DETENÇÃO DE ESTUPEFACIENTE
ARTº 359º CPP
CONSUMO
TRÁFICO
Sumário

Estando o arguido acusado de um crime de detenção de estupefacientes, p.e p. pelo artigo 40º nº 2 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro com pena de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias, mas tendo sido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade punível com pena de prisão, cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, 1 e 5 anos (artigo 25º al. a) do DL 15/93 de 22 de janeiro) e não constando da acusação os factos relevantes para o preenchimento do tipo subjetivo deste último crime, foi preterido o pleno exercício do contraditório e dos direitos de defesa do arguido constitucionalmente consagrados no artigo 32º da CRP, pois que, na sentença recorrida, é outro o facto naturalístico e outro o juízo de valoração social de que deverá ser objecto, em relação à imagem de ilicitude e gravidade global do facto vertida na acusação.
Na medida em que a sentença recorrida aditou à factualidade vertida na acusação um novo elemento subjectivo, uma nova finalidade, em frontal contradição com a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 1/2015, de 20.11.2014 e sem ter dado prévio cumprimento ao preceituado no art. 359º do CPP, é nula, nos termos do art. 379º nº 1al. b) do CPP. 

Texto Integral

Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção, neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 30 de Janeiro de 2018, no processo comum singular nº 202/14.2SILSB do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 6, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferida a seguinte decisão:
A) Condenar RMPAP____ , pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 181° e 184° do Código Penal, por referência à al. 1) do n°2 do art. 132° do mesmo diploma legal, na pessoa de RS______ na pena de dois meses de prisão;
B) Condenar RMPAP____ , pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 181° e 184° do Código Penal, por referência à al. 1) do n°2 do art. 132° do mesmo diploma legal, na pessoa de CE____, na pena de dois meses de prisão;
C) Condenar RMPAP____  pela prática em autoria material pela prática de um crime de dano qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 212°, n° l, al. c) do Código Penal por referência aos já citados arts. 26° e 14°, n° l, na pena de três meses de prisão;
D) Condenar RMPAP____  pela autoria material e na forma consumada um crime de ofensa à integridade física qualificada, com assento legais nos arts. 143°, n° l e 145°, n° l, al. a) e nº2 por referência à alínea m) do art. 132º do mesmo diploma legal, sob a pessoa de RS______  na pena parcelar de doze meses de prisão;
E) Condenar RMPAP____  pela autoria material e na forma consumada um crime de ofensa à integridade física qualificada, com assento legais nos arts. 143°, n° l e 145° n° l, al. a) e n°2 por referência à alínea m) do n°2 do art. 132° do mesmo diploma legal, de dois crimes de ofensas) na pessoa de CE____ na pena oito meses de prisão;
F) Condenar RMPAP____  pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa de JO____), previsto e punido no art. 143° do Código Penal na pena de quatro meses de prisão;
G) Condenar RMPAP____  pela prática de um crime de desobediência previsto e punido pelo art. 348°, n° l al. a) do Código Penal por referência ao art. 152°, n° l, al. a) e n°3 do Código da Estrada e art. 69°, n° l, al. c) e do diploma legal acima citado (CP) na pena de três meses de prisão e em cinco meses de proibição de condução de veículo a motor na via pública;
H) Condenar RMPAP____  pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25°, al. a) do DL n° 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I - C anexa na pena de quinze meses de prisão;
I) Em cúmulo jurídico nos termos dos arts. 77° e 78°, ambos do Código Penal, condenar RMPAP____  na pena de dois anos de prisão e cinco meses de proibição de condução de veículo automóvel na via pública.
J) Condenar RMPAP____  a pagar ao Estado Português/PSP a título de indemnização a quantia de €144,92 (cento e quarenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos); 
K) Condenar RMPAP____  a pagar ao/ demandante CE____ a quantia de €392, 29, sendo €92, 99 a título de danos patrimoniais (com juros de mora desde a data dos factos até integral pagamento) e €300,00 a título de danos morais (com juros de mora desde a data de prolação desta sentença);
L) Condenar RMPAP____  a pagar à demandante a quantia de €1000,00 a título de danos morais emergentes da prática do crime de injúria agravada, previsto e punido no previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 181° e 184° do Código Penal, por referência à al. 1) do n°2 do art. 132° do mesmo diploma legal, com juros de mora desde a data da prolação da decisão até integral pagamento.
M) Absolver RMPAP____  da instância quanto ao aditamento do pedido de indemnização civil formulado por RS______, atento o valor do pedido ali formulado (art. 278°, n° l, al. d) ex vi art. 4º do CPP e 29°, n°6 do DL n° 522/85, de 31 de Dezembro).
N) Condenar a demandada Seguradoras Unidas SA no pedido de indemnização civil formulado por RS_______ no pagamento de indemnização no valor de € 20 371, 04, sendo € 371,04 a título de danos patrimoniais (com juros de mora desde a data da notificação para contestar o pedido até integral pagamento) e € 20 000,00 a título de danos morais (com juros de mora desde a data de prolação de sentença).
Desta decisão recorreram, a lesada RS_______ , a responsável civil Seguradoras Unidas, S.A. e o Mº. Pº.
Recurso da lesada RS_______ :
No seu recurso, a lesada formulou as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto unicamente do segmento decisório relativo ao pedido cível da demandante, designadamente, no que concerne à procedência parcial do pedido e correspondentemente, à condenação da Seguradoras Unidas, S.A a pagar-lhe a quantia de 20.371,04€, sendo 371,04€ a título de danos patrimoniais e 20.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
II. Salvo o devido respeito, que é muito, entende a recorrente que andou mal o tribunal a quo ao dar como provado o facto n.° 20, no que respeita à parte final, nomeadamente que a demandante não ficou afetada da capacidade geral e profissional, e por outro lado dá como provados nos factos n.°s 61, 62, 66 e 71, que foram atribuídas incapacidades parciais permanentes à demandante, que esta teve sequelas e que até ficou 96 dias sem trabalhar, o que não se concebe. Bem como, andou mal o tribunal a quo ao julgar improcedente o pedido de perdas salariais - remunerados, quando ficou provado que os deixou de fazer, FP n.°s 68 a 71.
III. O âmago da divergência reside assim na análise critica da prova e consequente aplicação do direito, nomeadamente, ao dar como provado que a demandante não está afetada na capacidade geral e consequentemente não fixar nenhuma indemnização ao nível do Dano Biológico, bem como, ao não julgar procedente o pedido de perdas salariais a título de remunerados.
IV. Caso o tribunal a quo tivesse valorado e analisado criticamente a prova produzida, teria conduzido a uma solução conforme preconizada pela demandante, não dar como provado que a demandante não está afetada na capacidade geral e em consequência dos factos provados em 61 e 66, fixar-lhe uma indemnização não inferior a 50.000,00€, conforme decorre da aplicação dos artigos 8° n.° 3, 70° n° 1, 483° e 496°, todos do Código Civil e 25° n° 1 da CRP, e ainda fixar em 1.650,95€ as perdas salariais, conforme art.° 483° e 562° do C.C.
V. Dos factos provados n°s 61 e 66, designadamente que a demandada fixou 2 pontos de IPP à demandante e que a junta superior de saúde da PSP fixou 6 pontos de IPP ao demandante, bem como, da fundamentação da matéria de facto a fls 19 e 20, designadamente quando o tribunal a quo diz que se considerou a IPP da junta superior de saúde em detrimento da IPP fixada pela seguradora, resulta que não se pode dar como provado que a demandante não tenha ficado afetada na sua capacidade geral. Termos em que, deve ser alterado o facto provado n.° 20, no que concerne a "sem afetação da capacidade geral" ou então, aperfeiçoar o mesmo com "capacidade geral de trabalho", que coaduna com toda a motivação espelhada na sentença ora em crise.
VI. O tribunal a quo tanto dá como provado que a demandante não está afetada na capacidade geral como dá como provado que foi fixada à demandante uma incapacidade parcial permanente, o que não se concebe.
VII. O tribunal a quo, salvo o devido respeito, que é muito, confunde de forma evidente os conceitos de capacidade geral com incapacidade parcial permanente e com capacidade geral de ganho.
VIII. Existindo uma Incapacidade Parcial Permanente, como é o caso ( FP n.° 66), há lugar a uma indemnização pelo Dano Biológico, que não se confunde com danos patrimoniais futuros (afetação da capacidade geral de ganho).
IX. Estando provado que a demandante tem uma IPP de 6 pontos, e tendo que atender aos casos análogos, 8° n° 3 C.C, deve ser arbitrada uma compensação de 50.000,00€ a título de dano biológico, veja-se os Acórdãos: AC. STJ de 25-09-2007, onde um lesado, Agente da PSP, de 33 anos de idade, com uma IPP de 5%, viu ser fixada uma indemnização pela IPP de 38.000,00€, Ac. STJ de 19-11-2009 , onde uma lesada de um acidente de viação, com IPP de 5% , compatível com o exercício da profissão mas com esforços acrescidos, viu-lhe ser fixada uma indemnização de 60.000,00€ pela incapacidade geral permanente., AC. STJ de 13-04-2010 , em que um lesado de um acidente de viação, com uma IPP de 5%, com esforços acrescidos, viu ser fixada uma indemnização de 35.000,00€ pela IPP, AC. STJ de 27-09-2011, em que um lesado, com uma IPP de 5% mais 3 de dano futuro, viu-lhe ser fixada uma indemnização de 55.000,00€, AC. STJ de 06-03-2012 em que uma lesada de um acidente de viação, com 20 anos, IPP de 5% sem perda de capacidade de ganho, viu ser fixada uma indemnização de 70.000,00€ a título de Dano Biológico
X. Dar como provado a existência de uma IPP e não fixar uma compensação a título da afetação psicossomática colide com o n.° 1 do art.° 25° da CRP e é inconstitucional.
XI. Por fim, e não obstante resultar dos factos provados bem como da própria motivação que o tribunal a quo entendeu precisamente que a demandante tem uma IPP (até defendeu que se devia atender aos 6 pontos da junta superior de saúde da PSP), diga-se que, a própria demandada seguradora o reconheceu e lhe atribuiu 2 pontos de IPP.
