dizer que os bens jurídicos sejam os mesmos ou que a tipificação do branqueamento vise a melhor repressão dos crimes subjacentes. (...) A repressão do facto ilícito típico subjacente torna-se instrumental em relação à repressão do branqueamento” (cfr. “O crime de branqueamento” de Vitalino Canas, sublinhado nosso).
Assim, e quanto ao bem jurídico protegido neste tipo legal de crime, existem concepções monistas, no sentido de estarmos perante a protecção de um único bem jurídico, como seja a administração da justiça (cfr. Roberto Podval em “O bem jurídico do delito de lavagem…”), ou a tutela da pretensão estadual do confisco das vantagens do crime, que é lesada pelo branqueamento, numa perspectiva de que “o crime não (deve) compensa/r (cfr. Jorge Godinho, em “Do crime de branqueamento de capitais”, p. 140); e concepções pluralistas, como a adoptada por Vitalino Canas na obra supra citada (p.19), que perfilhamos por se entender que melhor se coaduna com a complexa problemática das “lavagens” dos produtos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da prática de determinada criminalidade.
“O branqueamento de capitais é, portanto, um instrumento insidioso de perversão da democracia. A sua tipificação e perseguição visa, em última análise, tutelar o bem jurídico do adequado funcionamento das estruturas políticas.
Mas não só. Os enormes volumes de recursos gerados pelo branqueamento de capitais, movimentados pelas organizações criminosas no âmbito de sistemas financeiros globalizados, vulneram as economias nacionais e afectam a estabilidade da economia mundial ao sabor de decisões normalmente não explicáveis do ponto de vista da racionalidade económica ou financeira.
(…) O bem jurídico tutelado pelo tipo de branqueamento de capitais é, portanto, também a estabilidade, a transparência, e a credibilidade da economia e do sistema financeiro.
(…) Donde se conclui que o branqueamento é um crime pluriofensivo cuja tipificação visa a tutela de uma multiplicidade de bens jurídicos. Pela natureza transnacional, volumosa e altamente organizada que o fenómeno do branqueamento adquiriu, pode dizer-se que os bens protegidos são, à cabeça, o funcionamento dos sistemas políticos e dos sistemas económico-financeiros global e de cada Estado. Onde se inclui o bem jurídico da protecção da boa administração da justiça.
Esta multiplicidade de bens jurídicos protegidos tem alguma expressão no actual art. 368-A do CP, nos seus números 2 e 3. No n.º 2 uma das finalidades ou das intencionalidades do agente tipificadas é a de evitar que o autor ou participante das infracções subjacentes seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção penal, o que indicia a administração da justiça como o bem jurídico tutelado. Mas nos n.ºs 2 e 3 a lei penal indica que a simples dissimulação da origem ilícita das vantagens, ou a ocultação ou dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação, ou titularidade das vantagens ou dos direitos é também típica, o que recobre a protecção de outros bens jurídicos.
O crime de branqueamento não é um crime de dano, mas sim um crime de perigo, na medida em que pode não haver lesão efectiva do bem jurídico protegido, antes havendo o perigo dessa lesão. Além disso, é um crime de perigo abstracto, uma vez que não se exige, caso a caso, a verificação de perigo real para o bem jurídico protegido. Por outro lado, é um crime de mera actividade e não de resultado” (cfr. ob. cit. de Vitalino Canas, p. 17 a 20).
Sobre o tipo objectivo do crime ora em análise, resulta desde logo estarmos perante um crime comum, não específico, pois o agente é qualquer pessoa singular. Quanto ao objecto da acção, o actual texto legal substituiu a expressão até aqui usada de “bens ou produtos”, pela de “vantagens ou direitos a elas relativos”, sempre entendidas como provenientes da prática dos crimes subjacentes, mas o conceito deve ser interpretado com a máxima amplitude possível “de forma a abranger a totalidade dos bens gerados pela prática do crime base, assim como quaisquer direitos sobre coisas que sejam adquiridos em resultado dessa mesma prática” (cfr. Jorge Duarte, “Branqueamento…, p. 128”)
A evolução legislativa a nível da definição do objecto da acção do crime de branqueamento teve presente a Convenção de Viena de 1988, a Convenção de Estrasburgo do Conselho da Europa e a Directiva 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4.-12-2001, quanto à particular definição do conceito de “bens”.
Assim, nos termos da Convenção de Viena, o conceito de “bens” significa «activos de qualquer natureza, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e todos os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros direitos sobre esses activos».
As vantagens ou bens que relevam são, assim, “as provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, (abrangendo-se aqui a autoria material e moral, a co-autoria e a cumplicidade) dos factos ilícitos típicos subjacentes, isto é, as vantagens ou bens obtidos pelo agente, por forma directa ou indirecta, da prática daqueles factos.
Entre as vantagens e bens e a conduta do agente tem de haver um nexo de causalidade mínimo.
A lei actual deixou igualmente de se referir a “crime ou infracção” passando a referir o “facto ilícito típico”, pelo que, bastará o apuramento da existência de um facto ilícito típico praticado anteriormente, mesmo que não culposo e punível, ou ainda que o agente não venha a ser punido, veja-se, por força da sua morte, prescrição do procedimento criminal, ou outra circunstância. (sobre tal matéria, cifra Jorge Godinho, ob. cit.)
Assim, condição objectiva do tipo de branqueamento é a verificação de um facto ilícito típico subjacente, de onde provenham as vantagens que se dissimulam, sendo certo, todavia, que o crime de branqueamento e a respectiva reacção penal são autónomos em relação ao ilícito subjacente.
Igualmente significativo é a inserção, no actual texto legal do art. 368-A, da expressão “obtida por si ou por terceiro”. É, pois, pacífico, actualmente, que pode cometer o crime de branqueamento aquele que é o autor ou participante do facto ilícito típico subjacente, em concurso real, questão que era controvertida quer na nossa jurisprudência, quer doutrinalmente, pese embora se perfilhe que mesmo na anterior legislação do branqueamento (D.L. 325/95 de 2/12) o entendimento deveria ser o adoptado actualmente (cfr. a este propósito, por todos, o ac. do STJ de 2/10/2008, consultado em www.dgsi.pt, em texto integral).
As modalidades da acção integradoras do tipo estão expressamente definidas no n.º 2 e 3 do preceito, prevendo-se no n.º 2: a conversão de vantagens, a transferência de vantagens, o auxílio de alguma operação de conversão de vantagens, o auxílio de alguma operação de transferência de vantagens, a facilitação de alguma operação de conversão e/ou transferência de vantagens, sendo que qualquer das acções pode ser levada a cabo directa ou indirectamente.
“A operação de conversão é a acção pela qual se procede à modificação da natureza jurídica ou fáctica de valores patrimoniais.
A operação de transferência é a acção pela qual se desloca fisicamente uma coisa móvel ou a acção de modificação da propriedade, posse ou detenção de valores patrimoniais.
As operações de auxílio e facilitação de operações de conversão ou transferência consubstanciam actos de cumplicidade, abrangendo-se aqui a punição, como autores, dos advogados, empregados bancários ou consultores financeiros que auxiliem ou facilitem a prática do branqueamento.
E as operações de ocultação ou dissimulação são acções de encobrimento da verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade dos valores patrimoniais” (cfr. Comentário ao Código Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 368-A, edição da Universidade Católica, 2008, p. 869).
Nas modalidades de acção do branqueamento estão incluídas 3 fases, o denominado “Placement”/colocação, em que o agente pratica actos tendentes a autonomizar o numerário, retirando-o de qualquer relação directa com o crime praticado de onde proveio, designadamente através da sua colocação numa conta bancária; “Empilage”/circulação, traduzida numa multiplicação de operações (v.g. movimentação por várias contas, num ou mais países estrangeiros) com a finalidade de ocultação; e “Investement”/integração, traduzida em operações com vista a criar a aparência de legalidade.
“Integra ainda o tipo previsto no n.º 2 do art. 368-A (já não exigido no n.º 3) um elemento subjectivo específico, o dolo específico, traduzido numa particular intenção da conduta, e que pode verificar-se singular ou cumulativamente: o agente terá que actuar com intenção de dissimular a origem ilícita das vantagens e/ou evitar que o autor ou participante da infracção subjacente seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal.
Ainda, no tocante ao elemento subjectivo, “o agente não tem de saber ou representar como possível que os bens foram provenientes de um concreto ilícito típico, ou de uma concreta categoria de factos ilícitos típicos. Não tem de conhecer ou representar como possível que esse facto ilícito típico foi praticado em certo momento, por certo agente, em certo sítio e de determinada forma. Basta que conheça ou configure a possibilidade de proveniência ilícita dos bens. Mas não de uma qualquer proveniência ilícita. Tem de haver conhecimento da origem dos bens num facto ilícito típico incluído pela lei no catálogo dos crimes subjacentes, ou a representação da origem dos bens num facto ilícito típico incluído pela lei nesse mesmo catálogo.
O conhecimento ou a mera representação devem ser contemporâneos da conduta que se traduz em factos típicos do branqueamento. Isto é, nos casos do dolo directo e do dolo necessário, o agente deve adquirir o conhecimento da proveniência dos bens até à prática das condutas de branqueamento.
O agente, além disso, tem de representar e querer praticar um facto que preenche um tipo de crime – converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência, com uma das finalidades definidas na lei: ou ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade de vantagens -, ou que é consequência necessária da sua conduta, ou que é consequência possível da sua conduta, conformando-se com isso (respectivamente, dolo directo, necessário e eventual)» Do concurso de crimes
Como refere Eduardo Correia, in Direito Criminal II, Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra – 1971, § 10.°, 36, p. 203 e seg.: «(…) a unidade ou pluralidade de tipos legais a que pode subsumir-se uma certa relação da vida constitui o critério decisivo para fixar a unidade ou pluralidade de infracções. Mas, assim como da violação de uma só norma ou de um só artigo da lei penal não é lícito, sem mais, concluir pela realização de um só tipo e portanto de um só crime 1, do mesmo modo a violação de várias disposições pode só aparentemente indicar o preenchimento de vários tipos e a correspondente existência de uma pluralidade de infracções. E por aqui somos conduzidos ao estudo do chamado concurso aparente de infracções (…)
Muitas normas do direito criminal - como aliás as de outros ramos de direito - estão umas para com as outras em relação de hierarquia, no sentido precisamente de que a aplicação de algumas delas exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia cumulativa de outras. De onde resulta que a pluralidade de tipos que se podem considerar preenchidos quando se toma isoladamente cada uma das respectivas disposições penais, vem no fim de contas em muitos casos, olhadas tais relações de mútua exclusão e subordinação, a revelar-se inexistente. Neste sentido se afirma que se estará então perante um concurso legal ou aparente de infracções.
Quando, porém, se procuram determinar quais as relações de subordinação e hierarquia entre as diversas disposições do direito criminal não se encontra unanimidade entre os autores.
Vejamos como do nosso ponto de vista, se apresentam as geralmente apontadas pela doutrina.
a) Especialidade. Traduz-se na relação que se estabelece entre dois ou mais preceitos, sempre que na «lex specialis» se contêm já todos os elementos duma «lex generalis», isto é, daquilo que chamamos 1 um tipo fundamental de crime, e, ainda, certos elementos especializadores.
Esta relação terá como efeito, evidentemente, a exclusão da lei geral pela aplicação da lei especial: «lex specialis derogat legi generali» - e isto, contra o que pensava HONIG, independentemente da referência de ambos os preceitos a uma só conduta. Ponto será só que a realização de um tipo especial de crime esgote a valoração jurídica da situação; sob pena, de outra forma, de se violar o princípio me bis in idem».
b) Consunção. Entre os valores protegidos pelas normas criminais verificam-se por vezes relações de mais e menos: uns contêm-se já nos outros, de tal maneira, que uma norma consome já a protecção que a outra visa. Daí que, ainda com fundamento na regra «ne bis idem», se tenha de concluir que «lex consumens derogat legi consumtae». O que, porém, ao contrário do que sucede com a especialidade, só em concreto se poderá afirmar, através da comparação dos bens jurídicos violados, e não, como queria HONIG, através da diversidade de pontos de vista a partir dos quais a lei concede protecção ao mesmo bem jurídico.
Ora esta relação, assim definida, poderá auxiliar sem dúvida a interpretação de cada norma, mas não pode actuar como processo de exclusão de uma de diversas normas que, isoladamente consideradas, são efectivamente infringidas - e só isto constitui o problema do concurso aparente de leis e correspondentemente de crimes.
Consunção impura. As relações acima apontadas não são as únicas por força das quais a aplicação de um ou alguns preceitos exclui a eficácia cumulativa de outro ou outros. Casos há por exemplo - como BINDING apontou - em que a lei descreve um tipo de crime que só se distingue doutro por uma circunstância tal que apenas se pode admitir tê-la querido o legislador como circunstância qualificativa agravante - verificando-se todavia que a pena para ele cominada é inferior à do tipo fundamental.
Ora, em hipóteses tais, se não pode falar-se de especialidade, também não pode dizer-se verificada uma relação de consunção pura. Significará isto, porém, que se o tipo fundamental é neste caso aplicável, deve também considerar-se cumulativamente realizado o tipo correspondente ao crime especial? Cremos que não. E isto porque, entre deixar de considerar uma circunstância só qualificativa e violar profundamente o princípio me bis in idem», sofrerá muito menos o direito com a primeira solução. Neste sentido poderá falar-se de uma consunção impura.
De resto, a noção poderá alargar-se a todos os casos em que dois tipos se comportam entre si, na protecção de bens jurídicos, como dois círculos que coincidem na sua parte mais importante e valiosa. Assim concebida, a consunção impura permitirá, normativamente, do ponto de vista do devido equilíbrio de valores, tomar em conta certos casos-limite que a construção naturalística do concurso só arbitrariamente considera.”
Exemplos claros de consunção pura, segundo o mesmo Insigne Mestre serão v. g. a exclusão das regras que punem o dano e as ofensas corporais pela aplicação das que punem o fogo posto e o homicídio; ponto será que o dano e as ofensas que seriam punidas sejam as que com o fogo posto e o homicídio se produzem. Igualmente deverão excluir-se as disposições que punem actividades que consumam materialmente as ofensas concretas já formalmente havidas como consumadas e como tal punidas (se v. g. A envenena B e depois, em virtude de uma resolução autónoma, o mata, só deverá ser punido por envenenamento). Por outro lado, devem, em atenção ao princípio da consunção, excluir-se: as disposições que punem o pôr-se em perigo a lesão de bens jurídicos por aquelas que punem a sua lesão efectiva; as que punem certas condutas, quando estas traduzem, em meras condições, uma vontade de aprender, garantir ou assegurar a impunidade de outro crime, etc.
Sobre consunção impura, e, com referência ao Código Penal anterior, exemplo seriam “as relações entre os crimes de furto e roubo. Pois, na verdade, em certos casos a pena aplicável ao furto simples (art. 421.° n. 5.°), e especialmente ao furto qualificado (art. 428.°), é mais pesada do que aquela com que se ameaça o roubo (art. 435.° e seus §§)».
Da responsabilidade das pessoas colectivas
Como refere Teresa Quintela de Brito, in “Fundamento da Responsabilidade Criminal de Entes Colectivos: articulação com a responsabilidade individual – Teresa Quintela de Brito, in Direito Penal Económico e Financeiro – conferências do curso pós-graduado de aperfeiçoamento – coordenadores: Maria Fernanda Palma, Augusto Silva Dias e Paulo de Sousa Mendes, pág. 202 a 206, «A leitura do artº 11 do C. Penal revela a importância do facto cometido pela pessoa singular para a construção da responsabilidade colectiva. Tal facto constitui o objecto da imputação (aquilo que se pune) mas não o fundamento da imputação (a razão porque se pune), já que o princípio da responsabilidade penal pessoal nos obriga a autonomizar e a dissociar a responsabilidade individual e colectiva.
O fundamento da imputação de responsabilidade à pessoa colectiva reside na relação interna entre ela e o facto cometido por determinado círculo de pessoas (os agentes individuais de ligação à pessoa jurídica).
O art. 11 exige que o facto haja sido cometido em nome e no interesse colectivo (nº 2, al. a) e que o agente não tenha actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito (nº 6). De algum modo a lei assume, que na ausência dessas ordens ou instruções – melhor se diria: na ausência das medidas de organização, gestão e controlo adequadas a evitar o facto ilícito cometido – o líder da pessoa jurídica manifestou a própria vontade colectiva ao praticar o crime no exercício das suas funções e no desenvolvimento da actividade efectiva (não necessariamente legal) do ente colectivo. Ou, de outro modo, tem de entender-se que o crime também foi praticado no interesse da colectividade, quando esta não tomou as medidas de organização, gestão e controlo idóneas a impedi-lo.
Tanto a responsabilidade das pessoas jurídicas como (nalguns casos) a das pessoas que nelas ocupam uma posição de liderança se podem fundar no respectivo “domínio da organização” - um domínio não abstracto e relativo a toda a organização, mas concreto e referido à execução típica do facto cuja imputação se discute. Consequentemente a responsabilidade do ente jurídico não depende da actuação de um órgão ou representante com poderes para a totalidade da organização.
Tanto assim que o artº 11, nº 2, alínea b) e nº 4, do C. Penal, condiciona a imputação do facto à pessoa jurídica ao envolvimento no mesmo de alguém com autoridade para controlar o sector de actividade em que tal facto se verificou.
A responsabilidade penal das pessoas colectivas corresponde à responsabilidade do “dono do negócio”, isto é, do titular do empreendimento em que se inscreve a conduta típica. A pessoa jurídica responde na qualidade de titular da actividade na qual ocorre o crime.
Apesar de tanto a responsabilidade das pessoas jurídicas (necessariamente) como a de quem nela ocupa uma posição de liderança (porventura) se fundarem no respectivo “domínio da organização” para a execução do facto típico elas têm diferentes amplitudes.
No que concerne ao tipo de crime em causa, a pessoa colectiva responde pela totalidade do cumprimento do dever relativo ao estabelecimento de que é titular. Por isso se disse que a responsabilidade colectiva se consubstancia na responsabilidade do dono do negócio, isto é, do titular da actividade em que ocorre a conduta típica. Em contrapartida, os deveres relativos ao estabelecimento só atingem os líderes na estrita medida das respectivas competências internas efectivas.
Coloca-se agora a questão de saber de que tipo de pessoas singulares têm de provir as actuações que permitem responsabilizar a colectividade. Ou melhor: determinar os papéis cujo desempenho eventualmente desencadeia a responsabilidade do ente colectivo, identificando-os não com a base da organização e sim com os que, nela ocupando uma “posição de liderança”, podem ser o suporte de uma conduta da própria pessoa jurídica.
Para se discutir a responsabilidade penal de uma pessoa jurídica, basta comprovar a realização de um ilícito típico e a imputação do mesmo a alguém com posição de liderança dentro da organização.
Ou seja: é suficiente que, à luz do efectivo modo de funcionamento da pessoa colectiva e das circunstâncias do caso concreto, se possa conectar a prática desse facto com o desempenho de um papel de liderança e com o exercício de um domínio da organização para a sua execução por parte da pessoa jurídica, através dos seus titulares de órgão, representantes ou líderes».
Da co-autoria ou autorias paralelas
Como é referido no Acórdão do S.T.J. de 8/7/2003, SJ200307080012275, in www.dgsi.pt, « O artº. 26º do C. Penal indica que é autor do crime, para além do mais, quem tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros.
Sobre esta situação, configurada doutrinalmente como co-autoria ou comparticipação criminosa, discorre assim o "C. Penal Anotado" de Simas-Santos e Leal-Henriques, 2002, I vol. pág. 339:
"São, assim, dois os requisitos:
- acordo com outro ou outros: esse acordo «tanto pode ser expresso como tácito; mas sempre exigirá, como sempre parece ser de exigir, pelo menos, uma consciência da colaboração (...), a qual, aliás, terá sempre de assumir carácter bilateral» (BMJ 1444-43).
- participação directa na execução do facto juntamente com outro ou outros: um exercício conjunto no domínio do facto, uma contribuição objectiva para a realização, que tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer parte da «execução» (v.g., a conduta do motorista do veículo onde se deslocam os assaltantes do banco).
Há ainda, pois, co-autoria quando, embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum.
Com efeito, para incorrer na co-autoria de um crime precedido de um plano, quando nele participam vários agentes, não é necessário que todos eles tenham tido intervenção na elaboração desse plano. Basta que os vários agentes participem na execução dos actos que integram a conduta criminosa, não sendo, contudo, necessário que intervenha em todos eles desde que actue, conjugadamente e em comunhão de esforços, no sentido de alcançar o objectivo criminoso.
A co-autoria exige, pois, a verificação do elemento subjectivo (uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado criminoso) e do elemento objectivo (uma execução igualmente conjunta, não sendo, porém, indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar). Pode dizer-se, com o STJ (Ac. de 89-10-78, BMJ 390-142) que a essência da co-autoria consiste em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas".
E mais adiante, comentam os mesmos autores (pág. 340):
«Da co-autoria há que distinguir a mera actuação paralela que ocorre quando diversos agentes praticaram, sem prévio acordo, actos concorrentes para um resultado criminoso, distinção de todo o interesse, uma vez que na comparticipação cada um dos co-autores responde pela totalidade do evento, enquanto que na actuação paralela cada um dos agentes só responde pelo resultado causado pela própria conduta».
Temos, pois, que a grande distinção entre a comparticipação e as autorias singulares paralelas verifica-se por na primeira haver um acordo prévio entre os co-autores, que pode ser expresso ou meramente tácito»
Sufragando o acabado de transcrever (por há muito constituírem jurisprudência e doutrina pacíficas) poder-se-á, assim, concluir que, no espectro dos crimes fiscais, máxime, na fraude fiscal, co-autores são os sujeitos passivos e aqueles que com eles dividem a execução típica, sendo a decisão e a execução do crime obra comum a todos e cada qual oferece uma contribuição essencial para a realização típica.
*
Feito o devido (teórico) enquadramento jurídico-penal, atentemos, então, na situação em apreço.
