ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO
LEGITIMIDADE PARA A QUEIXA
Sumário

O administrador de condomínio, independentemente da deliberação da assembleia geral de condóminos, tem legitimidade para deduzir queixas-crime destinadas à repressão criminal das condutas lesivas das partes comuns do edifício.

Texto Parcial

Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. – No processo nº 2570/17.5PBFUN, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira Juízo Local Criminal do Funchal - Juiz 2, o Digno Magistrado do Ministério requereu o julgamento, em processo comum e perante o Tribunal singular, de J. , imputando-lhe os factos descritos na acusação de fls. 108 e ss. dos autos, pelo que o acusou da autoria material, em concurso efectivo, de um crime de dano e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p., respectivamente, pelos art°s 212°, n° 1 e 191°, ambos do C. Penal.
MH deduziu um pedido de indemnização contra o arguido, com fundamento em danos morais e em danos patrimoniais, no valor global de 1573,10 euros.
O arguido deduziu contestação na qual, em síntese, negou a prática dos factos que lhe são imputados, alegou que as imagens de videovigilância apresentadas como meio de prova representam um meio proibido de prova, pelo facto de o condomínio em questão não ter autorização da CNPD para a captação e gravação de imagens de videovigilância no local onde foram captadas, que as ditas imagens foram manipuladas pelo queixoso e demandante e, por fim, que o condomínio carece de legitimidade para, sem autorização da assembleia de condóminos, intentar acções de natureza criminal.
Mais arrolou duas testemunhas, tendo este rol e a mencionada contestação sido liminarmente admitidas.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com o cumprimento das devidas formalidades legais.
Findo o julgamento, foi proferida decisão que, julgando a acusação procedente, condenou o arguido J. , pela autoria de um crime de dano, p. e p. pelo art° 212°, n° 1 do C. Penal, na pena de 145 (cento e quarenta e cinco) dias de multa à taxa diária de 6 (seis) euros e, pela autoria de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art° 191° do C. Penal, na pena de 30 (trinta) dias de multa, à mesma taxa diária e na pena única do concurso de 160 (cento e sessenta) dias de multa, ainda à referida taxa diária, perfazendo um total de 960 (novecentos e sessenta) euros.
Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização em que é demandante MH , condenando-se o demandado J.  a pagar-lhe a quantia de 1.123,10 euros (mil, cento e vinte e três euros e dez cêntimos).
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Não se conformando com a decisão, o arguido J. , interpôs recurso, alegando erro na apreciação da prova, nomeadamente, a inexistência de prova documental do direito de propriedade ou outro direito real de gozo da viatura danificada, razão pela qual vai correspondente decisão sobre a matéria de facto expressamente impugnada, sustentando que o procedimento criminal, em ambos os crimes, é nulo por falta de legitimidade dos queixosos para apresentação das respectivas queixas, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida padece de vício substancial, na medida em que julgou mal a matéria de facto, interpretou e aplicou mal a lei.
2. Houve erro na apreciação da prova, nomeadamente, a inexistência de prova documental do direito de propriedade ou outro direito real de gozo da viatura danificada, razão pela qual vai correspondente decisão sobre a matéria de facto expressamente impugnada.
3. O procedimento criminal, em ambos os crimes, é nulo por falta de legitimidade dos queixosos para apresentação das respectivas queixas.
4. Extinguiram-se, por prescrição, os respectivos direitos de queixa.
5. Não tendo o assistente demonstrado ser proprietário da viatura danificada nem ser titular de qualquer outro direito ou interesse legítimo legalmente tutelado, não se afigura lesado e, como tal, não tem direito a ser ressarcido de um dano que não sofreu.
6. A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento.
7. Normas jurídicas que o recorrente considera que foram violadas: artigo 113.°, n.° 1 e 115.°, n.° 1 do Código Penal; artigos 119.°, alínea e), 48.°, n.° 1 e 49.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, e artigo 483.° do Código Civil.
Nestes termos:
Nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta sentença de 1.a instância revogada e substituída por acórdão que absolva o arguido da condenação criminal e do pedido indemnizatório, assim se fazendo justiça.
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A Digna Magistrada do Ministério Público apresentou a sua contra-motivação concluindo:
- À data dos factos o queixoso utilizava o veículo danificado e fez prova de que pagou do seu bolso a reparação, o que é bastante para se queixar por danos praticados no veículo.
- À data dos factos, o veículo danificado estava no parque privado do condomínio, pelo que a administração do condomínio tinha legitimidade para se queixar de crime de introdução em lugar vedado ao público.
- Assim sendo o MP estava legitimado a promover o inquérito e a acusar, não havendo qualquer violação dos art.°s 113.°, n.° 1, 115.° n.° 1 do CP, nem qualquer nulidade das elencadas no art.° 119.° do CPP, muito menos a da alínea e) que versa sobre a competência do tribunal.