XII. Quanto ao pedido de remunerados, conforme decorre dos FP n.°s 68 a 71, a demandante "fazia remunerados” e como consequência do acidente ficou impedida de fazê-los durante 89 dias, auferindo em média 18,55€/dia. Por conseguinte, a decisão é contraditória com aqueles factos, devendo por isso proceder parcialmente aquele pedido no valor de 1.650,95€ e correspondente a 18,55€/dia x 89 dias.
Nestes termos e nos melhores de Direito que os Venerandos Desembargadores certamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência deve ser dado como não provado, parcialmente o facto n.°s 20 (sem afetação da capacidade geral) da matéria assente na Sentença, e consequentemente deve ser fixada à demandante uma indemnização de 50.000,00€ (Cinquenta Mil Euros), a título de Dano Biológico, e 1.650,95€ (Mil Seiscentos e Cinquenta Euros e Noventa e Cinco Cêntimos) a título de perdas salariais.
Recurso da Seguradoras Unidas, S.A.
Por seu turno, a responsável civil formulou as seguintes conclusões:
1. Atendendo que a parte dispositiva da sentença contém decisões distintas, podendo a parte recorrida ser separada da parte não recorrida, a ora Recorrente vem, ao abrigo do n.° 2 do artigo 403.° do CPP, restringir o recurso à matéria civil, máxime na parte em que decide condenar a Demandada Seguradoras Unidas, S.A. anteriormente Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., a pagar à Demandante a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros), a título de danos morais;
2. Com o devido respeito, verifica-se uma errada interpretação e aplicação do Direito aos factos que aplicou ao caso em concreto, existindo violação dos princípios de equidade na fixação da indemnização atinente aos danos não patrimoniais;
3. Salvo o sempre devido respeito, a quantia arbitrada (€20.000,00) a título de danos não patrimoniais é injusta, excessiva e exagerada;
4. Os danos não patrimoniais apenas são reparados quando a sua gravidade assim o sugira, sendo aqui o princípio da reparação integral limitado pela gravidade do dano, nos termos do artigo 496.°, n.° 1 do Código Civil;
5. Ainda se dirá, que o Tribunal a quo, deveria ter ponderado os valores fixados no Anexo I à Portaria n.° 377/2008, de 26/05, alterada pela Portaria n.° 679/2009, de 25/06, no que à Incapacidade, ao quantum doloris, e ao dano estético, diz respeito, sendo certo que o valor que a portaria estabelece são orientadores não vinculativos, o montante de €20.000,00 (vinte mil euros) arbitrado, com o devido respeito, é excessivo.
6. Os danos não patrimoniais são aqueles que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ocasionar uma compensação, compreendendo, no caso, em concreto, o quantum doloris (2/7), o dano estético (1/7) e o prejuízo de afirmação pessoal, em função da descrição feita pelos médicos (a avaliação do dano corporal) e tendo em conta os precedentes jurisprudenciais;
7. E ainda, os factos provados sob os n.°61,62,64,65 da sentença em crise.
8. Sucede que, com o devido respeito, considerando, os montantes arbitrados na sentença em crise, e a jurisprudência para casos, em que a incapacidade é superior à dos autos, bem como o dano estético e o quantum doloris, face ao montante arbitrado de €20.000,00 (vinte mil euros) por danos morais pelo Tribunal a quo, ocorre uma situação de desigualdade.
9. Nessa medida, ocorre a violação do princípio da igualdade, o que desde já se invoca;
10. Prosseguindo, o montante indemnizatório deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida;
11. Deve ainda atender-se ao grau de culpabilidade do responsável (o arguido), à sua situação económica deste e do lesado, e às demais circunstâncias do caso, sendo de atender aos padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência;
12. Acontece que, a jurisprudência não constitui fonte de direito no ordenamento jurídico português, mas é comummente aceite pela comunidade jurídica que as suas decisões revestem a forma de verdadeiras linhas de orientação dos tribunais na formulação das suas decisões, em particular quando se trata da jurisprudência dos tribunais superiores.
13. O segurador não é directamente responsável para com o lesado, no sentido de que a indemnização tenha de ser determinada em atenção à sua melhor ou pior situação económica; quem é directamente responsável para com o lesado é o segurado, incidindo sobre o mesmo a ponderação da situação económica;
14. Atentos os danos não patrimoniais apurados nos autos, bem como as demais circunstâncias do caso concreto (v.g., o grau de culpabilidade do responsável, situação económica deste e do lesado), verifica-se que a indemnização fixada é excessiva, tendo em vista a reparação e/ou compensação das dores sofridas, do desgosto e mal-estar vivenciados pela Demandante;
15. Isto porque, com o devido respeito, o sofrimento moral, traduzido em vergonha e humilhação pela situação que viveu no exercício da actividade profissional a Demandante, não decorreu do Sinistro, mas da má e reprovável conduta do Arguido enquanto cidadão.
16. E nessa medida, o montante, arbitrado, não obedece aos juízos de equidade exigíveis, em casos, como o dos autos, em que a Conduta do Arguido, é distinta do Sinistro e da sua eclosão.
17. Deste modo, os elementos objectivos trazidos aos autos pelo caso concreto, a generalidade das decisões dos tribunais, os critérios de orientação previstos na lei, em especial a delimitação aos danos graves, o bom senso e o equilíbrio, apontam como justa e equitativa a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) a título de danos morais, ao contrário dos 20.000,00€ fixados pelo Tribunal a quo.
18. Deste modo, deve a douta sentença proferida ser revogada e substituída por douto Acórdão que fixe em €5.000,00 (cinco mil euros) o montante de compensação por danos morais, com as legais consequências.
19. A sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios do sistema jurídico, os artigos 483.°, 496.°, 562.°, 563.°, 564.° e 566.°, todos do Código Civil.
Por fim, o Mº. Pº. sintetizou as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões:
1)  Por sentença datada de 30/01/2018, constante a fls.595 a 639, o Tribunal “a quo” condenou o arguido pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, porém a sentença recorrida é nula nos termos do previsto no art. 379.°/1 al. b) e viola o previsto nos art. 358.° e 359.° do Código Processo Penal.
2) O Tribunal “a quo” operou a alteração da qualificação jurídica da imputação da prática de um crime de detenção de estupefaciente para consumo ao arguido (p. e p. pelo artigo 40.°, do DL n°15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a tal diploma e ao disposto no art.2.°/2 da Lei n°30/2000 de 29 de Novembro e no art.9.° da Portaria n°94/96 de 26 de Março e respetiva Tabela) para a prática pelo mesmo de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade (previsto e punido pelo art. 25°, al. a) do DL n° 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C anexa), constituindo tal convolação uma alteração substancial dos factos, atento o agravamento que ocorre na moldura penal aplicável ao segundo ilícito.
3) Por força do agravamento da pena a aplicar ao arguido pela imputação de crime diverso, o Ministério Público entende que a sentença recorrida padece da nulidade prevista na alínea b) do n.°1 do artigo 379.° do C.P.P., uma vez que o Tribunal “a quo" não efetuou a comunicação dos factos que consubstanciam tal alteração substancial, nos termos do previsto no art. 359.° do C.P.P..
4) Para essa distinção releva a definição constante do artigo 1.°, n.° 1, f), do C.P.P. segundo a qual se considera alteração substancial dos factos "aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
5) No caso em apreço, o arguido foi acusado da prática de um crime de detenção de estupefaciente para consumo (p. e p. pelo artigo 40.°, do DL n°15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a tal diploma e ao disposto no art.2.°/2 da Lei n°30/2000 de 29 de Novembro e no art.9.° da Portaria n°94/96 de 26 de Março e respetiva Tabela) cuja moldura penal é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias.
6) O Tribunal "a quo” na sequência da comunicação de alteração da qualificação jurídica, aditou o seguinte facto (elemento subjetivo do crime de tráfico): “(...) 35. Agiu de forma livre voluntária e consciente, conhecendo a natureza, características e qualidades do indicado estupefaciente, sabendo não ser detentor de autorização legal para comprar, vender, deter transportar, consumir ou por qualquer forma, manusear produtos estupefaciente, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei. (...)”
7) E, por via disso foi imputado ao arguido a prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, (previsto e punido pelo art. 25°, al. a) do DL n° 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I - C anexa) cuja moldura penal é de prisão de 1 a 5 anos.
 8) O arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade (previsto e punido pelo art. 25°, al. a) do DL n° 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C anexa) na pena de quinze meses de prisão efetiva.
9) Ora o aditamento do facto constante sob o ponto 35 da matéria de facto e o agravamento da moldura penal do crime imputado efetuado pelo Tribunal "a quo" é uma alteração substancial da matéria de facto, nos termos do previsto no art. I.0, al. f) do C.P.P. e não foi comunicada ao abrigo do previsto no art. 359° do C.P.P., pelo que a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art. 379°/1 al. b) do C.P.P. o que expressamente se invoca.
10) Acresce ainda que, no caso concreto, o Tribunal "a quo", por força da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, comunicou ao arguido um novo facto enunciado no ponto 35, correspondente ao elemento subjetivo do crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade que lhe passou a imputar, ao abrigo do previsto no art.358.° do C.P.P.- Alteração da Qualificação Jurídica dos Factos.
11)  A falta (total ou parcial) de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.° do Código de Processo Penal.
12) Com efeito não pode retirar-se dos factos o elemento subjetivo, por força de rejeição da ideia de um "dolus in re ipsa" e que, face à estrutura acusatória do processo penal, o juiz não pode substituir-se ao acusador.
13) Termos em que se deve conceder provimento ao recurso interposto, em consequência, revogar nessa vertente a decisão recorrida por nulo nos termos do previsto no art. 379.°/1 al. b) do C.P.P., reenviando o processo ao Tribunal "a quo" para que se proceda a novo julgamento, a fim de eliminar da sentença recorrida a alteração da qualificação jurídica do crime de consumo de estupefaciente para o crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade e o aditamento do ponto 35 da matéria de facto provada, por violação do art. 358° e 359° do CPP.
Admitidos os recursos, nenhum dos demais sujeitos processuais apresentou resposta.
