EXECUÇÃO
SOCIEDADE EXTINTA
ACÇÕES PENDENTES
Sumário

I – Se é certo que os sócios substituem a sociedade extinta, no decurso do processo executivo, a partir do momento da extinção da sociedade (art. 162.º nº1 CSCom), na condição da alegação e prova do património que a sociedade detinha, e de idêntica prova sobre se tal património foi partilhado pelos sócios (art. 163.º CSCom), tais condições não podem reportar-se à dissolução administrativa da sociedade, decidida pelo conservador, nos termos do artº 143º CSCom, até porque se trata de uma dissolução sem fase de liquidação e no pressuposto de inexistência de activo.
II – Tendo o Exequente credor demonstrado, por via da presunção registral, o direito de propriedade da Executada e agora extinta sociedade, sobre determinados veículos que assim compunham o activo da sociedade extinta, caberá agora aos sócios (ou a terceiro) provar, nos termos dos art. 342.º n.º 2 e 350.º n.º 2 CCiv, que os veículos não integravam já o activo social, à data da dissolução.
III – Daí que a sociedade deva ser substituída, na execução, pela generalidade dos sócios, nos termos da norma do art. 162.º n.º 1 CSCom.

Texto Integral

● Rec.12161/09.9TBVNG-A.P1.
● Relator – Vieira e Cunha.
● Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa.
● Decisão de 1ª instância – 23/6/2020.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo executivo e forma comum nº12161/09.9TBVNG-A, do Juízo de Execução do Porto.
Apelante / Exequente – B…, S.A.
Apelados / Executados – C…, Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª, D… e E….

Encontrando-se suspensa a presente acção executiva, aguardando impulso da Exequente, comprovada a dissolução e liquidação da Executada sociedade, a quem pertencia o veículo penhorado nos autos, veio a Exequente requerer o prosseguimento dos autos, com a substituição da sociedade Executada pelos seus sócios (liquidatários e aqui co-Executados), nos termos do disposto no artº 162º CSCom.
Sobre tal requerimento foi proferido despacho judicial, do seguinte teor:
“Conforme ensinamento do Acórdão do STJ de 12/3/2013, “uma vez extinta uma sociedade comercial, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, sendo que incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens, na partilha do património da sociedade.”
“E ainda vd. o ensinamento do Ac.R.P. de 18/5/2017, que decidiu: “tal alegação na execução passa pela concretização descritiva dos bens e valores da sociedade extinta, partilhados em benefício do ex-sócio (potencial executado legitimável), a fim de permitir determinar a medida da sua responsabilidade relativamente ao crédito ad exequente; porém, de modo compatível com as características coercitivas do processo de execução, sem retardamento anormal ou complicação declarativa.”
“Face ao exposto, pese embora tenha o exequente referido a existência de bens, terá que concretizar se esses bens foram partilhados pelos sócios, juntando prova para o efeito.”
“Só assim poderá o património dos sócios liquidatários ser responsabilizado pelo pagamento do crédito do exequente.”
“Notifique o exequente para, querendo, concretizar a matéria de facto supra identificada e juntar prova que suporte o invocado.”
Tendo a Exequente insistido pelo anteriormente requerido, foi então proferido o despacho judicial recorrido, do seguinte teor:
“(…) Veio a exequente aludir ao facto de que a sociedade executada se encontrava extinta (após a instauração da presente execução) e requerer o prosseguimento da lide contra os sócios da sociedade.”
“A dissolução da sociedade comercial e o registo do encerramento da liquidação determinam a sua extinção, com a consequente perda da personalidade jurídica e judiciária.”
“O artigo 269.º do Código de Processo Civil estabelece a regra geral sobre as causas de suspensão da instância, tendo aqui relevância o disposto no seu n.º 1,alínea a). Nos termos desta norma, a instância suspende-se quando falecer ou se extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais.”
“O artigo 162.º citado, reportando-se a acções pendentes em que a sociedade seja parte e onde se incluem as acções executivas, estabelece no seu n.º 1 que tais acções continuam após a extinção da sociedade, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5; e, nos termos do n.º 2, a instância não se suspende, nem é necessária habilitação.”
“E resulta do disposto no artigo 163.º que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha.”
