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ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
LEGITIMIDADE PASSIVA
Sumário
Numa acção de preferência existe um litisconsórcio necessário passivo entre o alienante e o adquirente.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
Na presente acção declarativa constitutiva que HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA aberta por óbito de B………. e mulher C………., representada pelos herdeiros, intentou contra D………., E………. e F………., a Autora peticiona que lhe seja reconhecido o direito de haver para si quatro dias e meio de água proveniente do J………. que a 1ª e 2º Réus venderam ao 3.º Réu, alegando que a herança é comproprietária das referidas águas.
Na contestação apresentada, a Ré D………. alega que ela e a sua filha G………., na qualidade de únicas herdeiras de H………. prometeram vender, pelo preço de 500.000$00, aquela água a I………. .
Foi proferido despacho que julgou partes ilegítimas a 1.ª e 2.º Réus, absolvendo-os da instância.
II.
Recorreu a A., formulando as seguintes conclusões:
1. A acção de preferência deve ser intentada contra comprador e vendedor do direito ou coisa a preferir – existe litisconsórcio passivo necessário;
2. A alteração do art. 1410.º do Código Civil que removeu a parte respeitante à citação dos RR não permite concluir que o vendedor passou, desde essa alteração, a ser parte ilegítima nos autos;
3. Tal mudança prende-se unicamente com a contagem do prazo para depósito do preço;
4. O vendedor que indevidamente violou o direito de preferência, não dando conhecimento da venda deve estar no processo, tendo legitimidade para o mesmo;
5. Pelo contrário seria causa de ilegitimidade se faltasse comprador ou vendedor, em acção de preferência.
Consideram-se violados os art.ºs 26º, 28º do C.P.Civil 1410 º do C. Civil.
Pede a alteração da decisão recorrida.
O Sr. Juiz sustentou tabelarmente a sua decisão.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
III.
Os factos com interesse são os que se deixam relatados, sendo que o despacho em causa foi do seguinte teor:
«A legitimidade processual é uma posição das partes perante o objecto do processo.
Como escreve o Professor M. Teixeira de Sousa (in As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, 1995, págs. 48 e ss.), essa relação “é estabelecida através do interesse da parte perante esse objecto: é esse interesse que relaciona a parte com o objecto para aferição da legitimidade.”
A legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor (cfr. art. 26.º do Cód. Proc. Civil).
Assim, o Réu F……… é parte legítima porque o seu interesse na lide resulta da configuração da relação controvertida tal-qualmente é alegada pela Autora.
Porém, o mesmo não se pode dizer relativamente aos RR. D………. e E………. .
Com efeito, na redacção do artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil, anterior às alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 68/96, de 31/05, o Professor Antunes Varela entendia que também contra o obrigado à preferência a acção deveria ser proposta, com base no argumento literal extraído da parte final daquele normativo, no que se refere ao anterior segmento “citação dos Réus” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol III, 2.ª ed., pág. 378).
Perante a actual redacção do artigo 1410.º, n.º 1, já não faz sentido esta argumentação.
Na verdade, a causa de pedir nas acções de preferência é o incumprimento da obrigação de preferência, isto é, a falta ou insuficiência da comunicação prevista no artigo 416.º, n.º 1, do Código Civil. Por outro lado, o pedido consiste na substituição do preferente na posição jurídica do adquirente, com eficácia “ex tunc”.
Pelo que, atentos os elementos objectivos deste tipo de acções, existe uma total falta de interesse do obrigado na acção de preferência, uma vez que para ele é indiferente a sorte da demanda.
No caso dos autos, os obrigados à preferência são os segundos Réus RR. D………. e E………, pois foram estes que, segundo o alegado pela Autora, venderam ao terceiro Réu as referidas águas».
IV.
A questão suscitada é a da legitimidade passiva dos alienantes na acção de preferência, isto é, saber se existe ou não litisconsórcio necessário passivo entre estes e o adquirente.
Na vigência do Código de Seabra dominou o entendimento de que a legitimidade passiva caberia apenas, em princípio, ao adquirente, na medida em que só assim não seria quando fosse invocada a simulação de preço ou se na acção fosse deduzido pedido cuja procedência pudesse causar prejuízo ao vendedor.
No domínio do actual Código Civil continuou a prevalecer tal orientação [Cfr., entre outros, os acs. do STJ de 20.5.75, 1.2.79, 7.6.79 e 26.11.80, BMJ 247-155, 284-146, 288-307 e 301-433], embora com a oposição de Antunes Varela [ Cfr. RLJ 100-241, 101-385, 105-8, 119-107, 120-22 e 126-336], que sempre pugnou pela tese do litisconsórcio necessário passivo.
Inflectindo a sua orientação tradicional, o Supremo tem vindo a aderir a esta posição doutrinal, essencialmente a partir do acórdão de 14.5.91 [BM 407-498. No mesmo sentido, os acs. do STJ de 24.10.91, de 15.1.92 e de 27.9.94, BMJ 410-719, 413-557 e 439-502], dando relevo à circunstância de ser o alienante o obrigado, pelo art. 416º nº 1 do Cód. Civil, à comunicação ao preferente do projecto de venda, dever cuja violação por ele, está na origem da acção de preferência.