Remetidos os autos a este Tribunal, colhidos os vistos legais e realizada a conferência prevista no art. 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 
2.1. Delimitação do Objecto do Recurso e Identificação das Questões a Decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
De acordo com este iter sequencial, no confronto com as conclusões, as questões a apreciar, no presente recurso, são as seguintes:
Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art. 379º al. b) do CPP;
Se existe o vício decisório previsto no art. 410º nº2 al. b) do CPP, traduzido na  contradição entre os factos, concretamente, entre o facto provado n° 20, no que respeita à parte final, nomeadamente, que a demandante não ficou afetada da capacidade geral e profissional e, por outro lado, os factos provados n°s 61, 62, 66 e 71, dos quais resulta que a lesada ficou com uma IPP de 6% (recurso da lesada RS_______ );
Se existe Se existe o vício decisório previsto no art. 410º nº2 al. b) do CPP, traduzido na  contradição entre os factos provados nos nºs 68 a 71 e a decisão, pois destes resulta que a demandante "fazia remunerados” e como consequência do acidente ficou impedida de fazê-los durante 89 dias, auferindo em média € 18,55/dia, pelo que pedido no valor de € 1.650,95 correspondente a € 18,55/dia x 89 dias, deveria ter sido julgado procedente, nessa parte e não foi (recurso da lesada RS_______ );    
Se houve erro de direito, porque deveria ter sido fixada uma indemnização pelo dano biológico e se essa indemnização deve ser no valor de € 50.000,00 (recurso da lesada RS_______ );
Se houve erro de direito na fixação do montante da compensação por danos não patrimoniais, devendo tal montante ser reduzido para € 5.000,00 (recurso da responsável civil Seguradoras Unidas, S.A.).
2.2. Fundamentação de Facto
No dia 30 de Janeiro de 2018, em acto prévio à leitura da sentença, a Mma. Juíza proferiu o seguinte despacho (transcrição):
"Da prova produzida em audiência de julgamento entende o Tribunal ter ficado a demonstrada a seguinte factualidade:
1. No dia 20 de Fevereiro de 2014 pelas 18h10m na Avenida General Norton de Matos em Lisboa o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca Ford modelo Transit, de matrícula 00-00-00 ultrapassando as viaturas que se encontravam paradas na sequência de ter ocorrido um acidente de viação.
2. Nessas mesmas circunstâncias de tempo e lugar os agentes da PSP   encontravam-se em exercício de funções e devidamente uniformizados a elaborar a participação do referido acidente de viação na companhia dos respectivos condutores intervenientes no mesmo.
3. Então o arguido ao passar pelos agentes da PSP da forma acima descrita começou a buzinar e dirigiu-se levantando a mão e colocando o dedo do meio esticado, fazendo o gesto vulgarmente conhecido como “pirete”.
4. Perante este comportamento, a agente da PSP RS_______ levantou a mão efectuando o sinal de paragem ao arguido, tendo este afrouxado ligeiramente o veículo por si conduzido.
5. Porém, o arguido voltou a acelerar o veículo que conduzia e voltou a levantar a mão, colocando o dedo do meio esticado e abrindo a janela da porta do condutor dirigiu-se aos dois agentes da PSP enquanto lhes dizia em voz alta: “Vão para o caralho, seus filhos da puta! Saiam da frente palhaços, que se fodam as autoridades!”
6. Na sequência de tal conduta a agente da PSP conduzindo o motociclo de serviço que lhes estava adstrito e devidamente caracterizada da marca Honda, modelo RC52 de matrícula 89-BP-49, seguiram no encalço do arguido, com os sinais luminosos e sonoros ligados com o objectivo de o submeter a teste de pesquisa de álcool no sangue.
7. Conseguindo a agente de autoridade RS_______ ultrapassar com o seu motociclo o veículo, dirigir-se ao arguido e a dar-lhe ordem de paragem, sempre com o auxílio de sinais sonoros e luminosos de motociclo.
8. Não obstante, o arguido ao ver o sinal de paragem que lhe era dirigido voltou a acelerar o seu automóvel e embateu na referida viatura policial causando-lhe danos na mala lateral do lado direito, no sistema luminosos de emergência e ainda no escape do lado direito, no valor total de €309,50.
9. Após o descrito embate a agente da PSP que se dirigia ao arguido, ordenando-lhe que não arrancasse e desligasse o veículo que conduzia, ao mesmo tempo que o agarrou através do vidro da porta do condutor com o intuito de o imobilizar.
10. Acto contínuo e ignorando tais ordens, o arguido voltou a colocar o veículo que conduzia em funcionamento e iniciou a marcha, mudando de direcção para a fila de trânsito à sua direita, arrastando a agente da PSP RS_______ pela via de trânsito em que seguia durante cerca de 80 a 100 metros enquanto lhe desferia vários socos na face, com o punho fechado, tentando fazê-la cair.
11. Em virtude do sucedido e temendo pela sua vida e integridade física, a agente da PSP RS_______ começou a pedir ajuda aos condutores dos veículos automóveis que circulavam na via.
12. Verificando o que estava a ocorrer, KF____ , condutora de veículo automóvel que seguia à frente do arguido, abrandou a sua marcha e imobilizou o veículo por si conduzido, saindo do mesmo para socorrer RS______.
13. Como o arguido se viu forçado a parar o veículo a agente da PSP conseguiu abrir a porta do mesmo para o abordar.
14. Neste momento, o arguido saiu do veículo por si conduzido, dirigindo-se à agente da PSP RS______, continuando a desferir-lhe vários murros na face.
15. Entretanto, JO____ condutor de outro veículo que circulava na via pública parou em frente do veículo do arguido, aproximando-se deste para o afastar da agente da PSP acima identificada,
16. O arguido perguntou a JO____ se ele era da bófia desferindo-lhe vários murros na cara com o punho direito provocando-lhe dores.
17. Em seguida, chegou ao local o agente da PSP CE______ que se dirigiu ao arguido a fim de o deter, tendo este desferido no agente da autoridade vários pontapés nos membros inferiores e murros nas zonas lombar e renal.
18. Durante esta intercepção e após a agente da PSP RS_______ ter dado voz de detenção ao arguido, este continuou a desferir socos, cotoveladas e pontapés a CE_____, com o objectivo de evitar a sua detenção.
19. A detenção apenas foi possível com a chegada ao local de outros agentes policiais cujo número concreto não foi possível apurar, tendo o arguido esbracejado e esperneado, o que obrigou ao uso da força estritamente necessária para o algemar.
20. Em consequência da acima descrita conduta, o arguido provocou em RS_______ traumatismos da coluna cervical e lombo sagrada, dos membros superiores e inferiores, designadamente no membro superior esquerdo duas equimoses na face postero-lateral externa do terço inferior do braço, arredondados com contornos irregulares, com 3,0 cm e 4,5 cm de diâmetro cada, no membro inferior direito uma equimose azulada na face postero-lateral externa e terço médico da coxa direita, arredondada com 1,0 cm de comprimento, lesões estas que lhe determinaram 3 dias para a consolidação médico-legal sem afectação da capacidade geral e sem afectação do trabalho profissional.
21. Devido à conduta acima descrita, o arguido provocou também no agente da PSP CE______ um traumatismo na região lombar, lesões estas que determinaram 3 dias para a consolidação médico-legal com 3 dias para a afectação da capacidade de trabalho geral e três dias de afectação do trabalho profissional.
22. Nessa decorrência os agentes da PSP solicitaram ainda ao arguido para que efectuasse o teste de pesquisa de álcool no sangue através de exame ao ar expirado tendo o arguido recusado realizar tal teste.
23. Não obstante ter sido esclarecido de que tal conduta constituía um ilícito criminal, o arguido continuou a recusar submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no sangue, quer mediante aparelho de medição quantitativa, quer através de aparelho de medição qualitativa e mesmo de exame ao sangue.
24. Após ter sido encaminhado para a esquadra da PSP foi sujeito a uma revista.
25. Verificou-se então que o arguido tinha na sua posse, no interior do bolso esquerdo do casaco que envergava, vários pedaços de um produto, que submetido de imediato ao teste rápido veio a comprovar-se tratar-se de haxixe com o peso de 5,51 gramas.
26. Submetido a exame no laboratório de Polícia Científica foi confirmado que o produto encontrado na posse do arguido se tratava de canábis resina, produto vegetal prensado, com um grau de pureza de 22, 4% THC com um peso líquido de 5, 394 gramas correspondentes a 24 doses médias diárias.
27. O arguido tinha perfeito conhecimento de que os agentes da PSP estavam devidamente uniformizados e no exercício das suas funções e que ao agir da forma que acima se descreveu faziam-no no âmbito da competência que lhes era atribuída por lei.
28. O arguido ao proferir e dirigir as expressões e gestos mencionados acima aos agentes de autoridade RS_______ e CE______ agiu com o objectivo de colocar em causa o respeito e consideração destes, enquanto cidadãos e agentes da PSP, o que conseguiu atingindo-os na sua honra pessoal e profissional.
29. Do mesmo modo, ciente da qualidade profissional em que agiam RS_______ e CE_____, que lhe tinham dado ordem de paragem através de gesto regulamentar, sinais luminosos e de que tal ordem provinha de autoridade legítima, mesmo assim não se absteve de desobedecer àquela, conduzindo a sua viatura com o intuito de obstar a que estes o identificassem.
30. O arguido ao danificar o veículo policial agiu de forma livre e consciente, conformando-se com a possibilidade de o destruir, o que sucedeu, bem sabendo que aquele não lhe pertencia e que agia contra a vontade do Estado Português, seu proprietário, causando a este prejuízo patrimonial.
31. Ao desferir murros e pontapés nos dois agentes da PSP o arguido actuou de forma deliberada e consciente, com o objectivo concretizado de lesar e causar mau-estar na saúde e no corpo daqueles, de modo a causar-lhes dores e ferimentos, bem sabendo ser o seu comportamento proibido e punido pela lei penal.
32. Ao atingir JO____ quando este socorreu a Agente RS______, o arguido actuou de forma livre e consciente, causando-lhe mal-estar na saúde e no corpo, dores e ferimentos, sabendo ser esse seu comportamento proibido e punido pela lei penal.
33. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, em desrespeito da obrigação que sobre si impendia de se sujeitar ao exame de pesquisa do álcool e pela ordem que nesse sentido lhe foi dada pelos agentes da PSP, ordem que sabia proveniente de autoridade, proferida no âmbito e exercício das suas funções e de acordo com a lei.
34. O arguido tinha ainda conhecimento de que lhe não era permitido deter na sua posse produto estupefaciente tendo conhecimento também de que a quantidade de canábis que detinha excedia a necessária para o consumo médio individual por um período de dez dias, não se abstendo daquela conduta.