“Conforme refere o Acórdão da RP de 5 de fevereiro de 2018, “O art.º 163.º n.º1 é claro: o direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado. Assim, a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito, não um facto que, provado, seja modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão. Logo, estamos perante um facto constitutivo do direito e que, portanto, deve ser alegado e provado pelo autor – cf. art.º 342.º do C. Civil
n.ºs 1 e 2”.
“É certo que os liquidatários se encontram habilitados, face ao dispositivo legal supra referido, mas para que a execução prossiga contra os mesmos teria o exequente que concretizar qual o património que a sociedade detinha e se foi partilhada pelos sócios, juntando prova para o efeito.”
“Só assim poderia o património dos sócios liquidatários ser responsabilizado para pagamento do crédito do exequente.”
“Face ao exposto, julgo improcedente o pedido de prosseguimento da execução contra os ex-sócios da sociedade nos termos em que foi requerido. Notifique.”
Conclusões do Recurso de Apelação:
1 - Por correio electrónico, enviado no dia 31/03/2016, a Exma. Sra. Agente de Execução remeteu ao signatário uma notificação, por via da qual informou que a sociedade executada C…, Lda. encontra-se com a matrícula cancelada junto da Conservatória do Registo Comercial – conforme consulta à certidão permanente da referida sociedade, na qual expressamente consta que por Ap. 19 de 2013/11/29 foi averbada a dissolução e encerramento da liquidação.
2 - Nesse sentido, a Exma. Sra. Agente de Execução informou a exequente da suspensão dos autos quanto à referida executada, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 269º do CPC.
3 - Mais informou a Exma. Sra. Agente de Execução que a exequente poderá, querendo, requerer ao Meritíssimo Juiz do processo, nos termos do 162º do CSC, a substituição da sociedade executada pela generalidade dos sócios.
4 - Assim, no dia 07/04/2016 e com a referência n.º 9785241 a exequente remeteu aos autos, requerimento com o seguinte teor:
“B…, S.A Exequente nos autos à margem indicados em que é Executada C…, LDA, notificada pela Exma Srª Agente de Execução nomeada nos autos, do cancelamento da matricula da Executada C…, LDA junto da Conservatória do Registo Comercial, vem expor e requerer a
V.Exa o seguinte:
A sociedade "C…, LDA" foi uma sociedade por quotas, cfr. resulta da cópia da certidão permanente emitida pela Conservatória do Registo Comercial junta aos autos pela Exma Sra. Agente de Execução
Tal sociedade foi dissolvida, e encerrada a sua liquidação conforme AP. 19/20131129 da referida certidão.
Tal sociedade extinguiu-se pelo registo do encerramento da liquidação (artº 160º/2 do CSC).
Os co-Executados – E… e D… – eram sócios e gerentes da Executada cfr. resulta da citada certidão.
O artº 162º do CSC que regula a responsabilidade pelas obrigações da sociedade após a extinção desta, dispõe que "As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5".
Assim, os co-executados E… e D…, reunindo em si as qualidades de sócios, gerentes e liquidatários são os sucessores da extinta sociedade "C…, LDA".
De resto, são os co-Executados (sócios e gerentes) quem usa o veículo penhorado nos autos.
sendo, assim, parte legítima nos presentes autos.
Termos em que se requer a V.Exa o prosseguimento dos autos com a substituição da sociedade Executada pelos seus sócios, gerentes, liquidatários e aqui co-Executados E… e D….”
5 - Por não ter obtido qualquer resposta do Tribunal A Quo, no dia 29/03/2019, a recorrente enviou aos autos um requerimento com o seguinte teor e com a referência n.º 22051980:
“B…, S.A., exequente nos autos à margem identificados, em que são executados C…, Lda. e outro (s), vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1) Tendo sido notificada que a executada C… tem a matrícula cancelada, a 07/04/2016 exequente diligenciou pela habilitação dos sócios gerentes em substituição da firma executada, nos termos do disposto no artigo 162º do CSC.
2) A 03/07/2017 V. Exa. ordenou a notificação da exequente para juntar aos autos os documentos cartulares dados à execução como títulos executivos.
3) A exequente a 14/07/2017 deu bom cumprimento à s/ solicitação.
