IMPOSSIBILIDADE OBJECTIVA DA PRESTAÇÃO
IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA E SUPERVENIENTE
Sumário


Sumário (do relator):

I- A impossibilidade que interessa para o efeito do não cumprimento (arts. 790º e segs., do C. Civil) é a impossibilidade superveniente; a impossibilidade produzida em momento ulterior, supondo a existência de uma obrigação válida.
II- Diversamente, a impossibilidade originária, torna nulo o contrato (arts. 280º, n.º 1 e 401º, n.º 1, do C. Civil) e obsta, por conseguinte, à constituição da obrigação.
III- A possibilidade da prestação, a determinar no momento em que a obrigação é constituída, é aferida de harmonia com critérios práticos de normalidade ou de razoabilidade, que relevem para a apreciação jurídica dos factos.
IV- A impossibilidade originária conduz à nulidade do negócio jurídico, independentemente de a mesma ser ou não ser conhecida pelos contratantes.
V- Tendo sido celebrado negócio jurídico, cujo objeto, no momento da sua celebração, é legalmente impossível, tal acarretará a nulidade do contrato (arts. 280º, n.º 1 e 401º, n.º 1, do C. Civil), por impossibilidade originária da prestação, nulidade essa que é de conhecimento oficioso pelo tribunal (art. 286º, do C. Civil).

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. RELATÓRIO

Por apenso à execução de sentença intentada por M. L. contra A. R. e mulher M. D., vieram estes últimos deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, alegando, em suma, que, dentro do prazo de 10 dias que foi fixado na cláusula 8. da transação oferecida à execução, providenciaram por mandar orçamentar todas as obras previstas executar, nelas se incluindo a reparação do telhado do anexo, orçamento que, em devido tempo, fez chegar à embargada/exequente, porém, esta invocou um sem número de evasivas para obviar ao início das obras, ora relacionadas com a estrutura física do anexo, ora com o tipo de material a aplicar no telhado a reparar.
Acrescentam que a embargada/exequente apresentou aos embargantes os seus orçamentos já muito para além do prazo de 10 dias fixados na transação, deles constando não só valores muito superiores ao apresentado por estes, mas também deles constando um tipo de material a aplicar no telhado em nada condizente com o que lá se acha aplicado, em ostensiva desconformidade com o previsto na transação.
Concluem, assim, que foi a exequente que obstou à realização da obra acordada, pelo que deverão os embargantes/executados serem absolvidos dos pedidos formulados.

Uma vez admitidos liminarmente os presentes embargos e notificada para contestar, veio a exequente-embargada apresentar contestação onde frisa que os orçamentos apresentados pelos embargantes à embargada, além de terem sido apresentados fora do prazo fixado na transação, não contêm na sua maioria qualquer referência a uma obra de reparação no telhado da autora, melhor identificado no art.º 1., al. a) do requerimento executivo, resultando desses orçamentos apenas uma preocupação por parte dos embargantes em orçamentar os custos das obras com os muros da sua casa e já não com o telhado do anexo da embargada.
Nega ainda a embargada que houvesse colocado quaisquer entraves ao início das obras, invocando que a própria apresentou orçamentos aos embargantes, porém, resulta dos mesmos que o telhado do anexo não tem reparação devido ao seu mau estado e por conter material de utilização/comercialização proibida, designadamente amianto, e que a apresentação desses orçamentos fora do prazo fixado no acordo se deveu ao facto de os embargantes não lhe cederam antes a chave do anexo nem lhe permitiram a entrada no mesmo.
Termina, pugnando pela improcedência dos presentes embargos de executado.

Foi dispensada a realização da audiência prévia, e proferido despacho saneador, tendo sido, entre o mais ordenada a realização de prova pericial.
Após produção de prova pericial (cfr. relatório pericial de fls. 19 e 20), procedeu-se a realização da audiência final.

Na sequência, por sentença de 27 de Fevereiro de 2020, foram os presentes embargos de executados julgados procedentes, determinando-se a extinção da execução.