Como resulta da fundamentação de facto (factualidade dada como assente), em suma, provou-se que: a) Arguidos JA___ e Ramea LLC
Com o intuito de diminuição do seu lucro tributável com vista a eximir-se ao pagamento do imposto legalmente devido, a sociedade comercial Porta Grande, Mediação Imobiliária, Lda. e o seu gerente de facto JA___ contabilizaram facturas provenientes da sociedade não residente em território português, Ramea Properties, LLC, e ocultaram proveitos resultantes de prestações de serviços efectuadas na mediação para venda do empreendimento Quinta da Barracuda, propriedade da sociedade comercial Weaver.
Estes documentos, fiscalmente relevantes, foram emitidos por ordem de JA______ e reportaram-se a serviços que não foram prestados pela Ramea Properties, LLC, mas, sim, pela Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda.
Ao não declarar a prestação destes serviços e ao contabilizar facturas emitidas pela Ramea Properties, LLC, a Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda. conseguiu diminuir o seu lucro tributável pela via da ocultação dos proveitos resultantes das operações tributáveis e pela via do aumento dos encargos.
Além da contabilização e declaração à Administração Tributária, por parte da Porta Grande - Mediação Imobiliária, Lda., de documentos não correspondentes a relações jurídicas reais, susceptíveis de causar a diminuição das receitas tributárias, encobriram uma relação real existente com terceiros sujeitos a obrigações acessórias de fiscalização tributária, nomeadamente, a relação estabelecida com a sociedade Weaver, administrada por JCS___, e utilizando uma entidade não residente com a qual era detentora de relações especiais - a Ramea Properties LLC - atento o facto de tanto o emitente e o utilizador das facturas serem, de facto, administrados pela pessoa, o arguido JA______ .
Esta ocultação de proveitos teve reflexos ao nível de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e da liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado - a existência de serviços efectivamente prestados pela Porta Grande ¬Mediação Imobiliária, Lda. à Weaver deveria ter sido objecto de emissão da respectiva factura e, consequentemente, da liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado.
O pagamento dos serviços solicitados ocorreu com utilização, em suma, da seguinte estratégia: os meios financeiros pertencentes à Weaver foram canalizados para uma conta bancária do seu administrador, JCS___ que, por sua vez, os encaminhou para a conta bancária detida no BPI pela Ramea, LLC e, finalmente, pelo JA______ , daquela para a Porta Grande Mediação Imobiliária, Lda.
a) Arguidos CS___, Barden Assets LLC e Barden Assets Mediação Imobiliária, Lda.
Outrossim, a sociedade não residente Barden Assets, LLC, gerida de facto por CA________, emitiu facturas por alegadas prestações de serviços. Como ficou provado, a entidade em causa não tinha efectiva actividade em território nacional.
Na verdade, resultou assente que a Barden Assets LLC foi utilizada para ocultar a actividade desenvolvida em território nacional pela sua homónima portuguesa, a Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda. (ambas geridas pelo arguido CA________).
A actividade pela qual esta recebeu pagamentos era, de facto, uma actividade (de mediação imobiliária lato sensu) que vinha sendo desenvolvida em Portugal pela outra empresa do arguido CA________ e que tinha este e sua (ex)esposa como beneficiários, como resulta do destino dados aos montantes creditados na conta bancária titulada pela Barden Assets, LLC.
A interposição da sociedade não residente Barden Assets, LLC destinou-se a ocultar a actividade de prestação de serviços de mediação imobiliária, efectivamente, prestados pela Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda. e a permitir que a ocultação de proveitos desta resultasse, directamente, em proveito próprio do seu gerente, o arguido CA________.
Ou seja, lograram os arguidos diminuir o lucro tributável da Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., e transformar pagamentos que seriam devidos a esta sociedade pelos serviços prestados, em verbas depositadas ou transferidas para a conta bancária gerida pelo arguido CA________, titulada pela Barden Assets, LLC, no BPI, em benefício próprio.
Esta ocultação de proveitos teve, igualmente, reflexo a nível de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e de Imposto Sobre o Valor Acrescentado - a existência de serviços efectivamente prestados pela Barden Assets ¬Mediação Imobiliária, Lda. aos seus clientes deveria ter sido objecto de emissão da respectiva factura e, consequentemente, da liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado.
Por último, os pagamentos que deviam ter sido directamente canalizadas dos clientes (por conta dos serviços prestados) para contas bancárias da Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., foram canalizados para a conta bancária da Barden Assets LLC.
b) Das parcelas referentes ao IVA de valor inferior a €15.000,00
Da matéria de facto dada como provada (artigos 97º e 114º) verifica-se que quer relativamente à “Porta Grande” quer quanto à “Barden Assets, Mediação Imobiliária, Lda.” existem diversos montantes devidos a título de IVA que são de valor inferior a €15.000,00.
Em concreto:
- No que respeita à “Porta Grande” as parcelas respeitantes aos meses de Dezembro de 2006, Maio, Junho, Julho, Outubro e Novembro de 2007;
- No que tange à “Barden Assets, Mediação Imobiliária, Lda.” as parcelas respeitantes aos meses de Julho, Agosto, Outubro, Novembro e Dezembro de 2006 e todas as referentes ao ano de 2007.
Atentemos, pois.
Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Fevereiro de 2013, proferido no processo 131/08.9IDPRT.P1, in www.dgis.pt., «Ora, posto isto, e no que ao caso interessa, na medida que da acusação consta a referência à ausência de liquidação de imposto relativamente a vários períodos, quer a título de IVA, quer a título de IRC, impõe-se observar liminarmente que, nos termos do n.º3, do artigo 103.º, do RGIT, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Com efeito, a prática do crime de fraude/abuso de confiança fiscal tal como o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social consuma-se com a não entrega das prestações relativas a cada período.
Assim, em princípio (sem prejuízo da unificação das várias condutas num único crime (…) como infra melhor se verá), haverá tantos crimes quantos os períodos em que se verificou a falta de entrega das prestações [vide, neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra de 21/01/2009, p.342/04.6TAAVR, relatado por RIBEIRO MARTINS, disponível no site www.dgsi.pt].
(…) Convém porém ter presente que uma das questões que os autos suscitam prende-se com a questão de saber se a alteração do art. 103º, n.º 2 do RGIT, descriminalizando as condutas cuja vantagem patrimonial ilegítima seja inferior a 15.000 €, se aplica (também) aos crimes de fraude qualificada ou apenas aos crimes de fraude simples.
(…) NUNO POMBO, em Fraude Fiscal, Almedina, 2007, pág. 215, defende (…): «Refira-se por último que o legislador, pela técnica usada no desenho da norma incriminadora, veio permitir que se instalasse a dúvida quanto a saber se a efectiva punição, tal como se estabelece para o crime de fraude simples, pressupõe a pretensão de ser auferida vantagem patrimonial igual ou superior a 15.000 €. Com efeito, o artigo 104.º sobre este aspecto, é estranhamente mudo. Parece-nos todavia, que a melhor solução, em homenagem mais ao espírito do instituto do que aos elementos literais disponíveis, será a que advoga dever ser tomado em conta o limite de que depende a respectiva punição. A qualificação opera-se pela recepção de circunstâncias modificativas agravantes e deve traduzir-se não no alargamento das situações puníveis mas, como acontece, num endurecimento das respectivas penas».
SIMAS SANTOS e JORGE DE SOUSA, em Regime Geral das Infracções Tributárias, 2ª Edição, 2008, pág. 737, anotação 3 ao art. 104º, consideram também aplicável ao crime de fraude fiscal qualificada o valor “referência” da vantagem patrimonial ilegítima, quando referem: “A falsificação ou viciação, ocultação, destruição, inutilização ou recusa de entrega, exibição ou apresentação de livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária, pelo agente, bem como o uso por este daqueles elementos, sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro, por parte das entidades empregadoras, dos trabalhadores independentes e dos beneficiários que visem a liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias de valor igual ou superior a € 7500, não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber, caso em que será a aplicável [als. d) e e) do n.º 1 e 3]”. Este entendimento supõe que as condutas a que alude o art. 104º, 1, als d) e e) causem diminuição de receitas fiscais de valor superior ao do liminar da “punibilidade” previsto no artigo anterior.
Por seu turno, o acórdão da Relação de Coimbra, de 19-01-2011, proferido no processo n.º 1036/06.3TAAVR.C1, entendeu que “o limite de € 15.000,00 do art. 103 nº 3 do RGIT, abaixo do qual os factos que integram o crime de fraude fiscal não são puníveis, é aplicável à fraude fiscal qualificada, prevista no art. 104 do mesmo RGIT”.
Também o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão recente, de 16/03/2011, proferido no recurso n.º 65/05.9IDAVR.P1, entendeu que “o crime de fraude fiscal apenas será qualificado se, para além da ocorrência de, pelo menos, duas das suas circunstâncias agravativas, as mesmas forem aptas a causar um prejuízo ou a diminuição de vantagens tributárias no valor de, pelo menos, €15.000”»
Assim, (…) «A nosso ver, é este o melhor entendimento, por diversas razões: literais, sistemáticas (lógicas) e teleológicas.
Em primeiro lugar, existem alguns aspectos literais a impor tal leitura, como seja a referência, no art. 104º, aos “factos previstos no artigo anterior”. Um dos factos previstos no artigo anterior é precisamente o previsto no n.º 2, segundo o qual não há punibilidade quando o montante da vantagem patrimonial ilegítima for “inferior a 15.000 €”. Se tivesse havido intenção de punir a fraude qualificada, independentemente do valor da vantagem ilegítima, a remissão deveria ter excluído o n.º
2. Outro aspecto literal decorre da expressão usada no n.º 2 do art. 104º: “fraude”. Na verdade, o n.º 2 do art. 104º começa por dizer que “a mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante (…)”. Ao falar em fraude, está certamente a referir-se a uma fraude punível, ou seja, que tenha causado uma diminuição de receitas de valor superior a 15.000 €, já que abaixo desse valor o comportamento é punível e qualificado apenas como contra-ordenação e não como “fraude” fiscal (art. 118º do RGIT).
Para além desta referência aos factos previstos no art. 103º, sem excluir o n.º 2 e utilizando a expressão “fraude”, há elementos sistemáticos relevantes. A técnica legislativa de agravar a moldura penal dos crimes, através de circunstâncias qualificativas, traduz sempre uma remissão para o crime simples (género), destacando um especial modo de realização (espécie). O crime qualificado é assim, por definição, aquele que contém todos os elementos do crime simples, com a particularidade de ser cometido em determinadas circunstâncias.
Finalmente, a circunstância qualificativa a que se refere o n.º 2 do art. 104º decorre do facto de o crime de fraude simples ser cometido através da “utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes”. Esta incriminação especial resultou da utilização em larga escala de “facturas falsas” (ISABEL MARQUES DA SILVA, ob. cit. pág. 164, “… processos que invadiram os tribunais portugueses…”) e, portanto, de se ter querido combater uma forma especialmente em voga de cometer o crime de fraude fiscal. Não se vê qualquer razão especial para que o crime de fraude fiscal cometido através de facturas falsas ou documentos equivalentes deva ser punido, mesmo que a vantagem patrimonial ilegítima seja inferior a € 15.000. Toda a criminalidade fiscal visa combater a fuga ao pagamento de obrigações tributárias e, por isso, o bem jurídico comum é a obtenção das receitas fiscais devidas, elevado à categoria de bem jurídico penalmente relevante, por se tratar de um bem comum da maior importância para o ordenamento da sociedade. O direito tributário tem mecanismos próprios para executar as dívidas fiscais e não tem sentido, nos dias de hoje, criminalizar o incumprimento das obrigações pecuniárias. Por isso, o legislador recorre ao direito penal para punir as obrigações acessórias, através das quais se podem ocultar ou alterar as futuras obrigações pecuniárias. É certo que pune a violação de obrigações acessórias, mas a razão de ser da punição dessas obrigações é sempre evitar a frustração do recebimento das receitas tributárias. Daí que o valor do prejuízo fiscal tenha, no direito penal tributário, tão grande relevância, sendo em função desse valor que, afinal, se demarca o crime da contra-ordenação (cfr. art. 118º do RGIT). A existência de um determinado valor do prejuízo fiscal (vantagem patrimonial ilegítima), a demarcar o crime da contra-ordenação, significa que o legislador entende que os prejuízos mais pequenos não devem ser criminalizados, qualquer que seja a obrigação acessória que tenha sido frustrada e qualquer que seja o meio utilizado para tal. Atenta a finalidade da punição (visando sempre o cumprimento de obrigações pecuniárias), não faria sentido que o prejuízo fiscal fosse irrelevante para criminalizar a conduta, mas já fosse bastante para recortar o tipo de crime qualificado pelo meio utilizado. Se fosse essa a intenção do legislador, teria criminalizado com total autonomia a conduta em causa, o que não fez neste caso. Ou seja, as razões que levaram o legislador a estabelecer, no n.º 2 do art. 103º, um limiar da punibilidade como crime, tanto se verificam quando o crime seja cometido através da utilização de facturas falsas, como quando seja cometido através da celebração de um negócio jurídico simulado, pois está sempre em causa evitar comportamentos que visem obter vantagens patrimoniais fiscalmente ilícitas.»
Pelo que, aderindo integralmente a este entendimento, devemos considerar:
(…) Que as condutas que correspondem a declarações de IVA que não excediam o montante de €15.000,00 – cuja obrigação de entrega se verificou após 1/01/2006, não configuram o crime em apreço.
(…) Com efeito, independentemente de se considerar o valor da vantagem patrimonial como elemento do próprio tipo, como aparentemente se sugere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 19 de Janeiro de 2004, ou como “cláusula objectiva de extinção da responsabilidade criminal, em função do montante (não considerado relevante pela Lei), a verdade é que, tanto num caso como noutro, as condutas do jaez daquela que se atribuem aos arguidos deixam de ser criminalmente puníveis à luz da lei nova».
*
Volvendo à situação dos autos, e aderindo à exposta argumentação, resta-nos concluir pela irrelevância penal dos montantes acima discriminados (inferiores a €15.000,00) e, em consequência, pela expurgação de tais montantes do cômputo da vantagem/prejuízo patrimonial.
b) Um único crime
No caso vertente, provou-se que foi desenvolvida pelos arguidos, nas circunstâncias acima descritas, ao longo do tempo – dois anos - e de forma homogénea uma actividade que tinha em vista a obtenção de vantagens patrimoniais ilegítimas à custa do Estado.
Toda a actividade desenvolvida pelos arguidos e que perdurou no tempo foi presidida por um dolo inicial, único e unificador, ou seja, obedeceu a uma única resolução criminosa que foi sendo concretizada, em múltiplos actos, ao longo do tempo, tal como previamente gizado.
O circunstancialismo apurado, designadamente a proximidade temporal e a uniformidade de procedimentos, conduz à formulação de um único juízo de censura pelo que a conduta dos arguidos (deve ser subsumida a um único crime de fraude fiscal, como já resultava da acusação).
Neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 11.04.2012, proferido no proc. nº 43/07.3IDPRT.P1, in www.dgsi.pt. «Consubstancia a prática, em co-autoria, de um só crime de fraude fiscal, através de facturas falsas, a execução concertada entre os arguidos, gerentes de duas sociedades, de integrarem nos anos de 2001 e 2002, na contabilidade de uma as facturas emitidas pela outra, com o objectivo comum de obterem benefícios fiscais à custa do Estado-Fisco. A resolução única – envolvendo quer a emissão das facturas falsas, quer a sua utilização visando a obtenção de vantagens indevidas de IVA e IRC – cuja execução se prolongou no tempo, não é posta em causa por as vantagens indevidas se relacionarem com tipos de impostos diferentes, nem mesmo com a circunstância de terem sido apresentadas as respectivas declarações fiscais em momentos distintos».
c) Da co-autoria/autorias paralelas
Como se deixou logo indiciado aquando da comunicação de alteração da qualificação jurídica efectuada em sessão de julgamento, a matéria de facto, ora dada como assente, não preenche objectivamente e subjectivamente os requisitos da co-autoria imputada a todos os arguidos.
Na verdade, nos termos atrás consignados e tal qual decorre da factualidade dada como provada, no caso dos autos, estamos perante uma mera actuação paralela (por um lado temos a actividade da Ramea LLC e do JA______ e por outro lado a actividade da Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., da Barden Assets, LLC e do CA_______ , pese embora a coincidência temporal relativamente à constituição das respectivas sociedades não residentes e à existência de alguma colaboração na fase inicial).
Concluindo-se, em conformidade, para o que agora releva, que os arguidos (nos termos assinalados) só responderão pelos resultados causados pelas próprias condutas/actividade.
Saneando e quantificando, desde já, face a todo o exposto:
Arguidos JA______ e “Ramea LLC” :
IRC 2006 - €140.296,49
IRC 2007 – €240.597,30
IVA 2006 - €78.540,00
IVA 2007 - €165.375,00,
Tudo num total de €624.808,79 (seiscentos e vinte e quatro mil oitocentos e oito euros e setenta e nove cêntimos)
Arguidos CA________ e “Barden Assets – LLC” e “Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda.:
IRC 2006 - €63.353,00
IRC 2007 - €18.097,48
IVA 2006 - €93.526,65
Tudo num total de €174.977,13 (cento e setenta e quatro mil novecentos e setenta e sete euros e treze cêntimos).
d) Do crime de branqueamento de capitais
No que concerne ao crime de branqueamento de capitais que foi imputado aos arguidos verifica-se existir, no caso em concreto, uma objectiva sobreposição dos respectivos elementos típicos.
Com efeito, a conduta dos arguidos não nos parece, de forma alguma, ter ido para além da medida naturalmente associada à prática do crime de fraude fiscal, como crime-fim, com os contornos dados como assentes (com interposição de pessoas colectivas não residentes em território nacional que eram elas próprias as titulares das contas bancárias em crise).
Isto é, os elementos tipicamente previstos na norma prevalecente – fraude fiscal – esgotam, a nosso ver, “in casu”, a valoração e tutela inerente ao crime-meio ou, pelo menos, asseguram a inequívoca presença de uma relação de “mais e menos”.
Concluímos, pois, pela absolvição dos arguidos no que respeita ao/s crime/s de branqueamento de capitais.
*
e) Do erro nos termos e para os efeitos do art. 17º, n.º 1 do C.P.
De acrescentar, ainda, que o erro (não provado mas aventado, de algum modo, nas declarações prestadas pelos arguidos em julgamento), seria sempre censurável.
Na verdade, e em complemento do já inscrito na motivação de facto, mas, agora, na vertente jurídica “ Para que possa considerar-se existente erro não censurável, para efeitos do art. 17º, n.º 1 do C.P., é necessário que resulte dos factos que o agente não tem consciência da ilicitude penal do seu acto e que as circunstâncias do caso, relativas à conduta concreta ou também ao modo de ser adquirido do agente manifestado no facto, tornem desculpável essa falta, por revelarem que o arguido manifestou no caso uma consciência ético-jurídica recta, determinante de uma atitude geral de fidelidade ao direito, só frustrada no caso por circunstâncias especiais que o fizeram errar sobre a ilicitude do seu acto, embora orientando-se por solução que, nas circunstâncias que supôs, conferiria licitude à sua conduta”, Ac. do STJ de 13 de Outubro de 1999, proc. n.º 1002/98-3ª, SASTJ, n.º 34, 70.
*
Face a todo o exposto, conclui-se, pois, pela condenação dos arguidos:
- JA______ e Ramea LLC pela prática de um (único) crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103º, n.º 1 e 104º, n.º 1, al. a), f) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6 e
- CS___i, Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda. e Barden Assets, LLC e Alves Antero de um (único) crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103º, n.º 1 e art. 104º, n.º 1, al. f) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
3.2. Da escolha e determinação da medida da(s) pena(s)
a) Sucessão de leis – Aplicação da lei penal no tempo
A cada um dos arguidos Ramea LLC e JA______ imputou-se e provou-se a prática de um (único) crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103º, n.º 1 e 104º, n.º 1, al. a), f) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6.
A cada um dos arguidos Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda., Barden Assets, LLC e CA_______ imputou-se e provou-se a prática de um (único) crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103º, n.º 1 e art. 104º, n.º 1, al. f) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6.
A Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que entrou em vigor em 1.01.2012 (alteração ao OE para 2012) introduziu alterações ao RGIT e agravou as penas aplicáveis ao crime de fraude fiscal em função do valor da vantagem patrimonial obtida pelos agentes em resultado do crime praticado.
De acordo com esse novo regime legal se a vantagem patrimonial for de valor superior a €200.000 (o que releva no que concerne aos arguidos Ramea e JA______ ) o crime de fraude fiscal é punido com pena de prisão de 2 (dois) a 8 (oito) anos para as pessoas singulares e multa de 480 (quatrocentos e oitenta) a 1920 (mil novecentos e vinte) dias para as pessoas colectivas.
Na redacção anterior, no crime de fraude fiscal, qualificado por qualquer uma das circunstâncias previstas no art. 104º, não era feita distinção, em razão do valor da vantagem patrimonial, aplicando-se a mesma moldura penal – de um a cinco anos de prisão para as pessoas singulares e de 240 a 1200 dias de multa para as pessoas colectivas – independentemente do valor dessa vantagem (desde que não seja inferior a 15.000€, caso em que a condutas descritas no artº 103º não eram sequer punidas).
De acordo com o disposto no art. 2º, nº 4 do C.P. “Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente (...)”.
Ou seja, “in casu” do simples confronto das disposições aplicáveis verifica-se que o regime à data dos factos será, necessariamente, o mais favorável e, assim, por ele optaremos.
*
b) Determinação das penas
Aos crimes de fraude fiscal perpetrados correspondem, então, penas de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) para as pessoas singulares e de multa de 240 (duzentos e quarenta) a 1200 (mil e duzentos) dias para as pessoas colectivas.
No âmbito das infracções fiscais “lato sensu” tem-se entendido que a afirmação social de certos valores de justiça constitucionalmente reconhecidos e incorporados por força da lei no sistema tributário não pode ser realizada, com os níveis de eficácia desejados, através da aplicação de uma simples pena de multa.
A função que pela via da prevenção geral positiva ao direito penal é assinalada neste domínio - intervir modeladoramente no sentido do reforço ou da consolidação da consciência colectiva relativamente às questões fiscais - suporá, deste ponto de vista, a aplicação, em regra, da pena de prisão.