4) Contudo, os autos continuam a aguardar que V. Exa. se pronuncie quanto à habilitação dos sócios gerentes.
5) Os sócios da firma encontram-se na posse de três veículos automóveis, com as matrículas ..-BR-..; ..-BR-.. e ..-BR-.., objecto dos contratos celebrados com a executada firma.
6)O facto de não terem sido entregues à exequente – para que o produto da s/ venda vá amortizar o valor em dívida - é prejudicial à satisfação do crédito exequendo.
Nestes termos e nos mais de Direito, requer a V. Exa. Que se digne pronunciar acerca da habilitação dos sócios, nos termos do disposto no artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais, conforme requerido a 07/04/2016.”
6 - Entretanto, no dia 09/05/2019, e com a referência n.º 403908794, foi a exequente notificada da cópia não certificada do documento que serviu de base ao registo de dissolução e encerramento da liquidação e subsequente cancelamento da matrícula, referente à sociedade C…, Lda. e com o NIPC ……….
7 - No dia 15/05/2019 e com a referência n.º 22491558, a recorrente remeteu aos autos o requerimento com o seguinte teor:
“B…, S.A., Exequente nos autos à margem referenciados, notificado que foi do ofício com a referência 403908794, vem, para os devidos efeitos, expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1) Sem prejuízo da informação prestada pelo IRN, a executada em questão, C…, Lda., tem activo registado a seu favor,
2) Nomeadamente, os veículos automóveis com as matrículas ..-BR-.., ..-BR-.. e ..-BR-.., nos quais, incide reserva de propriedade a favor da aqui Exequente. Inclusivamente,
3) O veículo com a matrícula ..-BR-.., encontra-se na posse da Exequente,
4) E, o veículo com a matrícula ..-BR-.., encontra-se com seguro activo, junto da companhia de seguros “F…, S.A.”, com o número de apólice ……….., desconhecendo porém, o seu paradeiro.
5) Relativamente, ao veículo com a matrícula ..-BR-.., a Exequente desconhece igualmente o seu paradeiro. Sucede no entanto que,
6) Sobre os veículos com as matrículas ..-BR-.. e ..-BR-.. – nos quais, se encontra reserva de propriedade registada a favor da Exequente – encontra-se registada penhora, a favor de G…, ambas datadas de 15.03.2010, com caracter definitivo, no âmbito do processo judicial n.º 562/10.4TBVNG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 7.
7) Ao invés, de se encontrarem provisórias por natureza, atento que, anteriormente, as referidas reservas de propriedade já se encontravam registadas, e as quais não foram canceladas. Motivo pelo qual,
8) A Exequente requereu aos autos supra identificados o cancelamento dos registos de penhora a favor de G…, datados de 15.03.2010, sobre os veículos com as matrículas ..-BR-.. e ..-BR-... - Cfr. Documento n.º 1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
9) Permitindo assim, o cancelamento da reserva de propriedade, para penhora dos mesmos, dando prosseguimento dos presentes autos, pela apreensão e venda dos veículos.
10) Porém, a Exequente aguarda que o douto Tribunal se pronuncie quanto ao requerido.
11) De todo o exposto, entende a ora Exequente, que os presentes autos deverão prosseguir contra a sociedade executada em questão, considerando o activo registado a seu favor, ordenando o seu prosseguimento, o que se requer.”
8 - Por notificação, com data de 23/05/2019 e com a referência n.º 404444250, foi a recorrente notificada do douto despacho proferido, com o seguinte teor:
“A execução já prossegue contra E… e D…, em virtude do titulo executivo apresentado nos autos, não se descortinando qualquer utilidade processual na substituição da sociedade executada pelos seus sócios, aqui já executados e que respondem pela totalidade da divida exequenda. Assim sendo, resta apenas determinar o prosseguimento dos autos, devendo o AE proceder á extinção da execução no que tange ao primeiro executado - a sociedade “C…, Ldª.” Notifique.”
9 - Por requerimento enviado aos autos, no dia 03/06/2019, e com a referência n.º 22704441, a recorrente enviou o seguinte requerimento para o processo:
“B…, S.A., Exequente nos autos à margem referenciados, face ao douto despacho proferido com a referência 404277349, vem, muito respeitosamente, e para os devidos efeitos, consignar o seguinte:
1) Conforme explanado na comunicação remetida aos autos em 15.05.2019, com a referência 22491558, os veículos em questão, com as matrículas ..-BR-.., ..-BR-.. e ..-BR-.., são da propriedade da aqui Executada C…, Lda.,
2) E não dos seus sócios, que são também executados nos autos.