Inconformada com o assim decidido, veio a embargada/exequente interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1. A Recorrente não concorda com a decisão deste tribunal, pelo que vem da mesma recorrer, com fundamento na nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão, e na impugnação da matéria de Direito – Subsunção da matéria de facto à matéria de direito.
2. Quanto à nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão, note-se que o título executivo oferecido à presente execução é um acordo homologado por sentença, no qual, de entre o demais, se acordou que (pontos 7 e 8 do acordo):
a) A exequente e os executados acordam em suportar em partes iguais as despesas da obra de reparação do telhado do anexo do prédio da exequente, com o mesmo tipo de material do que se acha aplicado, devendo esta obra ser executada por profissional do ramo a indicar por qualquer das partes e que apresente orçamento com o melhor preço.
b) A obra referida na cláusula anterior deverá ser realizada no prazo de 10 (dez) dias a contar da assinatura da presente transação.
3. A Recorrente, quer no requerimento executivo, quer na contestação aos Embargos apresentados pelos Recorridos, afirmou sempre que o telhado (de um anexo que se encontrava à data em que foi celebrado o acordo, na posse dos Recorridos) se encontrava em muito mau estado e que continha material cuja comercialização havia sido proibida, tendo requerido, para prova de tal, uma perícia.
4. Desse relatório pericial resulta inequívoco que, a reparação do telhado com o mesmo material do que lá se acha aplicado – amianto - não é possível, atendendo a que a comercialização do mesmo foi proibida pelo Decreto-Lei nº 101/2005, de 23 de junho. Porém, resulta também desse mesmo relatório que é já possível essa reparação, com um material alternativo/equivalente – chapas de fibrocimento (veja-se a resposta da Sra. Perita à questão 3 apresentada pela Recorrente).
5. Ainda assim, o tribunal a quo entendeu que a obrigação a que os Recorridos se obrigaram, de reparar o telhado da autora, a meias com a mesma, com o mesmo material do que lá se achava aplicado se trata de obrigação impossível, ao abrigo do Art.º 790.º do Cód. Civil (cfr. págs. 12 e 13 da sentença).
6. Portanto, o tribunal a quo não fez um juízo de prognose do citado art.º 790.º do Cód. Civil. Ou seja, não concretizou qual o motivo para ter decidido, como decidiu, que esta norma se aplica a este caso concreto.
7. O art.º 668º, n.º 1 al. b) do Cód. Proc. Civil, dispõe que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão. É a sanção para o desrespeito ao disposto no art.º 659º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, que manda que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da sentença.
8. Além do que supra se referiu, o tribunal a quo refere ainda na sua decisão o seguinte: “E como se extrai do relatório pericial junto aos autos o maior custo na substituição do telhado é o que corresponde à obra de remoção do fibrocimento com amianto, pois que tais trabalhos apenas podem ser realizados por empresas especializadas.”
9. Porém, e apesar de o tribunal não concretizar o que pretende concluir com esta afirmação, depreende-se que entende que a obrigação se tornou impossível porque mais onerosa para os Recorridos. Acontece que, a prestação não se torna impossível (para efeitos de aplicação do art.º 790.º do CC) mesmo que a prestação se torne excessiva ou extraordinária.
10. De igual modo, em momento algum, o tribunal a quo faz uma análise critica à eventual culpa ou contribuição por parte dos Recorridos na impossibilidade objetiva da prestação aqui discutida, o que teria feito todo o sentido, já que, as chaves do anexo, cujo telhado os Recorrentes pretendem que seja reparado/reposto, estavam na posse dos mesmos (ponto 9 da transação homologada por sentença junta aos autos), pelo que eram estes que sabiam exatamente qual o seu estado, assim como que materiais lá se achavam aplicados.
11. Mais, não se refere na sentença se havia alguma alternativa que tornasse esta obrigação possível. Ora, é só a impossibilidade (superveniente) absoluta de cumprimento que os preceitos dos artºs. 790.º e 791.º do Código Civil visam. De tal modo que, só essa impossibilidade, superveniente, quando não imputável ao devedor, o podem desobrigar, e não uma qualquer dificuldade, mesmo que excessiva ou extraordinária, da prestação, ou seja, a impossibilidade relativa (v. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, sob o processo n.º 3979/17.08LRA.C1, datado de 02-04-2019 e do Tribunal da Relação de Évora, sob o processo n.º 727/07.6TMSTB-B.E1, datado de 27-10-2010, disponíveis em www.dgsi.pt)
12. Neste sentido, esta sentença deve ser declarada nula por falta de fundamentação, nos termos do disposto no art.º 668º, n.º 1 al. b) do Cód. Proc. Civil.
13. Por outro lado, quanto à subsunção da matéria de facto à matéria de direito, diga-se que o tribunal entendeu que a obrigação assumida pelos Recorridos no acordo homologado por sentença que serviu de título executivo à presente execução, é de impossível prestação por razões pré-existentes, isto é, que já existiam à data em que o acordo foi obtido, já que o Decreto-Lei nº 101/2005, de 23 de junho data precisamente de 2005 e que este acordo, homologado por sentença, data de 17de maio de 2016.
14. Caberia portanto aqui analisar e destrinçar o disposto no artigo 790.º, n.º 1, do Código Civil (o que, como se viu, não foi realizado nesta sentença) cujo teor é o seguinte: “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor”.
15. A impossibilidade objetiva da prestação, tal como prevista no art.º 790.º do Código Civil, diz respeito a uma impossibilidade superveniente à vinculação por parte do devedor, e não anterior. Pelo que, só por essa razão, não tem aqui aplicação prática (veja-se um Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, sob o processo n.º 3979/17.08LRA.C1, datado de 02-04-2019 e disponível em www.dgsi.pt).
16. Para que uma obrigação se considere impossível e para que assim se possa enveredar pela aplicação do art.º 790.º do Código Civil, é preciso, desde logo, que a mesma preencha cumulativamente os requisitos supra mencionados no citado Acórdão, portanto, tem que ser superveniente, efetiva, absoluta e definitiva. Sendo certo que, como vimos, no caso que se nos apresenta, não está preenchido nenhum destes requisitos para a consideração da impossibilidade da prestação, senão vejamos:
17. A considerar-se que esta prestação é impossível, a verdade é que, desde logo, não poderia ser considerada não imputável ao devedor, pois que, como se sabe, e como resultado título executivo dado à presente execução – acordo homologado por sentença – eram os devedores/Recorridos que tinham acesso ao prédio do qual fazia parte o citado anexo, pelo que, melhor do que ninguém, saberiam que material o mesmo lá tinha.
18. Por outro lado, esta impossibilidade não se pode considerar superveniente, porque já existente à data em que foi realizado o acordo (embora naturalmente, sem o conhecimentos dos Recorrentes, que não tinham acesso ao anexo).
19. Não é uma impossibilidade absoluta e definitiva, mas antes relativa, uma vez que, tem solução. Ou seja, como resulta inequívoco do relatório pericial, há outro tipo de materiais que são similares, como é o caso do tipo de material aduzido no mesmo – chapas de fibrocimento.
20. Logo, daqui se conclui não estarem preenchidos nenhuns dos requisitos para que esta obrigação se considere impossível, ao abrigo do art.º 790.º do Código Civil.
21. Por seu turno, se se considerasse aqui a existência de uma impossibilidade originária (atendendo a que o Decreto-Lei nº 101/2005, de 23 de junho já existia aquando da obtenção do acordo obtido pelas partes e aqui dado como titulo executivo à presente execução), a mesma teria como consequência a nulidade do negócio jurídico (arts. 280º e 401º do Código Civil), (…)”. Portanto, culminaria na nulidade do aqui discutido acordo celebrado entre Recorrentes e Recorridos, homologado judicialmente. No entanto, como se viu, não foi aqui o que se debateu.
22. De todo o modo, é óbvio que a prestação em causa não é impossível. Pelo contrário, a prestação em causa é perfeitamente possível e executável, desde que com um material similar àquele que se acha lá aplicado, e ainda que, para tal, a prestação se torne mais onerosa. O que, como se viu, se traduz numa mera dificuldade acrescida no cumprimento da obrigação, que só por si, não a torna impossível (cits. Acórdãos, do Tribunal da Relação de Coimbra, sob o processo n.º 3979/17.08LRA.C1, datado de 02-04-2019 e do Tribunal da Relação de Évora, sob o processo n.º 727/07.6TMSTB-B.E1, datado de 27-10-2010, disponíveis em www.dgsi).
23. Pelo que, não tendo aqui aplicação essa norma (art.º 790.º do Código Civil), como supra já se elencou extensivamente, e sabendo-se já que efetivamente a obrigação não foi cumprida, deve ser alterada a decisão proferida pelo tribunal a quo, fazendo-se improceder os presentes Embargos de Executado, prosseguindo assim a execução para prestação de facto intentada pela Recorrente contra os Recorridos, por apenas dessa forma se fazer a devida Justiça.

