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INVENTÁRIO
DOAÇÃO
REDUÇÃO
Sumário
O processo próprio para o cálculo da quota disponível e da legítima dos filhos e discutir a eventual redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo doador é o processo de inventário.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B………. e mulher C……… e D…….. e marido E…….. intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra F……… e mulher G……., alegando, em síntese, que:
Por escritura pública de 26.3.1977, os pais dos AA. B…….. e D…… e do R. F……, H…… e I……., doaram a este o prédio identificado no art. 1º da petição inicial;
A doação foi feita por conta da quota disponível;
A doadora mulher faleceu em 11.12.1996 e, para partilha da sua herança, foi instaurado inventário, onde se verificou que a doação era inoficiosa, pelo que foi reduzida.
Quando o doador marido falecer, só existirão os bens doados, pelo que é um dado adquirido que a doação é inoficiosa.
O R. marido vem propalando que vai vender os bens doados, com o objectivo confessado de impedir que os AA. recebam, seja o que for, por morte de seu pai, o doador.
Concluíram pedindo que:
Se declare inoficiosa e sujeita a eventual redução a doação referida no art. 1º da P.I.;
Se ordene o registo do ónus da eventual redução da doação.
Contestando, os RR. alegaram, além do mais, que só no processo de inventário a inoficiosidade deve ser analisada; e que só o ónus de eventual redução das doações sujeitas a colação – o que não é o caso - está sujeita a registo.
No despacho saneador, o Sr. Juiz absolveu os Réus da instância, tendo considerado que “não é este o processo adequado para os Autores fazerem valer o direito que pretendiam exercer, pois é nos autos de inventário nº …../01 que deverá ser suscitada e decidida a questão da eventual redução da doação inoficiosa” e que, “no que respeita ao pedido de registo do ónus de eventual redução da doação, a apreciação desta questão está prejudicada pela resposta que foi dada à primeira questão suscitada”.
Inconformados, os AA. recorreram dessa decisão - recurso interposto e admitido como apelação, mas nesta Relação corrigido para agravo -, tendo terminado a respectiva alegação com as seguintes Conclusões:
O douto despacho saneador, ao não conhecer do pedido quanto ao registo do ónus da redução da doação, deixou de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar e conhecer;
Dos factos já assentes e dos que agora, documentalmente, resultam provados, constata-se que o donatário pretende mesmo desfazer-se de todo o património, de modo a impedir que os apelantes recebam, quer a legítima na herança da doadora esposa, quer a legítima na herança do doador marido.
Pedem que se ordene o prosseguimento da acção, com elaboração da base instrutória.
Contra-alegaram os RR., pugnando pela confirmação do despacho recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Os factos:
Por escritura pública de 26.3.1977, os pais dos AA. B….. e D….. e do R. F….., H…… e I……., doaram a este o prédio identificado no art. 1º da petição inicial;
A doação foi feita por conta da quota disponível, com reserva do usufruto por inteiro até à morte do último dos doadores;
Por óbito da doadora mulher, e para partilha da sua herança, foi instaurado inventário, que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves com o nº …../01, onde se verificou que a doação era inoficiosa, tendo sido reduzida.
Por escritura de 9.11.2005, os RR. e H…… venderam a raiz e o usufruto do prédio doado (doc. fls. 101 e segs).
III.
Pediram os AA, em primeiro lugar, que se declare “inoficiosa e sujeita a eventual redução a doação referida no art. 1º da P.I..
Inoficiosidade consiste na ofensa da legítima dos herdeiros legitimários em consequência de liberalidades feitas pelo autor da herança que excedam o âmbito da sua quota disponível, abrangendo as que ocorram entre vivos (como é o caso das doações) ou por morte (caso dos legados) - artigo 2168º do Código Civil.
Com vista a essa protecção, dispõe a lei que as liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (artigo 2169º do CC).
Para o cálculo da legítima (e da quota disponível) deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança (nº 1 do art. 2162º do CC).
Ou seja, só à data da morte do doador é possível saber qual o valor global da herança e se a legítima dos Autores foi ofendida pela doação do prédio identificado no art. 1º da petição inicial.
Ora, para o efeito, o meio processual adequado é o inventário (no caso em apreço – e porque o que agora está em causa é a meia conferência da doação feita pelo doador - não o inventário já instaurado por óbito da doadora, como se entendeu na decisão recorrida, mas o que vier a ser instaurado por óbito do doador, se os interessados entenderem dever requerê-lo).