3) Sendo que, o veículo com a matrícula ..-BR-.., encontra-se na posse da Exequente,
4) E, o veículo com a matrícula ..-BR-.., encontra-se com seguro activo, sendo assim presumivelmente, mais simples a sua localização,
5) E consequente, venda dos bens para ressarcimento dos valores em dívida. Ora,
6) Considerando que tal sociedade extinguiu-se pelo registo do encerramento da liquidação, nos termos do n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais,
7) Os co-Executados – D… e E… – eram sócios da Executada e gerentes conforme resulta da certidão comercial, que se junta sob o Documento n.º 1 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. Pelo que,
8) Dispõe o artigo 162.º do CSC, que regula a responsabilidade pelas obrigações da sociedade após a extinção desta, que "As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2 e 5".
9) Assim, os co-executados, reunindo em si as qualidades de sócios, gerentes e liquidatários, são os sucessores da extinta sociedade "C…, LDA".
10) Devendo por isso, os presentes autos, prosseguirem com a habilitação dos mesmos.
11) Pois, caso contrário, a Exequente não tem legitimidade para proceder à venda dos veículos,
12) Nem, de prosseguir com as diligencias quanto aos mesmos,
13) Tornando-se assim, fundamental, a habilitação dos sócios e liquidatários, com vista à venda do bem que se encontra na posse da Exequente, bem como, o prosseguimento quanto aos restantes veículos,
14) Pelo que, do exposto, requer-se a V. Exa., o prosseguimento dos autos, com a substituição da sociedade Executada pelos seus sócios, gerentes, liquidatários e aqui co-Executados, com vista, e tão só, quanto à recuperação e venda dos veículos.”
10 - Com data de conclusão de 02/07/2019, e com a referência n.º 405511698, o Tribunal A Quo proferiu o seguinte despacho:
“…Requerimento do exequente de 15.05.2019: não compete a este tribunal ordenar o cancelamento da penhora indicada (a favor de G…) ou a reserva de propriedade, competindo ao exequente diligenciar pelo seu cancelamento, caso assim o entenda. Notifique, ficando os autos a aguardar o impulso processual das partes.”
11 - No dia 18/04/2020, e com a referência n.º 25647847, a recorrente enviou aos autos requerimento com o seguinte teor:
“B…, S.A., Exequente nos autos à margem referenciados, vem, muito respeitosamente, e para os devidos efeitos, expor e requerer a V.Exa o seguinte:
1) Os presentes autos encontram-se pendentes há 9 anos contra Executada C…, Lda, D… e E….
2) A Executada C…, Lda é proprietária de 3 veículos, sobre os quais foram registadas reservas de propriedade a favor da Exequente, como garantia do bom cumprimento dos contratos subjacentes às livranças dadas à execução.
3) Desde que foi dado conhecimento aos autos da dissolução da Executada C…, a Exequente encontra-se impossibilitada de efectuar diligências quanto aos veículos ..-BR-.., ..-BR-.. e ..-BR-..,
4) Não obstante ter exposto e requerido – a 07.04.2016, 29.03.2019, 15.05.2019 e 03.06.2019 -, nos termos do disposto no artº 162º do CSC, o prosseguimento dos autos quanto à Executada C…, Lda, na pessoa dos seus liquidatários
5) Pois apenas sendo proferido despacho a ordenar o prosseguimento dos autos quanto à Executada C…, Lda nos termos do disposto no artº 162º do CSC,
6) Poderá a exequente vir a ser ressarcida de parte das quantias peticionadas nos autos, precisamente pela venda dos veículos, reitera-se, sobre os quais foram registadas reservas de propriedade a favor da Exequente, como garantia do bom cumprimento dos contratos subjacentes às livranças dadas à execução.
7) Já que inclusivamente e conforme resulta dos autos, todas as demais diligências se frustraram!
Face ao exposto, requer-se a V. Exa se digne ordenar o prosseguimento dos autos quanto à Executada C…, Lda, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 162ºdo CSC, conforme anteriormente requerido nos autos.”