Tem-se essencialmente em vista um certo tipo de criminalidade, protagonizada por pessoas que, manipulando os usos e regras da vida económica e revelando uma intolerável indiferença pelos objectivos de justiça distributiva para que se encontra vocacionado todo o sistema fiscal, praticam condutas altamente lesivas dos interesses colectivos, orientados pela ambição de enriquecimento, e essa é, de facto, a situação dos presentes autos.
Passemos, agora, à determinação da medida das penas.
«As finalidades de aplicação de uma pena assentam, em primeira linha, na tutela de bens jurídicos e na reintegração do agente de sociedade. Contudo, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 1 e 2, do CP).
Logo, num primeiro momento, a medida da pena há-de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos, no caso concreto, traduzindo a ideia de prevenção geral positiva, enquanto «reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida» [Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 72-73].
Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura assim encontrada, que as considerações de prevenção geral, quer positiva ou de integração, quer negativa ou de intimidação, não podem ultrapassar.
Por último, devem actuar considerações de prevenção especial, de socialização ou de suficiente advertência.
Os concretos factores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º 2 do artigo 71.º do C.P., relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção», Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1/3/2006, JTRP00038895, www.dgsi.pt.
* JA___ e CS___
Considerando, relativamente aos dois arguidos, que:
- As exigências de prevenção geral são muito elevadas e prementes, face à proliferação deste tipo de crimes, à natureza do bem jurídico protegido e à prática reiterada e generalizada da fuga aos impostos; são crimes de grande danosidade social que lesam (de forma deplorável) as finanças públicas (o bem público);
- Quanto aos crimes, em geral, a pluralidade de actos realizados, o lapso de tempo considerado (cerca de dois anos) o estratagema usado pelos arguidos que envolveu alguma astúcia, o/s valor/es elevado/s do prejuízo patrimonial causado ao Estado, o modo de execução com alguma sofisticação, apenas detectável na sequência do alerta das entidades bancárias;
- a culpa é de grau elevado, atento o dolo directo e a motivação de puro enriquecimento subjacente;
- a gravidade das consequências para o Estado que ainda perduram;
Mas também que:
- gozam de bom estatuto social e integração familiar.
No que concerne ao arguido JA___, de ponderar, ainda, que:
- o benefício/prejuízo é superior a seiscentos mil euros;
- não tem condenações registadas;
- admitiu a generalidade dos factos;
No que concerne ao arguido CS___, de ponderar, ainda, que:
- o benefício/prejuízo é de €174.977,13 (cento e setenta e quatro mil novecentos e setenta e sete euros e treze cêntimos).
- já tem duas condenações pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal e contra a segurança social.
Tudo sopesado, julga-se adequada a aplicação de uma pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão para o arguido JA______ e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão para o arguido CA________ (convictos de que, pese embora a diferença muito considerável dos montantes correspondentes aos benefícios/prejuízos, compensatoriamente o arguido JA___ não tem condenações registadas e admitiu a generalidade dos factos que lhe foram imputados e dados como assentes).
*
“Ramea Properties, LLC”, “ Barden Assets LLC” e “Barden Assets Mediação Imobiliária, Lda.”.
(…)
c)Da suspensão das penas de prisão aplicadas
Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 279/06.4GBOAZ.P1, in www.dgsi.pt., «Só há lugar à suspensão da execução de uma pena de prisão, atento o disposto no art. 50.º, n.º 1 do C. Penal (1995), se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime».
A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado [Ac. do STJ de 2002/Jan./09 (Recurso n.º 3026/01-3.ª) e 2007/Out./18, (Recurso n.º 3185/07) divulgados, respectivamente, em http://www.stj.pt e www.colectaneadejurisprudência.com)].
Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta “ante et post crimen” e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infracção.
Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
Porém, outros dos seus vectores é a protecção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
Na protecção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reacção penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica [Ac. STJ de 2007/Set./26, (Recurso n.º 2579/07), acessível em www.colectaneadejurisprudência.com].
Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.
E isto porque a suspensão generalizada e tida como “normal” ou “corrente” das penas de prisão de amplitude elevada, prejudica grandemente, por motivos óbvios de afrouxamento da reacção penal executiva, a eficácia preventiva do direito penal.
Por último, refere-se no Acórdão do S.T.J. de 9/4/2008, SJ20080409008255, in www.dgsi.pt. « (…) deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos (cf. preâmbulo do Código Penal de 1982).
Mas esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade e à devida protecção aos bens jurídicos postos em causa.
A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. «O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art. 50.º).
Neste sentido tem entendido este Supremo Tribunal: «o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade» (Ac. de 11-01-2001, proc. n.º 3095/00-5).
Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/9/2009, processo n.º 657/04.3TAMTS P1, JTRP00042919, in www.dgsi.pt., «O art. 50.º do Código Penal enuncia os pressupostos e a duração do período de suspensão, indicando-se nos art. 51.º e 52.º, os deveres ou regras de conduta a que pode estar subordinada essa suspensão.
Um desses deveres genéricos consiste na reparação do mal do crime a impor ao condenado, especificando-se depois alguns desses deveres.
*
No caso:
Tendo em conta as penas de prisão determinadas, o lapso de tempo já decorrido desde a prática dos factos (cerca de doze anos) a ausência de condenações registadas do arguido JA______ , a, ainda, atenuada gravidade das condenações já sofridas pelo arguido CA________ e a integração social e familiar de ambos, considera-se que se mostram, ainda, reunidas as condições do art. 50º, n.º 1 do C.P., pelo que se decide suspender as penas de prisão aplicadas.
*
Acresce, todavia, “in casu”, a urgência de tutela da reparação do prejuízo causado.
É que, a este propósito, dispõe o art. 14º do Regime geral das Infracções Tributárias (RGIT) que «A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos (…)»
Parafraseando, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/2/2018, proferido no processo n.º 27/06.9IDLRA.C1, in www.dgsi.pt, (citando o acórdão do tribunal colectivo proferido na primeira instância), sufraga o seguinte:
«O artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T. impõe obrigatoriamente a sujeição da suspensão de execução da pena de prisão relativa a crimes tributários, ao pagamento das quantias acima referidas. Para além de ser esta norma que estabelece o limite máximo aplicável ao período de suspensão. (…) Portanto, em obediência à lei não pode a pena de prisão fixada pela prática de crimes tributários ser suspensa sem que se estabeleça, como condição dessa suspensão, o pagamento das quantias de que o agente se apropriou.
De realçar que o Tribunal Constitucional se tem pronunciado pela não inconstitucionalidade do art.14.º do RGIT, enquanto condiciona obrigatoriamente a suspensão da execução da pena ao pagamento das quantias em dívida – v., entre outros, Acórdão n.º 335/03, 376/03, 500/05, 543/06, 29/07, 61/07, 1005/08, 556/09, 587/09 e 237/11, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt. Poder-se-á dizer que, face à precária situação económica dos arguidos, a sujeição dessa suspensão à condição de pagamento prevista no art. 14º do RGIT é irrealista, irrazoável e desproporcional, porque claramente incompatível com as suas capacidades financeiras; que, atentas as suas condições de vida apuradas, essa sujeição é desadequada e desproporcionada, podendo até pensar-se que pode conduzir a uma prisão por dívidas (o que é inconstitucional). A questão da eventual desconformidade deste regime (que supõe a obrigatoriedade da sujeição da suspensão da pena de prisão ao pagamento das quantias em causa, independentemente da situação económica do condenado) com os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da necessidade e proporcionalidade da pena foi já objecto de múltiplas decisões do Tribunal Constitucional no sentido da conformidade. O Tribunal Constitucional tem salientado, em apoio desta posição, o facto de ser sempre possível a alteração para melhor da situação económica do condenado e, sobretudo, o facto de a possível revogação da suspensão da pena pelo não pagamento nunca ser automática, mas depender sempre de uma avaliação judicial da culpa do condenado, não podendo um incumprimento não culposo ser fundamento de revogação dessa suspensão. Neste sentido podem ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 256/03, 335/03, 376/03, 500/05, 309/06, 543/06, 29/07, 61/07, 360/07, 377/07, 327/08, 427/08, 563/08, 244/09, 556/09, 587/09 e 237/11, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.»
Outrossim, consignou-se no (já acima) citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Fevereiro de 2013, proferido no processo 131/08.9IDPRT.P1, in www.dgis.pt., «O artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T. impõe obrigatoriamente a sujeição da suspensão de execução da pena de prisão relativa a crimes tributários ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, bem como dos montantes indevidamente obtidos.
(…) Poder-se-á dizer que, face à precária situação económica do arguido, a sujeição dessa suspensão a tal pagamento é irrealista, irrazoável e desproporcional, porque claramente incompatível com as suas capacidades financeiras.
A questão da eventual desconformidade deste regime (que supõe a obrigatoriedade da sujeição da suspensão da pena de prisão ao pagamento das quantias em causa, independentemente da situação económica do condenado) com os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da necessidade e proporcionalidade da pena foi já objecto de múltiplas decisões do Tribunal Constitucional no sentido da conformidade. O Tribunal Constitucional tem salientado, em apoio desta posição, o facto de ser sempre possível a alteração para melhor da situação económica do condenado e, sobretudo, o facto de a possível revogação da suspensão da pena pelo não pagamento nunca ser automática, mas depender sempre de uma avaliação judicial da culpa do condenado, não podendo um incumprimento não culposo ser fundamento de revogação dessa suspensão. Neste sentido podem ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 256/03, 335/03, 376/03, 500/05, 309/06, 543/06, 29/07, 61/07, 360/07, 377/07, 327/08, 427/08, 563/08, 244/09, 556/09, 587/09 e 237/11, in www.tribunalconstitucional.pt.
Assim, e quanto ao caso ora em apreço, se é certo que, face à actual situação económica do arguido recorrente, se afigura muito difícil o pagamento das quantias por ele devidas, as repercussões futuras de uma eventual falta de pagamento sobre a suspensão da execução da pena sempre dependerão de um juízo futuro a respeito do carácter culposo, ou não, dessa falta de pagamento.
Veio o Ministério Público junto desta instância invocar a doutrina do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2012 (publicado no Diário da República nº 206, Iª série, de 24 de Outubro de 2012). Este acórdão veio fixar jurisprudência no sentido seguinte:
«No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105º, nº 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14º, nº 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado de prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade por omissão de pronúncia.»
Ao contrário do que parece sustentar o Ministério Público junto desta instância no seu parecer, a doutrina deste acórdão não permite ultrapassar a obrigatoriedade da sujeição da suspensão de execução da pena de prisão ao pagamento das quantias devidas, nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.. Tal decorre, clara e inequivocamente, do próprio texto da parte dispositiva do acórdão e da sua fundamentação.
O que resulta do acórdão é, antes, que, a prévia opção por pena de prisão suspensa na sua execução (com o que isso implica de obrigatória sujeição dessa suspensão ao pagamento das quantias devidas, nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) em face da opção por outra pena (deve subentender-se, pena não privativa da liberdade), designadamente a pena de multa, está dependente de um juízo de prognose sobre a capacidade de o condenado pagar tais quantias, tendo em conta a sua situação económica presente e futura. A omissão desse juízo acarreta a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Esta jurisprudência, directamente aplicável ao crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1, do R.G.I.T. - crime punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução, nos termos indicados) ou pena de multa -, poderá ser aplicável a outros crimes tributários também puníveis com pena de prisão (também eventualmente suspensa na sua execução, nos termos indicados) ou pena de multa.
(…) Em conclusão, podemos dizer que a necessidade do juízo de prognose a que se reporta o acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012 só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) ou outra pena não privativa da liberdade»
*
Concordando-se integralmente com os argumentos aduzidos no citado aresto, sem necessidade de outros considerandos, determina-se, assim, que as penas de prisão aplicadas aos arguidos JA______ e CA_______ fiquem subordinadas ao pagamento por parte dos mesmos, da totalidade das quantias relativas aos pedidos civis (que venham, de seguida, a ser julgados procedentes), no período da suspensão, que se fixa pelo período máximo, ou seja, de 5 (cinco) anos, atentos os elevados montantes em causa e as actuais condições económicas dos arguidos.
3.3. Do pedido de indemnização civil
(…)
IV - DECISÃO
Face a todo o exposto, o Tribunal Colectivo decide:
a) Absolver os arguidos “Ramea Properties, LLC”, “ Barden Assets LLC”, “Barden Assets Mediação Imobiliária, Lda.”, JA______ e CA_______ da prática do crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368º-A, n.º 1 e 2 do C.P., que lhes foi imputado;
b) Condenar os arguidos “Ramea Properties, LLC” e JA___, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103º, n.º 1 e 104º, n.º 1, al. a), f) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6, nas penas, respectivamente, de 500 (quinhentos) dias de multa, à taxa diária de €10 (dez euros) e de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
a) Condenar os arguidos “Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda.”, “Barden Assets, LLC” e CA_______ pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 103º, n.º 1 e art. 104º, n.º 1, al. f) e g) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, nas penas, respectivamente, de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €10 (dez euros) e de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) Suspender a execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos JA______ e CA_______ , pelo período de 5 (cinco) anos, com a obrigação de procederem, respectivamente, ao pagamento das quantias de €624.808,79 (seiscentos e vinte e quatro mil, oitocentos e oito euros e setenta e nove cêntimos) e de €174.977,13 (cento e setenta e quatro mil, novecentos e setenta e sete euros e treze cêntimos), no período da suspensão;
c) Condenar os arguidos “Ramea Properties, LLC”, “ Barden Assets LLC”, “Barden Assets Mediação Imobiliária, Lda.”, JA______ e CA_______ no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 U.C., e demais encargos legais, tudo conforme o disposto nos art. 513º e 514º do C.P.P. e 8º n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais;
d) Julgar parcialmente procedente o pedido civil deduzido pelo Ministério Público, em representação da Administração Fiscal e, em consequência, condenar os demandados “Ramea Properties, LLC” e JA______ no pagamento da quantia total de €624.808,79 (seiscentos e vinte e quatro mil, oitocentos e oito euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal (anual) de 4%, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento;
e) Julgar parcialmente procedente o pedido civil deduzido pelo Ministério Público, em representação da Administração Fiscal e, em consequência, condenar os demandados “Barden Assets – Mediação Imobiliária, Lda.”, “Barden Assets, LLC” e CA_______ no pagamento da quantia de €174.977,13 (cento e setenta e quatro mil, novecentos e setenta e sete euros e treze cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal (anual) de 4%, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento;
f) Condenar os demandados no pagamento das custas civis, na proporção do respectivo decaimento;
Após trânsito em julgado
g)Ordenar a remessa de boletins à D.S.I.C.C;
h) Ordenar a remessa de certidão à Autoridade Tributária.
Lisboa, 5 de Julho de 2019”
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Cumpre agora, nesta sede, analisar cada um dos fundamentos de recurso.
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(i) Da nulidade ou irregularidade do despacho que determinou a separação do processo no que respeita à arguida “Porta Grande, Sociedade de Imediação Imobiliária”, exarado a 21/2/2018 na sessão de julgamento dessa data (recurso interlocutório do 4.º arguido interposto em 3/4/2018).
No recurso interlocutório interposto em 3/4/2018, o arguido (4) JA______ pede que seja revogada a descisão que determinou a separação do processo, exarada a 21/2/2018, no que respeita à arguida “Porta Grande – Sociedade de Imediação Imobiliária”, que deverá ser substituída por outra que determine a anulação da separação dos processos e o consequente julgamento único e comum.
Fundamenta-se, para tanto, na alegada existência duma “relação intrínseca” entre os factos imputados na acusação aos diversos arguidos, desde logo à mencionada “Porta Grande” e à sociedade “Ramea Properties, LLC”, ambas por si representadas, em termos que tornariam o julgamento em separado dos arguidos susceptível de atentar contra os seus direitos de defesa (e dos demais arguidos que também se opuseram à separação determinada pelo tribunal recorrido). Assim, realça a existência de conexão objectiva entre os factos imputados aos diversos arguidos acusados, desde logo à “Porta Grande” e a si próprio, a título pessoal; algo que tornaria injustificada a decisão recorrida, por falta de fundamentação bastante para colocar “em causa, in casu, os benefícios atinentes à conexão processual e legal” (sic). Refere, ainda, que a defesa da pretensão punitiva do Estado do direito a um julgamento mais célere não seriam razão suficiente para “denegar” à “Porta Grande” o direito de “requerer abertura de instrução”, sendo assim igualmente denegado aos demais arguidos o direito de aproveitarem eventual decisão de não pronúncia, ao abrigo do disposto no n.º 4 do Art.º 307.º do Código de Processo Penal (CPPenal). Mais alega a ausência de fundamentação da decisão recorrida, por falta de especificação dos respectivos motivos de facto e de direito. Por fim, o mesmo recorrente defende que a decisão de separação de processos por si impugnada violaria os princípios da “vinculação temática”, do pedido e do acusatório, desde logo pela simples possibilidade de eventual contradição de julgados necessariamente decorrente da separação de processos objectivamente conexos.
Cumpre apreciar.
Tal como se pode constatar da consulta dos autos, esta decisão de separação do processo não deve ser analisada de per si, antes inserida naquele que foi o historial do processo e também a sua dinâmica intrínseca.
Assim sendo, constata-se o seguinte:
. foi deduzida acusação contra diversos arguidos em 13/4/2016 (com rectificação em 274/2016), pela prática, em co-autoria de crimes de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais (ver fls. 2734 a 2774 e fls. 2780 a 2820);
. entre esses arguidos encontrava-se o arguido, aqui recorrente, a já referida sociedade “Ramea LLC”, por si representada, e a “Porta Grande” - que, à data dos factos, seria efectivamente gerida pelo arguido, mas que era formal e registralmente gerida por uma sua filha (ver arts. 39.º e 40.º da acusação);
. conforme resulta de fls. 2843, 2844 e 2877, essa acusação foi devidamente notificada por via postal simples ao ora recorrente, que havia sido constituído como arguido e prestado T.I.R., por si e enquanto legal representante da “Ramea LLC”;
. quanto à identificada “Porta Grande”, foi a mesma constituída como arguida com a dedução de acusação, dado não ter sido possível ouvir o seu legal representante em sede de inquérito (ver fls. 2780 e 2781);
. após a dedução dessa acusação, já depois de se revelar inviável a localização do legal representante da “Porta Grande” naquela que seria a sua morada (ver fls. 2851, 2852 e 2881 a 2885), procurou-se localizar e notificar pessoalmente enquanto tal o ora recorrente, por se ter erradamente concluído, com base no respectivo registo comercial dessa sociedade, que lhe caberia tal representação;
. porém, tendo-se revelado inviável a localização do ora recorrente (ver fls. 2892 a 2902), foi ordenada a remessa a julgamento dos autos ao abrigo do disposto no n.º 5 do Art.º 283.º do Código de Processo Penal, no que que se refere à arguida “Porta Grande” (e a outros arguidos não referidos supra) - sem que qualquer dos arguidos devidamente notificados, entre eles o ora recorrente, tenham requerido abertura de instrução (ver fls. 2929);
. a acusação foi recebida no Juízo Central onde veio a decorrer o julgamento em 20/10/2016, sendo então determinado o cumprimento do disposto no n.º 2 do Art.º 313.º do Código de Processo Penal, com notificação do ora recorrente por via postal simples, por si e como legal representante da “Ramea LLC” (ver fls. 2933 a 2936, 2939, 2940 e 2953);
. tendo-se mostrado inviável a notificação do legal representante da “Porta Grande” através da autoridade policial, foi o ora recorrente notificado por via postal simples enquanto tal, para a morada do T.I.R. por si prestado e nos termos do n.º 2 do Art.º 313.º do Código de Processo Penal, dado se ter mais uma vez erradamente concluído ser ele o representante registado (ver fls. 2970 a 2976 e 2995 a 2998);
. conforme decorre de fls. 3004, 3005, 3017 e 3018, foi adiada sine die a realização de julgamento, em 21/2/2017, sendo os autos redistribuídos em 2/5/2017, com notificação ao ora recorrente na qualidade, para além do mais, de representante da “Porta Grande”;
. posteriormente, após resolução de conflito negativo de competência suscitado com a comarca de Lisboa Oeste, foram designadas novas datas para julgamento no mesmo Juízo Central, em 3/11/2017, sendo mais uma vez o arguido notificado na qualidade, para além do mais, de representante da “Porta Grande” (ver fls. 3099, 3102, 3103 e 3174);
. verificando-se, antes ainda do início do julgamento, que o representante registado da “Porta Grande” não seria afinal o ora recorrente, tentou-se a notificação pessoal do seu filho, através da autoridade policial, nos termos e para os efeitos previstos nos Art.ºs 283.º e 313.º do Código de Processo Penal, algo que viria a mostrar-se inviável (ver fls. 3155, 3167, 3168 e 3278 a 3288);
. chegada a data fixada para início do julgamento, em 31/1/2018, com a presença do ora recorrente, este afirmou ser realmente o legal representante da “Porta Grande”, havendo lapso no registo comercial, algo que determinou o adiamento da audiência até 21/2/2018, a fim de se tentar então assegurar o julgamento conjunto dessa “Porta Grande” com os demais arguidos notificados (ver fls. 3245-A a 3425-D);
. no dia 21/2/2018, tendo já sido possível confirmar a existência de lapso no registo comercial e tendo este sido rectificado (ver fls. 3319 a 3322), deu-se início à audiência de julgamento, tendo nesse dia o ora recorrente prestado declarações (ver fls. 3327 a 3332);
. antes, porém, conforme consta da respectiva acta, foi suscitada a questão da submissão a julgamento da arguida “Porta Grande”, dado ter sido possível confirmar que o ora recorrente seria o seu legal representante - tendo este último referido, enquanto tal, não prescindir do prazo para requerimento de instrução em nome da sua representada; e
. perante esta posição dessa arguida “Porta Grande”, foi decidido que esta última deveria ser notificada com expressa advertência de que poderia requerer abertura de instrução no prazo legal e determinada a separação de processos, nos moldes acima descritos.
Face a este historial temos para nós que o arguido não tem razão nos fundamentos deste seu recurso (intercalar).