Finaliza, pugnando pela revogação da sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue os embargos de executado improcedentes, devendo, em consequência, prosseguir a execução para prestação de facto intentada pela recorrente contra os recorridos.

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Não foram apresentadas contra-alegações por parte dos embargantes-executados.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se a sentença proferida deverá ser considerada nula por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam.
- Saber se ocorre erro de direito na sentença recorrida ao julgar os presentes embargos de executado procedentes, com fundamento na impossibilidade superveniente da obrigação exequenda.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1) M. L. intentou, em 29 de abril de 2016, a execução para prestação de facto, contra A. R. e mulher, M. D., apresentando como título executivo a sentença homologatória da transação efetuada pelas partes no âmbito do Processo n.º 3599/12.5TJVNF, da Comarca de Braga, Instância Local Cível, Juiz 3, de Vila Nova de Famalicão.
2) Invoca a Exequente no requerimento executivo o seguinte:
«1. Por acordo, homologado por sentença, datada de 17 de maio de 2016, já transitada em julgado a 22 de junho de 2016, ficou estipulado, além do mais, o seguinte (pontos 7 e 8 do acordo):
a) A exequente e os executados acordam em suportar em partes iguais as despesas da obra de reparação do telhado do anexo do prédio da exequente, com o mesmo tipo de material do que lá se acha aplicado, devendo esta obra ser executada por profissional do ramo a indicar por qualquer das partes e que apresente orçamento com o melhor preço.
b) A obra referida na cláusula anterior deverá ser realizada no prazo de 10 (dez) dias a contar da assinatura da presente transação.
2. A dita obra seria, então, executada por profissional do ramo a indicar por qualquer das partes, através da apresentação do melhor orçamento e no referido prazo de 10 dias.
3. Ora, apesar da exequente ter apresentado, logo nessa altura, orçamentos para reparação do dito telhado, até à presente data os executados recusam-se a pagar metade da referida obra.
4. Ou seja, não obstante a sentença, a verdade é que até à presente data os executados nada fizeram; daí a necessidade da presente execução para prestação de facto.
5. Como decorre do acordo homologado por sentença que ora se executa, foi fixado prazo para a realização da obra a que os executados se obrigaram a realizar, ou seja, 10 dias após a assinatura da presente transação, que ocorreu a 29 de Abril de 2016.
6. Consequentemente, o prazo terminou no dia 9 de Maio de 2016.
7. Assim sendo, tem a exequente o direito a receber a quantia de €50,00, por cada dia de atraso no cumprimento de facto, a título de sanção pecuniária compulsória, que nesta data (06/02/2017) se liquida em (308 dias x €50,00) €15.400,00. – art.º 868.º CPC.
8. Por outro lado, não tendo os executados, prestado o facto dentro do prazo fixado, tem a exequente, nos termos do artigo 868.º CPC, o direito de requerer, como requer, a prestação do facto por outrem, já que esta é fungível.
9. Desta forma, nos termos do art.º 870.º CPC, devem ser nomeados peritos para avaliar o custo das obras necessárias para o cumprimento da prestação escolhida, ou seja, para proceder à obra referida no anterior art.º 1º, al. a), seguindo-se os ulteriores termos do nº 2 do citado preceito legal.
10. Nestes termos, após a citação dos executados, deve ordenar-se o prosseguimento da execução, requerendo a exequente, o pagamento da quantia de €50,00 por cada dia de incumprimento, a título de sanção pecuniária compulsória, bem como a prestação do facto por outrem, e consequente nomeação de peritos para avaliarem o custo dessa prestação, ou seja das obras referidas no anterior art.º 1º, al. a), bem seguindo-se os ulteriores termos do n.º 2 do art.º 870º C.P.C.
11. Na referida peritagem, deverão ainda os peritos nomeados ter especial atenção ao facto de o material que se encontra aplicado no respetivo telhado do anexo da exequente ser de amianto, e de que, em Portugal, foi proibida a utilização/comercialização de amianto e/ou produtos que o contenham a partir de 1 de janeiro de 2005, de acordo com o disposto na Diretiva 2003/18/CE transposta para o direito interno através do Decreto-Lei nº 101/2005, de 23 de junho.»
3) Por sentença proferida em 17.05.2016, transitada em julgado em 22.06.2016, no âmbito do Processo n.º 3599/12.5TJVNF, da Comarca de Braga, Instância Local Cível de Vila Nova de Famalicão, Juiz 3, foi homologada a transação efetuada entre a aí A., ora Exequente/Embargada M. L. e os aí RR., ora Embargantes A. R. e mulher, M. D..
4) As partes subordinaram a transação referida em 3. às seguintes cláusulas:
1. Os Réus reconhecem que a Autora é proprietária do prédio descrito no artigo 1. da Petição, incluindo um anexo, com os limites infra descritos e, por sua vez, a Autora reconhece que os Réus são proprietários do prédio descrito no artigo 11. da Petição, incluindo um anexo, com os limites infra descritos e desenhados na planta que se anexa, a qual não se encontra à escala e é meramente ilustrativa das delimitações dos prédios objecto da lide.
2. O prédio da Autora é composto por terreno e por um anexo, sendo, numa parte, constituído por uma parcela de terreno localizada a Norte do prédio dos Réus, que neste lado e na parte em que confronta com o prédio dos Réus se estende por um segmento de recta com 37 metros de comprimento, medidos a partir do limite exterior do muro que confronta com o caminho público sito a Poente, onde o prédio da Autora dispõe de um portão com cerca de 1 metro de largura (portão pequeno) e nessa parte em que confronta do lado Sul com o prédio dos Réus tem como limite o fim do pilar do dito portão.
3. Na outra parte, o prédio da Autora confronta com o prédio dos Réus numa extensão de 34 metros do lado Poente e numa extensão de 37 metros do lado Norte.
4. O prédio dos Réus é composto por casa de habitação, terreno e um anexo, tendo a configuração de um rectângulo, que se desenvolve por um segmento de recta com 37 metros de comprimento na confrontação Norte, outro segmento de recta com 37 metros de comprimento na confrontação Sul, ambos medidos a partir do limite exterior do muro que veda esse prédio no lado Poente; outro segmento de recta com 34 metros de comprimento no lado Poente, que confronta com o caminho público, medido desde o início do pilar do portão do prédio da Autora; e outro segmento de recta com 31,60 metros de comprimento no lado Nascente, medidos do alçado Norte do anexo que se encontra erigido no prédio dos Réus.
5. Ambas as partes contribuirão para a demarcação dos respectivos prédios com os limites descritos nas cláusulas anteriores e executada nos seguintes termos:
a) Na linha divisória localizada a Norte do prédio dos Réus, que vai desde a via pública até à parede do anexo: um muro com a altura de 2 metros e a largura de 15 cm;
b) Na linha divisória localizada a Nascente do prédio dos Réus: um muro com a altura de 2 metros e a largura de 15cm, numa extensão de 12,10 metros contados do alçado Norte do anexo que se encontra erigido no prédio dos Réus, e, na restante parte até ao limite sul do prédio destes, um murete com 35 cm de altura e a largura de 15 cm, no qual será aplicada uma rede plastificada e pilares de suporte em material tratado; c) Na tinha divisória localizada a Sul do prédio dos Réus: um murete com 35 cm de altura c a largura de 15 cm, no qual será aplicada uma rede plastificada e pilares de suporte em material tratado.
6. As despesas inerentes ao trabalho de delimitação, incluindo a documentação que possa revelar-se necessária à regularização da situação matricial, e registral de ambos os prédios, que será levada a cabo por um topógrafo já escolhido por consenso entre as partes, bem como os trabalhos de demarcação dos prédios descritos na cláusula anterior, serão suportadas em partes iguais por Autora e Réus, sendo a aquisição dos materiais e a adjudicação dos serviços efectuada à pessoa cuja parte apresente orçamento com o melhor preço.
7. A Autora e os Réus acordam ainda em suportar em partes iguais as despesas da obra de reparação do telhado do anexo do prédio da Autora, com o mesmo tipo de material do que lá se acha já aplicado; devendo esta obra ser executada por profissional do ramo a indicar por qualquer das partes e que apresente orçamento com o melhor preço.
8. A obra referida na cláusula anterior deverá ser realizada no prazo de 10 (dez) dias a contar da assinatura da presente transacção e os trabalhos de construção civil descritos na cláusula 5. Supra serão executados dentro dos 10 (dez) dias imediatamente a seguir ao termo da obra da cláusula 7.
9. As partes estipulam o dia 02/05/2016 como o termo do prazo para que os Réus entreguem à Autora a chave do anexo de que esta é proprietária e retirem os bens que se encontrem neste anexo, sob pena de a Autora substituir a fechadura e/ou se considerarem os bens como abandonados, ficando a Autora desresponsabilizada da respectiva perda.
10. Os Réus obrigam-se a entregar pessoalmente, a referida chave no cartório notarial onde será realizada a escritura pública a que alude o contrato-promessa celebrado entre as partes em 20/04/2016.
11. Autora e Réus comprometem-se a assinar toda a documentação que se revele necessária à regularização da situação dos prédios objecto da lide junto do competente Serviço de Finanças e da Conservatória do Registo Predial, em conformidade o estipulado nesta transacção.
12. Na data da assinatura da presente transacção, a Autora obriga-se a apresentar desistência do recurso que interpôs da sentença proferida nestes autos, e Autora e Réus entram na posse dos prédios de que são proprietários com a composição e limites acima descritos.
13. As custas do processo serão suportadas em partes iguais por Autora e Réus Ré, sem prejuízo do apoio judiciário de que ambas as partes beneficiam, prescindindo Autora e Réus de custas de parte e procuradoria na parte disponível.»
5) O material aplicado no telhado do anexo do prédio da Autora mencionado na cláusula 7 da transação efetuada entre as partes e homologada pela sentença oferecida à execução é fibrocimento com amianto, material esse que é proibido;
6) Em consequência do que não é possível a reparação do telhado, sendo necessário retirar o material existente em fibrocimento com amianto e executar um novo telhado.
7) O material que apresenta as características equivalentes ao material referido em 5 é chapas em fibrocimento sem amianto.
8) O custo da remoção da cobertura em fibrocimento contendo amianto por empresa especializada ascende a € 2.430,00;
9) A que acresce o valor do fornecimento e colocação de telha em fibrocimento sem amianto, incluindo meios de elevação e todos os trabalhos necessários ao seu perfeito acabamento, que ascende ao total de €1.800,00.
10) Os orçamentos que a Exequente/Embargada apresentou aos Embargantes, em data não concretamente apurada, mas posterior à fixada na transação, pressupunham a construção de um telhado novo.
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FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, não se provou que:

- A embargada tenha apresentado qualquer orçamento para a reparação do telhado do seu anexo no prazo de 10 dias que foi fixado na sentença oferecida à execução;
- A não apresentação pela Embargada de um orçamento de reparação do telhado no prazo estipulado na transação se houvesse ficado a dever ao facto de os Embargantes não lhe terem entregue a chaves do anexo.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam.

A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso apresentadas pela recorrente, refere-se à alegada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito.
Resulta do disposto no art. 607º, n.º 3, do C. P. Civil que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando “os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”
Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o art. 615º, n.º 1, al. b), do C. P. Civil que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Tal normativo legal, aplica-se, com as necessárias adaptações, aos despachos (art. 613º, n.º 3, do C. P. Civil), sendo certo que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.” (art. 154º, n.º 1, do C. P. Civil)
Na realidade, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz. (1)
Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto. (2)
Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. (3) (nosso sublinhado)
Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis (4), a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” (sublinhado nosso). (5)
Todavia, a nosso ver, no atual quadro constitucional (art. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas (art. 154º do C. P. Civil), parece que também a fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório. (6)
Feitas estas considerações, de todo o modo, no caso em apreço, é nosso entendimento que não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito.
Com efeito, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que a Juíza a quo definiu concretamente a matéria de facto considerada relevante para a decisão da causa, apreciando ainda os meios probatórios produzidos.
Subsequentemente, na mesma decisão, subsumiu a factualidade assente ao Direito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, concluindo fundadamente pela procedência dos presentes embargos de executado.
Porque tal ocorre, e nesta perspetiva, a fundamentação constante da decisão recorrida é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo, pois, aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, como ora sucede nesta instância.
Não pode, pois, sustentar-se que a sentença em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na mesma sentença se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional.
Deste modo, não se acolhe o entendimento da recorrente que, neste conspecto, se limita a concluir que o tribunal a quo incorreu na mencionada nulidade, porquanto não fez um juízo de prognose do disposto no art. 790º, do C. Civil, ou seja não concretizou qual o motivo para ter decidido que esta norma se aplica ao caso em apreço, tanto quanto é certo que o relatório pericial junto aos autos aponta para a possibilidade do cumprimento da prestação a cargo dos executados.
Outrossim, entende a recorrente que o tribunal a quo não fez uma análise crítica à eventual culpa ou contribuição por parte dos embargantes/executados na impossibilidade objetiva da prestação aqui discutida, sendo certo que eram estes que estavam na posse das chaves do anexo, cujo telhado a recorrente pretende ver reparado, e que conheciam o estado do mesmo telhado e os materiais que lá se achavam aplicados.

No entanto, como é bom de ver, o que a recorrente põe em causa é a própria decisão de mérito subjacente à sentença recorrida, apontando-lhe falhas na mesma, designadamente quanto à interpretação que o tribunal recorrido retirou do disposto no art. 790º, do C. Civil.
Ora, não podemos confundir a ausência ou falta de fundamentação com a deficiência da mesma, tanto mais que, como já vimos, só a primeira é que poderá determinar a nulidade da sentença, acórdão ou despacho, nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 do art. 615º, do C. P. Civil.
A recorrente pode, naturalmente, discordar do sentido decisório acolhido na sentença em apreço ou até considerar a fundamentação do mesmo insuficiente ou errónea (o que pode conduzir à sua revogação ou alteração), mas não pode sustentar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula por falta de fundamentação, sendo que, conforme o exposto, apenas a absoluta ausência ou grave deficiência de fundamentação (de facto e/ou de direito) – de forma que impeça o destinatário de alcançar o quadro factual e jurídico subjacente à decisão em crise – pode levar ao decretamento da nulidade da decisão, o que não sucede, porém, no caso em análise.

Destarte, neste segmento, improcede a apelação.
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B) Da impossibilidade objetiva da prestação

Conforme resulta dos factos provados, a embargada/exequente, ora recorrente, intentou contra os embargantes/executados execução para prestação de facto, apresentando como título executivo a sentença homologatória da transação efetuada entre as partes no âmbito do identificado processo n.º 3599/12.5TJVNF, da comarca de Braga, Instância Local Cível de Vila Nova de Famalicão, Juiz 3.

No âmbito desta mesma transação, ficou acordado entre as partes, sob as cláusulas 7 e 8, o seguinte:

7. A Autora e os Réus acordam ainda em suportar em partes iguais as despesas da obra de reparação do telhado do anexo do prédio da Autora, com o mesmo tipo de material do que lá se acha já aplicado; devendo esta obra ser executada por profissional do ramo a indicar por qualquer das partes e que apresente orçamento com o melhor preço.
8. A obra referida na cláusula anterior deverá ser realizada no prazo de 10 (dez) dias a contar da assinatura da presente transacção e os trabalhos de construção civil descritos na cláusula 5. Supra serão executados dentro dos 10 (dez) dias imediatamente a seguir ao termo da obra da cláusula 7.

Invocando que, não obstante a exequente ter apresentado, logo nessa altura, orçamentos para reparação do dito telhado, o certo é que os executados recusam-se a pagar a metade do custo da referida obra, daí a necessidade ao recurso da execução principal apensa.
Pelos presentes embargos de executado, os embargantes/executados dão conta que, para além de apresentados para além do prazo fixado na transação, a embargada/exequente apresentou orçamentos constando valores muito superiores aos apresentados pelos embargantes/executados, constando dos mesmos um tipo de material a aplicar no telhado em nada condizente com o que lá se acha aplicado, em desconformidade com o previsto na transação.

Por seu turno, o tribunal recorrido, analisando a factualidade dada como assente, fez constar na sentença recorrida que:

(…) Sucede, todavia, que, resultou não provado que a Exequente, ora Embargada houvesse apresentado, no prazo fixado de 10 dias, qualquer orçamento aos Embargantes para a reparação do telhado nos termos acordados na cláusula 7 da transacção.
Ademais, a prova pericial realizada nos autos demonstrou, de forma inequívoca, que não se mostra possível a concretização da «obra de reparação do telhado do anexo do prédio da exequente, com o mesmo tipo de material do que lá se acha aplicado» que os Embargantes se obrigaram a comparticipar.
Com efeito, como a própria Embargante admite, e conclui de modo irrefutável o relatório pericial junto aos autos, o material que se acha aplicado no telhado do anexo do prédio da Exequente é fibrocimento com amianto, material esse que, como é consabido, acarreta graves perigos para a saúde e foi, por isso, proibido.

Daqui, concluindo, em seguida, que:

O que nos impele, portanto, à conclusão, de que a prestação a que os Embargantes foram condenados pela sentença oferecida à execução, e que é, repete-se de comparticiparem em metade do valor da «obra de reparação do telhado do anexo do prédio da exequente, com o mesmo tipo de material do que lá se acha aplicado» se mostra impossível.
Ocorre, assim, uma impossibilidade objectiva da prestação, por causa legal, prevista no art. 790º, nº 1, do CC, impossibilidade essa geradora de extinção da obrigação exequenda.
Com efeito, os Embargantes não se obrigaram a suportar as despesas de construção de um novo telhado do anexo do prédio da Exequente. De resto, as partes nem sequer terão previsto essa possibilidade, pois que, como decorre de forma cristalina da cláusula 7 da transacção, a obrigação assumida pelos Embargantes era apenas de reparar o telhado, colocando o mesmo tipo de material. E como se extrai do relatório pericial junto aos autos o maior custo na substituição do telhado é o que corresponde à obra de remoção do fibrocimento com amianto, pois que tais trabalhos apenas podem ser realizados por empresas especializadas.
Donde, inequivocamente, têm de proceder os Embargos de Executado.

Insurge-se a recorrente quanto a esta interpretação levada a cabo pelo tribunal recorrido, tanto quanto é certo, designadamente, que a impossibilidade objetiva da prestação, de acordo com a previsão do art. 790º, do C. Civil, terá de se traduzir numa impossibilidade superveniente, efetiva, absoluta e definitiva, requisitos esses que não se verificam in casu.
Assim, por falta do preenchimento destes mesmos requisitos legais, não se poderá considerar a prestação em causa como impossível, ao abrigo do disposto no art. 790º, do C. Civil. Antes teremos que considerar que a prestação em causa é possível e executável, desde que com um material similar àquele que se acha aplicado no referido telhado, ainda que, para tal, a prestação se torne mais onerosa, pois que a dificuldade acrescida no cumprimento da obrigação, por si só, não a torna impossível.

Vejamos então.

Estipula o art. 790º, n.º 1, do C. Civil, que: “A prestação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.

Pires de Lima e Antunes Varela (7) esclarecem que: “Não deve confundir-se a impossibilidade da prestação com a alteração das circunstâncias que a torne excessivamente onerosa (como a difficultas praestandi ou difficultas agendi). Desde que não haja impossibilidade, a obrigação não se extingue, nos termos deste artigo, embora o devedor possa obter a resolução do contrato ou a modificação dele, segundo juízos de equidade, caso se verifiquem os demais requisitos exigidos no artigo 437º.
Assim, contrariamente ao que é defendido por alguns autores alemães – que nos casos em que a prestação se torne extraordinariamente onerosa, admitem que o devedor apenas seja obrigado a realizar os esforços e as despesas que, segundo critérios da boa-fé, lhe podem ser razoavelmente exigidos (denominada doutrina do limite do sacrifício ou da impossibilidade económica) – concluem estes mesmos Autores que “No nosso direito ficou, porém, bem assente que, sem prejuízo do disposto no artigo 437º, só a impossibilidade absoluta libera o devedor da obrigação (obrigação de prestação de uma coisa que entretanto pereceu sem culpa do devedor; realização de um negócio que a lei posteriormente veio proibir; etc.).” (8)

De igual modo, António Menezes Cordeiro (9) (com referência ao contrato de empreitada), defende que: “A impossibilidade superveniente tem de ser efectiva, absoluta e definitiva, e pode ser total ou parcial.
A impossibilidade efectiva contrapõe-se ao agravamento da prestação. Se a prestação do empreiteiro se torna mais onerosa, designadamente por aumento imprevisível dos salários ou do preço dos materiais, não é um caso de impossibilidade podendo, quando muito, recorrer-se ao instituto da alteração das circunstâncias.

Também José Carlos Brandão Proença (10) refere que se justifica o não cumprimento, que acarreta o efeito extintivo da obrigação assumida, se o devedor estiver colocado numa situação de “impossibilidade de cumprir por circunstâncias total ou parcialmente estranhas à sua vontade e de natureza objetiva ou subjetiva.
Em que cabem as situações de força maior ou caso fortuito (11), ato dos poderes públicos, conduta do devedor ou do credor ou de terceiro que não seja auxiliar do próprio devedor, tendo o nosso legislador adotado “como padrão da impossibilidade com efeito exoneratório a impossibilidade objetiva, absoluta, definitiva e total. A impossibilidade diz-se objetiva sempre que o devedor esteja impedido de cumprir por razões que não dizem respeito à sua pessoa (…). Este impedimento é, em si mesmo, uma barreira (objetiva) inultrapassável pelo devedor ou por qualquer pessoa que o possa substituir (…). A impossibilidade objetiva é, assim, em regra, uma impossibilidade absoluta na medida em que o impedimento é um obstáculo inultrapassável (“cuis resisti non potest”) mesmo com esforços suplementares. Por outras palavras, mesmo que o devedor estivesse disposto a sacrifícios enormes não poderia cumprir. Nem ele nem qualquer pessoa. A impossibilidade é total quando recai sobre toda a prestação ou sobre o conjunto das prestações cumulativas ou alternativas. A impossibilidade diz-se definitiva quando não for possível o seu cumprimento, por razões físicas ou pela circunstância de não interessar ao credor a sua receção tardia.

De igual modo, Mário Júlio de Almeida Costa (12) afirma, com referência ao disposto no art. 790º, n.º 1, do C. Civil, que “só a impossibilidade absoluta libera o devedor e não a mera impossibilidade relativa («difficultas praestandi»), que se traduz na simples dificuldade ou onerosidade da prestação.

Esta também sido a posição seguida pela jurisprudência. (13)

Porém, importa ter presente que a impossibilidade de prestação em causa no art. 790º, do C. Civil, trata-se de uma impossibilidade superveniente, que faz extinguir os efeitos do contrato e consequente exoneração do devedor; e não de uma impossibilidade originária, a qual prevê como sanção para tal vício a nulidade do negócio jurídico donde a obrigação precede (arts. 280º, n.º 1 e 401º, n.º 1, do C. Civil). (14)
Na realidade, tal como salientam, desde logo, Pires de Lima e Antunes Varela (15) “[r]egula-se neste artigo e nas disposições subsequentes o caso de a obrigação se tornar impossível, caso muito diferente do de a obrigação ser já impossível no momento em que se constituiu. A impossibilidade originária tem como consequência a nulidade do negócio jurídico (arts. 280º e 401º), quer a impossibilidade seja conhecida ou reconhecível pelos contraentes, quer o não seja, ao passo que a impossibilidade superveniente, por causa não imputável ao devedor, extingue a obrigação, com os efeitos previstos nesta subsecção.” (sublinhámos)

Também Inocêncio Galvão Telles (16), refere que: “A impossibilidade que interessa para o efeito do não cumprimento é a impossibilidade superveniente. A impossibilidade originária, como sabemos, torna nulo o contrato e obsta por conseguinte à constituição da obrigação. Só a impossibilidade produzida em momento ulterior, supondo a existência de uma obrigação válida, tem importância para o fim de determinar as consequências da inexecução respectiva.” (17) (sublinhámos)

Volvendo ao caso em apreço, desde já diremos que, contrariamente ao defendido pela recorrente, estamos, de facto, perante uma impossibilidade da realização da prestação acordada, impossibilidade essa que é objetiva, absoluta, definitiva e total.
Com efeito, conforme ficou estipulado na cláusula 7 da mencionada transação (18), as partes acordaram, por um lado, na “reparação” do identificado telhado do anexo do prédio da recorrente e, por outro lado, de que tal reparação deveria ser realizada “com o mesmo tipo de material do que se acha já aplicado”.
Ora, tal como resulta dos factos provados, o material que se encontra aplicado naquele telhado trata-se de fibrocimento com amianto, material esse que é proibido; pelo que não é possível a reparação do telhado, sendo necessário retirar o material existente em fibrocimento com amianto e executar um novo telhado (cfr. nºs 5) e 6) dos factos provados).
Como é bom de ver, não foi isto que ficou acordado entre as partes, sendo evidente, da dita cláusula 7 da transação, que as partes acordaram em suportar a meias o custo da obra de reparação do referido telhado (não da execução de um novo telhado), reparação essa vinculada ao material então existente no mesmo telhado, o que não se mostra, de todo, possível.

Não partilhamos, porém, do sentido decisório perfilhado na sentença recorrida – e, aqui, vamos de encontro com o alegado pela recorrente –, ao subsumir a situação dos autos a um caso de impossibilidade superveniente da prestação (art. 790º, n.º 1, do C. Civil); antes, defendemos que estamos perante uma impossibilidade originária da prestação (art. 401º, n.º 1, do C. Civil), tanto quanto é certo que essa mesma impossibilidade já se verificava no momento da celebração da mencionada transação (29 de Abril de 2016 – cfr. respetiva cláusula 5.).
Enfatize-se que, conforme esclarece Antunes Varela (19), “a possibilidade da prestação determina-se no momento em que a obrigação é constituída, de harmonia com critérios práticos de normalidade ou de razoabilidade, que relevem para a apreciação jurídica dos factos, pouco importando, porém, que a impossibilidade seja conhecida dos interessados após a constituição da obrigação.” (20)
Outrossim, tal como já salientámos supra, a impossibilidade originária conduz à nulidade do negócio jurídico, independentemente da mesma impossibilidade ser ou não ser conhecida ou reconhecível pelos contratantes.
Deste modo, nada de relevante nos traz a argumentação aduzida pela recorrente, quando refere que os embargantes/executados eram os únicos conhecedores do estado e material aplicado no telhado, pois que eram os únicos que tinham acesso ao anexo em questão, sendo certo igualmente que tal não resulta dos factos dados como provados, para além de que estamos a falar de um anexo de um prédio propriedade da própria embargada/exequente.
Ora, com a entrada em vigor do D.L. n.º 101/2005, de 23.06 (que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva n.º 1999/77/CE, da Comissão, de 26 de Julho, relativa à limitação da colocação no mercado e da utilização de algumas substâncias e preparações perigosas), a comercialização e utilização de todas as fibras de amianto passou a ser proibida, tendo tal diploma legal entrado em vigor no dia seguinte à sua publicação (24.06.2005), ou seja muito antes da celebração entre as partes da referida transação.

Nestes termos, torna-se ingente concluir que a reparação do referido telhado, com a aplicação do mesmo tipo de material então existente (fibrocimento de amianto), conforme o expressamente acordado entre as partes, mostra-se originariamente impossível no momento da celebração daquela transação, o que implica necessariamente a nulidade do clausulado em tal transação (arts. 280º, n.º 1 e 401º, n.º 1, do C. Civil), no que se refere à dita reparação do telhado do anexo do prédio da embargada/exequente. (21)
Mesmo que não se considerasse que estávamos perante um negócio jurídico cujo objeto era legalmente impossível, sempre teríamos que o considerar nulo porque claramente contrário lei (art. 280º, n.º 1, do C. Civil).
Por sua vez, tal nulidade, para além de invocável a todo tempo, é ainda de conhecimento oficioso pelo tribunal (art. 286º, do C. Civil), afetando, consequentemente, a própria sentença homologatória proferida, neste particular, e que constitui fundamento válido para a oposição à execução fundada na mesma sentença (arts. 291º, n.º 1 e 729º, al. f), do C. P. Civil).

Por conseguinte, perante a nulidade do clausulado na transação invocada pela embargada/exequente, como parte integrante da respetiva sentença homologatória exequenda, forçoso é concluir, sem necessidade de maiores delongas, pela procedência dos embargos de executado, sendo assim de manter a sentença recorrida, ainda que com base em fundamentos não totalmente coincidentes.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a decisão recorrida.

Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 18.02.2021

Este acórdão contem a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:

Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Sandra Melo.




1. Vide, neste sentido, J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 139.
2. Sobre a fundamentação das decisões judiciais, vide, por todos, Ac. do STJ de 24.11.2015, proc. 125/14.5FYLSB, relator Souto Moura, acessível em www.dgsi.pt (além da demais jurisprudência citada neste aresto).
3. Vide, neste sentido, por todos, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687.
4. Ob. citada, Vol. V, pág. 140.
5. Vide, ainda, no mesmo sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 609; e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 221-222.
6. Vide, neste sentido, Ac. do STJ de 02.03.2011, proc. 161/05.2TBPRD.P1.S1, relator Sérgio Poças; e Ac. da Relação do Porto de 16.06.2014, proc. 722/11.0TVPRT.P1, relator Carlos Gil, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
7. In Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 3ª edição, 1986, págs. 43-44 (em anotação ao art. 790º)
8. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 4ª edição, pág. 66, refere igualmente que: “A causa de extinção da obrigação é a impossibilidade (física ou legal) da prestação (a que pleonasticamente se poderia chamar impossibilidade absoluta), não a simples difficultas praestandi, a impossibilidade relativa.
9. In Direito das Obrigações, 3º vol., AAFDL, 2ª edição, 1991, págs. 505 e segs. Cfr. igualmente, Pedro Romano Martinez, in Da Cessação do Contrato, Almedina, 2ª edição, págs. 555-557.
10. In Lições de Cumprimento e Não Cumprimento Das Obrigações, Coimbra Editora, 2ª edição, págs. 209 e segs.
11. Para M. J. Almeida Costa (in Direito das Obrigações, 9ª edição, pág. 1001) “o conceito de caso de força maior tem subjacente a ideia de inevitabilidade: será todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora previsível ou até prevenido, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências. Ao passo que o conceito de caso furtuito assenta na ideia da imprevisibilidade: o facto não se pode prever, mas seria evitável se tivesse sido previsto.
12. In ob. cit., pág. 1002.
13. Por todos, cfr. Ac. da RC de 02.04.2019, proc. 3979/17.08LRA.C1, relator Arlindo Oliveira; e Ac. RE de 27.10.2010, proc. 727/07.6TMSTB-B.E1, relator Bernardo Domingos (estes também citados pela recorrente); Ac. STJ de 10.12.1991, proc. 080295, relator Fernando Fabião; Ac. RG de 01.10.2009, proc. 127/06.5TBAMR.G1, relator António Sobrinho; e Ac. RL de 01.04.2009, proc. 7241/04.0YXLSB.L1-6, relator Olindo Geraldes, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
14. O n.º 2 do art. 401º, do C. Civil, admite duas exceções à nulidade do negócio jurídico: obrigação assumida para o caso de a prestação se tornar possível; ou em caso de negócio dependente de condição suspensiva ou de termo inicial e a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou até ao vencimento do termo, o que não esta em causa nesta ação.
15. In ob. cit., pág. 43.
16. In Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 7ª edição, pág. 324.
17. Também António Menezes Cordeiro, in ob. cit. 505-506, refere que: “A impossibilidade superveniente de alguma das prestações, contrariamente à impossibilidade originária (arts. 280º, n.º 1 e 401º), não acarreta a nulidade, mas sim a extinção dos efeitos do contrato (arts. 790º, n.º 1 e 795º).
18. Que se trata de um contrato regulado nos arts. 1248º a 1250º, do C. Civil.
19. Vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10ª edição, pág. 802.
20. Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 09.05.2006, proc. 06A1003, relator Sebastião Póvoas, acessível em www.dgsi.pt.
21. Trata-se, assim, de uma nulidade parcial, que não afeta a validade de todo o negócio (art. 292º, do C. Civil).