12 - No dia 11/05/2020 e com a referência n.º 414137229, a exequente foi notificada do teor da douta promoção proferida, com data de 07/05/2020, e do teor do douto despacho proferido, com data de conclusão de 08/05/2020, com os seguintes teor:
Promoção
Em relação à co-executada pessoa coletiva, a questão perspetiva-se nos seguintes termos, a meu ver:
-Com a extinção –que se verifica com a inscrição no registo do encerramento da liquidação –deixa de existir a pessoa coletiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária. Mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extingam (relativamente às ações pendentes, cf. art.º 162º e, no tocante ao passivo superveniente, art.º 163º, ambos do Código das Sociedades Comerciais). Assim, nada tenho a requerer por ora.
Despacho
A presente execução estava já pendente à data da extinção da sociedade.
Nesta situação prescreve o n.º 1 do art. 162.º do Código das Sociedades Comerciais que a sociedade “se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e164.º, n.ºs 2 e 5”. E o n.º 2 acrescenta que, “a instância não se suspende nem é necessária habilitação”.
O que significa que a substituição da sociedade pelo conjunto dos sócios, representados pelos liquidatários, é imediata e feita no próprio processo, sem necessidade de qualquer outra justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação.
Mas para que tal situação tenha razão de ser deverá o exequente, antes domais, esclarecer se a sociedade extinta dispunha de activo.
Assim, notifique o exequente para o efeito.”
13 - Em resposta, no dia 15/05/2020, por requerimento enviado aos autos, e com a referência n.º 25791683, a recorrente informou o Tribunal A Quo que:
“B…, S.A., Exequente nos autos à margem referenciados em que é Executada C…, Lda e outros, notificada nos termos do despacho que antecede e conforme resulta do Registo Automóvel cuja consulta se junta, vem informar que o activo da sociedade – do conhecimento da Exequente – corresponde aos veiculos ..-BR-.., ..-BR-.. e ..-BR-...
Face ao exposto, requer-se a V.Exa se digne ordenar o prosseguimento dos autos quanto à Executada C…, Lda, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 162º
do CSC.”
14 - De seguida, no dia 03/06/2020, e com a referência n.º 414665251, o Tribunal a Quo proferiu douto despacho com o seguinte teor:
“…Conforme ensinamento do Acórdão do STJ de 12/3/2013, “uma vez extinta uma sociedade comercial, os antigos sócios respondem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, sendo que incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na partilha do património da sociedade”.
E ainda vide o ensinamento do acórdão da Relação do Porto de 18/05/2017, que decidiu “Tal alegação na execução passa pela concretização descritiva dos bens e valores da sociedade extinta partilhados em benefício do ex-sócio (potencial executado legitimável), a fim de permitir determinar a medida da sua responsabilidade relativamente ao crédito da exequente; porém, de modo compatível com as características coercitivas do processo de execução, sem retardamento anormal ou complicação declarativa”.
Face ao exposto, pese embora tenha o exequente referido a existência de bens, terá que concretizar se esses bens foram partilhados pelos sócios, juntando prova para o efeito.
Só assim poderá o património dos sócios liquidatários ser responsabilizado para pagamento do crédito do exequente.
Notifique o exequente para, querendo, concretizar a matéria de facto supra identificada e juntar prova que suporte o invocado.”
15 - De imediato, no dia 16/06/2020 e com a referência n.º 26019225, a recorrente remeteu aos autos requerimento, com o seguinte teor:
“B…, S.A., Exequente nos autos à margem referenciados em que é Executada C…, Lda e outros, notificada nos termos do despacho que antecede vem expor e requerer a V.Exa o seguinte:
- Conforme resulta dos autos, nomeadamente da informação prestada pela Conservatória do Registo Comercial a 07.05.2019, a Executada C…, Lda foi extinta no âmbito de procedimento administrativo oficioso de dissolução/liquidação n.º 221/2013
- Pelo que, é impossível à Exequente dar cumprimento ao ordenado no despacho que antecede, atento a que a extinção da sociedade não resultou de acto praticado pelos seus legais representantes,
- Consequentemente, apesar da sociedade dissolvida ter ativo – conforme comprovado a 15.05.2020 -, não existe qualquer documento de partilha de bens da sociedade.