35. Agiu de forma livre voluntária e consciente, conhecendo a natureza, características e qualidades do indicado estupefaciente, sabendo não ser detentor de autorização legal para comprar, vender, deter transportar, consumir ou por qualquer forma manusear produtos estupefaciente, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
(…)
Tal factualidade em abstracto é susceptível de integral a prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 181º e 184º do Código Penal, por referência à al. l) do nº2 do art. 132º do mesmo diploma legal, um crime de dano qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 212º, nº1, al. c) do Código Penal por referência aos já citados arts. 26º e 14º, nº1, dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, com assento legais nos arts. 143º, nº1 e 145º, nº1, al. a) e nº2 por referência à alínea m) do nº2 do art. 132º do mesmo diploma legal, um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido no art. 143º do Código Penal, um crime de desobediência previsto e punido pelo art. 348º, nº1 al. a) do Código Penal por referência ao art. 152º, nº1, al. a) e nº3 do Código da Estrada e art. 69º, nº1, al. c) e do diploma legal acima citado (CP) e ainda um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido pelos arts. 21º e art. 25º, al. a) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I – C anexa.
O que se comunica aos sujeitos processuais nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 358º, nº1 e nº3 ambos do Código Penal.
Notifique" (acta da sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 30 de Janeiro de 2018, com a referência Citius 373117245);
Da acta da leitura da sentença, consta, ainda, o seguinte:
«Do despacho que antecede, ficam os presentes notificados, tendo-lhes sido fornecida cópia do mesmo.
«Após, a Mmª. Juiz de Direito deu a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público e aos Ilustres Advogados presentes, pelos mesmos foi dito nada terem a opor ou a requerer.
«Em seguida, a Mmª Juiz procedeu à leitura de sentença (…)» (acta da sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 30 de Janeiro de 2018, com a referência Citius 373117245);
Em 29.09.2016 o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido RMPAP____  onde fez verter a seguinte factualidade:
“(…)
22. Após ter sido encaminhado para a esquadra da P.S.P. e sujeito a uma revista verificou-se que o arguido tinha na sua posse, no interior do bolso esquerdo do casaco que envergava, vários pedaços de um produto, que submetido de imediato ao teste rápido, veio a comprovar-se tratar-se de haxixe, com o peso de 5,51 gramas.
23. Submetido a exame no laboratório de Polícia Científica, foi confirmado que o produto encontrado na posse do arguido se tratava de canábis resina, produto vegetal prensado, com o grau de pureza de 22,4% THC, com um peso líquido de 5,394 gramas, correspondente a 24 doses médias diárias.
(…)
31. O arguido tinha ainda perfeito conhecimento que não lhe era permitido deter na sua posse produto estupefaciente, tendo perfeito conhecimento que a quantidade de canábis que detinha excedia a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias e mesmo assim não se absteve de tal conduta.
(…)
Pelo exposto, o arguido RMPAP____  cometeu em autoria material e na forma consumada e em concurso real:
(…)
Um crime de detenção de estupefaciente para consumo, p. e p. pelo artigo 40.°, do DL nº15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a tal diploma e ao disposto no art.2.º/2 da Lei nº 30/2000 de 29 de Novembro e no art.9.º da Portaria nº 94/96 de 26 de Março e respectiva Tabela.
(…)
Da sentença recorrida constam a seguinte factualidade e motivação da decisão de facto (transcrição parcial):
A) Factos provados   
1. No dia 20 de Fevereiro de 2014 pelas 18hl0m na Avenida General Norton de Matos em Lisboa o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca Ford modelo Transit, de matrícula 00-00-00 ultrapassando as viaturas que se encontravam paradas na sequência de ter ocorrido um acidente de viação.
2. Nessas mesmas circunstâncias de tempo e lugar os agentes da PSP RS_______ e CE______ encontravam-se em exercício de funções e devidamente uniformizados a elaborar a participação do referido acidente de viação na companhia dos respectivos condutores intervenientes no mesmo.
3. Então o arguido ao passar pelos agentes da PSP da forma acima descrita começou a buzinar e dirigiu-se levantando a mão e colocando o dedo do meio esticado, fazendo o gesto vulgarmente conhecido como “pirete”.
4. Perante este comportamento, a agente da PSP RS_______ levantou a mão efectuando o sinal de paragem ao arguido, tendo este afrouxado ligeiramente o veículo por si conduzido.
5. Porém, o arguido voltou a acelerar o veículo que conduzia e voltou a levantar a mão, colocando o dedo do meio esticado e abrindo a janela da porta do condutor dirigiu-se aos dois agentes da PSP enquanto lhes dizia em voz alta “Vão para o caralho, seus filhos da puta! Saiam da frente palhaços, que se fodam as autoridades!” 
6. Na sequência de tal conduta a agente da PSP conduzindo motociclo de serviço que lhes estava adstrito e devidamente caracterizada da marca Honda, modelo RC52 de matrícula 89-BP- 49, seguiram no encalço do arguido, com os sinais luminosos e sonoros ligados com o objectivo de o submeter a teste de de álcool no sangue.
7. Conseguindo a agente de autoridade RS_______ ultrapassar com o seu motociclo o veículo, dirigir-se ao arguido e a dar-lhe ordem de paragem, sempre com o auxílio de sinais sonoros e luminosos de motociclo.
8. Não obstante, o arguido ao ver o sinal de paragem que lhe era dirigido voltou a acelerar o seu automóvel e embateu na referida viatura policial causando-lhe danos na mala lateral do lado direito, no sistema luminosos de emergência e ainda no escape do lado direito, no valor total de €309,50.
9. Após o descrito embate a agente da PSP que se dirigia ao arguido, ordenando-lhe que não arrancasse e desligasse o veículo que conduzia, ao mesmo tempo que o agarrou através do vidro da porta do condutor com o intuito de o imobilizar.
10. Acto contínuo e ignorando tais ordens, o arguido voltou a colocar o veículo que conduzia em funcionamento e iniciou a marcha, mudando de direcção para a fila de trânsito à sua direita, arrastando a agente da PSP RS_______ pela via de trânsito em que seguia durante cerca de 80 a 100 metros enquanto lhe desferia vários socos na face, com o punho fechado, tentando fazê-la cair.
11. Em virtude do sucedido e temendo pela sua vida e integridade física, a agente da PSP RS_______ começou a pedir ajuda aos condutores dos veículos automóveis que circulavam na via.
12. Verificando o que estava a ocorrer, KF ______ , condutora de veículo automóvel que seguia à frente do arguido, abrandou a sua marcha e imobilizou o veículo por si conduzido, saindo do mesmo para socorrer RS________. 
13. Como o arguido se viu forçado a parar o veiculo a agente da PS; conseguiu abrir a porta do mesmo para o abordar.
14. Neste momento, o arguido saiu do veículo por si conduzido dirigindo-se à agente da PSP RS______, continuando/ a desferir-lhe vários murros na face.
15. Entretanto, JO____ condutor de outro veículo que circulava na via pública parou em frente do veículo do arguido, aproximando-se deste para o afastar da agente da PSP acima identificada,
16. O arguido perguntou a JO____ se ele era da bófia desferindo-lhe vários murros na cara com o punho direito provocando-lhe dores.
17. Em seguida, chegou ao local o agente da PSP CE______ que se dirigiu ao arguido a fim de o deter, tendo este desferido no agente da autoridade vários pontapés nos membros inferiores e murros nas zonas lombar e renal.
18. Durante esta intercepção e após a agente da PSP RS_______ ter dado voz de detenção ao arguido, este continuou a desferir socos, cotoveladas e pontapés a CE_____, com o objectivo de evitar a sua detenção.
19. A detenção apenas foi possível com a chegada ao local de outros agentes policiais cujo número concreto não foi possível apurar, tendo o arguido esbracejado e esperneado, o que obrigou ao uso da força estritamente necessária para o algemar.
20. Em consequência da acima descrita conduta, o arguido provocou em RS_______ traumatismos da coluna cervical e lombo sagrada, dos membros superiores e inferiores, designadamente no membro superior esquerdo duas equimoses na face postero-lateral externa do terço inferior do braço, arredondados com contornos irregulares, com 3,0 cm e 4,5 cm de diâmetro cada, no membro inferior direito uma equimose azulada na face postero-lateral externa e terço médico da coxa direita, arredondada com 1,0 cm de comprimento, lesões estas que lhe determinaram 3 dias para a consolidação médico-legal sem afectação da capacidade geral e sem afectação do trabalho profissional.
21. Devido à conduta acima descrita, o arguido provocou também no agente da PSP CE______ um traumatismo na região lombar, lesões estas que determinaram 3 dias para a consolidação médico-legal com 3 dias para a afectação da capacidade de trabalho geral e três dias de afectação do trabalho profissional.
22. Nessa decorrência os agentes da PSP solicitaram ainda ao arguido para que efectuasse o teste de pesquisa de álcool no sangue através de exame ao ar expirado tendo o arguido recusado realizar tal teste.
23. Não obstante ter sido esclarecido de que tal conduta constituía um ilícito criminal, o arguido continuou a recusar submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no sangue, quer mediante aparelho de medição quantitativa, quer através de aparelho de medição qualitativa e mesmo de exame ao sangue.
24. Após ter sido encaminhado para a esquadra da PSP foi sujeito a uma revista.
25. Verificou-se então que o arguido tinha na sua posse, no interior do bolso esquerdo do casaco que envergava, vários pedaços de um produto, que submetido de imediato ao teste rápido veio a comprovar-se tratar-se de haxixe com o peso de 5,51 gramas.
26. Submetido a exame no laboratório de Polícia Científica foi confirmado que o produto encontrado na posse do arguido se tratava de canábis resina, produto vegetal prensado, com um grau de pureza de 22, 4% THC com um peso líquido de 5, 394 gramas correspondentes a 24 doses diárias.
27. O arguido tinha perfeito conhecimento de que os agentes da PSP estavam devidamente uniformizados e no exercício das suas funções e que ao agir da forma que acima se descreveu faziam-no no âmbito da competência que lhes era atribuída por lei.
28. O arguido ao proferir e dirigir as expressões e gestos mencionados acima aos agentes de autoridade RS_______ e CE______ agiu com o objectivo de colocar em causa o respeito e consideração destes, enquanto cidadãos e agentes da PSP, o que conseguiu atingindo-os na sua honra pessoal e profissional.
29. Do mesmo modo, ciente da qualidade profissional em que agiam RS_______ e CE_____, que lhe tinham dado ordem de paragem através de gesto regulamentar, sinais luminosos e de que tal ordem provinha de autoridade legítima, mesmo assim não se absteve de desobedecer àquela, conduzindo a sua viatura com o intuito de obstar a que estes o identificassem.
30. O arguido ao danificar o veículo policial agiu de forma livre e consciente, conformando-se com a possibilidade de o destruir, o que sucedeu, bem sabendo que aquele não lhe pertencia e que agia contra a vontade do Estado Português, seu proprietário, causando a este prejuízo patrimonial.
31. Ao desferir murros e pontapés nos dois agentes da PSP o arguido actuou de forma deliberada e consciente, com o objectivo concretizado de lesar e causar mau-estar na saúde e no corpo daqueles, de modo a causar-lhes dores e ferimentos, bem sabendo ser o seu comportamento proibido e punido pela lei penal.
32. Ao atingir JO____ quando este socorreu a Agente RS______, o arguido actuou de forma livre e consciente, causando-lhe mal-estar na saúde e no corpo, dores e ferimentos, sabendo ser esse seu comportamento proibido e punido pela lei penal.
33. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, em desrespeito da obrigação que sobre si impendia de se sujeitar ao exame de pesquisa do álcool e pela ordem que nesse sentido lhe foi dada pelos agentes da PSP, ordem que sabia proveniente de autoridade, proferida no âmbito e exercício das suas funções e de acordo com a lei.
34. O arguido tinha ainda conhecimento de que lhe não era permitido deter na sua posse produto estupefaciente tendo conhecimento também de que a quantidade de canábis que detinha excedia a necessária para o consumo médio individual por um período de dez dias, não se abstendo daquela conduta.
35. Agiu de forma livre voluntária e consciente, conhecendo a natureza, características e qualidades do indicado estupefaciente, sabendo não ser detentor de autorização legal para comprar, vender, deter transportar, consumir ou por qualquer forma manusear produtos estupefaciente, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
36. O arguido foi condenado pela prática de um crime de burla simples, previsto e punido no art. 217° do Código Penal na pena de 70 dias de multa à taxa de €5,00, no processo n° 350/15. 1 GASPS que correu termos no S.P.Sul - Juízo de Competência Genérica por sentença de 30 de Maio de 2016 tendo os factos ocorrido em 20 de Outubro de 2015.
Do pedido de indemnização civil do Estado Português:
37. A reparação do motociclo acima indicado custou €309, 50, valor ressarcido pela Companhia de Seguros Fidelidade.
38.  RS______, devido à actuação do arguido, necessitou de assistência médica no Centro Hospitalar de Lisboa Central EPE, resultando um período de incapacidade para serviço por quinze dias, tendo estado de baixa médica durante esse período.
39. Na assistência médica e hospitalar relativa a CE______ foi despendido pelo Estado Português €122,77 em despesas hospitalares e €22,15 atinentes a despesas com consultas no posto clínico da PSP.
40. O arguido não reembolsou o Estado Português das despesas por este pagas.
Do pedido de indemnização de CE______
41. O arguido perdeu momentaneamente o controlo do veículo dado que ia embatendo numa viatura que circulava no mesmo sentido e imediatamente à sua frente, para além deste veículo ainda ia embatendo noutras viaturas que circulavam no mesmo sentido porque começou a dirigir aos ziguezagues.
42. Em face do exposto e ao verificar que o demandado circulava do modo acima descrito o demandante e a testemunha policial seguiram-no deslocando-se para as viaturas que lhes estão atribuídas, veículos motorizados.
43. O arguido apenas foi algemado com a chegada de reforços.
44. Atentas as fortes dores que sentia e ainda sente esporadicamente na coluna cervical e zona lombar o demandante foi transportado pela ambulância do INEM - Lisboa 14 - tripulada pela TAE n° 94932 AM____, ao Hospital de Santa Maria, onde deu entrada sob o episódio clínico n° 34425251 com hora de entrada às 19h40m.
45. Não lhe foram atribuídos dias de incapacidade para o trabalho.
46. Devido à actuação do arguido o blusão de nylon no valor de €87,50 que CE______ trajava ficou danificado.
47. CE______ sentiu-se ofendido na sua honra e consideração pessoal e profissional pelas palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido, tanto mais que tal sucedeu em local público.
48. Sentiu-se particularmente envergonhado por os factos terem sucedido enquanto estava ao serviço do Estado português, a resolver um acidente que nada tinha que ver com o demandado e estando devidamente uniformizado.
49. O demandante, durante a actuação do arguido, sentiu medido, inquietação e vergonha.
50. O demandante à data dos factos era já agente da PSP há sete anos sendo uma pessoa respeitável, humilde e calam, cumpridora das suas responsabilidades profissionais.
Do pedido de indemnização de RS______ 
51. RS_______ sentiu dores no braço direito, face e perna direita bem como na coluna, pescoço e ombro direitos, tendo sido transportada pela ambulância do INEM - Lisboa 14, onde deu entrada sob o episódio clínico n° 34425250, com hora de entrada pelas 19h26m.
52. Ficou com um dente (coroa) partido devido ao impacto, tendo as calças e colete de alta visibilidade que trajava ficado estragados, tendo um valor de cerca de €60,00.
53. No decurso deste incidente perdeu o seu telemóvel pessoal o qual lhe tinha sido oferecido por colegas de trabalho no Natal, tendo o valor de € 313, 79, sendo de marca LG, modelo P880 4x.
54. Sentiu vergonha pela forma como estava a ser tratada, particularmente por estar ao serviço do Estado Português.
55. Durante toda esta acção sentiu medo, inquietação, vergonha, sentiu-se enxovalhada em plena via pública.
56. Procurou por isso apoio psicológico.
57.  A data dos factos era agente há cinco anos, sendo pessoa respeitável, serena, sociável, séria e cumpridora das suas responsabilidades profissionais.
58. Na sequência da consulta no Hospital de Santa Maria o médico que ali estava de serviço receitou alguns fármacos calmantes, anti-inflamatórios e analgésicos, tendo a demandante gasto €11,25.
59. Nas noites seguintes aos factos dormiu mal.
60. Sentia-se sempre cansada e desconfortável, apresentando fadiga, sonolência, irritabilidade, bem como alguma incapacidade em raciocinar e falar com facilidade.
61. A companhia de seguros demandada atribuiu-lhe uma incapacidade parcial permanente de 2 pontos (0-100) de rebate profissional para a raquialgia provocada pelo embate e arrastamento no veículo automóvel.
62. Foram-lhe atribuídos 96 dias de incapacidade temporária profissional entre 20 de Fevereiro de 2014 e 27 de Maio de 2014. 
63. Sentiu dores intensas no corpo devido ao arrastamento no solo.
64. Foi-lhe fixado um quantum doloris de grau 2 (0-7).
65. dano estético foi-lhe fixado num grau 1 (0-7).
66. A Junta Superior de Saúde da PSP avaliou o dano corporal da demandante em 6 pontos de IPP (0'100).
67. A data dos factos RS_______ tinha 28 anos de idade.
68. É agente da PSP e aufere mensalmente a quantia de €789, 54 a título de salário base, acrescido de suplemento de forças, no valor de €157, 91, suplemento no valor de €31,04, comparticipação de fardamento no valor de €25,00, subsídio de refeição no valor de €98, 21, suplemento de turno no valor médico de €154, 99 e suplemento de patrulha no valor médio de €59, 13.
69. Fazia remunerados, com o valor médio mensal de €556, 80.
70. Auferia, pois, anualmente uma média de €22 967, 44.
71. Como consequência das sequelas a demandante ficou impedida entre 1 de Dezembro de 2014 e 28 de Fevereiro de 2015 de levar a cabo serviços remunerados, sendo os mesmos pagos em média aa €18,55 por dia.
B) Factos não provados
1. O arguido tinha ingerido um número não concretamente apurado de bebidas alcoólicas.
2. O arguido ao danificar o veículo policial conduzido por RS_______ agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o objectivo conseguido de o destruir, sabendo que aquele não lhe pertencia, estava devidamente caracterizado e que agia contra a vontade do respectivo proprietário (Estado português) causando-lhe prejuízo.
3. O arguido destinava o estupefaciente que lhe foi apreendido exclusivamente ao seu consumo pessoal.
4. Considerando que a demandante é agente da PSP e à data do acidente ocorrido em 20 de Fevereiro de 2014 tinha 28 anos sendo previsível que a sua vida se prolongue até aos 81 anos e que a sua vida activa até aos 72 anos, tendo ficado permanentemente afectada com raquialgia sendo de prever que esta incapacidade se mantenha e agrave com o decurso dos anos, trazendo maior penosidade para o desempenho das tarefas diárias e laborais com esforços acrescidos na sua plenitude, com os inerentes prejuízos.
5. É de perspectivar a existência de dano futuro considerando o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiologicamente certa e segura por corresponder a evolução lógica e habitual e inexorável do quadro clínico.
6. Por outro lado, a patologia sequelar impõe supervisão clínica em Fisiatria.
7. Durante os três meses em que esteve em IPP esteve sempre com temperamento de mau humor como consequência da sua condição física.
8. A demandante necessita de esforços acrescidos para desempenhar funções laborais em geral.
9. Devido às sequelas deixou de realizar gratificados.
O Tribunal não responde a matéria conclusiva, impugnativa ou de Direito.
C) Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal alicerçou-se na ponderação crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, de harmonia com as regras da experiência comum e critérios de normalidade, nos termos do art. 129° do CPP. O arguido não compareceu em audiência de julgamento de forma voluntária, tendo sido emitidos mandados de detenção para assegurar aquele efeito. Contudo, o mesmo não foi localizado pelas autoridades policiais. Por outro lado, também a realização de relatório relativo à sua situação pessoal (familiar, social e profissional) se gorou, uma vez que o mesmo não compareceu às sessões agendadas pela DGRS. Foram ouvidas em audiência de julgamento RS_______ o CE_____, ofendidos e demandantes. Foram ainda ouvidas as seguintes testemunhas JO____ (declarações para memória futura ouvidas em audiência), KF de , MA____ e MD____, bem como PS____.
JO____, KF ______ , MA____ e MD____ estiveram no local dos factos à hora a que os mesmos ocorreram, tendo assistido e, nessa medida, tendo daqueles conhecimento directo. PS____é comissário da PSP e à data dos factos era o superior hierárquico de RS_______ e CE_____, tendo tomado conhecimento dos factos no próprio dia em que os mesmos ocorreram e acompanhado toda a situação. Quanto a ES_____ é médico, tendo o seu depoimento incidido sobre as perícias que constam dos autos e fundamentos das suas eventuais discrepâncias.
Numa apreciação geral da prova testemunhal e dos depoimentos de RS_______ e CE______ cumpre referir que todas as pessoas ouvidas, prestaram declarações de forma clara, isenta e objectiva. As eventuais discrepâncias detectadas, menores no quadro geral dos depoimentos, são explicáveis, não apenas pela natureza subjectiva da percepção humana, mas também pela rapidez e carácter inesperado dos acontecimentos subjacentes aos autos. Com efeito, RS_______ e CE______ encontravam-se na via pública no âmbito das suas funções, trajados com a sua farda, auxiliando condutores envolvidos num acidente de viação. No local estava também MA____, ali chamada devido às funções que então exercia na área dos sinistros automóveis (sendo civil e sem conhecimento prévio com os demais sujeitos processuais). O arguido, que nada tinha a ver com a situação em apreço, passou pelos agentes da PSP e abrindo a janela do carro começou a chamar- lhes nomes, como filhos da puta e palhaços, ao mesmo tempo que lhes mostrava o dedo do meio de uma das mãos estendida num gesto conhecido como “pirete”, gritando “que se fodam as autoridades”. Estes acontecimentos (confirmados pelos agentes, por MHA___, bem como por JO____ e KF, sendo estes últimos condutores de carros distintos que seguiam na mesma vida, tendo a última afirmado que ele vinha já alterado e a discutir com uma mulher que seguia no seu carro no lado do passageiro da frente), conduziram a que os agentes decidissem abordá-lo, temendo que o mesmo estivesse embriagado, pondo-se em risco a sim mesmo e aos demais utilizadores da via. O trânsito seguia com alguma lentidão devido não apenas ao acidente a que os agentes ocorreram, mas também a um outro que ocorreu do lado da via. Ainda assim, todas as testemunhas ouvidas disseram ao Tribunal que os carros estavam a circular, ainda que de forma mais vagarosa do que é habitual quando o trânsito está desobstruído. De seguida, RS_______ foi na sua mota acima identificada no encalço do arguido, com os sinais de luzes e luminosos, determinando-lhe que parasse a viatura e a encostasse na berma, a fim de ser fiscalizado. Porém, como resultou dás palavras de RS_______ e do depoimento de KF , JO____ e MD_____, o arguido não acatou a ordem policial. Ao invés, procurou ultrapassar a agente que entretanto colocara a mota à frente do carro do arguido. Ao tentar a ultrapassagem, o arguido embateu na mota, causando os danos que se encontram documentados nos autos. Cumpre desde já precisar dois aspectos. Em primeiro lugar, a mota era uma viatura caracterizada, pelo que o arguido, nesta altura, não podia ter qualquer dúvida quanto à circunstância de estar a ser abordado por uma agente da PSP no exercício de funções. Por outro lado, considerando a lentidão relativa do trânsito e a circunstância da agente que ia na moto lhe estar a dar ordem de paragem, a apreciação crítica da prova conduz a que o Tribunal conclua que, com o objectivo de fugir (como foi salientado por RS______) o arguido se tenha conformado com a possibilidade de embater na mota da agente que seguia à sua frente, assim actuando. Do exposto resulta que a actuação do arguido quanto a este crime, é também dolosa, ainda que se trate de dolo eventual (art. 14°, n°3 do Código Penal).
A descrição da agressão a RS_______ resultou provada das declarações da mesma e das declarações das testemunhas Como já acima se disse, pequenas contradições ou hesitações em partes dos depoimentos em nada afastam a/ sua credibilidade e a sua força probatória. O que seria surpreendente seria que todas as testemunhas dissessem ipsis verbis o mesmo, o que poderia suscitar dúvidas quanto à espontaneidade das suas declarações. O que resulta inequívoco dos depoimentos é que RS_______ foi arrastada pelo arguido que seguia ao volante do automóvel, agarrando-a e desferindo-lhe socos e chapadas. O arrastamento da agente da PSP prolongou-se por vários metros, tendo sido testemunhado pelos civis que ouviram os seus pedidos de ajuda. Mais ainda, da prova pericial produzida resulta a existência de lesões no corpo da agente em apreço, igualmente consentâneas com o relato feito. É certo que em alguns momentos as testemunhas falaram em a agente ter sido agarrada pelo pescoço e noutros pelo braço. Mas importa salientar o inesperado da situação, o seu carácter desestabilizante, quer para a agente, quer para os civis que assistiram, como elemento a ter em conta na ponderação da prova. Mais ainda, não causa surpresa que o arguido tenha conseguido conduzir (certamente fazendo uso dos pedais e mantendo o volante direito) enquanto batia na agente RS______, considerando alguma lentidão de tráfego. A mesma que permitiu que os civis “trancassem” o seu veículo, assim se pondo fim ao arrastamento da agente. Sendo certo que o arguido a empurrou quando abriu a porta e continuou a agredi-la até chegar J_____, civil e, em momento subsequente, CE_____. CE______ explicou ao Tribunal de modo seguro e isento, que tendo concluído a questão de trânsito a que tinha sido chamado, seguiu no encalço da sua colega RS_______ que ia mais adiantada. Apercebeu-se de que o veículo do arguido lhe deu um toque na mota. Perante esta situação, procurou ir o mais rápido possível para ajudar a sua colega. CE______ explicou que quando conseguiu aproximar-se da situação, viu que o carro do arguido tinha sido trancado pelos civis, para evitar a fuga. Mal se aproximou viu uma pessoa que veio a identificar como sendo JO____, o qual estava a sangrar. JO____ (cujo depoimento foi prestado para memória futura), relatou ao Tribunal a forma como procurou abordar o arguido, tentando que ele se acalmasse. Porém, o  arguido perguntou-lhe se ele era da “bófia” e igualmente lhe bateu, dando- lhe murros. O depoimento desta testemunha, recolhido para memória futura, surgiu em alguns pontos hesitante. Contudo, crê-se que tal assentou na própria confusão decorrente da situação inesperada em que se viu envolvido, sendo certo que dúvidas não subsistem quanto à certeza de que foi efectivamente agredido pelo arguido. Isso mesmo foi confirmado por si, KF_____, RS_______ e MD____. Esta última é sua mãe e com ele viajava. Disse ao Tribunal que o arguido também lhe desferiu um empurrão, tendo batido no seu filho, tendo esta testemunha puxado este para perto de si, com medo do que pudesse suceder. A testemunha MH____ esclareceu que não quis apresentar queixa. KF____ confirmou que MH____ foi empurrada. Procurando explicar a situação, disse que já se tinha apercebido do arguido antes do incidente por ter reparado que ele ia exaltado e aos gritos com uma mulher ao lado, que seguia calada. KF   explicou ao Tribunal que quando já estavam parados e fora do carro essa mulher, que como a testemunha era brasileira, lhe pediu ajuda para sair dali, o que ela recusou. Porém, a mulher em apreço efectivamente abandonou o local, não tendo sido identificada. KF____  explicou ao Tribunal o modo como o arguido arrastou RS_______ e agrediu todos os demais que se lhe aproximaram, incluindo CE_____. Disse que só foi possível deter o arguido quando chegaram reforços policiais, persistindo ele a esbracejar e espernear. A testemunha disse ao Tribunal que nunca tinha visto ninguém naquele estado. Manifestou-se igualmente impressionada com o estado de RS______, cuja farda estava estragada, estando a mesma magoada, a sangrar e muito nervosa.
Das declarações dos demandantes e das testemunhas acima indicadas resultou ainda que apenas foi possível deter o arguido com a presença de vários outros agentes da PSP. Com efeito, da prova produzida em audiência decorreu que foram chamados reforços ao local e que foram os agentes que chegaram então que, em conjunto com RS_______ e CE_____, conseguiram imobilizar e algemar o arguido, efectivando a ordem de detenção que tinha sido dada pela primeira e que o mesmo não acatou. Dos depoimentos das testemunhas ouvidas resultou que o mesmo continuou a gritar, a debater-se, esbracejando e esperneando para se opor à agressão,
CE______ disse ao Tribunal que advertiu o arguido de que o mesmo tinha de se submeter a teste para apurar a taxa de álcool no sangue. Todavia, o mesmo recusou-se, mantendo a sua recusa mesmo depois de ter sido advertido de que incorria na prática do crime de desobediência.
Foi já na esquadra, ao realizar revista que se verificou que o arguido detinha consigo substância que se veio a apurar ser de natureza estupefaciente. A esta apreensão se reporta o auto de fls. 8, que o arguido se recusou a assinar, conforme certificação aposta com indicação de testemunha. Relevaram ainda fls. 15 e 16, bem como a perícia de fls.81. Desde já se consigna que não foi apresentada qualquer prova de que o arguido destinava o estupefaciente apreendido ao seu consumo pessoal.
O Tribunal teve ainda conta a prova documental (médica) e a pericial atinente às lesões sofridas por RS_______ e CE. Tais lesões são consistentes com as agressões que os mesmos sofreram por parte do arguido e com a dinâmica dos acontecimentos acima exposta.
PS____ é comissário da PSP e à data dos factos era o superior hierárquico de RS_______ e CE . Depôs de forma clara e objectiva. Das suas palavras resultou que os dois eram agentes cumpridores, sem dificuldades no cumprimento do serviço ou problemas de relacionamento com terceiros. A testemunha confirmou que o incidente dos autos deixou RS_______ muito desalentada, o que foi também confirmado por CE. Este contactou-a poucos dias depois e disse ao Tribunal que ela nem parecia a mesma. Aliás, em sede de audiência de julgamento foi visível, apesar do lapso de tempo decorrido, a incapacidade de qualquer dos agentes compreender a actuação do arguido Ambos se revelaram magoados e perplexos com a actuação do arguido. O Tribunal pode aperceber-se de que os dois são agentes briosos e empenhados, que se sentiram vexados por verem o modo como a autoridade do Estado português que representavam foi desrespeitada pelo arguido. Mais ainda, experiência profissional que os coloca em confronto directo com cidadãos, ambos se mostraram surpresos e desalentados por esta ter ocorrido sem qualquer explicação, pois o arguido nem sequer tinha sido objecto de qualquer intervenção policial, sendo o seu comportamento gratuito e fútil. O único ponto em que os dois agentes conseguem encontrar algum alento é no facto de os cidadãos civis que assistiram à situação terem de imediato procurado auxiliar a polícia, colaborando para a detenção do arguido e tendo tentado socorrer RS______. Embora ambos os agentes se revelassem marcados pelo incidente, foi esta quem mostrou maior sofrimento. Tal não surpreende, uma vez que o grosso do incidente ocorreu consigo. A demandante, sem conseguir evitar as lágrimas (que o Tribunal entende genuínas) foi relatando ao Tribunal as agressões do arguido, arrastando-a pela estrada, dando-lhe murros e estaladas. Relatou (e isso foi confirmado pela prova testemunhal) que ficou a sangrar, magoada no corpo, com o colete de alta visibilidade e calças que trajava estragados (cerca de €60,00), tendo também perdido o seu telemóvel oferta de colegas de trabalho (no valor de €313, 79, conforme documento que juntou aos autos a fls. 97). Teve-se em atenção o valor gasto em consultas e medicamentos (fls. 98 a 100), bem como a IPP fixada pela junta de saúde pública da PSP. Refira-se que a mesma é uma entidade pública e isenta, pelo que o Tribunal entende dever prevalecer sobre a apreciação levada a cabo pelos peritos da seguradora demandada.
As afirmações feitas pela testemunha indicada pela companhia de seguros   quanto a uma eventual hiperbolização da IPP por se tratar de agentes da PSP em nada desmerecem a IPP atribuída por esta entidade. Com efeito, são considerações de natureza pessoal, genéricas, sendo certo que não se demonstrou que tenham tido qualquer aplicação no caso concreto. Refira-se ainda assim que não foi posta em causa a idoneidade daquela entidade, tendo a testemunha salientado que estava em causa uma especial sensibilidade para o trabalho policial o qual pressupõe, em regra, uma maior robustez física. 
O Tribunal teve ainda em atenção o relatório pericial de 10 de Março de 2014, em particular fls. 141 onde se conclui ser a data da cura das lesões fixável em 23/02/2014 não resultando do evento, com condições normais, quaisquer consequências permanentes. E certo que da documentação da própria companhia de seguros resulta que a demandante ficou a sofrer de raquialgia sequelar. O que não se demonstrou é que esta condição se traduza em qualquer limitação na sua vida profissional ou pessoal, quer presente, quer futura. Aliás, as funções policiais a que actualmente está adstrita são demonstrativas da sua capacidade física e anímica de exercer a sua profissão em pleno. Não se provou também que exista ou se preveja a necessidade de realizar fisioterapia e que se perspectivem danos futuros, ao invés do alegado.
RS_______ explicou que esteve de baixa cerca de quinze dias, período alargado posteriormente (o que é corroborado pela prova documental), tendo pedido para voltar ao serviço. Foi colocada nos serviços administrativos, não tendo tornado a fazer serviço de rua no âmbito da brigada de trânsito, Todavia, cumpre salientar que a agente RS_______ acabou por integrar o serviço das brigadas à civil, o que pressupõe robustez física e moral, considerando a natureza dessa actividade policial. Das suas declarações retirou o Tribunal a convicção de que no momento presente, sem prejuízo da mágoa sentida pelo incidente, a mesma recuperou a sua capacidade de resistência moral indispensável à actividade de polícia. Importa salientar não se ter demonstrado que a demandante não possa realizar trabalhos gratificados. Como acima se disse, a sua colocação numa brigada à civil leva a concluir que não tem qualquer incapacidade física actual. Aliás, a ausência de sequelas era já prevista como expectável no relatório pericial do INML. Refira-se que das declarações da demandante quanto às suas actuais funções não resultou que a mesma tenha algum tipo de serviço diminuído ou exerça as suas funções de modo condicionado.
A factualidade não provada assentou na ausência de elementos susceptíveis de permitir conclusão diversa. Não se fez qualquer prova de que o arguido conduzia sob o efeito de álcool ou outra substância, designadamente ilegal. Do mesmo modo, não foi produzida qualquer prova de que o arguido destinava o estupefaciente que lhe foi apreendido apenas ao seu consumo pessoal. No que diz respeito ao crime de dano a modalidade de dolo que se provou foi eventual e não directo, como acima melhor foi explicitado. No que diz respeito ao pedido de indemnização civil de RS_______ não se fez prova de qualquer facto integrável num dano futuro. Do mesmo modo, não se provou que tenha sofrido prejuízo de não realização de gratificados nos termos por si alegados. É evidente que durante o período de baixa e mesmo no período inicial de reintegração no serviço não realizou tais serviços. Contudo, não basta estar apto e ter manifestado disponibilidade para aquela realização. Com efeito, existe certamente uma escala dependente da procura e da própria disponibilidade horária dos agentes (atentos os turnos que já têm de realizar por força da sua actividade profissional), sendo certo que também não se demonstrou o valor concreto dos gratificados (variando em função do horário, por exemplo, dia e noite ou do número de horas abrangidos). Deste modo, o valor pela mesma peticionado não pode ser aceite, por não se provar. Por outro lado, não se provou que neste momento a agente esteja impedida de realizar os indicados serviços gratificados.
Os antecedentes criminais do arguido assentaram no CRC junto aos autos.
2.3. Apreciação do Mérito do Recurso
O art. 379º do CPP contém o regime especial das nulidades exclusivamente previstas para a sentença, entre as quais se contam, na al. b) do nº 1, a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358º e 359º, que regem a alteração não substancial e a alteração substancial de factos, respectivamente.
O art. 1º al. f) do CPP define «alteração substancial dos factos» como a que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Pressupõe, pois, uma diferença radical de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme a descrição factual vertida na acusação em outra manifestamente diferente, no que se refere aos seus elementos essenciais, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
A «alteração não substancial dos factos» define-se por exclusão de partes, comungando desta qualidade toda a modificação de factos que, não operando os efeitos previstos naquele art. 1º al. f), no entanto, tem relevo para a decisão da causa (cfr. art. 358º nº 1 do C. Processo Penal). Constitui, diversamente da alteração substancial, uma divergência meramente parcelar e mais ou menos pontual que, embora sem descaracterizar o quadro factual da acusação, logo, sem relevância para alterar a qualificação jurídico-penal ou para a elevação da moldura penal abstracta, assume relevo para a decisão da causa (Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016 – 2ª edição, pág. 1081).
Por efeito da natureza acusatória do processo penal, expressamente anunciada no art. 32º nºs 1 e 5 da CRP, é a acusação que fixa o objecto do processo, delimita os poderes de cognição do Tribunal, fixa os limites do julgamento e da decisão final e o âmbito do caso julgado.
Por efeito da natureza contraditória do processo penal, também expressamente anunciada no art. 32º nºs 1 e 5 da CRP, nenhuma decisão judicial que pessoalmente afecte o arguido poderá ser tomada, sem que este possa influenciar o seu conteúdo e sentido, através da concessão de amplas oportunidades de defesa e oposição, para aduzir  argumentos de facto e de direito, requerer e produzir provas que sustentem a sua estratégia e os seus interesses.
E, num sistema processual penal de estrutura essencialmente acusatória, o exercício de todas as garantias de defesa exige a necessária correspondência entre a acusação (ou pronúncia, quando exista) e a sentença, em consequência da necessidade de preservar a imutabilidade do objecto do processo fixado pela acusação, ou pela pronúncia e salvaguardar o arguido de alargamentos arbitrários dos poderes cognitivos e decisórios do Tribunal.
É neste efeito de «vinculação temática» imposto pela acusação ao tribunal «(…) que se consubstanciam os princípios da identidade (segundo o qual o objecto do processo, os factos devem manter-se os mesmos, da acusação ao trânsito em julgado da sentença), da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente) e da consunção do objecto do processo penal (mesmo quando o objecto não tenha sido conhecido na sua totalidade deve considerar-se irrepetivelmente decidido, e, portanto, não pode renascer noutro processo)» (Cruz Bucho, Alteração Substancial dos Factos em Processo Penal, JULGAR n.º 9, Setembro-Dezembro de 2009, p. 43-44; Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, pág. 202, Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, p. 45, Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, págs. 314-315 e 317-318 e 359; Silva Tenreiro, Livros & Temas, Considerações Sobre o Objecto do Processo Penal, p. 1002, Acs. do Tribunal Constitucional nºs 173/92, 130/98, 674/99, 463/2004, 237/2007, in www.tribunalconstitucional.pt).
Como a acusação e a pronúncia devem conter uma narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (art. 283º nº 3 al. b) e art. 308º nº 2 do CPP) e dadas as manifestações da indivisibilidade e consunção associados à estrutura acusatória do processo penal, bem como a integração pelo princípio do inquisitório, sempre que, no decurso da discussão da causa, surjam factos diferentes daqueles que já estão descritos na acusação ou na pronúncia, consoante a intensidade e a extensão dessa transformação temática, assim haverá alteração não substancial ou substancial de factos, a convocar a aplicação das regras contidas no art. 358º, ou no art. 359º do CPP.
Ocorrendo uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, com relevo para a decisão da causa, deverá ser dado cumprimento ao disposto no artigo 358º nº 1 do CPP, a não ser que tal alteração resulte de factos alegados pelo próprio arguido.
Se uma tal alteração constituir fundamento factual da sentença, sem que tribunal, oficiosamente ou a requerimento, comunique a alteração ao arguido e sem que lhe conceda, caso este o requeira, tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, verificar-se-á a nulidade prevista no artigo 379º al. b) do CPP.
Tratando-se de alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, a mesma não poderá ser tomada em conta pelo tribunal para proferir sentença condenatória no processo em curso, segundo o que dispõe o art. 359º nº 1 do CPP, excepto se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem unanimemente de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos e se estes não determinarem a incompetência do tribunal, aplicando-se, então, o regime previsto nos nº 3 e 4: o Tribunal  concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário.
Sendo proferida sentença condenatória, na qual se tomou em conta uma alteração substancial, sem o prévio cumprimento destas normas, a mesma será nula, nos termos do artigo 379º nº 1 al. b) do CPP.