Tal solução é a que melhor corresponde à materialidade da situação jurídica em causa, que é a transferência do direito de propriedade sobre prédios urbanos e rústicos, constituindo uma forma de aquisição derivada (ac. do STJ de 15.1.92).
A venda sem que o vendedor tenha oferecido a preferência aos legítimos sujeitos desse direito torna irrelevante a venda ao primitivo comprador, por padecer de um ilícito da responsabilidade do vendedor. É um caso de substituição compulsiva do comprador na venda efectuada.
Sendo assim, parece que a substituição deve ter em conta a relação jurídica tal qual se constituiu inicialmente para ser judicialmente reformulada, passando a operar a transmissão do vendedor para o preferente em vez de operar a transmissão do vendedor para o primitivo comprador.
O comprador passa a ser outra pessoa, mas o contrato de compra e venda continua a ser o mesmo, apenas com a substituição do comprador. Se assim é, constitui "um verdadeiro absurdo" [Antunes Varela, RLJ 126-369] excluir o vendedor da acção.
Adverte Antunes Varela [Ob. Cit., 370 e 371] que importa ter presente o critério subsidiário dos sujeitos da relação material controvertida, previsto no art. 26º nº 3 do CPC (apesar da alteração introduzida na revisão de 1995).
A acção de preferência envolve três sujeitos: por um lado, o não cumprimento do dever de notificação do projecto de venda imputado ao alienante, que respeita a este e ao preferente; por outro lado, o direito potestativo que a lei atribui ao preferente, caso a violação do dever de notificação do projecto de venda se prove, de se substituir ao adquirente na realização do contrato de alienação. Direito potestativo que interessa, pelo menos, ao preferente e ao adquirente.
Segundo o mesmo Autor [Ob. Cit., 373], a tese contrária constitui uma porta francamente aberta a casos julgados contraditórios, quando o preferente ou o adquirente destronado pretendam mais adiante ressarcir-se dos danos que sofreram com o comportamento ilícito do alienante. Por outro lado, o não chamamento obrigatório do alienante a participar na acção teria como resultado que as custas da acção não sejam pagas por quem verdadeiramente deu causa ao processo, contra o princípio básico da responsabilidade pelo pagamento das custas.
E a quem argumente com a inutilidade aparente da participação do alienante na acção, quando nesta não seja deduzido qualquer pedido autónomo contra ele, pergunta o citado Professor, se será realmente inútil uma participação na acção que tem, logo à cabeça, a vantagem de apresentar a factura das despesas da briga judicial à pessoa que lhe deu causa e ainda a de esclarecer, de uma vez por todas, a actuação do alienante na violação do direito que, ao ser instaurada a acção, se afirma ter sido cometida.
Esta solução foi a adoptada pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, no aditado art. 28ºA, sobre a legitimidade nas acções de preferência, dispondo no nº 3 que as acções de preferência devem ser simultaneamente propostas contra o alienante e o adquirente, sob pena de ilegitimidade.
Esse artigo acabou por ser revogado pelo DL 180/96, de 25 de Setembro.
Mas não por se ter discordado de tal orientação. Segundo se lê no preâmbulo deste diploma "optou-se pela eliminação das regras que solucionavam alguns problemas de legitimidade nas acções de preferência, por se entender que na parte geral do código não deviam ter cabimento previsões casuísticas".
(Reproduzimos, praticamente, quanto a esta questão, o acórdão desta Relação de 11.2.99, proferido na apelação n.º 129/98, tendo sido relator o Des. Pinto de Almeida).
Mas será que, como se defende no despacho agravado, face à alteração do texto do n.º 1 do art. 1410.º do CC, se deve ter um entendimento diverso?
A norma referida estabelece dois requisitos ou condições de eficácia da acção de preferência: a propositura no prazo de seis meses a contar da data em que o autor teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e o depósito do preço devido no prazo aí fixado.
Relativamente a esta última condição é que houve alteração do texto legal, introduzida pelo DL 68/96, de 31.5.
Quando anteriormente se estabelecia que o depósito do preço devia ser feito “nos oito dias seguintes ao despacho que ordene a citação dos réus”, passou a constar “nos 15 dias seguintes à propositura da acção”.
Por conseguinte, o termo inicial para a contagem do prazo deixou de ser o despacho que determina a citação dos RR., até porque agora, normalmente, esse despacho não existe, tendo a citação lugar oficiosamente, passando a ser a data da propositura da acção.
O que possibilita um controlo total do prazo por banda do autor que, anteriormente, tinha de estar atento ao desenvolvimento inicial da lide, dirigindo-se ao tribunal ou contactando a secretaria judicial com o intuito de saber se já tinha sido proferido despacho liminar de citação.
Por conseguinte, a alteração não se destinou a indiciar o que quer que seja relativamente à legitimidade passiva dos alienantes, mas a facilitar a vida ao autor, no que respeita à contagem do prazo para o depósito do preço.
Assim, há que considerar que os alienantes têm legitimidade passiva para a acção.
Face ao exposto, concede-se provimento ao agravo e determina-se a substituição do despacho em crise por outro que considere legítimos os alienantes.
Custas pelos agravados.
Porto, 29 de Junho de 2006
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Fernando Baptista Oliveira