Face ao exposto, requer-se a V.Exa se digne ordenar o prosseguimento dos autos quanto à Executada C…, Lda, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 162º
do CSC.”
16 - No dia 25/06/2020 e com a referência n.º 415343830, foi a exequente notificada da decisão proferida pelo Tribunal A Quo, a qual tem o seguinte teor:
“…Veio a exequente aludir ao facto de que a sociedade executada se encontrava extinta (após a instauração da presente execução) e requerer o prosseguimento da lide contra os sócios da sociedade.
A dissolução da sociedade comercial e o registo do encerramento da liquidação determinam a sua extinção, com a consequente perda da personalidade jurídica e judiciária.
O artigo 269.º do Código de Processo Civil estabelece a regra geral sobre as causas de suspensão da instância, tendo aqui relevância o disposto no seu n.º 1,alínea a).
Nos termos desta norma, a instância suspende-se quando falecer ou se extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais.
O artigo 162.º citado, reportando-se a acções pendentes em que a sociedade seja parte e onde se incluem as acções executivas, estabelece no seu n.º 1 que tais acções continuam após a extinção da sociedade, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5; e, nos termos do n.º 2, a instância não se suspende, nem é necessária habilitação.
E resulta do disposto no artigo 163.º que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha.
Conforme refere o Acórdão da RP de 5 de fevereiro de 2018, “O art.º 163.º n.º1 é claro: o direito do credor sobre o sócio depende do facto deste ter partilhado. Assim, a existência de partilha é um facto constitutivo desse direito, não um facto que, provado, seja modificativo, impeditivo ou extintivo do direito em questão. Logo, estamos perante um facto constitutivo do direito e que, portanto, deve ser alegado e provado pelo autor – cf. art.º 342.º do C. Civil
n.ºs 1 e 2”.
É certo que os liquidatários se encontram habilitados, face ao dispositivo legal supra referido, mas para que a execução prossiga contra os mesmos teria o exequente que concretizar qual o património que a sociedade detinha e se foi partilhada pelos sócios, juntando prova para o efeito.
Só assim poderia o património dos sócios liquidatários ser responsabilizado para pagamento do crédito do exequente.
Face ao exposto, julgo improcedente o pedido de prosseguimento da execução contra os ex-sócios da sociedade nos termos em que foi requerido. Notifique. Ds”
17 – A sociedade executada foi extinta a 29/11/2013, depois da entrada em juízo da presente acção executiva, o que ocorreu a 05/12/2009.
18 - Dispõe o n.º 1 do artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) que “…as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.º s 2, 4 e 5, e 164.º, n.º s 2 e 5”.
19 - Nestes termos, e conforme consignou o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 12/10/06, disponível em www.dgsi.pt, “…se as acções se encontram pendentes no momento da dissolução e liquidação da sociedade, a acção prossegue contra os sócios sem necessidade de suspender a instância e deduzir habilitação”.
20 - Os artigos 162° e 163° do Código das Sociedades Comerciais distinguem e regulam dois modos diferentes de fazer intervir os sócios em acção instaurada por dívida da sociedade extinta.
21 - “Tratando-se de acção pendente à data da extinção da sociedade, a substituição da sociedade pelo conjunto dos sócios, representados pelos liquidatários, é imediata e feito no próprio processo, sem necessidade de qualquer justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação - artigo 162° do CSC.
22 - Tratando-se de acção a instaurar após a extinção da sociedade por dívida não paga nem acautelada no acto da liquidação, terá que ser proposta contra a generalidade dos sócios, também representados pelos liquidatários, e considerando que cada sócio apenas responde até ao montante que recebeu na partilha (artigo 163º, n.° 1, do CSC), o demandante terá que justificar, na petição inicial, que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados” (Ac. TRP, Apelação nº 1886/06.0YYPRT-D.P1 - 2ª Sec, in www.trp.pt).
23 - Ora, considerando que o requerimento executivo que deu origem aos presentes autos deu entrada no dia 05/12/2009, altura em que a sociedade executada não se encontrava extinta (artigos 146.º, n.ºs 1 e 2 e 160.º, n.º 2, do CSC), os seus antigos sócios são os responsáveis pelo seu passivo social, mas agora na qualidade de sucessores da sociedade em causa.