Como se tem entendido, o processo próprio para o cálculo da quota disponível e da legítima dos filhos e discutir a eventual redução por inoficiosidade de liberalidade feita pelo doador é o processo de inventário (Ac. do STJ, de 17.11.94, CJ/STJ, 1994, III, 145 e www.dgsi.pt, proc. nº 085660, e da RP, de 22.9.2005 (relatado pelo também ora relator), de 16.11.89, CJ, 1989, V, 189, e de 26.01.2004, www.dgsi.pt, proc. 0355994).
Como se escreveu no citado Ac. do STJ, de 17.11.94 “o processo adequado para se discutir a questão da redução por inoficiosidade de liberalidades feitas pelo de cujus é o processo de inventário, e é-o, porquanto se está apenas perante umas das muitas sub-operações que integram uma outra operação, esta altamente complexa, que é a operação de partilha de um património hereditário. Ora, existindo processo especial para a partilha (o processo de inventário ...), apodíctico é, e face ao disposto no artigo 460º, nº 2 do CPC, que o autor errou ao optar para este efeito por uma acção de processo comum”.
Também A. dos Reis ensinava: “A inoficiosidade pressupõe, por definição, uma relação de valor entre dois factores: os bens doados, por um lado, a legítima, por outro. Se a doação é de bens certos e determinados, há que pôr os bens doados em equação com os restantes bens da herança do doador; para esse efeito têm de relacionar-se, descrever-se e avaliar-se todos os bens. Estas operações são próprias do processo de inventário” (RLJ, Ano 85, 241 e sgs).
Devemos, pois, concluir que esta acção não é o processo próprio para se verificar e declarar se a doação feita ao Réu pelo seu pai é inoficiosa.
Assim sendo, e pese embora tal não tenha sido expressamente referido na decisão recorrida, há erro na forma do processo, no que concerne ao primeiro pedido formulado pelos Autores.
Daí que, quanto a esse pedido, se impusesse a absolvição dos RR. da instância, como se decidiu (art.s 493º, nº 2 e 494º do CPC).
No que respeita ao segundo dos pedidos formulados pelos AA., dir-se-á que o tribunal a quo só não conheceu desse pedido por ter entendido que a sua apreciação estava prejudicada pela solução dada à anterior questão (art. 660º, nº 2 do CPC). Não poderá, por isso, falar-se numa verdadeira omissão de pronúncia, a consubstanciar a nulidade prevista no art. 668º, nº 1, d) do CPC.
Entendemos, porém, que o erro na forma de processo quanto ao primeiro pedido não obsta a que se aprecie o segundo pedido; que, devido à decisão que recaiu sobre aquele pedido, o conhecimento deste último fique prejudicado ou que seja inútil a sua apreciação.
E, assim sendo, impõe-se conhecer desde já do seu mérito, dado que se trata de mera questão de direito e as partes sobre ela se pronunciaram nas alegações (não se tornando necessário, por isso, dar cumprimento ao estatuído no nº 2 do art. 753º do CPC).
Vejamos:
Pretendem os AA. se ordene “o registo do ónus da eventual redução da doação”.
Ora, nos termos do art. 2º, nº 1, al. q) do Código de Registo Predial, só está sujeito a registo “o ónus de eventual redução das doações sujeitas a colação”.
A colação tem por fim a igualação, na partilha, do descendente donatário com os demais descendentes do autor da herança (art. 2104º do CC). E só estão sujeitas a colação e, consequentemente, a registo, as doações feitas por conta da legítima, caso em que o doador não atribui ao donatário qualquer prevalência quantitativa em relação aos demais descendentes. Nas doações feitas por conta da quota disponível, porém, há por parte do testador a manifestação no sentido de beneficiar o donatário.
No caso em apreço, a doação em causa foi feita por conta da quota disponível dos doadores (vd. doc. juntos a fls. 38 e segs.), estando, por isso, dispensada da colação, pese embora possa vir a ser reduzida por inoficiosidade. Consequentemente, não está sujeita a registo.
Dir-se-á, por fim, que, dado que o bem doado já foi vendido pelo donatário, o registo da doação – se a ele estivesse sujeita – teria perdido todo o sentido e utilidade.
Para o efeito do cálculo da legítima, haverá que ter-se em conta o valor do bem doado à data da abertura da sucessão, sendo o donatário responsável pelo preenchimento da legítima em dinheiro, até ao valor desse bem (arts. 2109º, nº 1 e 2 e 2175º do CC).
IV.
Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido no que respeita ao pedido formulado em primeiro lugar.
E, conhecendo-se do mérito quanto ao segundo pedido, julga-se o mesmo improcedente, dele se absolvendo os RR.
Custas pelos AA./recorrentes.
Porto, 22 de Junho de 2006
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
Gonçalo Xavier Silvano