- Mediante a prova documental e testemunhal examinada em julgamento, valorada ao abrigo do disposto no art.° 127.° do CPP, a sentença recorrida ponderou corretamente os factos e os pressupostos de aplicação da pena, devendo manter-se nos seus precisos termos, não devendo merecer provimento a pretensão do recorrente.
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Nesta Relação o Exmo Sr. Procurador Geral Adjunto, apôs o visto.
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2. – O acórdão recorrido fixou a matéria de facto, bem como a fundamentação de facto, e o enquadramento jurídico, da seguinte forma:
FACTOS PROVADOS
No dia 24 de Dezembro de 2017, cerca das 20 horas e 35 minutos, o arguido dirigiu-se à entrada da garagem colectiva de parqueamento automóvel exclusivamente destinada aos condóminos do “Edifício Residencial …” e localizada num dos pisos desse edifício, sito na Rua …, n.° 1, Funchal, área desta comarca.
Neste edifício residia o ora demandante, MH e, num dos lugares do referido parqueamento colectivo, parqueava, naquele dia e hora, o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca “BMW”, modelo “X5”, cor azul e matrícula ….
Aproveitando a circunstância de um condómino ter aberto, momentaneamente, o portão automatizado de acesso a essa garagem vedada, mediante o uso do respectivo comando, para entrar e estacionar o seu carro, o arguido, que não era condómino, entrou, sem autorização de ninguém que lha pudesse dar, apeado, no interior da mesma, munido de um objecto não concretamente identificado, com o objectivo, previamente planeado, de provocar estragos no mencionado veículo automóvel.
Após, e já no interior desse espaço, o arguido, com recurso ao objecto não concretamente identificado, desferiu várias pancadas na mencionada viatura automóvel do demandante, mediante as quais partiu dois vidros da parte lateral esquerda da viatura (o vidro lateral esquerdo traseiro do passageiro e o vidro lateral esquerdo do porta bagagens) e amolgou a chapa da porta do passageiro e da porta do condutor, ambas do lado esquerdo da viatura.
Em virtude da conduta do arguido, a viatura automóvel necessitou de ser objecto de reparações quanto aos vidros, chapa e pintura, cujo custo de reparação ascendeu ao valor total de mil cento e vinte três euros e dez cêntimos.
O arguido estava zangado e desavindo com o demandante, em virtude de o conselho de administração do condomínio desse edifício, de que o demandante fazia parte e normalmente representava, ter rescindido, alguns dias antes do dia referido, o contrato de assessoria ao condomínio que uma empresa do arguido vinha prestando.
O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente, com o propósito, conseguido, de provocar estragos na supra identificada viatura automóvel, como aconteceu, sabendo que a mesma não lhe pertencia.
O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente, com o propósito, conseguido de entrar e permanecer, sem autorização de quem de direito, no interior do referido espaço de parqueamento.
Apesar de saber que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, o arguido não se absteve de as praticar.
O arguido aufere um rendimento mensal de cerca de 1.000 euros.
Vive em casa de familiares.
Tem dois filhos ao encargo.
É licenciado.
Tem como antecedente criminal a condenação por crime de ameaça, cometido em 19/06/18 e punido com 70 dias de multa, à taxa diária de 6 euros.
FACTOS NÃO PROVADOS
O local de estacionamento onde se encontrava o veículo era na cave do imóvel.
Em virtude da conduta provada do arguido, o demandante passou a evitar deslocar-se ao local de estacionamento dito nos factos provados e vive em permanente sobressalto, estando, até hoje, emocionalmente desestabilizado.
O demandante manipulou as imagens captadas, na noite de 24/12/2017, pelas câmaras de videovigilância existentes na mencionada garagem, que posteriormente juntou aos autos.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
(…)
ENQUADRAMENTO JURÍDICO - PENAL DOS FACTOS
Vem o arguido acusado da autoria material de um crime de dano, p. e p. pelo art° 212°, n° 1 doC. Penal.
Incorre na prática deste crime "quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia" (Cfr. art° 212°, n° 1, do C. Penal).
E um crime doloso, que exige a prática de uma conduta danosa relativamente a bens que se sabe de terceiro, com o conhecimento desse carácter danoso e a vontade de a levar a cabo.
O bem jurídico protegido é o património de terceiros.
Dúvidas não subsistem que a conduta do arguido sobre o veículo automóvel em causa nos autos, partindo-lhe vidros e danificando partes da chaparia, preenche todos os requisitos objectivos previstos no tipo legal que se acabou de definir, tal como a sua vontade de obter tal resultado, sabendo-o ilícito, preenche o respectivo elemento subjectivo.
Vem também o arguido acusado da autoria material de um crime de “introdução em lugar vedado ao público”, p. e p. pelo art° 191° do C. Penal.
Dispõe o art° 191° do C. Penal que comete este crime quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público.
Um parque de estacionamento privado dos condóminos de um edifício, vedado ao público em geral, cai no âmbito objectivo desta norma.
É mister que o arguido não seja um utilizador expressa ou tacitamente autorizado desse espaço, pois que a falta de autorização de acesso por quem “de direito” também é, como vimos, um requisito da incriminação que se encontra cumprido.
Este é um crime doloso, ou seja, que exige do agente, uma vez conhecidos os elementos típicos da infracção, uma acção determinada pela vontade de os contrariar.
“Para se concluir que a conduta preenche a factualidade típica da incriminação prevista no art. 191° do CP haverá que analisar, por exemplo, as características do espaço em questão, o seu destino, a forma ou contexto em que ocorre a entrada ou permanência, o “padrão das pessoas normalmente autorizadas” a entrar ou a permanecer naquele espaço e o tipo de exigências do titular do bem jurídico protegido para o efeito.” (cfr. Ac. R. P. de 17/04/13, relatado pela Desembargadora Maria do Carmo Silva Dias, in www.dgsi.pt).
Ficou provado que o arguido entrou no parque de estacionamento privado de um condomínio sabendo que ele não era livremente acessível e não tinha autorização, expressa ou presumida, de quem de direito, para nele entrar.
Considera o Tribunal, por isso, ter o arguido cometido também este segundo crime de que vem acusado, a punir em concurso efectivo com o de dano.
Questão interessante colocada na contestação, é a de saber se, estando em causa um crime de natureza semi-pública, ou seja, em que a legitimidade do Ministério Público para instaurar procedimento criminal supõe a prévia dedução de queixa, a administração do condomínio carece da autorização da assembleia de condóminos para deduzir essa queixa.
Compulsados os autos (fls. 37 a 40), constata-se que a administração do condomínio do edifício onde se insere a garagem em causa nos autos deduziu a queixa sem obter a autorização da assembleia de condóminos, o que resulta do facto de não ter sido comprovado ou, sequer, feita menção a tal facto, conjugado com a circunstância de, atenta a data da queixa em relação ao evento, ser flagrante que não existiu tempo suficiente para a convocação da assembleia de condóminos no lapso temporal que decorreu entre o facto e a queixa.
Como se sabe, a administração do condomínio e a assembleia de condóminos são os dois órgãos representativos da vontade colectiva dos detentores das fracções autónomas constitutivas de um imóvel em propriedade horizontal (cfr. art° 1430°, n° 1 do C. Civil), repartindo entre si as responsabilidades da condução dos interesses desse ente colectivo. As funções da administração do condomínio estão mencionadas nos artigos 1436° e 1437°, n° 1 do C. Civil.
E relativamente pacífico que o condomínio pode ser, enquanto tal, ofendido pela prática de um ilícito criminal, pelo que tem legitimidade, enquanto ofendido, para deduzir uma queixa (cfr. art° 113°, n° 1 do C. Penal). Basta pensar, a este propósito, na queixa relativa, v. g., um crime de dano cometido sobre as partes comuns de um edifício ou, como no caso dos autos, um acesso ilegítimo a essas partes comuns.
Resta saber se carece da autorização da assembleia de condóminos para a apresentação da queixa. Ao que sabemos, apenas dois acórdãos dos tribunais superiores se pronunciaram especificamente sobre esta questão. Enquanto no acórdão da R. L. de 08/03/18, relatado pelo Desembargador Fernando Estrela, in www.dgsi.pt, se sumariou que “O condomínio, enquanto entidade com personalidade judiciária, tem legitimidade para o exercício do direito de queixa e se constituir assistente em processo penal, desde que mandatado pela assembleia de condóminos (sublinhado nosso), no acórdão da mesma Relação de 11/02/04, ibidem, relatado pelo Desembargador Clemente Lima, se sustentou expressamente que o administrador do condomínio não carece da autorização da assembleia de condóminos para deduzir queixa crime relativamente a matérias relacionadas com as partes comuns do prédio.
Defendemos, convictamente, a posição sustentada no segundo acórdão mencionado. De facto, se a dedução de queixa não está expressis verbis elencada nos dois artigos do C. Civil anteriormente mencionados, essa acção deverá ser considerada incluída na cláusula geral contida na al. f) do art° 1436° do C. Civil, a saber “Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns” sendo certo que, de acordo com o artigo seguinte do mesmo diploma “O administrador do condomínio tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem”.
Embora a citada função seja algo equívoca quanto ao seu alcance, a mesma tem de ser interpretada de acordo com o princípio do legislador razoável, ínsito no art° 9º, n°3 do C. Civil. Ora, que razoabilidade, pergunta-se, teria o legislador se tivesse exigido do administrador do condomínio a convocação de uma assembleia de condóminos para autorizar a dedução de queixa contra quem, v. g., riscou propositadamente as paredes do vestíbulo do prédio, a convocação de nova assembleia para autorizar a dedução de queixa contra quem, após, furtou o vaso com as bonitas flores colocadas nesse vestíbulo, etc.? É sabido que a assembleia apenas reúne ordinariamente uma vez por ano e que raros são os condomínios onde mais reuniões são marcadas e, usualmente, apenas para discutir magnas questões para o condomínio, como, v. g., a realização de obras de remodelação geral. Por outro lado, é significativa a carga burocrática e o nível de despesa que a marcação da reunião da assembleia envolve. Nessa medida, qual o administrador diligente e pragmático que se disporá a despender o dinheiro do condomínio para enviar cartas registadas com aviso de recepção aos condóminos, para marcação de assembleia e está disposto a gastar-lhes uma manhã das suas vidas para discutir a apresentação de queixa, de cada vez que forem realizados um daqueles actos mencionados supra, ofensivos das partes comuns do condomínio? É manifesto que, cabendo ao administrador a defesa dessas partes comuns, contra terceiros e mesmo contra os próprios condóminos, e exercendo ele uma função executiva relativamente a essa defesa, terá de ter legitimidade para, por si só, praticar um acto que, além do mais, nem sequer onera o condomínio. Nessa medida, já se viu defendido pelo STJ e na doutrina, por Henrique Mesquita (in, respectivamente, Ac. de 08/06/73, BMJ n° 228, pág. 204 e RDES, n° XXI11, pág. 132, nota 125) que o administrador, independentemente da deliberação da assembleia geral, tem legitimidade para pleitear em juízo nos processos que tenham por objecto ofensas a bens comuns integrados na propriedade horizontal.
Pelo exposto, concluímos que não carece o administrador de obter autorização da assembleia de condóminos para deduzir queixas crime destinadas à repressão criminal das condutas lesivas das partes comuns do edifício, como foi o caso destes autos.
DA ESCOLHA E MEDIDA DAS PENAS
O crime de dano simples é punível com uma pena de prisão até 3 anos ou com multa até 360 dias, nos termos do disposto no n° 1 do art° 212° do C. Penal, enquanto o crime de introdução em lugar vedado ao público é punido com pena de prisão até 3 meses ou com multa até 60 dias, nos termos do disposto no art° 191° do mesmo diploma.
Determinadas as molduras abstractas, importa fixar a pena concreta a aplicar aos crimes cometidos pelo arguido, mediante a intervenção dos critérios estipulados no artigo 71° do C. Penal. De acordo com estes critérios, há um limite inultrapassável que opera dentro da própria moldura abstracta e que é constituído pela culpa do agente. Por outro lado, e considerando agora o limite inferior desta moldura concreta aplicável ao agente, não pode em caso algum o tribunal colocar a pena abaixo de um limite que ainda suporte a reafirmação contrafáctica da norma violada e, nesta medida, as expectativas comunitárias na validade da norma.
É dentro destes limites, constituídos no seu ponto superior pela culpa do agente (cfr. artigo 40°, n° 2 do C.P.) e, no seu ponto inferior pelas exigências de prevenção geral, que serão levadas em conta as exigências de prevenção especial, com vista à prossecução do objectivo traçado na parte final do n° 1 do artigo 40° do C.P. (neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pags.214 e ss. e 245 a 248).
Uma operação preliminar à própria medida da pena é a escolha da mesma.
A este propósito, dispõe o art° 70° do Cód. Penal que o Tribunal deverá dar preferência à pena de multa, quando esta se apresente em alternativa à prisão, sempre que realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, finalidades estas que se encontram definidas no art° 40°, n° 1, do citado diploma e que são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Considera o Tribunal que, não obstante o desvalor significativo dos ilícitos e exigências de prevenção geral condizentes, ainda se bastam as finalidades da punição com a escolha da pena de multa.
Está em causa, em ambos os crimes, uma ilicitude muito elevada e um grau de culpa do mesmo jaez.
A motivação espelhada nos crimes revela uma personalidade tortuosa.
As exigências preventivas especiais são medianas, considerando por um lado, que o arguido já foi condenado por delito criminal, mas, por outro, que está socialmente inserido.
Justifica-se pelo exposto, uma pena de 145 dias de multa para a punição do crime de dano e uma pena de 30 dias de multa para a punição do crime de introdução em lugar vedado ao público.
Na pena única do concurso deve considerar-se um elevado desvalor global da conduta do arguido e a dita personalidade fortemente censurável, a justificar uma pena única de 160 dias de multa.
A situação social do arguido justifica a fixação do quantitativo diário da multa em 6 euros.
DO PEDIDO CÍVEL
Dispõe o art° 483° do Código Civil que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Aglutina este artigo uma norma e um princípio fundamentais de todo o direito civil, sendo a matriz fundadora daquela que é, a par dos contratos, a mais importante fonte de obrigações.
Como pressupostos do nascimento desta obrigação exige a norma citada a prática de um facto ilícito que será, as mais das vezes, uma acção violadora de um direito subjectivo alheio.
Não se basta, porém, a lei com a prática do facto ilícito, antes exigindo a culpabilidade do seu autor, culpabilidade esta que deverá ser entendida como um juízo de censura imputável ao agente pelo facto de ter actuado de uma determinada forma quando se constata que podia e deveria ter actuado de forma diversa. O critério para a avaliação desta conformidade ou desconformidade praxiológica será do tipo objectivo e abstracto tal como se dispõe no n° 2 do art° 487° do mesmo código.
E indispensável apurar, no entanto, para que nasça a obrigação de indemnizar, da existência de um nexo lógico-causal entre o facto ilícito e o dano ocorrido. É que, dispõe o art° 563° do C. Civil, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Consagra esta norma legal a chamada teoria da causalidade adequada, na formulação negativa de Ennecerus, segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano é necessário, desde logo que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo.
O dano será de ordem patrimonial, quando o que ficou afectado pela conduta ilícita do agente foi a fazenda do lesado, rectius, a sua esfera jurídica patrimonial, concatenação de todos os seus direitos com uma directa ou indirecta expressão pecuniária, ou de ordem não patrimonial, em que são afectados valores de ordem moral, sem uma concreta expressão pecuniária mas que podem atingir uma gravidade juridicamente relevante. Estes danos, de acordo com o disposto no artigo 496° do C. Civil, apenas deverão ser atendidos quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Considera o Tribunal, concatenando os factos provados e não provados, que não advieram quaisquer danos de natureza não patrimonial que importe indemnizar, pelo que a parte do pedido cível deduzido pelo demandante relativa a esse tipo de danos será declarada totalmente improcedente.
Quanto aos danos de natureza patrimonial que fundaram o pedido de indemnização do demandante, estão em causa danos emergentes, relativos ao custo da reparação do veículo danificado, que estão devidamente concretizados num valor preciso, sendo certo que se apresentam numa clara relação causal com a conduta ilícita e culposa do demandado. Assim, a reparação dos danos coincidirá com o valor provado necessário para a reparação do bem, a mesma peticionada a este título.
DISPOSITIVO
Por tudo o exposto, julga-se a acusação procedente e, em conformidade, condena- se o arguido J. , pela autoria de um crime de dano, p. e p. pelo art° 212°, n° 1 do C. Penal, na pena de 145 (cento e quarenta e cinco) dias de multa à taxa diária de 6 (seis) euros e, pela autoria de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art° 191° do C. Penal, na pena de 30 (trinta) dias de multa, à mesma taxa diária e na pena única do concurso de 160 (cento e sessenta) dias de multa, ainda à referida taxa diária, perfazendo um total de 960 (novecentos e sessenta) euros.
Vai ainda o arguido condenado no pagamento das custas do processo, com 3 (três) UC e outras 2 (duas) UC devidas pela contestação apresentada, num total de 5 (cinco) UC.
Julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização em que é demandante MH, condenando-se o demandado J. a pagar-lhe a quantia de 1.123,10 euros (mil, cento e vinte e três euros e dez cêntimos).
Sem custas na parte cível do processo (cfr. art° 4o, n°l, al. n) do R. C. P).
Remeta boletins ao registo criminal, após trânsito em julgado.
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3. – É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.
Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. –  Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
As questões suscitadas pelo recorrente são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto, alegando que houve erro na apreciação da prova, nomeadamente, a inexistência de prova documental do direito de propriedade ou outro direito real de gozo da viatura danificada, razão pela qual vai correspondente decisão sobre a matéria de facto expressamente impugnada.
- Inexistência de crimes, por falta de legitimidade de direito de queixa.
- Impugnação do pedido de indemnização civil.
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4. Quanto à impugnação da matéria de facto: 
Nas conclusões da sua motivação, o recorrente alega que que houve erro na apreciação da prova, por, no seu entender, inexistir qualquer prova documental que demonstre o direito de propriedade do assistente sobre a viatura danificada. 
Impõe-se deixar claro, para que fique clarificada a abordagem a esta questão suscitada no recurso, qual o tipo de impugnação trazido aos autos.        
O recorrente pretende invocar um dos vícios oficiosos do artigo 410º, do CPP, assim impugnando a matéria de facto dada como provada, ou pretende reapreciar a matéria dada como provada, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP?                         
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP. 
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Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:             
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b) consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.   
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).       
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).                            
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
O erro de julgamento, por seu turno, consagrado no artigo 412º, nº 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso visa reapreciar a prova gravada em 1ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.   
Ora, no caso em apreço, o recorrente está, claramente, no âmbito do disposto no artigo 412.º, do CPP, ao alegar que o crime de dano não poderia ser dado como provado, com base na livre apreciação da prova, quando o lesado não apresentou prova documental da propriedade do veículo.
Insurge-se o recorrente, afirmando que a propriedade de um veículo só pode ser feita por prova documental, emitido pela competente Conservatória de Registo Automóvel, e que essa falta implicaria não ter o MP legitimidade para acusar, porque o lesado também não tinha legitimidade para apresentar a respetiva queixa pelo crime de dano.
Pois bem, ao alegar o que consta da sua Motivação, em boa verdade, o recorrente está, simplesmente, a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre o mesmo aquele adquiriu em julgamento, esquecendo-se da regra da livre apreciação da prova inserida no artigo 127.º, do C.P.P.
Assim sendo, é manifesto que o ora recorrente nada traz aos autos que possa impor uma alteração da matéria de facto.
Na realidade, o recorrente, quando coloca em crise a apreciação da prova produzida em audiência, deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida.
Este é o cerne do dever de especificação.            
Acontece que, no nosso caso, o recorrente ao colocar em causa os factos dados com provados, apenas os valora no seu interesse, baseando-se em juízos de interpretação pessoal da realidade, pretendendo que o Tribunal Colectivo substitua a sua convicção pelas convicções pessoais do recorrente.
Com efeito, o recorrente apenas alega inexistir qualquer prova documental que demonstre o direito de propriedade do assistente sobre a viatura danificada e que a prova do direito de propriedade de um veículo automóvel só pode ser feita através de documento emitido pela competente Conservatória de Registo Automóvel, pelo que a simples declaração do assistente, desacompanhada de documento idóneo comprovativo de que a titularidade da propriedade do veículo se encontra inscrita em seu nome, não pode ser tida para efeitos de constituir um documento com força probatória atribuída ao registo de propriedade.
Em sede de valoração da prova, o tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum.
Ora, não é esse o caso.
Com efeito, no caso em apreço, e como bem salienta a Digna Magistrada do MºPº, não estava em causa assentar quem era proprietário do veículo, mas antes quem estava no seu uso e fruição, ou seja, se é certo que o registo automóvel é suficiente para presumir a titularidade da propriedade, o uso e fruição do mesmo pode ser feito por qualquer outro tipo de prova e bem fez o tribunal em dar esse facto como provado ao abrigo do disposto no art.° 127.° do CPP, mediante a declaração feita pelo proprietário, veja-se a esse propósito AUJ. do STJ, n.° 7/2011, no qual se refere “No crime de dano, previsto e punido no artigo 212.°, n.° 1, do Código Penal, é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixa nos termos do artigo 113.°, n.° 1, do mesmo diploma, o proprietário da coisa «destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada», e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa, for afectado no seu direito de uso e fruição
Como resulta dos autos a fls. 78-79, por documentos apresentados pelo assistente, o mesmo mandou reparar e pagou a reparação do carro na sequência dos factos imputados ao recorrente e dados como provados, pelo que a declaração do queixoso como sendo dono do carro foi apreciada de acordo com as regras da experiência comum, sendo descabido que alguém que não seja dono de um bem se prontifique a pagar o seu arranjo.
Além disso, foi referido durante o julgamento, por diversas vozes que o assistente conduzia habitualmente tal veículo na data em que os fatos ocorrerem a ainda que o veículo se encontrava parqueado no parque se estacionamento da fração correspondente do condomínio onde ele residia.
E, conforme resulta da decisão recorrida «O custo de reparação dos danos no automóvel (ver, a este propósito, fotografias de fls. 60 e 61) está, no entender do Tribunal, provado pela factura de fls. 78 e 79, constando da segunda página da factura cópia do comprovativo de pagamento extraído de terminal multibanco e em nome do demandante, o que demonstra que saiu da sua conta o numerário para a pagar.
O demandante, em face do disposto no artigo 127° do C. P. Penal, não carece de provar documentalmente o seu direito de propriedade sobre o veículo».
Ao contrário do que alega o arguido e está patente no texto da decisão recorrida, o Tribunal "a quo" realizou uma correcta análise da prova e valorou-a de harmonia com os ditames processuais, o que não pode ser posto em causa apenas pelas convicções pessoais do recorrente.
Em suma, deve-se ter por fixada a matéria de facto e, por conseguinte, assente que foi o arguido-recorrente autor do crime de dano por que foi condenado.
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5. Quanto à inexistência de crimes, por falta de legitimidade de direito de queixa.
Quanto ao crime de dano, alega o recorrente que não estando provada a propriedade do veículo, nem qualquer outro direito legítimo de gozo do mesmo, desconhece-se quem é o titular para o exercício do direito de queixa e, como tal, não podia o MP prosseguir o procedimento criminal quanto ao referido crime de dano sem previamente se assegurar de quem era o veículo em causa, já que sendo um crime de natureza semipública, só o proprietário da coisa danificada ou o titular de um direito real de gozo dessa coisa tem legitimidade para apresentar queixa criminal.
Quanto a esta questão, desde já avançamos, a mesma terá que improceder, porquanto a suscitação desta questão tinha por base o êxito da pretendida alteração da matéria de facto, alteração essa que, como supra exposto, não veio a ter acolhimento por este tribunal ad quem.
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Quanto ao crime de Introdução em Lugar Vedado ao Público, alega o recorrente que a administração do condomínio carece de legitimidade para, sem autorização da assembleia de condóminos, intentar e intervir activamente em acções de natureza criminal, conforme defendido no douto acórdão do TRL de 08/03/2018, proferido no proc. 1436/15.8T9AMD-A.L1-9. No caso dos presentes autos é pacífico que a apresentação da queixa criminal pela administração do condomínio não teve a autorização, nem prévia nem posterior, da assembleia do condomínio, pelo que não podia o MP prosseguir o procedimento criminal quanto ao referido crime de introdução em lugar vedado ao público.
Porém, e como bem observa a Digna Magistrada do MºPº «o mínimo que pode dizer-se é que o recorrente não leu todo o acórdão que indica, desde logo porque a conclusão não é aplicável a este caso, porque esse aresto se debruçou sobre a questão da constituição de assistente e direito de queixa do condomínio por virtude de descaminho de quantias de quotas tendo determinado que o mesmo tinha legitimidade para se queixar e constituir assistente no caso concreto. Além disso, indica bastamente jurisprudência onde ficou assente precisamente essa legitimidade, ou seja, p. e. Ac TRL de 11-02-2004, Relatora Celeste Lima: “o administrador do condomínio tem legitimidade para apresentar queixa por furto, dano e introdução em lugar vedado ao público, e assim sendo, também o MP tem legitimidade para promover o processo”».
E quanto a esta matéria, a decisão recorrida foi bem clara ao considerar:
«Questão interessante colocada na contestação, é a de saber se, estando em causa um crime de natureza semi-pública, ou seja, em que a legitimidade do Ministério Público para instaurar procedimento criminal supõe a prévia dedução de queixa, a administração do condomínio carece da autorização da assembleia de condóminos para deduzir essa queixa.
Compulsados os autos (fls. 37 a 40), constata-se que a administração do condomínio do edifício onde se insere a garagem em causa nos autos deduziu a queixa sem obter a autorização da assembleia de condóminos, o que resulta do facto de não ter sido comprovado ou, sequer, feita menção a tal facto, conjugado com a circunstância de, atenta a data da queixa em relação ao evento, ser flagrante que não existiu tempo suficiente para a convocação da assembleia de condóminos no lapso temporal que decorreu entre o facto e a queixa.
Como se sabe, a administração do condomínio e a assembleia de condóminos são os dois órgãos representativos da vontade colectiva dos detentores das fracções autónomas constitutivas de um imóvel em propriedade horizontal (cfr. art° 1430°, n° 1 do C. Civil), repartindo entre si as responsabilidades da condução dos interesses desse ente colectivo. As funções da administração do condomínio estão mencionadas nos artigos 1436° e 1437°, n° 1 do C. Civil.
E relativamente pacífico que o condomínio pode ser, enquanto tal, ofendido pela prática de um ilícito criminal, pelo que tem legitimidade, enquanto ofendido, para deduzir uma queixa (cfr. art° 113°, n° 1 do C. Penal). Basta pensar, a este propósito, na queixa relativa, v. g., um crime de dano cometido sobre as partes comuns de um edifício ou, como no caso dos autos, um acesso ilegítimo a essas partes comuns.
Resta saber se carece da autorização da assembleia de condóminos para a apresentação da queixa. Ao que sabemos, apenas dois acórdãos dos tribunais superiores se pronunciaram especificamente sobre esta questão. Enquanto no acórdão da R. L. de 08/03/18, relatado pelo Desembargador Fernando Estrela, in www.dgsi.pt, se sumariou que “O condomínio, enquanto entidade com personalidade judiciária, tem legitimidade para o exercício do direito de queixa e se constituir assistente em processo penal, desde que mandatado pela assembleia de condóminos (sublinhado nosso), no acórdão da mesma Relação de 11/02/04, ibidem, relatado pelo Desembargador Clemente Lima, se sustentou expressamente que o administrador do condomínio não carece da autorização da assembleia de condóminos para deduzir queixa crime relativamente a matérias relacionadas com as partes comuns do prédio.
Defendemos, convictamente, a posição sustentada no segundo acórdão mencionado. De facto, se a dedução de queixa não está expressis verbis elencada nos dois artigos do C. Civil anteriormente mencionados, essa acção deverá ser considerada incluída na cláusula geral contida na al. f) do art° 1436° do C. Civil, a saber “Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns” sendo certo que, de acordo com o artigo seguinte do mesmo diploma “O administrador do condomínio tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem”.
Embora a citada função seja algo equívoca quanto ao seu alcance, a mesma tem de ser interpretada de acordo com o princípio do legislador razoável, ínsito no art° 9º, n° 3 do C. Civil. Ora, que razoabilidade, pergunta-se, teria o legislador se tivesse exigido do administrador do condomínio a convocação de uma assembleia de condóminos para autorizar a dedução de queixa contra quem, v. g., riscou propositadamente as paredes do vestíbulo do prédio, a convocação de nova assembleia para autorizar a dedução de queixa contra quem, após, furtou o vaso com as bonitas flores colocadas nesse vestíbulo, etc.? É sabido que a assembleia apenas reúne ordinariamente uma vez por ano e que raros são os condomínios onde mais reuniões são marcadas e, usualmente, apenas para discutir magnas questões para o condomínio, como, v. g., a realização de obras de remodelação geral. Por outro lado, é significativa a carga burocrática e o nível de despesa que a marcação da reunião da assembleia envolve. Nessa medida, qual o administrador diligente e pragmático que se disporá a despender o dinheiro do condomínio para enviar  cartas registadas com aviso de recepção aos condóminos, para marcação de assembleia e está disposto a gastar-lhes uma manhã das suas vidas para discutir a apresentação de queixa, de cada vez que forem realizados um daqueles actos mencionados supra, ofensivos das partes comuns do condomínio? É manifesto que, cabendo ao administrador a defesa dessas partes comuns, contra terceiros e mesmo contra os próprios condóminos, e exercendo ele uma função executiva relativamente a essa defesa, terá de ter legitimidade para, por si só, praticar um acto que, além do mais, nem sequer onera o condomínio. Nessa medida, já se viu defendido pelo STJ e na doutrina, por Henrique Mesquita (in, respectivamente, Ac. de 08/06/73, BMJ n° 228, pág. 204 e RDES, n° XXI11, pág. 132, nota 125) que o administrador, independentemente da deliberação da assembleia geral, tem legitimidade para pleitear em juízo nos processos que tenham por objecto ofensas a bens comuns integrados na propriedade horizontal.
Pelo exposto, concluímos que não carece o administrador de obter autorização da assembleia de condóminos para deduzir queixas crime destinadas à repressão criminal das condutas lesivas das partes comuns do edifício, como foi o caso destes autos».
Donde nenhuma censura merece o decidido, pois que o administrador, independentemente da deliberação da assembleia geral, tem legitimidade para deduzir queixas crime destinadas à repressão criminal das condutas lesivas das partes comuns do edifício, como foi o caso destes autos.  
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6. Quanto à Indemnização Civil :
Alega o recorrente que, não tendo o assistente demonstrado ser proprietário da viatura danificada nem ser titular de qualquer outro direito ou interesse legítimo legalmente tutelado, não se afigura lesado e, como tal, não tem direito a ser ressarcido de um dano que não sofreu.
Também quanto a esta questão, desde já avançamos, a mesma terá que improceder, porquanto a suscitação da mesma tinha por base o êxito da pretendida alteração da matéria de facto, alteração essa que, como supra exposto, não veio a ter acolhimento por este tribunal ad quem.
Assim, e como bem salienta a decisão recorrida, quanto aos danos de natureza patrimonial que fundaram o pedido de indemnização do demandante, estão em causa danos emergentes, relativos ao custo da reparação do veículo danificado, que estão devidamente concretizados num valor preciso, sendo certo que se apresentam numa clara relação causal com a conduta ilícita e culposa do demandado. Assim, a reparação dos danos coincidirá com o valor provado necessário para a reparação do bem, a mesma peticionada a este título, pelo que, também nesta parte, improcede o recurso.
7. – Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UCs.
                                  
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2021
Cid Geraldo
Ana Sebastião