24 - Aliás, sobre esta matéria Raul Ventura, in “Dissolução e Liquidação de Sociedades”, páginas 467 a 480, teceu o seguinte “…A nossa lei não acolheu as teorias da sobrevivência da personalidade jurídica da sociedade nem da reconstituição dessa personalidade após a extinção, consagrando em termos inequívocos o regime da responsabilidade pessoal dos sócios”.
25 - Deste modo, encontrando-se dissolvida e liquidada a sociedade demandada na presente acção executiva, esta considera-se substituída pelo seus antigos sócios E… e D… conforme requereu a recorrente no dia 07/04/2016 e com a referência n.º 9785241.
26 - Pelo que se conclui que a decisão proferida, e impugnada através do presente recurso, encontra-se vazia de fundamento legal.
27 - Como tal, salvo melhor opinião em sentido contrário, o Tribunal A Quo deveria ter ordenado o prosseguimento da acção executiva contra os antigos sócios da sociedade executada, devendo os autos prosseguir contra o activo que ainda se encontra registado na esfera jurídica e propriedade da sociedade “C…, Lda.”,
28 - Ou seja, deverão os autos prosseguir contra os veículos automóveis, com as matrículas ..-BR-.., ..-BR-.. e ..-BR-...
29 – Deste modo, deverá o douto despacho recorrido ser substituído por douto acórdão que, uma vez que se encontra dissolvida e liquidada a sociedade executada, ordene o prosseguimento da execução contra os seus antigos sócios E… e D…, conforme requereu a recorrente no dia 07/04/2016 e com a referência n.º 9785241.
Factos Provados
Encontram-se provados os factos supra resumidamente expostos no relatório do presente, bem como o teor do despacho judicial impugnado, também supra reproduzido.
Fundamentos
A pretensão resultante do presente recurso de apelação encontra-se apenas em saber se, nas concretas condições dos autos, e da alegação da Exequente, cabia ter julgado procedente o pedido de prosseguimento da execução contra os ex-sócios da sociedade.
Vejamos pois.
I
A matéria dos autos prende-se com a interpretação do alcance das normas do artº 162º nºs 1 e 2 CSCom, nos termos das quais, “as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (…)” e “a instância não se suspende, nem é necessária habilitação”.
Volvido o entendimento de que estas normas eram de aplicação exclusiva ao processo declarativo (cf. Ac.R.G. 31/5/06 Col.III/282, relatado pelo Des. Carvalho Guerra), impondo-se a habilitação dos sócios no caso de extinção da sociedade, pode hoje concluir-se ser pacífica na jurisprudência a interpretação de que a norma se refere indistintamente às “acções” (a qualquer tipo de acção), salientando-se que os artºs 269º nº1 al a) e 354º nº3 CPCiv, aliás idênticos às normas equivalentes do Código de 95/96, exceptuam de uma possível suspensão da instância pela extinção da parte o disposto no art 162º CSCom (ilustrativos deste entendimento os Ac.R.L. 17/12/2014, pº 7534/13.5TBOER.L1, relatado pelo Des. Pimentel Marcos, Ac.R.G. 26/3/2015, pº 204/05.0TBPCR-B.G1, relatado pelo Des. Manuel Bargado, ou Ac.R.P. 15/11/2018, pº 1262/13.9TBAMT.P1, relatado pelo Des. Estelita Mendonça).
Este referido entendimento não é porém o tópico da douta decisão recorrida, a qual salienta que, se é certo que os sócios se encontram habilitados no processo, a partir do momento da extinção da sociedade, não obstante, a condição para que a execução prossiga contra eles é a da alegação e prova do património que a sociedade detinha, e ainda idêntica prova sobre se tal património foi partilhado pelos sócios, visto disposto no artº 163º nº1 CSCom.