Vamos explicar o porquê dessa nossa conclusão. Tendo por referência os pressupostos a que estão adstritas a conexão e separação de processos na atenção ao objecto do processo, às razões que estiveram na origem da conexão de cariz subjectivo e objectivo e às garantias de quem é acusado e foi julgado no presente processo, bem como a fundamentação em que a mesma se formalizou.
Quanto à alegada falta de fundamentação da decisão recorrida.
Ora compulsado o conteúdo e a fundamentação deste despacho que ordenou a separação de processo de 21/2/2018, verificamos que o mesmo contém a descrição da situação processual em causa (os factos) e também os fundamentos de direito (razão de decidir) em que assenta o respectivo juízo decisório e argumentação, a qual, pode ser naturalmente objecto de discordância mas não se demonstra omissa ou ininteligível.
Ora, se é verdade que por força do preceituado no Art.º 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, todos os actos decisórios têm de ser fundamentados, entendendo-se expressamente que a fundamentação tem de conter a especificação dos motivos de facto e de direito em que se baseia a decisão, não é menos verdade que estes despachos não terão de ser estruturados e assumir o grau de fundamentação das decisões finais (sentenças ou acórdãos).
Por isso, constata-se que o despacho que conheceu da separação de processos, contém o enunciado, sucinto mas perceptível e completo, dos factos descritivos das questões a apreciar bem como a afirmação de um juízo autónomo sobre todas as questões suscitas a esse propósito, nos moldes acima apontados.
Pelo que se considera, não verificada a alegada falta de fundamentação desta decisão recorrida.
Quanto à não verificação dos pressupostos da separação de processos.
Tendo em vista objectivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como prevenir a contradição de julgados, em certas situações previstas nos Art.ºs 24.º e 25.º do CPPenal, a lei admite restrições ao funcionamento das regras gerais de competência material, funcional e territorial, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente, para a melhor realização da justiça, que todos sejam apreciados conjuntamente.
Operada a conexão e “organizado um único processo” também se admite, o caminho inverso, isto é, que em determinadas situações, verificados certos pressupostos, ocorra a separação de processos.
A conexão determinante da competência pode ser a) pessoal ou subjetiva, quando uma pluralidade de infrações se encontra relacionada através da unidade do agente; b) material ou objetiva, quando, sendo dada uma pluralidade de infrações e de agentes, a sua relacionação se faz através da própria materialidade ou conteúdo das infrações; c) mista (pessoal e material) quando os dois tipos de relacionação atrás apontados convergem no mesmo caso concreto.
Sendo a conexão de processos imposta para satisfazer interesses de economia processual, celeridade, uniformidade de julgados, otimização probatória, etc., o certo é que pode gerar também consideráveis dificuldades de gestão processual e prejuízo para outros interesses, públicos e privados, e para direitos fundamentais de sujeitos e participantes envolvidos no processo. Risco que recomenda a previsão da possibilidade de cessação da conexão, designadamente, quando os benefícios por ela propiciados sejam suplantados pelos danos que pode acarretar. Nesse sentido, o Art.º 30.º do CPPenal abre a porta à separação de processos, mediante cessação da conexão, num conjunto diversificado de situações. Só nestes casos, de recurso ao regime do Art.º 30.º para desagregação de processos anteriormente conexos, haverá que falar em separação de processos. Com efeito, quando a conexão seja removida por se constatar não estarem reunidos os pressupostos para a conexão processual, que por isso se mostra indevidamente realizada, do que se tratará é de uma reposição da legalidade processual, que, naturalmente, não carece da mediação do aludido Art.º 30.º.
De acordo com o n.º 1 do Art. 30.º, a cessação da conexão pode ser decidida pelo tribunal, oficiosamente ou a requerimento, nas seguintes situações, não de modo, digamos, “automático”, mas mediante um juízo que contraponha as desvantagens que lhes são inerentes com as vantagens que advêm da manutenção da conexão.
A ponderação que então houver de fazer-se há-de ocorrer tendo em consideração apenas os parâmetros do Art.º 30.º do Código de Processo Penal, isto porquanto somente tal regime tem virtualidade para permitir o controlo judicial sobre a existência de desrespeito a qualquer princípio ou norma legal que fosse imperioso acatar-se, e possibilita a ponderação sobre a emergência, em maior dano do que benefício para todos, designadamente para os arguidos.
Assim, em Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, “Sujeitos Processuais Penais: O Tribunal”, Texto de apoio ao estudo da unidade curricular de Direito e Processo Penal do Mestrado Forense da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2015/2016), 2015, Coimbra, pp. 59-61, disponível em https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/1083; e, do mesmo modo, o Ac. da RC de 27/6/2018, processo n.º 139/16.0T9ACB-J.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/fcc372d3e13d3d30802582fa004fee20?OpenDocument.
Aliás, sintomaticamente, o referido artigo contém em todas as suas alíneas a menção a adjectivos que induzem e apontam decisivamente num carácter quase de excepção ao decretar então da “separação” de processos.
Relembramos (e sublinhamos) que, oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns processos sempre que houver separação de processos em face de um interesse ponderoso e atendível do arguido, um grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado, o atraso excessivo do julgamento de um dos arguidos, a declaração de contumácia, o julgamento na ausência do arguido e a conveniência da separação, e o julgamento pelo tribunal do júri a requerimento de outro arguido (cfr. Art.º 30.º, n.º 1 do CPPenal).
Há separação de processos em face de um interesse ponderoso e atendível do arguido, um grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado, o atraso excessivo do julgamento de um dos arguidos, a declaração de contumácia, o julgamento na ausência do arguido e a conveniência da separação, e o julgamento pelo tribunal do júri a requerimento de outro arguido.
Esta disposição normativa é taxativa e excepcional. Os "tipos-padrão" descritos pelo legislador admitem interpretação extensiva, mas não aplicação analógica. Além desta disposição, podem ser encontradas outras na legislação complementar, como por exemplo, o Art.º 42.º da Lei n.º 34/87, de 16/7, que funciona com base na apreciação ope judicis em concreto da existência de "razões de celeridade" que justifiquem a necessidade do julgamento em separado.
Considere-se que a disposição constitucional, assim interpretada, não se demonstra inconstitucional em face do Art.º 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa (CRPortuguesa), pois a mesma CRPortuguesa não veda o desaforamento com base em critérios fixados previamente na lei (ver a anotação ao Art.º 5.º).
Muito menos se pode considerar que tal mecanismo se pode considerar violador do princípio do pedido e da vinculação temática (identidade do objecto processual).
Assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição actualizada, 2008, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 104-105.
“A verificação dos pressupostos e fundamentos da separação deve ser efectuada pelo tribunal oficiosamente ou a requerimento e o tribunal faz cessar a conexão sempre que considere consistentemente preenchida alguma das circunstâncias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1. O julgamento sobre os pressupostos supõe, assim, uma discricionariedade vinculada num duplo sentido: a verificação e a consistência dos fundamentos têm de resultar da ponderação entre as finalidades da conexão de processos e as imposições de sentido contrário que apontam para separação (economia processual v. direitos dos sujeitos processuais; prevenção de contradição de decisões v. prazos de medidas de coacção privativas da liberdade, ou risco de retardamento excessivo); mas, considerado como verificado o juízo sobre o pressuposto, a separação deve ser determinada (“faz cessar”, “sempre que”)” – assim, António Henriques Gaspar e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Coimbra: Almedina, pp. 108.
Ora, para além do que acima se descreve no historial do processo, sabe-se que o mesmo assenta numa investigação e de um processo iniciado em 2010 que adquiriu uma impressiva complexidade, patente no volume dos autos, dos seus imprevistos e das sessões de julgamento que decorreram durante um tempo do mesmo modo assinalável.
Por outro lado, pese embora a manifesta existência de conexão objectiva entre os factos imputados ao recorrente e à sua representada “Porta Grande” (que, no caso, é realmente uma total identidade, dado que os actos imputados à sociedade arguida terão sido praticados pelo recorrente, ou por sua determinação), julga-se ser neste caso inequívoco que os benefícios eventualmente decorrentes da manutenção da conexão, desde logo em termos de potencial economia e celeridade processual ede afastamento do risco de contradição de julgados, são superados pelo manifesto perigo para a pretensão punitiva do Estado decorrente da não realização imediata do julgamento quanto a todos os arguidos que não julgaram necessário requerer abertura de instrução - entre os quais se inclui o ora recorrente, não apenas a título pessoal mas como legal representante da Ramea LLC” e da própria “Porta Grande”.
A jurisprudência da Relação do Porto mencionada pelo recorrente (Ac. da RP de 24/10/2007), não tem directa aplicação no caso presente, isto porque, para além de naquele acórdão estar em causa uma instrução requerida logo após notificação efectuada ao abrigo do disposto no n.º 2 do Art.º 313.º do CPPenal, que não já depois de iniciado o julgamento, como aqui seria pretendido pelo recorrente, resulta do respectivo texto, que aí apenas foi determinado não ser obrigatória a separação de processos em tal caso, devendo antes avaliar-se se, em concreto, a mera realização de instrução implicaria “retardamento excessivo do julgamento de qualquer dos arguidos”, o que não seria ali o caso.
Quanto às considerações efectuadas no recurso interposto a respeito das consequências alegadamente lesivas para a defesa dos arguidos decorrentes da decretada separação, no âmbito do presente processo, julga-se ser manifesta a sua falta de pertinência, desde logo no que ao ora recorrente se refere.
Com efeito, ao contrário do que parece ser entendimento do recorrente, a ordenada separação não implicou quaisquer modificações de facto ou de direito nos factos que lhe são pessoalmente imputados, como não implicou qualquer modificação dos factos imputados à “Porta Grande”, por si representada; podendo o arguido defender-se nos presentes autos como o faria em caso de manutenção da conexão (e no julgamento pode explicar a origem dos dinheiros e justificar toda a contabilidade) e a “Porta Grande” vir a fazer o mesmo quando for submetida a julgamento.
Por fim, constata-se que, tendo sido entretanto realizadas diversas sessões de julgamento com produção de prova, não veio a arguida “Porta Grande” requerer abertura de instrução no prazo legalmente fixado, na sequência da notificação que lhe foi efectuada em 21/2/2018, podendo tê-lo feito, o que justifica mais ainda que na presente situação não se encontra em causa, efectivamente, o direito de defesa de nenhum dos arguidos. Razões pelas quais se julga não provido este primeiro recurso intercalar, porque improcedentes todos os seus fundamentos.
***
(ii) Da nulidade ou irregularidade do despacho de comunicação da alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica proferido na sessão de julgamento de 20/12/2018, suscitada pelo 4.º arguido e indeferida pelo tribunal a quo em despacho de 9/1/2019 (recurso interlocutório do 4.º arguido interposto em 11/2/2019).
O arguido (4) JA______ , aqui recorrente, veio recorrer, também assim, do despacho de 9/1/2019 que inferiu a arguição de nulidade ou de irregularidade que o mesmo fez do despacho de comunicação da alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica proferido na sessão de julgamento de 20/12/2018.
Alega, neste seu recurso, em síntese, que o mencionado despacho de comunicação da alteração (não substancial e da qualificação jurídica) não se encontra concretizado, como deveria acontecer, com os meios de prova em que assenta a aludida alteração, o que redunda na sua nulidade por falta de fundamentação, por violação dos Art.ºs 61.º, n.º 1, e 97.º, ambos do CPPenal, e 205.º da CRPortuguesa. Mais advoga uma sinonímia com as regras de formalização e estrutura da sentença ou, no mínimo, da própria acusação, nos termos do Art.º 283.º do CPPenal. Aduz também que a interpretação que foi dada ao Art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal, viola o disposto no Art.º 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRPortuguesa.
Na resposta a este recurso o Ministério Público suscitou a intempestividade da arguição da respectiva irregularidade processual uma vez que a mesma deveria ter sido realizada no próprio acto ou pelo menos na sequência da inserção da versão escrita no sistema Citius nessa mesma data.
Todavia, afastando-nos desta posição assumida pelo Ministério Público, a decisão que se encontra aqui em causa é o próprio despacho que indefere a arguição da invalidade e na qual se procede ao conhecimento de fundo do próprio requerimento e não se levanta qualquer problema de tempestividade.
Nesse sentido, a questão da tempestividade encontra-se ultrapassada por via da abordagem em primeira instância dos próprios pressupostos do requerimento indeferido, o que se passará a fazer na sua devida conformidade.
Resta explicitar, por outra via, que a matéria em questão da ausência de fundamentação se deve considerar como de conhecimento oficioso (estando aqui a falta de fundamentação em causa, conforme estipula o Art.º 123.º, n.º 2, do CPPenal), pelo que haveria sempre que a apreciar para considerar da sua pertinência ou impertinência.
Nessa certeza, cumpre apreciar da bondade dos fundamentos deste outro recurso interlocutório.
Estatui o Art.º 358.º do CPPenal, relativo à alteração não substancial de factos descritos na acusação ou na pronúncia, o seguinte:
«1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente para a preparação da defesa.
2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3. O disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.»
O Art.º 359.º reporta-se, por seu turno, à alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tendo sofrido relevantes alterações com a revisão introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, estabelecendo a distinção entre factos novos autonomizáveis e não autonomizáveis.
A questão fundamental em causa no âmbito da alteração dos factos (e da qualificação jurídica) é, ainda, a afirmação da estrutura acusatória do processo que deve ter o seu objecto balizado pela acusação ou pela pronúncia, quando a houver.
Quer isto dizer que a acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, nem condenar para além desses limites, o que constitui uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.
No entanto, como refere Germano Marques da Silva, «por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo», (cfr. Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, III, 2.ª edição, p. 273).
Tem sido, pela jurisprudência considerado que não existe uma alteração dos factos integradora do Art.º 358.º, quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou da pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos (cfr. Ac. Tribunal Constitucional n.º 330/97 in DR II 1997/Jul./03).
Por seu turno, não constituirá alteração substancial dos factos (cfr. Art.º 359.º do Código Penal) quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes – cfr. Ac. STJ de 1991//Abr./03, 1992/Nov./11 e 1995/Out./16 in BMJ 406/287, 421/309, www.dgsi.pt.
Também tal não ocorrerá quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a acção do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia – assim, no Ac. TC n.º 387/2005, de 2005/Jul./13, in DR II 2005/Out./19.
Não se poderá falar, do mesmo modo, de alteração dos factos com relevo para a decisão, quando a decisão condenatória se sustenta «exclusivamente nos factos constantes da acusação e da contestação e o recorrente não foi surpreendido com os factos, dadas as considerações que precedem (cfr. o Acórdão do STJ de 23/6/2005, processo n.º 1301/05, Colectânea de Jurisprudência, 184, Tomo 2, /2005).
Daí que se possa dizer, que “só constitui alteração substancial dos factos a modificação que se reporte a factos constitutivos do crime e a factos que tenham o efeito de imputação de um crime punível com uma pena abstracta mais grave. A modificação dos restantes factos que constem da acusação ou da pronúncia constitui alteração não substancial dos factos, desde que sejam relevantes para a decisão da causa” e que “(…) não há crime diverso em face da mera alteração das circunstâncias da execução do crime (incluindo o dia, hora, local, modo de execução e instrumento do crime), desde que essas circunstâncias não constituam elementos do tipo legal, nem constituam um outro facto histórico unitário” – assim, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2007, pp. 41).
E no que respeita à alteração da qualificação jurídica, é hoje claro que à face do Art.º 358.º, n.º 3, do CPPenal, conforme se diz no Ac. da Relação de Coimbra de 17-09-2008, «a evolução interpretativa a que se foi procedendo, tanto no plano constitucional como na jurisprudência do nosso mais alto Tribunal, aportaram a necessidade de consolidar a ideia cardeal de no uso do instituto da alteração substancial dos factos se consolidar a plenitude de garantias de defesa exigidas pelo artigo 32.º, n.º 1, do texto constitucional, tornando clarividente que do ponto de vista que ao direito importa é a referência dos acontecimentos às normas jurídicas, e ao processo, os comportamentos humanos que pela lei são declarados passíveis de sancionamento. Neste contexto o direito de defesa tem de ser configurado também em função da consequência jurídica decorrente do concreto substrato factológico imputado ao arguido».
No despacho proferido pelo tribunal a quo e também do acórdão, o que resulta, não passa de uma mera alteração das circunstâncias da execução do ilícito, mantendo-se inalteráveis os elementos factuais essenciais ao tipo legal em causa nos autos. Na verdade, trata-se do mesmo acontecimento unitário de acção, com uma mera modificação das referências circunstanciais e de qualificação jurídica de alguns dos factos.
Mas neste seu recurso, o arguido (4) JA______ , aqui recorrente, suscita uma questão de forma ou de conteúdo do despacho ou da comunicação realizada pelo tribunal a quo. No seu entender, ela terá ferida de nulidade ou de irregularidade por não ter sido fundamentada com alusão aos meios de prova em que se baseou.
Vejamos.
Tal como resulta do acima mencionado, o nosso processo penal, de estrutura basicamente acusatória integrado por um princípio de investigação, admite que, sendo a descrição dos factos na acusação uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime acusado possam constar desde logo dessa peça, podendo surgir durante a discussão factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos, matéria regulada nos Art.ºs 303.º, 358.º e 359.º que distinguem entre “alteração substancial” e “alteração não substancial” dos factos descritos na acusação ou pronúncia.
Para essa distinção releva a definição constante do Art.º 1.º, n.º 1, f), segundo a qual se considera alteração substancial dos factos “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
O mencionado Art.º 359.º rege para a alteração substancial e determina que tal alteração da factualidade descrita na acusação não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância.
Tratando-se de novos factos autonomizáveis em relação ao objecto do processo, a comunicação da alteração ao Ministério Público vale como denúncia (n.º 2), ressalvando-se a possibilidade de acordo entre o Ministério Publico, o arguido e o assistente na continuação do julgamento se o conhecimento dos factos novos não determinar a incompetência do tribunal (n.º 3), concedendo-se então ao arguido, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário (n.º 4).
Diversamente, se a alteração dos factos for não substancial, isto é, não determinar uma alteração do objecto do processo, então o tribunal pode investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação ou da pronúncia e que tenham relevo para a decisão da causa, exigindo-se, porém, que ao arguido seja comunicada a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (n.º 1 do Art.º 358.º), ressalvando-se os casos em que a alteração derive de factos alegados pela defesa (n.º 2).
Por seu turno, o Art.º 379.º, n.º 1 estabelece as situações em que uma sentença é nula, sendo uma delas, no que ora interessa, a prevista na sua alínea b), o que sucederá quando se “condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º”.
Ínsito a tais preceitos encontra-se subjacente o princípio do contraditório, o qual, encarado no ponto de vista do arguido, pretende assegurar os seus direitos de defesa com a abrangência imposta pelo Art.º 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República, no sentido de que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão deve ser proferida, sem que previamente tenha sido precedida de ampla e efectiva possibilidade de ser contestada ou valorada pelo sujeito processual contra o qual aquelas são dirigidas.
Trata-se, no fundo, do “direito de ser ouvido”, enquanto direito de se dispor de uma efectiva oportunidade processual para se tomar uma posição sobre aquilo que o afecta.
A comunicação ao arguido da possibilidade da alteração ou da convolação tem lugar durante a audiência de julgamento no tribunal de primeira instância, isto é, antes da decisão da convolação propriamente dita, que tem lugar na sentença ou no acórdão final. E isto porque a comunicação visa permitir ao arguido a modificação da "estratégia de defesa" no que esta pode comportar de "escolha deste ou aquele advogado, a opção por determinadas provas em vez de outras, o sublinhar de certos aspectos e não de outros etc" (assim, no acórdão do TC n.º 519 /98).
Esta comunicação deve ser precisa, com indicação exacta da nova qualificação jurídica ou do novo facto. A notificação deve ser feita ao defensor do arguido.
E, quanto a nós, a lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do n.º 1 do Art.º 358.º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por se tratar de factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova, o que o arguido, no caso em apreço, não fez.
Frederico Isasca chama justamente a atenção para a circunstância de a produção da prova ser algo que pressupõe que os factos sobre que recai façam parte do objecto do processo, o que, no caso do Art.º 358.º, só é possível após a comunicação ao arguido da alteração e da concessão dos direitos de defesa que o preceito impõe.
Assim, refere este autor, “[n]ão é, pois, correcto, neste contexto, falar-se de factos provados ou não provados. O mais que se poderá afirmar é que estão indiciados ou fortemente indiciados” – assim, Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, Coimbra: Almedina, 1999, pp. 200-201, nota 2.
A referência meramente formal aos meios de prova que dão origem à comunicação dessa alteração não substancial de factos, neste procedimento meramente provisório que visa acautelar o sentido da defesa do arguido e a plenitude do contraditório, que ainda necessita de ser devidamente fundamentada na decisão final (sentença ou acórdão), não pode deixar de basear-se na prova que veio a ser efectivamente produzida em audiência de julgamento, em toda a sua dinâmica e efectividade.
A analogia com a acusação ou com a pronúncia, para o disposto no Art.º 283.º do CPPenal, não procede, pois aqui estamos na fase de julgamento, após o decurso de toda a produção de prova, estando defesa e acusação bem cientes dos meios de prova que vieram a ser efectivamente produzidos. Aliás, qualquer fundamentação acrescida ou indicação provisória de quais os meios de prova que levaram (e não levaram, por exclusão de partes) a essa alteração, poderia redundar numa deturpação do sentido decisório e da motivação de facto que tem sempre lugar (deve ter lugar), em toda a sua plenitude, na decisão final e não neste passo prévio de comunicação sempre provisória no seu alcance.
Não se trata de motivar e considerar os factos provados e não provados, com uma fundamentação. Trata-se, apenas, que considerar em passo prévio que em face dos trabalhos da audiência de julgamento o tribunal pondera com grau de certeza assinalável que irá ter em conta a seguinte alteração de factos (substancial ou não substancial).
Comunicação provisória essa aliás, que dada a sua finalidade, não vale enquanto definição de caso julgado, podendo depois o tribunal, sem prejuízo de nova necessidade de abertura de contraditório, alterar de novo o enquadramento dos factos e, por maioria de razão, a qualificação jurídica.
Posição mais exigente como aquela defendida pelo recurso deste arguido (com base nos citados Acs. da RC de 13/12/2011 e 18/9/2011), iria introduzir uma perturbação evitável no procedimento deliberativo e de fundamentação do tribunal e que nada resulta em favor do cumprimento do assim já salvaguardado contraditório.
Assim, no sentido aqui também defendido, o Ac. da RC de 14/1/2015, processo n.º 72/11.2GDSRT.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/b128b7f4d8e6dfc880257dcf00424113?OpenDocument.
No que respeita à alteração da qualificação jurídica dos factos, temos ainda que precisar que tendo a mesma assentado numa mera requalificação da participação dos agentes de co-autoria para autoria, a comunicação dessa alteração nem se impunha, à semelhança do que acontece com a imputação de um crime menos grave do que o da acusação ou da pronúncia, visto a situação não constituir uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do arguido – assim, no Ac. do STJ de 5/11/2009, CJ STJ 2009, t3, pp. 205, citado por Oliveira Mendes, em anotação a este Art.º 358.º, em António Henriques Gaspar e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Coimbra: Almedina, pp. 1128-1129.
Neste sentido, também, Paulo Pinto de Albuquerque, ao mencionar que “a condenação do arguido por uma forma equivalente de manifestação do mesmo tipo penal (gleichwertige Erscheinungsformen des niihmlichen einheitlichen Tatbestandes, na expressão do Reichsgericht, CLAUS ROXIN / HANS ACHENBACH, 2006: 191): assim, a condenação pelo crime previsto no artigo 256.º, n.º 1, al.ª a), e n.º 3, de arguido acusado pelo crime previsto no artigo 256.º, n.º 1, al.ª c), e n.º 3, ambos do CP (acórdão do STJ, de 6.4.2006, in CJ, Acs. do STJ, XIV, 2, 161); ou a condenação pelo crime previsto no artigo 227.º, n.º 3, de arguido acusado pelo crime previsto no artigo 227.º, n.º 1, als. a) e b), e n.º 2, ambos do CP {acórdão do TRC, de 6.12.2006, in CJ, XXXI, 5, 51, por identidade de razão); ou a condenação como autor de um arguido acusado em co-autoria (acórdão do STJ, de 9.11.2005, in CJ, Acs. do STJ, XIII, 3, 205); ou a condenação pelo crime previsto no artigo 287.º, n.º 1e3, do CP de 1982 de um arguido acusado pelo crime previsto no artigo 287.º, n.º 3, do CP de 1982 (acórdão do TRL, de 3.7.2002, in CJ, XXVII, 4, 124)” – assim, no seu Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição actualizada, 2008, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 908.
Este entendimento que foi aqui defendido é ainda mais salientado pelas características do caso presente.
Quanto às alterações de factos comunicadas pelo tribunal a quo, bastará um breve exame das mesmas, por comparação com aquilo que consta dos pontos correspondentes da acusação, para comprovar não ter a maioria delas qualquer relevância do ponto de vista dos direitos da defesa - não merecendo sequer, em vários casos, ser qualificadas como alteração de factos, por estar em causa a mera rectifícação de lapsos de escrita cometidos na acusação, evidentes perante a simples leitura da mesma.
É esse desde logo o caso, conforme resulta do despacho que determinou as alterações a comunicar e dos esclarecimentos adicionais informalmente efectuados em audiência pela Mm.ª Juíza Presidente, das alterações incidentes sobre os arts. 38°, 77°, 85°, 87° e 88° da acusação.
Quanto às demais alterações, também aquelas que incidem sobre os arts. 30°, 68° e 114° da acusação dizem respeito a claros e manifestos lapsos desta peça processual, embora estejam aqui em causa lapsos cuja correcção não poderá ser efectuada sem recurso a elementos exteriores a tal peça processual (no caso o relatório da Autoridade Tributária mencionado pela Mma Juiz Presidente nos esclarecimentos adicionais por si prestados em audiência).
Por fim, as alterações a efectuar nos arts. 28° e 69° da acusação, complementares entre si, são já de maior relevância, do ponto de vista dos arguidos, exigindo a respectiva prova o recurso a análise de documentação bancária apreendida e junta aos autos.
Sucede que, conforme mencionado pela Mm.ª Juiz Presidente nos esclarecimentos adicionais por si prestados, esta não é uma questão que tenha sido pela primeira vez suscitada aquando da comunicação de eventuais alterações.
Com efeito, conforme resulta das gravações das pertinentes sessões de julgamento, a questão relativa à necessidade destas eventuais alterações foi também ela suscitada pelo Ministério Público no decurso do julgamento e por retomada pelo mesmo em sede de alegações finais, com referência aos locais dos quais se poderia retirar a fundamentação das alterações propostas.
Assim, tal como foi manifestamente pressuposto pelo tribunal recorrido, as eventuais alterações aqui em causa não deram nem podiam dar origem a qualquer efeito surpresa, susceptível de pôr em causa as expectativas dos arguidos e a organização da respectiva defesa.
Assim, a comunicação de alteração insere-se num momento processual necessariamente (bem) anterior à deliberação (ou decisão) do tribunal (Art.º 365.º do CPPenal) e à formação do juízo probatório sobre a matéria de facto objecto do processo.
Nessa ocasião, o tribunal pode considerar e transmitir a eventualidade de vir posteriormente a julgar como provados alguns dos novos factos.
Obviamente que antes das alegações, das últimas declarações dos arguidos e do encerramento da discussão, o tribunal não pode afirmar que esses factos (ou quaisquer outros) “estão provados”.
Ou seja, os novos factos devem ser apresentados sempre apenas como factos indiciários, sujeitos ao contraditório, tal como resulta do Art.º 358.º, n.º 1, 2.ª parte.
Com esta interpretação, que na prática se revela respeitada pelo tribunal recorrido, foram assegurados os princípios do contraditório e da verdade material, sem lesar os direitos de defesa dos arguidos consignados no Art.º 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da CRPortuguesa, ao contrário do que afirma o recorrente, na interpretação que fez do Art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal. Pelo que se julga não provido este outro recurso interlocutório, porque improcedentes os seus fundamentos.
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(iii) Da nulidade ou invalidade da prova resultante do cumprimento do mandado de busca e apreensão de fls. 1365 bem como da omissão de pronúncia do acórdão sobre esta matéria (4.º arguido no seu recurso principal).
No seu recurso do acórdão final o arguido (4) JA______ recorre, em ponto prévio, do entendimento do tribunal de primeira instância sobre a inexistência de nulidade absoluta respeitante à prova documental recolhida, designadamente na apreensão de facturação e demais documentos respeitantes aos arguidos. Mais alega que o tribunal a quo ao indeferir a arguição de nulidade errou na interpretação inconstitucional que faz dos Art.ºs 174.º e 178.º, ambos do CPPenal, visto que, uma das limitações à apreensão de documentos é precisamente o consentimento dos visados (Art.º 126.º, n.º 3, do mesmo CPPenal), tendo em consideração os interesses jurídicos tutelados - segurança dos cidadãos e reserva da sua privacidade -, qualquer deles de interesse público por declaração constitucional – cfr. Art.º 32.º, n.º 8, da CRPortuguesa. Mais alega que sobre a concreta questão das empresas "Whishlist, Lda" e "ANYear Management" nunca terem dado o seu consentimento, o acórdão recorrido nada diz, sendo, portanto, nulo por omissão de pronúncia (cfr. Art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal), sendo que em qualquer caso, a invocada nulidade por natureza (cfr. Art.º 126.º, n.º 3, do CPPenal) é manifesta, pelo que deve ser declarada, com as legais consequências. Finalmente, defende que ao contrário do que é o entendimento do acórdão recorrido, a documentação, então, apreendida e relativa às empresas referidas pelos arguidos (Apensos LXXVIII, LXXX e LXXXIII), foi utilizada - ainda que, no limite, pela negativa -, para efeitos de prova, pelo menos em sede de inquérito - o que até se infere do facto de o Ministério Público ter sempre respondido pela negativa aos pedidos de devolução dessa documentação, feitos pelas empresas em causa.
Cumpre apreciar, tanto da alegada questão da omissão de pronúncia como do invocado erro de interpretação do tribunal a quo na análise que faz da validade da obtenção da prova documental em questão e da sua valoração ou não valoração na fase de inquérito e na fase de julgamento.
Começando pela aduzida omissão de pronúncia, parece-nos óbvio que o aqui recorrente ao somar mais um fundamento do seu recurso passou a confundir o erro na apreciação jurídica ou mesmo a sua incompletude, com este vício da omissão de pronúncia.
Verifica-se, contudo, que o tribunal a quo fundamenta a sua apreciação a propósito da validade, ilicitude ou legalidade da prova documental em causa e da sua obtenção, não podendo dizer-se que se deixou de se pronunciar sobre esse assunto ou que não apresentasse uma motivação e uma razão de decidir que se considera suficiente, não existindo aqui qualquer violação desse dever técnico-jurídico de apreciação fundamentada.
Como tem sido unanimemente considerado pela jurisprudência, a pronúncia cuja falta ou omissão determina a nulidade da sentença ou acórdão tem de incidir sobre problemas ou questões em sentido técnico, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas alegados.
Pelo que, em conclusão, inexiste razão a este arguido/recorrente quando invoca a omissão de pronúncia na concreta questão das empresas "Whishlist, Lda" e "ANYear Management" nunca terem dado o seu consentimento à apreensão da documentação em causa.
Desiderato logrado neste acórdão, pelo que não padece o mesmo da suscitada nulidade nos termos dos Art.ºs 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), e 374.º, ambos do CPPenal.
Resta considerar das demais questões suscitadas (validade, ilicitude ou legalidade da prova documental em causa e da sua obtenção).
Dispõe o n.º 1 do Art.º 32.º, da CRPortuguesa que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa”, consagrando o n.º 8 mesmo artigo a proibição, absoluta, de obtenção de provas mediante tortura, coacção e ofensa à integridade física e moral da pessoa e uma limitação apertada no processo de obtenção de prova, mediante a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações: “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações” (Art.ºs 5.º e 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e Art.º 7.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos).
Na lei ordinária, dispõe o Art.º 126.º, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova”, que “São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas” (n.º 1), dispondo o n.º 2 do mesmo artigo que “São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível”.
Estatui, por seu turno, o n.º 3, do Art.º 126.º, do CPPenal, que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.
Assim, a prova obtida mediante métodos que agridam directamente a dignidade e integridade física ou moral do homem, porque direitos indisponíveis e inalienáveis, enferma de nulidade absoluta. Tratamento diverso é dado quando os direitos em causa são disponíveis, caso em que a prova obtida enferma de nulidade relativa, sendo admissível a validade de meios de prova obtida que, de algum modo, colidam com esses valores e direitos, Isto porque não está em causa apenas direitos individuais, mas valores do Estado de Direito Democrático.
“A realização da justiça do caso é um valor constitucional, mas não é um valor absoluto, que possa ser perseguido por qualquer forma. Quando os meios utilizados para salvaguarda de outros valores, os elementos probatórios por essa forma obtidos, não podem ser utlizados em circunstância alguma: ficam inquinados do vício de inconstitucionalidade e o sistema não pode tolerar que a justiça seja perseguida por meios inconstitucionais” (Jorge Miranda e Rui Medeiro, Constituição Anotada, Tomo I, 2005, Coimbra: Coimbra Editora, pág. 361).
Sobre a questão, pode ler-se no Acórdão de 14/07/2010, do Supremo Tribunal de Justiça:
“As proibições de prova dão lugar a provas nulas - artigo 38.º, n.º 2, da CRP.
A lei portuguesa proíbe as provas fundadas na violação da integridade física e moral do agente e as provas que violem ilicitamente a privacidade. Maia Gonçalves, Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal, 1989, pág. 195, a propósito dos n.ºs 1 e 3 do artigo 126.º, referia tratar-se em seu entender de dois graus de desvalor de provas obtidas contra as cominações legais, sendo maior o desvalor ético-jurídico das provas obtidas mediante os processos referidos no n.º 1 e tal diferente grau de desvalor tem reflexo nas nulidades cominadas; «enquanto as provas obtidas pelos processos referidos no n.º 1 estão fulminados com uma nulidade absoluta, insanável e de conhecimento oficioso, que embora como tal não esteja consagrada no art.º 119.º e está neste art.º 126.º, através da expressão imperativa não podendo ser utilizadas, já as provas obtidas mediante o processo descrito no n.º 3 são dependentes de arguição, e portanto sanáveis, pois que não são apontadas como insanáveis no art. 119.º ou em qualquer outra disposição da lei. Em relação a estas últimas provas, obtidas mediante os processos aludidos no n.º 3, a lei atendeu de algum modo à vontade do titular do interesse ofendido e ao princípio volenti non fit injuris».
Como expende Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, Dezembro 2007, pág. 326, anotação 3, «A nulidade das provas proibidas obedece a um regime distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo, que distingue dois tipos de proibições de provas consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana» E, no ponto 4, quanto ao regime da nulidade da prova proibida, diz que há que distinguir: a nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral, previsto no artigo 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPPenal, é insanável.
A nulidade da prova proibida, que atinge os direitos à privacidade previstos no Art.º 126.º, n.º 3, é sanável pelo consentimento do titular do direito. A legitimidade para o consentimento depende da titularidade do direito em relação ao qual se verificou a intromissão ilegal. O consentimento pode ser dado ex ante ou ex post facto. Se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida.
Em síntese, o Art.º 126.º, nºs 1 e 2, prevê nulidades absolutas de prova e o n.º 3 prevê nulidades relativas de prova.
Assim, também neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, 2007, em anotação XV ao artigo 32.º, pág. 524: A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal e, relativa, nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34.º-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos próprios direitos. Simas Santos-Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 3.ª edição, 2008, volume I, pág. 832, distinguem entre os métodos proibidos de prova, os absolutos (proibidos mesmo com consentimento), abrangendo as provas obtidas mediante tortura, coacção e ofensa à integridade física ou moral, e os relativos (proibidos apenas sem consentimento), abrangendo as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações.
Os n.ºs 1 e 2 enunciam os métodos de prova que o legislador considera proibidos em termos absolutos, pois que atentam contra direitos indisponíveis para o seu próprio titular e em relação aos quais é irrelevante o consentimento. Os métodos proibidos de carácter relativo abrangem os casos em que se utilizam processos de recolha de prova sem o consentimento dos respectivos titulares. Aqui, já não existe uma proibição absoluta, mas meramente relativa, uma vez que, estando apenas em causa direitos disponíveis, é sempre possível utilizar os meios de prova aí referidos se houver consentimento válido para tal ou a situação esteja prevista na lei. A propósito da questão de saber se a nulidade contemplada no n.º 3, 2.ª parte, é ou não sanável, consideram - pág. 840 - que a última alteração legislativa pôs fim à dúvida, ao acrescentar que, em tais casos as provas obtidas em desrespeito da lei não podem ser utilizadas”.
Ora, do que consta dos autos não se demonstra que o cumprimento do mandado de busca em causa e sobretudo a documentação ali obtida, na execução desses meios de obtenção de prova, tenha redundado numa ofensa da intimidade privada ou das esferas privadas das mencionadas sociedades estrangeiras, como pretende o aqui recorrente.
Da (simples) leitura dos mandados de busca em crise resulta, desde logo, e ao contrário do alegado pelo aqui recorrente, que o Ministério Público determinou, também, então, a apreensão de quaisquer facturas e, em geral, a apreensão de “todos os objectos, documentação e outros elementos” com relevância para a investigação.
Por outro lado, tal como resulta da conjugação dos Art.ºs 174.º, n.º 2, e 178.º, ambos do CPPenal, não decorrem limitações à apreensão de (quaisquer) elementos, independentemente de quem seja o seu titular/proprietário, desde que, naturalmente, os mesmos possam ter interesse para a prova, numa ponderação dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade dos meios utilizados e dos resultados obtidos.
De acordo com os princípios inscritos na Constituição em matéria de direitos fundamentais, a autorização de uma medida restritiva de direitos está necessariamente sujeita aos limites impostos pela necessidade, adequação e proporcionalidade (cfr. Art.ºs 18.º e 34.º da Constituição da República Portuguesa). E o princípio da proporcionalidade exige que a limitação dos direitos fundamentais de cada um se cinja ao indispensável para a protecção do interesse público.
Sendo sabido que não cabe ao juiz definir a estratégia da investigação, não é menos certo, porém, que a ele cabe a avaliação da possibilidade de empreendimento de outras medidas menos lesivas. As dúvidas sobre a proporcionalidade de uma medida restritiva de direitos fundamentais não devem resolver-se contra o titular desse direito. É a restrição do gozo do direito que constitui a excepção, não a plenitude do seu gozo. Significa isto que é a intervenção restritiva que demanda fundamentação alicerçada em dados que permitam afirmar a adequação, necessidade e proporcionalidade da medida. Não o seu indeferimento.
Assim, nesse sentido, o Ac. da RL de 28/1/2010, processo n.º 1/09.3PBSCR.A.L1-9, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/6a29a496f3a37706802576bf00370763?OpenDocument.
São susceptíveis de serem apreendidos quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou seja, a faculdade de apreensão de coisas e de objectos necessários à instrução do processo abrange tanto os objectos em poder de/pertencentes ao suspeito ou indiciado, como os objectos em poder de, ou mesmo pertencentes a terceiros – assim, na conjugação do disposto nos Art.ºs 174.º, n.ºs 1 e 2, 178.º, n.º 9 e 186.º, todos do CPPenal.
Assim, no próprio dispositivo legal aplicável (cfr. Art.º 178.º, n.ºs 7 a 12, do CPPenal) resulta que o legislador não só admite como prevê, expressamente, a tramitação subsequente à efectivação de apreensões de objectos (lato sensu) pertencentes a outros/s que não o/s arguido/s.
No caso em presença, a busca incidiu sobre uma empresa de contabilidade que trabalhava com a “Porta Grande, Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.” (cujos registos contabilísticos são expressamente mencionados como devendo ser apreendidos no despacho que ordenou a busca, como realça o Ministério Público) e com várias outras empresas e entidades, que, à data, a investigação associava a este arguido (4) JA______ , designadamente as que são referidas no requerimento (agora) apresentado pelo arguido.
Nesta sua arguição o arguido/recorrente nada disse quanto à pertinência, necessidade ou proporcionalidade da medida de busca e apreensão em causa, nos seus limites e na sua própria execução (nomeadamente a título de indícios e de fundamentação da passagem dos mandados de busca e apreensão respectivos). Aduz pura e simplesmente que a prova documental recolhida e constante dos presentes autos atinente à faturação e mais documentos respeitantes aos arguidos foi obtida de forma ilegal, tratando-se de prova proibida, designadamente nos termos do n.º 3 do Art.º 126.º do CPPenal, até porque as empresas "Whishiist, Lda" e "AiiYear Management" nunca deram o seu consentimento.
Por outra via, nos termos do Art.º 178.º, n.º 6, do CPPenal, os titulares de bens ou direitos objecto de apreensão poderiam ter requerido na altura ao juiz de instrução a modificação ou revogação da medida, sendo correspondentemente aplicável o disposto no Art.º 68.º, n.º 5 do mesmo Código. O propósito do legislador foi o de proteger o direito de propriedade, enxertando um incidente judicial e contraditório no âmbito do inquérito, confiando a sua decisão à imparcialidade e neutralidade do juiz.
O incidente em presença constitui, como se sabe, uma via de tutela jurisdicional especificada do direito de propriedade atinente a bens ou objectos afectados por medidas de investigação criminal, mormente meios de obtenção de prova. Esta confiança da decisão na reserva judicial indica necessariamente uma maior margem de apreciação assente na assunção de uma responsabilidade própria, o que significa que o juiz não está limitado nem vinculado às afirmações produzidas na promoção do Ministério Público, antes devendo formar uma convicção própria dos elementos que lhe são apresentados, decidindo em responsabilidade própria.
Por último, no que tange à alegada violação (dos referidos artigos) do Código Comercial, tal como expendeu o tribunal a quo no seu despacho de indeferimento, torna-se manifesto que a, ali ínsita, proibição de apreensão ou exame de escrita comercial não tem (não pode ter) qualquer eficácia/validade no âmbito da investigação criminal e/ou do processo penal.
Em suma, nos termos assinalados, concatenando o despacho que determinou a realização da busca e o conteúdo do respectivo mandado, não se vislumbra a existência de qualquer fundamento (muito menos legal e/ou de substrato constitucional) para considerar aquelas apreensões “abusivas”.
De todo o modo, mesmo que prevalecesse diferente entendimento, a verdade é que, quer em sede de inquérito, quer na fase de julgamento, a documentação, então, apreendida e relativa às empresas referidas pelos arguidos (Apensos LXXVIII, LXXX e LXXXIII), nunca foi utilizada e valorada para efeitos de prova. Ou seja, nenhum relevo legal, para efeitos de valoração e/ou proibição de prova, revestiria a, denominada, “abusiva” apreensão.
Apenas se acrescentará que, ao contrário daquilo que é agora referido pelo arguido, nomeadamente nas conclusões 14 a 17 do seu recurso, o facto de o tribunal recorrido ter feito constar do acórdão proferido, a fls. 3769v°, a prova documental integrada pelos apensos cuja apreensão foi contestada pelo arguido não implica qualquer contradição com a asserção de que os mesmos não foram valorados para efeitos de fundamentação da decisão proferida em matéria de facto - limitando-se o tribunal a elencar todos os elementos com eventual valor probatório que forem juntos aos autos, desde logo em fase de inquérito, susceptíveis de ser valorados, desde logo pela defesa, dentro da nossa tradição de transmissão para a fase de julgamento de todo o "accquis" processual. Nesse sentido, improcede este fundamento assente na aludida invalidade, nulidade ou irregularidade da prova documental mencionada e, bem assim, da aventada omissão de pronúncia do acórdão recorrido.
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(iv) Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação (ausência de exame crítico da prova) (recurso do 5.º arguido).
No recurso do arguido (5) CA________, este suscita a questão da nulidade da sentença por ausência de fundamentação (exame crítico das provas). Segundo decorre, para além do mais, das conclusões 2, 4 e 38 a 46 do recurso deste arguido, o acórdão recorrido não terá esclarecido devidamente as razões pelas quais considerou provados determinados factos (que não são especificamente indicados, mas que corresponderão, presumivelmente, àqueles cuja prova é impugnada no recurso) - em termos que implicariam violação do disposto no Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal, por alegada falta de exame crítico da prova, com consequente integração da nulidade prevista no Art.º 379.º, n.º 1, a), do mesmo Código.
Cumpre apreciar.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada país. Este dever constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o Art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. Esta mesma Constituição dispõe no n.º 1 do Art.º 205.º que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei". Por seu turno a sentença é, por definição, a decisão vocacionada para a solução definitiva do problema concreto que foi colocado ao tribunal. Como tal, porque representa a definição do direito do caso concreto deve ser, um documento de fácil leitura, simples, claro, logicamente ordenado, enxuto e esgotante. Na verdade, o âmbito do princípio constitucional da fundamentação das decisões tem como corolários, para além da publicidade e do duplo grau de jurisdição, a generalidade, a indisponibilidade e a completude.
A vinculação constitucional a um modelo de fundamentação da sentença que garanta os princípios da completude e da indisponibilidade, com as constrições normativas mencionadas e que decorrem das exigências da suficiência, da coerência e da concisão.
Tem-se entendido que a fundamentação da sentença penal, como decorre da norma do Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal, é composta por dois grandes segmentos: . um primeiro que consiste na enumeração dos factos provados e não provados; e . outro que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.
A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência –, bem como a análise crítica de tais provas.
Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.
Sabemos que não são todas as alegações do arguido que têm de ser indagadas pelo tribunal, mas somente aquelas que revistam interesse para decidir, num dos sentidos admitidos juridicamente como possíveis.
Como resulta do n.º 4 do Art.º 339.º do CPPenal, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pelas defesas e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os Art.ºs 368.º e 369.º do mesmo Código.
Finalmente, ter-se-á de reconhecer que a actividade de fiscalização e de controle por parte dos tribunais superiores, relativamente às decisões proferidas em 1.ª instância, designadamente a prevista no preceito do n.º 2 do Art.º 410.º, só pode ser válida e eficazmente exercida se, em sentença, se relacionarem um a um quer os factos provados, quer os não provados, para além de que só uma indicação minuciosa daqueles revela uma apreciação e julgamento completos, isto é, a certeza de que todos os factos objecto do processo foram efectivamente considerados e conhecidos pelo tribunal com o indispensável cuidado e ponderação.
Assim, na concretização da estrutura da sentença a fundamentação impõe que todas as questões suscitadas e decididas devem ser objecto de fundamentação (o chamado princípio da completude), embora de uma forma concisa, sob pena de omissão de pronúncia, um outro vício da sentença que provoca a sua nulidade – cfr. Art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPPenal.
Igualmente a fundamentação deve sempre ser suficiente, coerente e razoável, de modo a permitir cumprir as finalidades referidas que lhes estão subjacentes (endo e extra processuais, que foram referidas).
Nesta incursão pela dimensão normativa e constitucional da fundamentação importa para os autos fazer salientar que a sentença como documento onde estão reflectidas as opções decorrentes do julgamento, funciona como um todo e nesse sentido as várias dimensões factuais e justificativas que a compõem devem articular-se, em toda a estrutura da fundamentação (relativa à matéria de facto e relativa às questões de direito).
Ora compulsada a fundamentação da decisão, torna-se claro que o acórdão não padece dos vícios da falta de fundamentação, por deficiente ou omisso exame crítico das provas.
Importa ainda acrescentar que o tribunal a quo fundamentou devidamente a sua decisão. Com efeito, ao contrário do que poderia retirar-se da truncada transcrição que é feita no recurso, o acórdão recorrido dedica diversas páginas, em particular a fls. 3774 v° e 3775 e de f/s. 3775 v° a f/s. 3778, à explanação das razões pelas quais considerou provados os factos aí elencados, desde logo aqueles que fundamentaram a condenação do ora recorrente.
De resto, tal como resulta da globalidade do seu recurso, este arguido não se mostra realmente incapaz de perceber qual foi o "raciocínio lógico" seguido pelo acórdão impugnado para dar como provados tais factos, antes se insurgindo contra o alegado erro de julgamento cometido pelo tribunal recorrido, ao considerar determinados factos como provados, pelas razões que procura expor na sua impugnação da matéria de facto provada.
Não estaria assim em causa a falta de fundamentação a que se refere a alínea a) do n.º 1 do Art.º 379.º do CPPenal, mas antes uma fundamentação insuficiente ou inconvincente das conclusões alcançadas pelo tribunal recorrido em matéria de facto; algo que, ainda que se verificasse vício de julgamento, como o de erro notório na apreciação da prova (que não se verifica), nunca poderia integrar a nulidade prevista pela disposição legal em questão.
Assim, analisando-se a motivação probatória da decisão de facto, verifica-se que a mesma para além de indicar os meios de prova (thema probandum), procede a um exame crítico das provas, fazendo recurso às regras de experiência ou de critérios lógicos, e indicando qual o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal os tivesse valorado no sentido em que o fez, daí se extraindo de uma forma lógica e objectiva, qual o raciocínio que levou o tribunal recorrido a dar como provados os factos assinalados. Isto depois de reflectir de uma forma mínima sobre qual foi a razão de ciência das testemunhas em causa e do desenvolvimento dos seus depoimentos. O que se encontra inscrito na fundamentação probatória é claro e satisfatório.
Sem que se defina legalmente em que consiste o referido “exame crítico da prova”, tal exame há-de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. O que aqui, na verdade, salvo o devido respeito, não deixou de acontecer. Daí que se deve julgar improcedente este outro fundamento dos recursos, não se encontrando consubstanciada a aventada invalidade do acórdão recorrido por ausência de análise crítica dos meios de prova na fundamentação de facto.
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(v) Da impugnação estrita da matéria de facto com invocação da contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão (recursos principais do 4.º e do 5.º arguidos).
Nos seus recursos, tanto o arguido (4) JA______ como o arguido (5) CA________ procedem à invocação de vícios decisórios do acórdão recorrido.
O arguido JA______ alega, na motivação do seu recurso, que o acórdão incorre numa contradição insanável na sua fundamentação, uma vez que o tribunal tanto refere que a documentação apreendida e relativa a empresas terceiras nunca foi utilizada e valorada para efeitos de prova e mais à frente essa mesma documentação é referida.
Por seu turno, o arguido CA________ também defende, no seu recurso, que o tribunal incorreu nessas contradições insanáveis. Assim, para esse recorrente a primeira dessas alegadas contradições verificar-se-ia entre aquilo que é dado como assente nos factos provados n.ºs 9 e 10 e a fundamentação jurídica da condenação aí proferida, por o tribunal recorrido ter decidido condenar o ora recorrente e o co-arguido JA______ enquanto autores "paralelos" de distintos crimes de fraude fiscal, após ter considerado provado que esses mesmos arguidos teriam "delineado um plano" em conjunto, tendo em vista a prática dos factos pelos quais viriam a ser condenados. A outra alegada contradição do acórdão recorrido resultaria de no facto provado n.º 63 se ter dado como assente que a empresa "Barden Assets LLC" não teria cumprido "quaisquer obrigações contabilísticas e fiscais", em Portugal ou nos EUA, quando noutros factos provados, não impugnados pelo ora recorrente, se aceitou ter sido efectuada a legalmente imposta retenção na fonte, pelas empresas clientes dessa "Barden", dos valores devidos a título de IRC pela prestação de serviços por parte de entidades estrangeiras sem "estabelecimento estável" em Portugal.
Vejamos.
Na verdade, a dimensão normativa estabelecida Código de Processo Penal relativa ao recurso sobre a matéria de facto, assume duas dimensões:
a) a possibilidade de recurso que resulta da restrita aplicação estabelecida no Art.º 410.º, n.º 2, referente à correcção dos vícios aí referenciados por simples referência ao texto da decisão recorrida; e
b) a que resulta da ampla possibilidade concedida à impugnação da matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido que se alude no Art.º 412.º, n.º 3.
No que respeita ao conhecimento do recurso a que se refere o Art.º 410.º, n.º 2, importa referir que aqueles vícios, em todas as suas alíneas (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova) têm que resultar da própria decisão/sentença, como documento único, embora essa conjugação possa ser referente às regras da experiência.
Assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se alude no Art.º 410.º, n.º 2, alínea b), e o erro notório na apreciação da prova, consubstanciam, respectivamente, a inexistência de factos provados suficientes, a incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório da apreciação da prova efectuada pelo tribunal. Tudo isto, repete-se, desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
A contradição insanável da fundamentação verifica-se quando o mesmo facto é, simultaneamente, dado como provado e como não provado, quando são dados como provados factos contraditórios e quando existe contradição entre os factos provados e a sua fundamentação probatória, e, além disso, essa contraditoriedade, em qualquer das suas formas, não pode ser ultrapassada, sanada. Assim, a contradição a que alude a al. b) do n.º 2 do Art.º 410.º do Código de Processo Penal, é só aquela “que se apresenta como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com o recurso às regras de experiência”.
“Para se verificar contradição insanável na fundamentação, têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso” (Ac. STJ de 22/05/96, proc. n.º 306/96, 3ª secção); ou na formulação do Ac. STJ de 18/06/98 (proferido no proc. n.º 195/93, 3ª secção) “A contradição insanável da fundamentação ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto; quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa; quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto”.
Ora, conclui-se que nenhuma dessas situações ocorre no caso sub judice, designadamente nas situações mencionadas pelos recorrentes.
No que respeita à alegação do arguido JA______ , a mesma já foi devidamente apreciada no ponto (iii) antecedente, quando se concluiu que o facto de o tribunal recorrido ter feito constar do acórdão proferido, a fls. 3769v., a prova documental integrada pelos apensos cuja apreensão foi contestada pelo arguido não implica qualquer contradição com a asserção de que os mesmos não foram valorados para efeitos de fundamentação da decisão proferida em matéria de facto - limitando-se o tribunal a elencar todos os elementos com eventual valor probatório que forem juntos aos autos, desde logo em fase de inquérito, susceptíveis de ser valorados, desde logo pela defesa, dentro da nossa tradição de transmissão para a fase de julgamento de todo o "accquis" processual.
Também no que respeita às alegações do arguido CA________ se demonstra a inexistência de contradições insanáveis.
Tendo em conta o teor do facto provado n.º 9, fácil se torna ver não existir qualquer contradição, muito menos insanável, entre aquilo que aí é referido e a decisão de condenação de cada um dos referidos arguidos enquanto autores de distintos crimes de fraude fiscal (praticados na sua qualidade de gestores, pelo menos de facto, das empresas nacionais e estrangeiras igualmente condenadas no acórdão recorrido, ou pelo menos aí mencionadas). Com efeito, deverá em primeiro lugar assinalar-se que, em termos literais, nem sequer decorre desse facto provado n.º 9 que os referidos arguidos tenham planeado em conjunto a prática dos crimes pelos quais foram condenados, apenas que terão formulado um idêntico plano de actuação, em termos fiscal e penalmente ilícitos. Por outro lado, mesmo que tal planeamento tivesse sido efectivamente feito em conjunto pelos arguidos, no caso com a colaboração de terceiros (algo que, no entanto, não parece coadunar-se com o teor dos factos provados n°s 11, 12, 13, 58 e 59, não impugnados no recurso interposto), daí não decorreria necessariamente que o plano conjuntamente formulado se dirigisse à prática de factos criminosos em co-autoria - podendo em vez disso os arguidos delinear os moldes nos quais pretenderiam vir a praticar, cada um por si, uma actividade criminosa similar.
Em qualquer caso, ainda que tivesse havido algum plano inicial de actuação conjunta dos referidos arguidos, com recurso às respectivas empresas, tal como poderá ter chegado a suceder (ver, para além do mais, aquilo que é referido nos factos provados n.ºs 19, 22, 28, 62 e 69), o tribunal recorrido considerou não terem sido provados factos bastantes para considerar que os arguidos teriam agido em comunhão de esforços na prática dos distintos crimes de fraude fiscal que, em termos fiscais e penais, não poderiam deixar de ser separadamente imputados a cada uma das empresas em cuja esfera jurídica se terão concretizado os prejuízos para a pretensão tributária do Estado dados como provados (ou seja, a "Porta Grande" e a Barden Assets Mediação Imobiliária, Lda.).
Logo, como defendeu o Ministério Público na resposta a este recurso, não se tendo comprovado que os arguidos tenham agido em co-autoria, nunca poderia haver contradição entre o facto de terem anteriormente planeado uma eventual actuação conjunta e a fundamentação da sua posterior condenação pelos actos que se considerou terem efectivamente praticado.
Depois, quanto à outra suposta contradição do acórdão recorrido, à qual se referem especificamente as conclusões 60 a 64 do recurso interposto por este arguido, verificamos que independentemente do carácter eventualmente discutível da conclusão, exarada no referido facto provado, de que a "Barden Assets LLC" não terá cumprido "quaisquer obrigações contabilísticas e fiscais", desde logo em Portugal (conclusão essa que é ela própria impugnada pelo ora recorrente, conforme adiante referido), não há qualquer contradição entre essa afirmação e o facto de outras empresas, suas clientes, terem procedido à retenção na fonte que lhes é legalmente imposta, em sede de IRC, aquando do pagamento de serviços prestados por uma entidade estrangeira, sem "estabelecimento estável" em Portugal.
Logo, independentemente do mais que será referido quanto a este facto provado n.º 63, não existe qualquer contradição entre aquilo que aí é dito e o teor de outros factos dados como provados, nomeadamente os mencionados no recurso interposto.
Assim sendo não se vislumbra qualquer contradição, incoerência ou discrepância entre os factos provados no acórdão “a quo” e a motivação da decisão de facto e de direito, pelo inexistem quaisquer dos alegados vícios mencionados pelos recorrentes. Pelo que concluindo pela inexistência destes vícios do acórdão recorrido, há que analisar, de seguida, da valoração da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente cuidando de um exame crítico das provas e dos argumentos probatórios suscitados pelo recorrente (5) CA________ a fim de concluir se os mesmos levariam a considerar provados outros factos ou a versão factual.
Sem antes, todavia, deixar de considerar um dos outros fundamentos explícitos do recurso principal do arguido (4) JA______ que terá a ver com uma alegada violação dos princípios constitucionais da igualdade de armas (contraditório) e de denegação da obtenção de benefício legalmente previsto. O que se fará no ponto seguinte.
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(vi) Da mencionada violação do princípio de igualdade de armas e contraditório e da alegada denegação da obtenção de benefício legalmente previsto (recurso principal do 4.º arguido).
Na sua motivação do recurso principal, o arguido (4) JA______ conclui, na síntese das suas conclusões 18 a 30, que foram violados os princípios constitucionais da igualdade de armas e do contraditório, para além de lhe ser negada a obtenção de benefício legalmente previsto. Isto porque se torna manifesto que o acórdão aproveitou factos relativos à "Porta Grande, Soc. de Mediação Imobiliária, Ld.ª", para o condenar apesar de o próprio tribunal ter ordenado a separação de processos. Menciona, também, que é manifesto que o tribunal realizou já de forma enviesada, o julgamento da "Porta Grande" - conquanto sem a constituição desta como arguida, sendo que como recorrente viu, assim, ser-lhe denegada, em violação do disposto nos Art.ºs 2.º, e 32.º, n.ºs 1, 5, e 8, da CRPortuguesa e 126.º, n.º 2, al. d), do CPPenal, a obtenção de benefícios legalmente previstos: o direito à conexão de processos, e, bem assim, o direito à eficácia da justica / realização da justica no caso concreto. Conclui, dizendo que com a separação de processos se viu impossibilitado de explicar a origem dos dinheiros e de justificar toda a contabilidade, ao contrário do Ministério Público que gozou de toda a liberdade processual para usar como quis quaisquer factos, documentos e testemunhos relativos à "Porta Grande, Soc de Imediaçao Imobiliária, Lda...", quer durante a investigação para a dedução da acusação, quer para sustentar o libelo acusatório durante o julgamento.
Cumpre apreciar.
O princípio do contraditório (cfr. Art.º 327.º do CPPenal) tem tutela constitucional expressa para o julgamento (cfr. Art.º 32.º, n.º 5, da Constituição da República). Os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao contraditório e a contraditoriedade abrange tanto a produção como a valoração de todas as provas. Acusação e defesa podem oferecer as suas provas, controlar as provas contra si oferecidas e discutir o valor e o resultado de todas elas. As provas que hão-de ser objecto de apreciação têm, assim, de ser discutidas no contraditório da audiência de julgamento e só estas valem para a decisão (cfr. Art.º 355.º do CPP).
O direito, reconhecido ao acusado, de “interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação” integra também o direito a um processo equitativo, previsto no Art.º 6.º, n.º 3, alínea d), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Trata-se da salvaguarda da observância de um contraditório pela (para a) prova e não apenas de um contraditório sobre a prova. Ponto decisivo num processo de estrutura acusatória é que na audiência de julgamento se concretize um contraditório pela prova.
Ora, neste ponto, teremos de reforçar aqui a motivação que adiantamos na abordagem dos fundamentos do recurso interlocutório deste arguido relativamente à decisão de separação de processos.
Com efeito, ao contrário do que parece ser entendimento do recorrente, a ordenada separação não implicou quaisquer modificações de facto ou de direito nos factos que lhe são pessoalmente imputados, como não implicou qualquer modificação dos factos imputados à “Porta Grande”, por si representada; podendo o arguido defender-se nos presentes autos como o faria em caso de manutenção da conexão (e no julgamento pode explicar a origem dos dinheiros e justificar toda a contabilidade) e a “Porta Grande” vir a fazer o mesmo quando for submetida a julgamento.
Nesta sua alegação e nas suas conclusões este recorrente não pode deixar de compreender que incorre numa clara antinomia nos seus termos. O acesso ao acervo probatório respeitante à aludida sociedade “Porta Grande”, isto é, a instrução probatória e os factos aqui a comprovar, não ficaram em nada afectados pela mencionada separação de processos, já que esta não implica, antes pelo contrário, uma proibição ou uma denegação de valoração e produção não condicionada de prova, mesmo que neste ponto a aludida pessoa colectiva (sociedade arguida) não esteja aqui em causa em termos da responsabilidade criminal ou civil.
Dir-se-ia que a defesa deste recorrente tem dificuldade de compreender quais são as consequências jurídicas de uma separação de processos no caso de conexão subjectiva e objectiva de responsabilidades criminais.
Mas, como é bom de relevar, a factualidade não deixa de ser apreciada e os meios de prova coligidos não deixam – pelo contrário devem – ser devidamente apreciados. E, aqui, a igualdade de armas é completa, pois tanto a acusação como a defesa tiveram acesso a usar de todos os seus meios probatórios e da sua valoração, não se entendendo de todo estas conclusões do arguido.
Assim, se é verdade que o Ministério Público gozou de toda a liberdade processual para usar como quis quaisquer factos, documentos e testemunhos relativos à "Porta Grande, Soc de Imediaçao Imobiliária, Lda...", quer durante a investigação para a dedução da acusação, quer para sustentar o libelo acusatório durante o julgamento, o mesmo também aconteceu com as defesas dos arguidos que se mantêm em julgamento, no que respeita ao acompanhamento e a intervenção em todas as fases processuais deste processo.
Nesse sentido, não se vislumbra aqui qualquer violação dos princípios constitucionais da “igualdade de armas e do contraditório” ou denegação “da obtenção de benefício legalmente previsto”. Pelo que se consideram improcedentes estes outros fundamentos do recurso principal apresentado pelo arguido (4) JA______ .
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(vii) Da impugnação alargada da matéria de facto com alusão especificada aos factos impugnados e reapreciação da prova registada (recurso do 5.º arguido).
O arguido (5) CA________ procede à impugnação da matéria de facto considerada provada pelo tribunal de primeira instância, a saber factos 8 a 10, 61, 63, 83, 85, 96, 97 e101 a 111, alegando tal como resulta das conclusões 5 a 17 e 19 a 37 da motivação de recurso, conjugadas com aquilo que é referido nos Pontos VI.I e VI.II da introdução, erro de julgamento decorrente do acolhimento, por parte do tribunal recorrido, daquilo que seriam os "preconceitos" da administração fiscal em relação à utilização de empresas "off-shore" ou similares - bem como a alegada incapacidade, por parte desse mesmo Tribunal, de compreensão dos contornos do regime fiscal ao qual estariam legalmente sujeitas sociedades como a "Barden Assets LLC", em termos que lhes permitiriam actuar em Portugal num regime de "dupla não tributação permitida por lei". Procede, também assim, a considerações sobre a prova produzida e pede a reapreciação da mesma.
O tribunal do julgamento em primeira instância considerou provado os factos que acima se descreveram na sua globalidade e que aqui se consideram reproduzidos.
Teremos que analisar, agora, face à prova produzida e à fundamentação apresentada se o mesmo tribunal incorreu nalgum erro de julgamento, impondo-se outras conclusões quanto à matéria provada e não provada (nos termos a que alude o Art.º 412.º, n.º 3, do CPPenal).
Conhecemos a fundamentação que o tribunal apresentou, na sua justificação da matéria de facto que considerou assente e também não provada.
Nesta sua impugnação o arguido/recorrente CA________ pretende justificar, no fundo, a posição que assumiu em julgamento aquando das suas declarações, isto é, que a sua actuação foi conforme com a lei, que não há qualquer fraude, que as duas empresas tinham actividades diferentes (a Barden LLC era uma empresa de consultoria e a Barden Lda. era de mediação imobiliária) e que os negócios foram de facto executados pela Barden LLC.
Todavia, tal como fundamenta e bem o tribunal recorrido, não foi isso que veio a demonstrar a prova produzida em julgamento, toda ela devidamente descrita na motivação de facto.
Como refere o tribunal, neste ponto:
Apesar de a sociedade Barden Assets LLC ter feito constar, quando se registou no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que não exerceria actividade em Portugal, constatou-se que foi outorgante nos contratos constantes do apenso VII, Doc. 26/63.
Em 10/05/2005 foi aberta conta bancária em nome de Barden Assets LLC no BPI.
Da análise à conta bancária do BPI em nome da Barden Assets LLC, conclui-se que do total de entradas e saídas de fundos apuradas em valores superiores a 1.000€ (mil euros), as entradas em 2006 totalizaram 557.321,01€ e saídas no montante de 444.760,12€ e relativamente ao ano de 2007 as entradas totalizaram 445.553,60€ e saídas de 367.719,96€.
Relativamente às entradas superiores a 1.000€ (mil euros) na conta do BPI da Barden Assets LLC, no ano de 2006, e no montante de 557.321,59€, as mesmas tiveram origem:
- 89,67%, que corresponde a 499.772,67€, são de cheques sacados sobre uma conta da sociedade da Corcova S.A., e em que se apurou que ECA___, levantou e depositou em numerário na conta da Barden Assets, com excepção de dois valores:
- Factura n.º 198 da Bardens Assets, datada de 05/12/2006, no montante de €19.020,00 que depois da retenção foi pago pela Corcova SA, no montante de €16.167,00 por cheque da Corcova S.A - cheque de caixa 20690002 do BES e não deu entrada na conta do BPI analisada;
- Factura n.º 167 da Bardens Assets, datada de 26/05/2006, no montante de €153.359,00, que depois da retenção foi pago pela Corcova SA no montante de €130.355,00 com cheque de caixa 00055493 BES, e que deu entrada no montante de € 129.000,00.
Nos exercícios de 2006 e 2007 tiveram como proveniência a sociedade Corcova S.A., a sociedade Vila Baía - Empreendimentos Imobiliários SA., Bento JMS___ e LMS___, no montante global de, respectivamente, 632.216,81,00€ e de 477.974,66€.
As facturas emitidas para a sociedade Corcova S.A., apresentam como descrição: "Estudo de mercado integrado de gestão comercial e de prestação de serviços em relação ao projecto imobiliário em desenvolvimento conhecido como Parque da Corcovada".
Quanto às duas facturas emitidas para a sociedade Vila Baía - Empreendimentos Imobiliários SA., estas também apresentam o descritivo: "Estudo de mercado integrado de gestão comercial e de prestação de serviços em relação ao projecto imobiliário em desenvolvimento conhecido como Condomínio fechado de Vila Baia - 1a fase".
De acordo com a documentação constante do apenso VII, Doc. 26/63, a emissão destas facturas, em nome da sociedade Barden Assets LLC, foi solicitada, via e-mail, ao arguido JG___, conforme resulta de fls. 49; 91; 107; 111; 116; 121; 126; 127; 133; 151; 152; 155; 156; 165; 169; 171; 174; 177; 179; 197; 213.
Ora, desde logo, como resulta das próprias declarações do arguido CA________, a sociedade Barden Assets LLC, não dispunha de quaisquer meios materiais e humanos.
Mais, da análise à conta bancária do Banco BPI não resulta terem sido efectuados quaisquer pagamentos a terceiros relativos a esses serviços.
Por outro lado, como salientou o inspector tributário, Sandro ..., no seu depoimento, num dos primeiros contratos em que foram intervenientes a Ramea e a Barden LLC constava que aquelas empresas se comprometiam a criar empresas portuguesas para a execução, conforme resulta do Apenso III, Documento 2/5, a fls. 48/52.
A sociedade Barden Assets - Medíação Imobiliária, Lda., registou o início da sua actividade em 17/04/2006. O seu objecto social reporta-se à prestação de serviços de mediação imobiliária e à administração de imóveis por conta de outrem; 'E, um capital de 5.000,00€ dividido em duas quotas de 4.000,00€ e 1.000,00€, pertença de respectivamente ECA___, e de MMA___. As sócias da sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., em relação ao arguido CS___, são respectivamente esposa e filha, e ambas foram designadas gerentes, a (ex)esposa desde 30-10-2006 e a filha desde 17-04-2006 a 01-07-2007, data em que foi registada a sua renúncia.
Entre as sociedades Barden Assets LLC e Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., existiam relações especiais, que permitiram, por um lado, a emissão da facturação em nome da sociedade Barden Assets LLC, e por outro, dissimular a real entidade que prestou os serviços, e que dispunha dos meios materiais e humanos necessários à sua realização, a sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária Lda.
Aliás, tal procedimento ficou perfeitamente plasmado na situação em que os serviços facturados pela sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária Lda., conforme consta da sua contabilidade e respectiva documentação de suporte, para a sociedade Areias de Porches Lda., foram anteriormente objecto de pedido, pelo arguido CS___, de emissão de factura em nome da sociedade Barden Assets LLC, a JG___, conforme mails que constam do Apenso VII, Doe. 26/63, a fls. 156.
Para além desta ocultação, apurou-se ainda e relativamente a algumas das entradas de fundos na conta bancária do BPI de que é titular a sociedade Barden Assets LLC, que o arguido CS___o Antero, também teve o propósito de ocultar a sua proveniência, visto que, cheques de pagamento de serviços prestados pela sociedade Corcova SA., foram levantados previamente pela sua esposa ECA___ e só depois depositados como numerário nessa conta.
Este procedimento teve como consequência a comunicação de operações financeiras suspeitas, por parte do Banco BPI, conforme fls. 2626 e 2627, e foi esta mesma comunicação que esteve na origem da acção de inspecção, cuja informação final deu lugar à instauração dos presentes autos.
Aliás, o destino, em geral, dado a essas entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade Barden Assets LLC, foram os levantamentos efectuados pelo arguido CS___ Alves Antero, pela sua, então, esposa, ECA___, e por Beatriz ... (colaboradora da sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária Lda.).
A este propósito, é de realçar o depoimento de Beatriz ..., atrás sumariado, do qual resulta, sem margem para dúvidas, que, “aos olhos” daquela testemunha, tal conta era movimentada, para todos os fins, pelo arguido CA________ (e a seu pedido) como se se tratasse de uma conta da Barden, Lda., para além de que, “a Barden LLC era um nome que se ouvia antes de serem a Barden Lda.,” como referiu.
Por fim, de anotar que a versão apresentada pelo arguido CA________, no sentido de que a Barden LLC (ele) efectuou e foi paga por meros estudos de mercado/consultoria padece, no caso, face aos montantes envolvidos, de qualquer sustentabilidade/razoabilidade económica.
Partindo, assim, destas conhecidas e provadas circunstâncias conhecidas, mediante um raciocínio lógico, obtém-se a conclusão, firme, segura e sólida de que as entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade Barden Assets LLC., não foram oriundas (como o arguido invocou em julgamento) do exercício de uma actividade da própria Barden LLC, mas sim, de ocultações de serviços, resultantes da actividade exercida pela sociedade Barden Assets ¬Mediação Imobiliária, Lda.
E assim sendo, outra conclusão não se pode retirar senão a de que, pelo menos na sua esmagadora maioria, os valores facturados pela sociedade Barden Assets LLC, traduziram-se em valores pagos (deduzidos dos valores das retenções na fonte de IRC) pelas entidades para quem foram emitidas, no caso, como se deu por assente, a sociedade Corcova S.A. e a sociedade Vila Baía - Empreendimentos Imobiliários SA., pela comercialização efectuada pelo arguido CS___ e/ou por prestadores de serviços para a sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária Lda.
E, assim, a emissão daquelas facturas em nome da sociedade Barden Assets LLC tiveram como consequência que nos exercícios de 2006 e 2007, no apuramento do lucro tributável, relativamente à sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., fossem indevidamente ocultados proveitos.
Tendo esta ocultação de serviços prestados pela sociedade Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda., originado, para além das vantagens em sede sobre o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, também faltas de liquidação em sede de IVA.
E, com isso, não esteve o tribunal recorrido e não está esta instância de recurso ao confirmar este entendimento, a incorrer em quaisquer “preconceitos”, muito menos “insensibilidade judicativa”, expressões que a defesa deste arguido utiliza em excesso (“fazendo da beca o esfregão dos seus preconceitos”???) em contraste com a falta de argumentos baseados em meios de prova e nos consequentes juízos probatórios.
Neste ponto, verifica-se, aliás, tal como resulta das conclusões 5 a 17 e19 a 37 do recurso, conjugadas com aquilo que é referido nos pontos VI.I e VI.II da introdução da motivação de recurso, que aqui não estará propriamente em causa a indicação de provas susceptíveis de impor "decisão diversa da recorrida" (Art.º 412.º, n.º 3, alínea b), do CPPenal), mas antes aquilo que o arguido considerará ser o erro de julgamento decorrente do acolhimento, por parte do tribunal recorrido, daquilo que seriam os "preconceitos" da administração fiscal em relação à utilização de empresas "off-shore" ou similares - bem como a alegada incapacidade, por parte desse mesmo tribunal, de compreensão dos contornos do regime fiscal ao qual estariam legalmente sujeitas sociedades como a "Barden Assets LLC", em termos que lhes permitiriam actuar em Portugal num regime de "dupla não tributação permitida por lei".
Estando assim este segmento do recurso interposto eivado de considerações relativas não apenas a um exercício de "contra-análise" crítica da prova, tal como esta foi efectuada pelo tribunal recorrido, mas também de asserções e conclusões de índole valorativa e jurídica.
Mas vejamos, em pormenor, as razões susciadas a propósito de cada segmento factual aludido. . Facto provado n.º 8:
No que a este facto diz respeito, o arguido parece insurgir-se contra aquilo que seria a "insinuação" de que a "Barden Assets LLC" não teria agido "de acordo e em conformidade com a lei" (insinuação essa decorrente, se bem se percebe, da asserção de que tal empresa seria "desconhecida" "pelas Autoridades Fiscais dos Estados Unidos da América").
Porém, o simples exame da argumentação avançada pelo arguido no início da sua motivação de recurso mostra estar aqui em causa apenas uma eventual divergência quanto à interpretação da expressão "desconhecida" - uma vez que o próprio recurso qualifica essa empresa como "entidade desconsiderada" para efeitos fiscais nos E.U.A., admitindo assim implicitamente o seu "desconhecimento", nesse restrito sentido, por parte das autoridades fiscais desse país.
Aquilo que aqui estará verdadeiramente em causa, para o arguido, não é assim a matéria especificamente contida neste facto provado n.º 8, mas antes a suposta não aceitação, por parte da administração fiscal portuguesa e do tribunal recorrido, daquilo que no seu entender seria a legalidade da utilização de empresas deste tipo no nosso país, em termos susceptíveis de justificar uma "dupla não tributação permitida por lei", quer em Portugal, quer nos Estados Unidos.
Perante este aparente entendimento do arguido, deverá desde já avançar-se para uma tentativa de exposição das razões pelas quais não deverá merecer acolhimento a tese de que a utilização duma empresa "LLC" para efeitos de "planeamento fiscal", nos moldes em que se deu como provado que tal teria sucedido neste caso, será legalmente admissível - uma vez que, apesar de tal questão ser de natureza eminentemente jurídica, é ela que parece enformar a argumentação avançada pelo arguidos na sua impugnação da matéria de facto dada como provada.
Assim, tal como consta da argumentação do Ministério Público na sua resposta ao recurso, deverá começar por se realçar que, estando em causa uma empresa "LLC" que realmente exerça a sua actividade no estrangeiro, ainda que o seu dono seja português, poderá ser admissível a existência duma "dupla não tributação permitida por lei", nomeadamente no que a IRC e IVA se refere, por o Estado onde essa empresa tem sede não ter interesse em tributar operações comerciais que apenas envolvam entidades "estrangeiras" e o Estado no qual tal empresa preste serviços remunerados, mas sem ter aí "estabelecimento estável", se poder contentar com a retenção na fonte de IRC já referida supra (no caso de Portugal, ao abrigo para além do mais das disposições do CIRC citadas no recurso interposto).
Já quanto a IRS, como o próprio arguido parece admitir, deverão sempre aplicar-se as regras relativas à tributação dos rendimentos eventualmente auferidos pelo dono da empresa, ao abrigo da legislação fiscal territorialmente aplicável no caso.
Porém, conforme consta no acórdão recorrido e da prova aí mencionada, não se deve considerar ter sido isso que sucedeu neste caso, pelas razões adiante melhor expostas - desde logo por se ter comprovado que a "Barden Assets LLC” nunca exerceu a sua actividade nos EUA e que boa parte dos serviços por si alegadamente prestados a entidades portuguesas foram na realidade prestados, não por essa empresa, nem sequer apenas pelo ora recorrente, a título pessoal, mas antes com recurso aos meios da empresa portuguesa "Barden Assets Lda.”, também ela por si gerida.
Não tem assim qualquer fundamento a pretensão do arguido, quanto à impugnação deste facto provado. . Factos provados n.ºs 9 e 10:
Quanto a estes factos provados, mais uma vez ressalta da argumentação do recurso interposto que o arguido não pretenderá negar a veracidade daquilo que aí é referido (com eventual excepção das partes relativas à utilização da "Barden Assets LLC” para “ocultar a entrada e saída de verbas” “das sociedades realmente existentes em território nacional” e da qualificação dessa entidade como “empresa fantasma”), mas antes realçar, mais uma vez, a suposta legalidade da utilização referida empresa estrangeira pelo ora recorrente.
Com efeito, para além daquilo que foi já referido quanto à contradição supostamente existente entre o facto provado n.º 9 e a decisão proferida no acórdão recorrido, o arguido vem aqui admitir que a criação da "Barden Assets LLC” foi fruto do seu planeamento "fiscal" e alegar que esta não seria uma "empresa fantasma" por servir como "veículo" para a actividade profissional de "consultor" do ora recorrente - algo que, só por si, tornaria fiscal e penalmente ilegítima a utilização de tal empresa em Portugal e justificaria a sua qualificação como "empresa fantasma", dado ser manifesto que a actividade profissional do ora recorrente nunca foi por si exercida nos E.U.A., ou a partir desse país. Como teria que suceder para que fosse aceite a sua tese de que a “Barden Assets LLC” seria uma empresa com efectiva actividade comercial, exercida por seu intermédio, enquanto dono e gestor de tal empresa estrangeira - em lugar de ser uma mera fachada de conveniência para o efectivo exercício pelo arguido duma actividade profissional a título pessoal e no nosso país.
Acresce que, conforme será melhor referido adiante, foi recolhida prova de que o arguido não apenas utilizou a "Barden Assets LLC" como empresa de fachada para o exercício da sua actividade profissional de "consultor", como ainda a usou para facturar a terceiros serviços de mediação imobiliária que apenas poderiam ser prestados pela "Barden Assets Lda." e que o foram efectivamente com recurso aos meios desta empresa - não tendo assim fundamento a pretensão do arguido quanto à impugnação destes factos provados n.ºs 9 e 10. . Facto provado n.º 61:
Quanto a este facto provado, nem sequer se vê que o arguido realmente impugne a respectiva veracidade, antes se insurgindo mais uma vez contra aquilo que aí seria insinuado pelo tribunal recorrido, no que diz respeito à eventual violação, pela "Barden Assets LLC", das restrições decorrentes do seu "objecto social" - matéria que nem sequer é versada pela redacção deste facto provado, a qual se limita a mencionar a actividade principal declarada pela referida empresa, para efeitos fiscais, às autoridades norte-americanas.
Logo, tão pouco tem qualquer fundamento a pretensão do arguido quanto à impugnação deste facto provado n.º 61. . Facto provado n.º 63:
No que se refere a este facto provado, resulta mais uma vez do recurso interposto estar fundamentalmente em causa uma tentativa de defesa da suposta legalidade da utilização da referida "Barden Assets LLC” pelo ora recorrente, mais do que uma impugnação daquilo que realmente consta da redacção acolhida pelo acórdão recorrido. Devendo notar-se que, ao contrário do que por lapso consta do recurso, o facto provado n.º 63 se refere ao não “cumprimento” das obrigações da empresa em causa, em lugar de se referir ao seu não “incumprimento”.
Assim, para além daquilo que foi já referido quanto à contradição supostamente existente entre este facto provado e outros, nos quais se dá conta do cumprimento de obrigações fiscais impostas aos clientes da "Barden Assets LLC”, deverá recordar-se que apenas poderia assistir razão ao arguido, na sua aparente asserção de que tal empresa teria cumprido todas as suas "obrigações contabilísticas e fiscais”, caso devesse aceitar-se que a mesma teria efectivamente exercido a sua actividade a partir dos E.U.A. e em moldes que não implicassem o cumprimento de obrigações fiscais e contabilísticas adicionais no nosso país.
Assim, tendo-se comprovado que a "Barden Assets LLC” foi utilizada para ocultar a realização duma actividade efectivamente levada a cabo no nosso país, cujo exercício lhe estava vedado, tão pouco deverá merecer acolhimento a pretensão do arguido quanto à impugnação deste facto provado n.º 63 - necessário, pelo menos, para enquadramento dos demais factos relativos àquilo que foi a actividade realmente exercida pelo ora recorrente, com recurso às empresas por si geridas. . Factos provados n.ºs 83 e 85:
Chegado à impugnação destes factos provados, atingimos o cerne da fundamentação da condenação do arguido e das empresas por si geridas e utilizadas pela prática de crime de fraude fiscal, que o arguido tenta mais uma vez pôr em causa através da alegação de que se teria limitado a usar a "Barden Assets LLC” para facturar os serviços de "consultoria” por si pessoalmente prestados às empresas clientes daquela.
Note-se que aqui o tribunal recorrido incorreu num manifesto lapso, susceptível de correcção ao abrigo do disposto no Art.º 380.º, n.ºs 1, b) e 2, do CPPenal, na redacção não apenas do facto provado n.º 83, mas também no n.º 84, não especificamente impugnado pelo arguido. Com efeito, onde se lê “entradas de fundos na conta bancária de que é titular a sociedade arguida “Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda.”, deverá ler-se “sociedade arguida Barden Assets LLC”, conforme resulta do teor dos factos provados antecedentes, nomeadamente os n.ºs 64 a 73, e também da restante fundamentação de facto e do que aí é afirmado. Esta correcção será realizada na parte dispositiva, no final deste acórdão.
Independentemente de, como foi referido, isto só por si ser fiscal e penalmente ilícito, por o arguido não poder usar a "Barden Assets LLC” como mera fachada para uma actividade por si exercida em Portugal a título pessoal, não deverá aceitar-se a tese de que tal actividade foi, no caso dos serviços prestados à “Corcova” e à “Vila Baía”, de mera “consultoria”, enquanto actividade “prévia” à mediação imobiliária e dela autónoma.
Com efeito, conforme é claramente referido na motivação da decisão em matéria de facto do acórdão recorrido e decorre até dos testemunhos prestados por António ... e Francisco ..., invocados a seu favor pelo ora recorrente (este último em sede de fundamentação da impugnação dos factos provados n.ºs 102 e 103), a actividade efectivamente exercida pelo arguido, com recurso às empresas por si geridas que foram também elas condenadas, de modo algum poderá qualificar-se como sendo de mera "consultoria”, por oposição a uma efectiva mediação imobiliária.
Tal como resulta, para além do mais, das declarações de António ..., o arguido não se limitou a aconselhar a "Corcova" a respeito do modo como tal empresa deveria ela própria proceder à venda do seu empreendimento, antes tendo tomado parte activa na organização e concretização dessa venda, com recurso aos serviços de mediadoras estrangeiras por si contactadas, à cooperação da empresa "Porta Grande", gerida pelo co-arguido JA______ e, numa fase subsequente, aos serviços da própria arguida "Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda.", de modo a poder garantir a efectiva realização das vendas das quais dependeria o pagamento da remuneração acordada com a "Corcova".
Logo, foi exercida por este arguido, com recurso às empresas por si geridas, nomeadamente a "Barden Assets - Mediação Imobiliária, Lda.", uma actividade de verdadeira mediação imobiliária, tendo até em conta que a mera angariação de (outros) mediadores para concretizar as vendas pretendidas deveria ser já qualificada como tal, por ultrapassar os limites da simples "consultoria", conforme decorre para além do mais do testemunho de Francisco ....
Tal entendimento é reforçado pelo depoimento de António ..., quando se refere ao modo como, a partir de certa altura, deixou de precisar dos serviços de mediação facultados pelo arguido através das suas empresas, por já ter aprendido como utilizar por si próprio os serviços de mediadoras estrangeiras - bem como pelo teor de diversos contratos mencionados no facto provado n.º 62, nos quais a "Barden Assets LLC" é designada como mera "consultora", mas se compromete a prestar serviços de verdadeira mediação na realização de vendas, que nunca poderia efectuar por si própria.
Conforme foi já referido supra (a propósito de eventual contradição insanável na fundamentação), este facto, bem como o contrato mencionado no fato provado n.º 19, a) e aquele que consta a fls. 337 e seguintes da Pasta 1 do Apenso I, celebrado com a “Porta Grande” e a “Corcova”, indicia que terá havido um plano de actuação conjunta entre o ora recorrente e o arguido JA______ - não se tendo, porém, considerado que tal plano viesse a ser efectivamente executado, pelo menos em moldes susceptíveis de justificar a condenação dos arguidos em co-autoria dos crimes imputados a cada um deles.
Não tem assim fundamento a pretensão do arguido quanto à impugnação destes factos provados n.ºs 83 e 85.
. Facto provado n.º 96:
No que se refere à impugnação deste facto, remete-se apenas para o já referido supra e para o que será referido em seguida, quanto àquilo que a "Barden Assets LLC” poderia ou não fazer no nosso país, quanto à verdadeira natureza dos serviços por si facturados e quanto ao modo como estes foram efectivamente prestados, pelo que não se aceita também esta impugnação do facto provado n.º 96. . Facto provado n.º 97:
Também no que se refere à impugnação deste facto se remete para o já referido, assinalando-se apenas que o arguido nem sequer impugna verdadeiramente a veracidade daquilo que aí é referido e que tal facto é relevante por tornar claro que a “Barden Assets LLC” não poderia licitamente facturar e fornecer, em Portugal, os serviços que foram efectivamente prestados em seu nome -, pelo que igualmente se rejeita a impugnação deste facto provado n.º 97.
. Facto provado n.º 101:
Quanto a este facto, para além do já referido a respeito da efectiva actividade exercida em nome da “Barden Assets LLC”, apenas se deverá assinalar que esta empresa nunca poderia exercer, pelo menos em Portugal, quaisquer actividades de mediação imobiliária, que são para além do mais sujeitas a licenciamento, pelo que se considera correcta a redacção adoptada pelo acórdão recorrido e devendo ser também rejeitada a pretendida impugnação deste facto provado n.º 101.
. Factos provados n.ºs 102 e 103:
A propósito destes factos provados, vem mais uma vez o arguido procurar defender a tese de que se teria limitado a usar a “Barden Assets LLC” para facturar serviços de "consultoria” por si prestados aos clientes da mesma. Logo, não tendo sido essa a verdadeira natureza dos serviços efectivamente prestados em nome da referida empresa, conforme foi já referido supra, não tem fundamento a pretensão do arguido quanto à impugnação destes factos provados n.ºs 102 e 103.
. Factos provados n.ºs 104 a 111:
Conforme admite o próprio arguido, a prova destes factos depende em boa medida da dos anteriormente dados como provados, em termos que deverão ser mantidos - não devendo assim tão pouco merecer acolhimento, pelas razões já expostas, a pretensão do arguido quanto à impugnação destes factos provados n.ºs 104 e 111.
***
Acompanha-se aqui a fundamentação do tribunal a quo que se demonstra sólida e devidamente concretizada, não só para suplantar os alegados vícios decisórios (contradição na fundamentação e/ou entre esta e a decisão), mas também porque este recorrente pretende que se faça uma reapreciação dos factos à luz de uma tese factual e de uma compreensão interessada e enviezada dos factos que é refutada não só pela própria fundamentação coerente do tribunal de primeira instância bem como pela razão que está na experiência e no bom senso das coisas.
Ora tal alegação não se demonstra comprovada, nem sequer veio a ser reflectida na matéria a comprovar, cabendo ao recorrente invocar com que base e meios de prova chega a essa conclusão.
***
Assim, por tudo isto, verifica-se que o tribunal recorrido procedeu a uma análise crítica dos meios de prova (declarações dos arguidos, depoimentos testemunhais, perícias e documentos) que não se encontram em contradição evidente entre si. E que o tribunal não deixou de valorizar e enquadrar devidamente, segundo uma apreciação a todos os títulos clara, razoável e justificada.
Assim, contrariamente ao defendido pelo recorrente, o tribunal recorrido baseou a sua convicção na valoração global e crítica de toda a prova produzida, em sede de audiência de julgamento, à luz das regras da experiência e do senso comum.
São sintomáticos, na verdade, pelo tribunal, a invocação das declarações dos arguidos e dos depoimentos testemunhais, o vasto acervo documental e contabilístico e as conexões estabelecidas entres as várias empresas envolvidas e as conclusões que daí se podem retirar relativamente a cada um dos segmentos/questões factuais que foram eleitas no extenso e muito descritivo exame crítico da prova e que aqui se acolhem na integralidade.
Depois, o tribunal a quo, apreciando criticamente todos estes conteúdos e elementos probatórios conclui, justamente com a análise das circunstâncias que o recorrente alega como críticas e dubitativas.
Nessa consideração, temos que o tribunal do julgamento não deixou de fazer um depuramento das circunstâncias em causa, definindo uma conexão e estruturação aos factos que se entende congruente com a realidade e com a experiência comum (e técnica), e pela qual se conclui pelo apuramento de parte essencial dos factos que se encontravam descritos na acusação/pronúncia.
Definindo no fundo aqueles factos para os quais não subsistiriam dúvidas para além do limite da razoabilidade fáctica e da mesma experiência comum.
Nesse campo, verifica-se que o tribunal recorrido procedeu ao exame crítico das provas que não foi ao encontro das expectativas da defesa deste arguido, aqui recorrente, mas que não se pode dizer – ao contrário – que se encontram em desconformidade com as regras da experiência (cfr. Art.º 127.º do CPPenal), segundo uma exposição que se entende clara e congruente – cfr. Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal.
Isto mediante uma percepção que agora o tribunal de recurso não deixou também de verificar e de confirmar com o mesmo juízo probatório do tribunal a quo e que faria qualquer pessoa de mínimo bom senso e razoabilidade, na maturação das regras de experiência que as alegações de recurso parecem querer fazer esquecer ou obscurecer.
Naturalmente que a livre apreciação se não reconduz a um íntimo convencimento, impondo-se ao julgador o dever de explicitar o processo de formação da sua convicção, pois se ao julgador é atribuída a possibilidade de atribuir peso probatório a cada meio de conhecimento sem estar vinculado de antemão a critérios de prova vinculada, não poderia deixar de se impor este dever de fundamentação (constitucionalmente exigido) para se poder aferir das regras e critérios de valoração seguidos e se o resultado probatório surge como o mais aceitável, segundo critérios objectivos e de observância de regras de experiência comum. O tribunal de recurso limita-se então a aferir do processo de motivação e de conformidade com as regras legais de apreciação de prova.
Ora, no caso em apreço, resulta da decisão da matéria de facto e sua fundamentação que acima se transcreveu integralmente que o tribunal, enunciando os meios de prova, explicitou o processo de formação da sua convicção, esclarecendo de forma motivada a razão porque as reservas dos arguidos quanto à parcela dos factos que mereceram comprovação lhe não mereceram credibilidade em confronto com os demais depoimentos testemunhais e as razões da credibilidade e convencimento destes depoimentos aliados aos demais meios de prova produzidos. E nenhum reparo nos merece a apreciação da prova que foi feita pelo mesmo tribunal a quo, porquanto formou a sua convicção em correspondência com a prova produzida e segundo critérios lógicos e objectivos e em obediência às regras de experiência comum, sendo fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no citado Art.º 127.º do CPPenal, conduzindo tal apreciação, sem qualquer margem para dúvidas, à fixação daquela matéria de facto.
Por outra via, em face das provas mencionadas e acima analisadas, mesmo após audição da prova registada fonograficamente (tal como acima explicitado), sabe-se que o tribunal não chegou a uma decisão diversa daquela recorrida (cfr. a alínea b) do Art.º 412.º do CPPenal), sendo que as passagens aludidas terão de ser integradas na totalidade dos testemunhos indicados, no cruzamento acima assumido para a globalidade dos meios de prova valorizados.
E, neste âmbito, este tribunal de recurso não pode deixar de acompanhar o raciocínio analítico da prova realizado pelo tribunal recorrido, não procedendo as razões dos argumentos suscitados pelo arguido/recorrente.
Daí que não se identifique qualquer erro de julgamento efectuado pelo tribunal ad quo sobre a matéria ou qualquer apreciação probatória diferenciada, improcedendo este outro fundamento do recurso deste arguido.
***
(viii) Da impugnação de direito, com invocação genérica de “errada subsunção jurídica de factos” e de contradição entre a fundamentação de direito e os factos considerados provados (recurso do 5.º arguido).
Neste seu recurso este arguido (5) CA________, como tivemos ocasião de avançar, suscitou considerações jurídicas de cariz geral quando procedeu à invocação do vício decisório do acórdão (contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão) e também à impugnação de facto antecedente.
Como se pode constatar, essa argumentação já foi devidamente apreciada neste acórdão nos pontos antecedentes, com a devida ponderação.
Assim, disse-se ali, que tendo em conta o teor do facto provado n.º 9, fácil se torna ver não existir qualquer contradição, muito menos insanável, entre aquilo que aí é referido e a decisão de condenação de cada um dos referidos arguidos enquanto autores de distintos crimes de fraude fiscal (praticados na sua qualidade de gestores, pelo menos de facto, das empresas nacionais e estrangeiras igualmente condenadas no acórdão recorrido, ou pelo menos aí mencionadas). Com efeito, deverá em primeiro lugar assinalar-se que, em termos literais, nem sequer decorre desse facto provado n.º 9 que os referidos arguidos tenham planeado em conjunto a prática dos crimes pelos quais foram condenados, apenas que terão formulado um idêntico plano de actuação, em termos fiscal e penalmente ilícitos. Por outro lado, mesmo que tal planeamento tivesse sido efectivamente feito em conjunto pelos arguidos, no caso com a colaboração de terceiros (algo que, no entanto, não parece coadunar-se com o teor dos factos provados n°s 11, 12, 13, 58 e 59, não impugnados no recurso interposto), daí não decorreria necessariamente que o plano conjuntamente formulado se dirigisse à prática de factos criminosos em co-autoria - podendo em vez disso os arguidos delinear os moldes nos quais pretenderiam vir a praticar, cada um por si, uma actividade criminosa similar.
Em qualquer caso, ainda que tivesse havido algum plano inicial de actuação conjunta dos referidos arguidos, com recurso às respectivas empresas, tal como poderá ter chegado a suceder (ver, para além do mais, aquilo que é referido nos factos provados n.ºs 19, 22, 28, 62 e 69), o tribunal recorrido considerou não terem sido provados factos bastantes para considerar que os arguidos teriam agido em comunhão de esforços na prática dos distintos crimes de fraude fiscal que, em termos fiscais e penais, não poderiam deixar de ser separadamente imputados a cada uma das empresas em cuja esfera jurídica se terão concretizado os prejuízos para a pretensão tributária do Estado dados como provados (ou seja, a "Porta Grande" e a Barden Assets Mediação Imobiliária, Lda.).
Logo, como defendeu o Ministério Público na resposta a este recurso, não se tendo comprovado que os arguidos tenham agido em co-autoria, nunca poderia haver contradição entre o facto de terem anteriormente planeado uma eventual actuação conjunta e a fundamentação da sua posterior condenação pelos actos que se considerou terem efectivamente praticado.
Depois, quanto à outra suposta contradição do acórdão recorrido, à qual se referem especificamente as conclusões 60 a 64 do recurso interposto por este arguido, verificamos que independentemente do carácter eventualmente discutível da conclusão, exarada no referido facto provado, de que a "Barden Assets LLC" não terá cumprido "quaisquer obrigações contabilísticas e fiscais", desde logo em Portugal (conclusão essa que é ela própria impugnada pelo ora recorrente, conforme adiante referido), não há qualquer contradição entre essa afirmação e o facto de outras empresas, suas clientes, terem procedido à retenção na fonte que lhes é legalmente imposta, em sede de IRC, aquando do pagamento de serviços prestados por uma entidade estrangeira, sem "estabelecimento estável" em Portugal.
Logo, independentemente do mais que será referido quanto a este facto provado n.º 63, não existe qualquer contradição entre aquilo que aí é dito e o teor de outros factos dados como provados, nomeadamente os mencionados no recurso interposto.
E, também que a tese deste recorrente não pode proceder no que respeita à suposta legalidade da utilização de empresas deste tipo no nosso país, em termos susceptíveis de justificar uma "dupla não tributação permitida por lei", quer em Portugal, quer nos Estados Unidos.
Assim, tal como consta da argumentação do Ministério Público na sua resposta ao recurso, deverá começar por se realçar que, estando em causa uma empresa "LLC" que realmente exerça a sua actividade no estrangeiro, ainda que o seu dono seja português, poderá ser admissível a existência duma "dupla não tributação permitida por lei", nomeadamente no que a IRC e IVA se refere, por o Estado onde essa empresa tem sede não ter interesse em tributar operações comerciais que apenas envolvam entidades "estrangeiras" e o Estado no qual tal empresa preste serviços remunerados, mas sem ter aí "estabelecimento estável", se poder contentar com a retenção na fonte de IRC já referida supra (no caso de Portugal, ao abrigo para além do mais das disposições do CIRC citadas no recurso interposto).
Já quanto a IRS, como o próprio arguido parece admitir, deverão sempre aplicar-se as regras relativas à tributação dos rendimentos eventualmente auferidos pelo dono da empresa, ao abrigo da legislação fiscal territorialmente aplicável no caso.
Porém, conforme consta no acórdão recorrido e da prova aí mencionada, não se deve considerar ter sido isso que sucedeu neste caso, pelas razões adiante melhor expostas - desde logo por se ter comprovado que a "Barden Assets LLC” nunca exerceu a sua actividade nos EUA e que boa parte dos serviços por si alegadamente prestados a entidades portuguesas foram na realidade prestados, não por essa empresa, nem sequer apenas pelo ora recorrente, a título pessoal, mas antes com recurso aos meios da empresa portuguesa "Barden Assets Lda.”, também ela por si gerida.
A tese relativa aos factos que veio a ser defendida pela defesa do arguido, tal como se constata da análise realizada por este tribunal de recurso nos pontos antecedentes, não teve acolhimento.
O crime de fraude fiscal, da previsão do Art.º 103º, nº 1, do RGIT, pune “as condutas ilegítimas tipificadas no referido artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias”.
Segundo tal normativo a fraude fiscal pode ter lugar mediante os seguintes meios:
- a ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
- a ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; ou
- a celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
Desde que o agente com estas condutas ilegítimas vise a não liquidação, não entrega ou pagamento total ou parcial ou recebimento indevido de prestação tributária, ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
E desde que a vantagem patrimonial ilegítima for igual ou superior a €15.000 (no actual RGIT em vigor).
O apuramento da matéria colectável das sociedades comerciais, bem como das pessoas singulares efectua-se com base na declaração do sujeito passivo, na qual se devem conter obrigatoriamente os factos ou valores que hão-de permitir à administração fiscal controlar os rendimentos tributáveis e, se necessário, determiná-los ou avaliá-los.
A ocultação ou alteração de factos ou valores constantes daquelas declarações constitui elemento constitutivo do crime de fraude fiscal, pois que tais declarações têm especificamente vocação para servir de suporte à determinação, avaliação ou controle da matéria colectável pela administração fiscal.
Trata-se de um tipo de ilícito doutrinalmente classificado como um crime de resultado cortado ou parcial, situações em que o tipo objectivo ultrapassa em extensão o tipo subjectivo, isto é um tipo criminal em que não basta a prova do dolo enquanto elemento subjectivo que abarca toda a realidade típica, é ainda necessária a comprovação judicial de que houve da parte dos agentes uma intenção de lesar patrimonialmente o fisco.
A tal propósito e reportando-se ao elementos fundamentais da factualidade típica da fraude fiscal, Figueiredo Dias e Costa Andrade, in “O Crime de Fraude Fiscal no novo Direito Penal Tributário Português, in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Vol. II, pp. 411 e segs., referem – pp. 419/422 – a existência de três orientações conhecidas para a definição da factualidade típica desse crime: a) uma, colocando a tónica do bem jurídico protegido na “pretensão do fisco à obtenção integral das receitas tributáveis, centrando a ilicitude no dano causado ao erário público e, portanto, primacialmente no desvalor do resultado”, face ao que nessa factualidade típica avultará, consequentemente, qual forma especial de Burla, o dano patrimonial causado ao Estado; b) outra, ao invés, entendendo a Fraude Fiscal “exclusivamente como violação dos deveres de informação e de verdade que impendem sobre o cidadão contribuinte”, ou seja, o bem cuja protecção jurídico-penal se visava seria “a pretensão do Estado à revelação dos factos fiscalmente relevantes, construindo-se a ilicitude na base da violação de deveres de colaboração com a administração financeira e, portanto, do desvalor de acção”, assumindo, pois, proeminência os valores da transparência e da verdade, assim claramente distinto do valor “património”; c) uma terceira, de compromisso ou mista, conciliando a protecção dos valores da verdade-transparência e a dos interesses patrimoniais-fiscais, com maior ou menor preponderância de uns ou de outros. “Segundo este último modelo – (...) – o dano patrimonial, sendo, enquanto tal, estranho ao tipo, está a ele associado pela mediação de um específico elemento subjectivo, isto é, figura como referente expresso da intenção do agente.” (...) “Diferentemente, porém, do que se passa com o segundo modelo, a falsidade não esgota só por si o ilícito típico: à falsidade tem de acrescer a intenção de produzir o resultado lesivo sobre o património fiscal.” E, transpondo para a realidade portuguesa, consideram que o caminho trilhado pelo nosso legislador com o artº 23º do RJIFNA não foi o da primeira via, o modelo germânico, mas o terceiro, sendo que, “desde logo, a lei penal fiscal portuguesa não inscreve o dano patrimonial entre os pressupostos objectivos da factualidade típica. Nem sob a forma de inflição de um prejuízo ao Fisco – como redução do imposto liquidado ou obtenção de um reembolso – nem na forma da obtenção de um benefício indevido.” (...) “Resumidamente, no que ao chamado tipo objectivo concerne, necessário – e suficiente – ao preenchimento da factualidade típica da Fraude fiscal é apenas o atentado à verdade ou transparência corporizado nas diferentes modalidades de falsificação previstas no nº 1 do artigo 23º do RJIFNA. Uma infracção que se consumará mesmo que nenhum dano/enriquecimento indevido venha a ter lugar.” (Ob. e loc. cit. 425).
O legislador português, quando no artigo 23.º do RJIFNA verteu a disciplina jurídico-penal da fraude fiscal, não inscreveu «o dano patrimonial entre os pressupostos objectivos da factualidade típica. Nem sob a forma de inflicção de um prejuízo ao Fisco – como redução do imposto liquidado ou obtenção de um reembolso – nem na forma da obtenção de um benefício indevido» [Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, ob. cit., p. 91].
A infracção consuma-se mesmo que nenhum dano para o fisco ou enriquecimento indevido para o agente venha a ocorrer.
O legislador prescreve o resultado lesivo como referente necessário da intenção do agente de uma fraude fiscal que se consuma mesmo que aquele resultado não venha a ter lugar; o que significa que o legislador conforma a infracção segundo o modelo dos crimes de resultado cortado ou de tendência interna transcendente [para mais desenvolvimentos, neste ponto, cfr. Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, ob. cit].
A ocorrência do resultado lesivo sobre o património fiscal esgota a sua relevância em sede de medida da pena, «é a medida da pena que invariavelmente constitui a única e exclusiva sede de relevância jurídico-penal do resultado lesivo» [ibidem, p. 105].
O resultado lesivo para efeitos de direito penal fiscal pode assumir várias formas. Pode traduzir-se no não pagamento puro e simples de um imposto devido; pode resultar na liquidação de um imposto em montante inferior ao legalmente previsto; pode consistir na obtenção de um benefício fiscal à margem da lei; pode ser a obtenção de um reembolso sem suporte legal.
De onde se pode extrair a ilação de que não é preciso provar o efectivo prejuízo das receitas tributárias, antes se basta com a demonstração de uma aptidão concreta para diminuir as receitas fiscais, tal como tem acentuado a jurisprudência dominante – assim, por todos, o Ac. do STJ de 27/11/2007, CJSTJ t3, pp. 248, e Carlos Teixeira e Sofia Gaspar, em anotação ao Art.º 103.º da Lei n.º 15/2001 de 5/6, Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, pp. 455, e António Tolda Pinto e Jorge Reis Bravo, Regime Geral das Infracções Tributárias e Regimes Sancionatórios Especiais Anotados, 2002, Coimbra Editora, pp. 308 e ss..
O bem jurídico tutelado nos crimes de fraude fiscal tem, assim, uma natureza complexa, em que está subjacente a ideia de cidadania fiscal e a preservação do núcleo essencial do dever fundamental de pagar impostos – assim o acórdão da RP de 28/9/2011, processo n.º 67/09.6 IDPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
Tutela-se essencialmente a preservação da transparência e da verdade fiscal, mediante a criminalização das condutas aí tipificadas como de defraudação tributária, e, de modo reflexo, protege-se o património do Estado.
Assim, em nenhum momento, o valor de cada uma das declarações pode ser somado para integrar, quer o tipo base, quer o tipo qualificado.
Conforme se destaca dos anteriores passos da fundamentação deste acórdão, toda a matéria de facto considerada provada pelo tribunal de primeira instância, se considera aqui também adquirida, pelo que se sufraga toda a apreciação jurídica (fundamentação jurídica) afirmada pelo mesmo tribunal recorrido. Assim sendo, considera-se improcedente, do mesmo modo, este último fundamento dos recursos apresentados.
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Em face de tudo o exposto, não se verificaram quaisquer dos fundamentos invocados, improcedendo todos eles. Pelo que se mantém a decisão condenatória recorrida nos seus precisos termos, apenas com a correcção material dos factos n.ºs 83 e 84 acima enunciada.
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IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, em: 1. proceder à correcção material dos pontos n.ºs 83 e 84 da matéria de facto considerada provada, nos moldes acima determinados (ponto (vii) deste acórdão) e nos termos do Art.º 380.º, n.º 1, alínea b), e 2, do Código de Processo Penal; e 2. julgar não providos os recursos interpostos pelos arguidos (4) JA______ e (5) CA_______ , porque totalmente improcedentes os seus fundamentos, confirmando-se integralmente o acórdão condenatório recorrido.
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Fixa-se a taxa de justiça devida por cada um dos recorrentes em 5 (cinco) UC’s.
Notifique-se.
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Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).
Lisboa, 4 de Novembro de 2020
Nuno Coelho
Ana Paula Grandvaux
_______________________________________________________ [1] Este resultado obtêm-se pela diferença entre as entradas na conta da sociedade arguida Ramea Properties LLC, provenientes da Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.., que no ano de 2006 totalizaram 459.939,00€, e das saídas no montante de 295.022,50€ registadas na contabilidade da sociedade Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.. Lda..Por aplicação: 459.939,00€ - 295.022,50€ = 164.916,50€. [2] Esta diferença é apurada entre os montantes de entradas na conta da Ramea Properties LLC e provenientes da Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.., Lda., que no ano de 2007 totalizam 226.202,17, contudo na contabilidade da Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.., Lda., no ano de 2007 estão reveladas, conforme Quadro 8 supra, movimentos a crédito (saídas) de 398.557,50€.Ora, aqui está expressa essa diferença: 226.202,17€ - 398.557,50€ = -172.355,33€. Acrescentando, esta diferença, deriva assim de duas situações: a primeira, por terem sido considerados na contabilidade da Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda.., Lda. registos respeitantes a “pagamentos de facturas” no montante de 190.037,50€ e que não deram entrada na conta bancária da Ramea Properties LLC e a segunda, porque se constataram entradas de fundos provenientes da Porta Grande – Mediação Imobiliária, Lda., que não se encontram revelados (como saídas) na sua contabilidade, no montante de 17.682,17€, isto é, (190.037,50€ -17.682,17€ = -172.355,33€). [3] O que este registo contabilístico traduz, é a existência de tesouraria (numerário) no montante de 130.000,00€, que foram depositados na conta bancária como numerário.