Estes procedimentos não são mais, nem menos do que emanações do processo justo e equitativo e da necessidade do pleno respeito pelo contraditório e pelas garantias de defesa inerentes à estrutura acusatória do processo e em sintonia com o citado art. 32º nº 5 da CRP.
Precisamente porque obstam a que o Tribunal profira decisões condenatórias assentes em modificações estruturais da descrição factual exarada na acusação ou na pronúncia e que impliquem divergências essenciais na matéria de facto provada cujo efeito seja o agravamento ou mesmo a insustentabilidade da posição processual do arguido, introduzindo consequências imprevisíveis e em relação às quais fica impedido de preparar a sua defesa, é que o art. 379º do CPP comina com a sanção da nulidade, a sentença que se fundamente em factos que reúnam aqueles efeitos de inovação e de surpresa para o arguido, quando comparados com a descrição contida na acusação ou na pronúncia, sem prévia aplicação das regras insertas naqueles arts. 358º e 359º do CPP.
No caso vertente, o arguido vinha acusado, entre outros crimes, pela prática de um crime de detenção de um crime de detenção de estupefaciente para consumo, p. e p. pelo artigo 40° do DL nº15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a tal diploma e ao disposto no art.2.º/2 da Lei nº 30/2000 de 29 de Novembro e no art.9.º da Portaria nº 94/96 de 26 de Março e respectiva Tabela.
Como se pode verificar da simples comparação entre os factos 23, 23, 31 e 32 da acusação e os descritos nos pontos de facto 25, 26, 34 e 35 da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida, a grande diferença está na circunstância de que, segundo a versão da acusação, toda a cannabis que foi encontrada na posse do arguido, segundo a versão da acusação, era para seu exclusivo consumo, mas segundo a convicção do Tribunal, afinal aquela cannabis era, também para vender a terceiros e daí as divergências na redacção do artigo 31 da acusação - «O arguido tinha ainda perfeito conhecimento que não lhe era permitido deter na sua posse produto estupefaciente, tendo perfeito conhecimento que a quantidade de canábis que detinha excedia a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias e mesmo assim não se absteve de tal conduta» - e o facto provado na sentença recorrida, no ponto 35 - «Agiu de forma livre voluntária e consciente, conhecendo a natureza, características e qualidades do indicado estupefaciente, sabendo não ser detentor de autorização legal para comprar, vender, deter transportar, consumir ou por qualquer forma manusear produtos estupefaciente, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei».
Ora, contrariamente, ao exarado no despacho que determinou o cumprimento do disposto no art. 358º nºs 2 e 3 do CPP proferido imediatamente antes da leitura da sentença e nesta última, esta não é só, nem uma alteração de qualificação jurídica, nem uma mera alteração não substancial de factos. É, isso sim, um crime diverso que tutela bens jurídicos diversos e punível com uma moldura pena abstracta muito mais severa.
A detenção de alguma das substâncias integradas nas tabelas anexas ao DL 15/93 de 22 de Janeiro em quantidade excedente à necessária para o consumo médio individual durante um período de 10 dias, destinando-se o produto a exclusivo consumo do detentor, integra a prática do crime p. e p. pelo art. 40º nº 2, tal como resulta da interpretação das disposições conjugadas dos arts. 28º e 2º da Lei 30/2000 de 29 de Novembro e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2008, de 25.06.2008, in D.R. nº 146, Série I-A, de 05.08.2008, que fixou jurisprudência no sentido de que «não obstante a derrogação operada pelo art. 28º da Lei 30/2000, de 29/11, a Lei 15/93, de 22/01, manteve-se em vigor não só quanto “ao cultivo”, como relativamente à detenção para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.»
Trata-se de um crime essencialmente doloso, que exige, pois, do autor dos factos o conhecimento das características da substância detida e a vontade livre e consciente de a ter em sua posse e de a consumir, ciente do carácter proibido e criminalmente punível desse seu comportamento
Aparte a problemática acerca da densificação dos conceitos de «limite quantitativo máximo para cada dose média individual diária» e de «consumo médio individual durante o período de 10 dias» (art. 71º do DL 15/93 de 22 de Janeiro e artigo 9º da Portaria nº 94/96, de 26 de Março), uma coisa é certa: o preenchimento deste tipo legal de crime tem como condição essencial que a substância estupefacientes encontrada na posse do agente de destine na sua totalidade ao consumo exclusivo do próprio.
O que está na razão de ser da criminalização deste comportamento é a saúde física e mental do consumidor, individualmente considerada.
O art. 25º do D.L. 15/93 de 22.1. privilegia o crime de tráfico em função da sua menor gravidade, aferida esta por um menor desvalor da conduta, mas tendo por referência a prática de algum dos actos previstos no art. 21º e para cuja consumação, a lei não exige que a detenção se destine à venda, bastando uma simples detenção ilícita ou a acção de a proporcionar a outrem, ainda que a título gratuito; basta que o estupefaciente não se destine, na sua totalidade, ao consumo do próprio, para tal crime estar perfectibilizado (Ac. do STJ nº 8/2008, de 25.06.2008, in D.R. I-A, nº 146, de 05.08.2008).
«O crime p. e p. pelo art. 25º do DL 15/93, de 22.01, representa um crime privilegiado de tráfico de estupefacientes, em função da menor ilicitude do facto, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. (…) A  constatação da menor ilicitude terá de resultar de uma avaliação global da situação de facto, em que assumem relevo, entre outros eventuais factores, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão a essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal de drogas, a duração e a intensidade da actividade desenvolvida, o número de consumidores contactados e a posição do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes.
«É a partir da ponderação conjunta desta pluralidade de factores que se deverá elaborar um juízo sobre a verificação da menor ilicitude do facto» (Ac. do STJ de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 21.09.2011, proc. 556/08.0GVIS.C1.S1; de 23.11.2011, proc. 127/09.3PEFUN.S1; de 05.01.2012, proc. 3399/10.7TASXL.L1.S1; de 4.06.2014, proc. 3/12.2GALLE.S1; de 12.03.2015, proc. 7/10.0PEBJA.S1; de 28.05.2015, proc. 421/14.1TAVIS.S1; de 18.02.2016, proc. 26/14.7PEBRG.S1 e de 06.04.2016, proc. 73/13.6PEVIS.S1, de 2.10.2019, processo n.º 2/18.0GABJA.S1-3.ª Secção, do mesmo Relator do acórdão de 13.03.2019, processo n.º 227/17.6PALGS-S1 e de 13.05.2020, proc. 168/17.7PAMDL.S1, in http://www.dgsi.pt; Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 145 e seguintes; Maia Costa em “Direito Penal da Droga: breve história de um fracasso”, Revista do Ministério Público, Ano 19, Nº 74, 103 e segs. Fernando Gama Lobo, in "DROGA - Legislação Notas Doutrina Jurisprudência", pág. 62; Tolda Pinto “Tráfico e Consumo Ilícito de Estupefacientes - O regime penal e respectiva tramitação processual penal”, 1995, p. 70 e João Luís de Moraes Rocha “Droga - Regime Jurídico - Legislação Nacional anotada - Diplomas Internacionais, 1994, p. 124 e 125).
A incriminação contida no citado art. 25º do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, à semelhança do tipo matricial do art. 21º, tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, associados à destruição massiva e severa do organismo humano que a disseminação do consumo de estupefacientes provoca e a todos os custos pessoais e sociais resultantes dessa destruição, quer em termos de saúde pública e de perda da força produtiva, quer dos impactos fortemente negativos, na economia e até no funcionamento das instituições que as modalidades mais organizadas e violentas do tráfico de estupefacientes acarretam.
Assim, e sendo o crime de detenção de estupefacientes por que o arguido foi acusado punível com pena de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias (artigo 40º nº 2 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro), ao passo que o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade punível com pena de prisão, cujos limites mínimo e máximo são respectivamente, um e cinco anos (artigo 25º, al. a), do DL 15/93, de 22 de janeiro) e não constando da acusação os factos relevantes para o preenchimento do tipo subjetivo deste último crime, foi preterido o pleno exercício do contraditório e dos direitos de defesa do arguido constitucionalmente consagrados no artigo 32º da CRP, pois que, na sentença recorrida, é outro o facto naturalístico e outro o juízo de valoração social de que deverá ser objecto, em relação à imagem de ilicitude e gravidade global do facto vertida na acusação.
Ora, no caso vertente, a sentença recorrida aditou à factualidade vertida na acusação um novo elemento subjectivo, uma nova finalidade, em frontal contradição com a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 1/2015, de 20..11.2014, segundo o qual, «a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal» (DR, I Série, n° 18, 27 de Janeiro de 2015 (P. 582 — 597).
«A condenação do arguido pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, quando o mesmo está acusado de um crime de consumo de estupefacientes consubstancia uma alteração substancial dos factos da acusação que impõe o cumprimento prévio do disposto no art. 359º do CPP» (Ac. da Relação de Lisboa de 12.01.2016, proc. 407/13.3JELSB.L1-5. No mesmo sentido, Ac. da Relação de Coimbra de 25.10.2017, proc. 60/15.0GATND.C1, in http://www.dgsi.pt).
Por isso, nada mais resta, que não seja concluir que a sentença recorrida é nula por ter operado uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, sem ter dado prévio cumprimento ao disposto no art. 359º do CPP.
O reconhecimento da verificação desta nulidade determina a remessa do processo ao Tribunal do julgamento para que, aí, se dê cumprimento ao disposto no referido art. 359º do CPP e se profira nova sentença em conformidade com o desfecho que daí resultar.
A constatação da nulidade da sentença prejudica, ainda, o conhecimento do mérito dos recursos interpostos pela lesada RS_______  e pela responsável civil Seguradoras Unidas, S.A.
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) conceder provimento ao recurso interposto pelo Mº. Pº. e, em consequência, declarar a sentença recorrida nula, nos termos do art. 379º nº1 al. b) do Código de Processo Penal, devendo o Tribunal recorrido proceder ao cumprimento do disposto no art. 359º do mesmo Código e proferir nova decisão em conformidade.
b) Julgar prejudicado o conhecimento dos restantes recursos.
Sem custas – art. 522º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mma. Juíza Adjunta.

Tribunal da Relação de Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021
Cristina Almeida e Sousa
Florbela Sebastião e Silva