Não há dúvida que a jurisprudência também salienta esses aspectos de necessária alegação e prova - vejam-se, sem necessidade de sermos exaustivos, o Ac.R.G. 27/9/07, pº 1622/07-2, relatado pela Consª Mª Rosa Tching (a execução não incidirá sobre quaisquer bens dos liquidatários, mas apenas sobre bens sociais recebidos em partilha), o Ac.R.P. 13/1/2014, pº 472/06.0TTSTS-C.P1, relatado pelo Des. João Nunes, o Ac.R.G. 4/4/2019, pº 228/16.1T8VNF-A.G1, relatado pela Desª Conceição Sampaio e o Ac.R.P. 13/1/2020, pº 2315/13.9YYPRT-A.P1, relatado pelo Des. Domingos Fernandes.
II
O assunto em causa nos autos, todavia, tem a ver com a dissolução administrativa oficiosa, por declaração do conservador do registo comercial em procedimento instaurado oficiosamente, por sua iniciativa, no cumprimento de um dever funcional – artºs 143º CSCom e 5º als. a) a e) do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (D-L nº76-A/2006 de 29/3).
A dissolução administrativa decidida pelo conservador substituiu a dissolução judicialmente determinada, constante da anterior redacção dos artºs 142º nº1 e 144º CSCom.
Tal dissolução pode ser promovida pelas pessoas indicadas no artº 4º RJPADL ou oficiosamente (artº 5º).
A dissolução/liquidação dos autos, como visto, foi promovida oficiosamente, sendo que nela não foi apurada a existência de activo ou passivo a liquidar.
Portanto, tratou-se de uma dissolução sem fase de liquidação, como aliás é próprio do procedimento.
E, inexistindo liquidação, carece de sentido, salvo o merecido e devido respeito, a prova da partilha.
Não obstante, o que se verifica agora, em função das certidões de registo automóvel apresentadas pela Exequente e constantes do processo, é que a extinta sociedade tem ainda registados a seu favor determinados veículos automóveis.
Como é sabido, o registo de propriedade de veículo automóvel é obrigatório (artº 5º nº2 Lei de Registo da Propriedade Automóvel, D-L nº54/75, de 12/2, na sua versão actualizada).
E o registo constitui presunção de que o direito de propriedade existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos definidos no registo (artºs 7º CRegPred ex vi artº 29º D-L nº54/75), tratando-se de uma presunção juristantum.
Ora, o Exequente demonstrou que a extinta sociedade possui ainda activo, isto na medida em que o registo automóvel demonstra essa existência de activo e que a presunção juristantum nesse registo fundada não pode deixar de contrariar a constatação anterior da inexistência de activo a liquidar.
Tendo o Exequente credor demonstrado, por via da presunção registral, o direito de propriedade da Executada e agora extinta sociedade, caberá agora aos sócios (ou a terceiro) provar, nos termos dos artºs 342º nº2 e 350º nº2 CCiv, que os veículos não integravam já o activo social, à data da dissolução.
Sem prejuízo, e até lá, a sociedade é substituída pela generalidade dos sócios, nos termos da norma do artº 162º nº1 CSCom.
Como assim, cumpre satisfazer a douta pretensão recursória.
Concluindo:
I – Se é certo que os sócios substituem a sociedade extinta, no decurso do processo executivo, a partir do momento da extinção da sociedade (artº 162º nº1 CSCom), na condição da alegação e prova do património que a sociedade detinha, e de idêntica prova sobre se tal património foi partilhado pelos sócios (artº 163º CSCom), tais condições não podem reportar-se à dissolução administrativa da sociedade, decidida pelo conservador, nos termos do artº 143º CSCom, até porque se trata de uma dissolução sem fase de liquidação e no pressuposto de inexistência de activo.
II – Tendo o Exequente credor demonstrado, por via da presunção registral, o direito de propriedade da Executada e agora extinta sociedade, sobre determinados veículos que assim compunham o activo da sociedade extinta, caberá agora aos sócios (ou a terceiro) provar, nos termos dos artºs 342º nº2 e 350º nº2 CCiv, que os veículos não integravam já o activo social, à data da dissolução.
III – Daí que a sociedade deva ser substituída, na execução, pela generalidade dos sócios, nos termos da norma do artº 162º nº1 CSCom.
Deliberação (artº 202º nº1 CRP):
Na procedência do recurso de apelação interposto, revoga-se o douto despacho recorrido, determinando-se que a execução prossiga os seus regulares termos, devendo a Executada considerar-se substituída pela generalidade dos seus sócios, também executados no processo.
Sem custas.

Porto, 15/12/2020
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença