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POSSE
USUCAPIÃO
ACESSÃO
Sumário
I- Só a partilha legalmente feita pode localizar o domínio de cada um dos consortes em bens certos e determinados. II- Um dos casos de inversão do título é o de ter havido partilha de facto que, embora juridicamente irrelevante, faz inverter o título, passando cada herdeiro a ter uma posse exclusiva sobre certa parte determinada da herança. III - Para que se verifique acessão de posse entre transmitente e adquirente, nos termos do art. 1256.0 do CC, é imperativo que o negócio entre ambos constitua título justo, ou seja, que se trate de negócio válido formal e substancialmente.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I- Relatório
B.......... instaurou acção declarativa com processo comum sob a forma sumária contra C..........pedindo a condenação da ré a:
a) Reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado no artigo 1º da p.i.;
b) Reconstruir efectiva e integralmente as paredes danificadas, as portas, a padieira e a estrutura do telhado e respectivas telhas, danos a que se referem os artigos 22º, 23º e 24º da p.i.;
c) Caso contrário, ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 5.000,00, sendo 3.000,00, a titulo de mão de obra para a reconstrução do prédio e € 2.000,00 de materiais de construção.
Fundamentou o pedido alegando, em resumo, que:
É dona do prédio urbano identificado no artigo 1º da p.i., no qual devido, nomeadamente à utilização de dinamite para abertura das valas e de uma máquina giratória, foram causados vários danos no decurso da execução das obra de construção do saneamento da povoação de .........., adjudicada à Ré pelo Município de Mirandela;
Deve consequentemente a Ré proceder á reparação dos danos acusados no prédio da Autora ou pagar a esta a quantia necessária à reparação de tais danos.
Citada a Ré contestou defendendo-se por impugnação, alegando que os danos efectivamente causados pelas aludidas obras consistiram unicamente em duas fendas superficiais numa das paredes e em algumas ripas e telhas do telhado, cuja reparação pretendeu realizar, tendo sido impedida de efectuar a reparação por pessoas que se intitulavam proprietárias do prédio. Concluiu, pugnando pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador, seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória, não tendo havido reclamações.
Instruída a causa procedeu-se a julgamento, constando de folhas 100 a 104 as respostas à matéria da base instrutória que não foram objecto de qualquer reparo.
De seguida foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenado a Ré a: reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio urbano sito na Rua .........., .........., confrontante a Norte com terreno da Igreja, a Sul com caminho público e a Nascente e Poente com terreno público, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 153; a reconstruir efectiva e integralmente as paredes danificadas, a porta, a padieira, a estrutura do telhado e respectivas telhas do identificado prédio da autora.
Inconformada a Ré interpôs o presente recurso de apelação tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:
1. Os factos constantes dos autos não permitem concluir pela condenação da Ré a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio urbano sito na Rua .........., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 153. Por um lado porque a aquisição derivada não se encontra demonstrada nem provada nos autos, atenta a ausência do respectivo documento autêntico – escritura pública. De outra forma, não se encontram reunidos os requisitos necessários que permitam concluir pela aquisição do mesmo por via da aquisição por usucapião, designadamente pelo recurso à figura da acessão da posse, entre Autora e seus imediatos antepossuidores, D.......... e marido E..........;
2. Tendo sido apurado que estes o adquiriram por partilha verbal em 1986 e que a Autora o possui, apenas, durante mais de três anos, não resultou fixado o período de exercício de posse por parte desta. Por via disso e não tendo esta adquirido o prédio por titulo válido, não é legalmente possível concluir pela aquisição da respectiva propriedade, por via da usucapião;
3- Tal aludida propriedade do prédio por parte da Autora nem sequer é indiciada pela certidão da Repartição de Finanças de Mirandela, com data de 9/07/2003 e junta pela Autora aos autos e constante de fls. 31 e 34, já que tal prédio figura como inscrito em nome de F.........., pessoa não apurada;
4- Por outro lado, esta circunstância poderá pressupor a existência de uma outra posse sobre tal prédio, o que sempre poderia implicar uma descontinuidade de posse entre os aludidos D.......... e marido E.......... e a Autora;
5- A douta decisão condenou ainda a Ré “A reconstruir efectiva e integralmente as paredes danificadas, a porta, a padieira, a estrutura do telhado e respectivas telhas do mesmo imóvel”.
6- Porém, não resultou provado – ou sequer aventado – nos autos que tal reparação era materialmente impossível de concretizar pela Ré, ou que a reconstituição do objecto dos danos fosse a única forma de salvaguardar o direito da Autora. Tal condenação viola assim os artigos 562º e 493º n.º 2, do Código Civil, de cuja conjugação resultaria a restauração natural dos danos provocados, mediante mera reparação dos mesmos.
7- Por outro lado, entende-se ainda que nem sequer se encontram apurados os danos que efectivamente foram verificados no aludido prédio urbano. É que se nos pontos 15º e 16º - fls. 109 da sentença – foi dado como provado que a parede voltada a sul cedeu e ficou deformada com uma barriga de cerca de 2 metros de diâmetro e que a parede voltada a Poente cedeu, tendo ficado deslocada, com as pilastras e a porta de acesso em ferro e com a padieira empenadas, por outro lado nos respectivos pontos 18º e 19º deu-se como assente que a Ré provocou duas fendas superficiais, surgidas numa das paredes, e em algumas ripas do telhado.
8- Nos pontos 20º e 21º dos factos assentes – fls. 110 da sentença – foi dado como provado que “Face a tais danos, a Ré prontificou-se a proceder à reparação dos mesmos, tendo deslocado para o local os respectivos empregados e material necessário” e que “ A Ré foi impedida de efectuar tal reparação por G.......... e seu marido”.
9- Porém, não se apurou nos autos quem eram estas pessoas e porque razão e sob que qualidade ou interesse impediram a Ré de efectuar a reparação desejada por esta, circunstâncias que poderiam relevar para os autos, designadamente para efeitos de enquadramento da sua actuação como representantes legais da Autora, o que acarretaria para esta as consequências legais da submissão de tal comportamento na figura da mora do credor;
10- Foram violados os artigos 1287º, 1296º, 1256º, 562º, 493º n.º 2 e 483º, do Código Civil.
Não houve contra-alegações
Corridos os vistos cumpre decidir.
II- Fundamentos
1. De facto
Por não ter sido impugnada a matéria de facto julgada provada pela 1ª instância e não havendo fundamento para a alteração da mesma no quadro da enumeração taxativa do n.º 1 do artigo 712º do C.P.C. têm-se como assentes os seguintes factos:
1. À Ré foi adjudicada pela Câmara Municipal de Mirandela a construção do saneamento básico da povoação de .......... .
2. No decurso da execução dessa obra, a Ré abriu várias valas pelas ruas de tal povoação com a máquina escavadora, com a máquina giratória e utilizando inclusivamente dinamite.
3. No mês de Março de 2002 a Ré executou as citadas obras na Rua ..........
4. O prédio urbano sito na Rua do .........., .........., confrontante a Norte com terreno da Igreja, a Sul com caminho Público e a Nascente e Poente com Terreno Público, encontra-se inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º 153, aí constando como sua titular F.......... - cf. certidão junta a fls. 32.
5. Este prédio encontra-se omisso na Conservatória do Registo Predial desta cidade - cf. certidão junta a fls. 34.
6. A Autora adquiriu o prédio identificado em 4. a D.......... e marido E.......... .
7. Encontrando-se na posse do mesmo há já mais de três anos.
8. Os anteriores proprietários D.......... e E.......... adquiriram o aludido prédio por volta de 1986 na sequência de partilha verbal dos bens de H..........., viúva, e residente em ........... .
9. E desde então até à data em que o transmitiram à Autora sempre o possuíram ininterruptamente e o usaram e fruíram como coisa sua.
10. A Autora, desde a data em que adquiriu o prédio, dele tem cuidado e utilizado.
11. Agindo todos à vista e com conhecimento de toda a gente, sem nunca ter havido oposição de quem quer que fosse.
12. Todos respeitando e reconhecendo a Autora e os seus antepossuidores como legítimos proprietários de tal imóvel.
13. No decurso das obras, para conseguir abrir a vala que passa a cerca de dois metros do prédio aludido em 4. a Ré socorreu-se de dinamite para rebentar a rocha.
14. Com a utilização das velas de dinamite a Ré provocou em tal prédio diversos danos estruturais.
15. A parede do mesmo que se encontra voltada a Sul, junto à rua por onde passa a citada vala, cedeu e ficou deformada com uma barriga de cerca de 2 (dois) metros de diâmetro.
16. E a parede voltada a Poente, onde se encontra a porta de acesso ao rés-do-chão, cedeu, tendo ficado deslocada, com as pilastras e a porta de acesso em ferro e com a padieira empenadas.
17. A Ré danificou com a máquina giratória a estrutura do telhado, na parte Sul/Poente, onde partiu diversas telhas e as traves de madeira que as suportavam.
18. A Ré causou alguns danos num prédio destinado à guarda de palha e produtos agrícolas, sito na Rua .......... .
19. Provocou duas fendas superficiais, surgidas numa das paredes, e em algumas ripas e telhas do telhado.
20. Face a tais danos, a Ré prontificou-se a proceder à reparação dos mesmos, tendo deslocado para o local os respectivos empregados e material necessário.
21. A Ré foi impedida de efectuar tal reparação por G.......... e seu marido.
2. De direito
Defende em primeiro lugar a Ré que não resultou provado o direito de propriedade da Autora sobre o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial.
Para tanto alega que a aquisição derivada não se encontra demonstrada nem provada nos autos, atenta a ausência do respectivo documento autêntico - escritura pública. Por outro lado, não se encontram reunidos os requisitos necessários para se poder concluir pela aquisição por usucapião, designadamente pelo recurso à figura da acessão da posse, entre Autora e seus imediatos antepossuidores, D.......... e marido E........... .
Com interesse para a decisão resultaram provados os seguintes factos:
O prédio urbano sito na Rua ..........., .........., confrontante a Norte com terreno da Igreja, a Sul com caminho Público e a Nascente e Poente com Terreno Público, encontra-se inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º 153, aí constando como sua titular F.........., estando omisso na Conservatória do Registo Predial.
A Autora adquiriu o referido prédio a D.......... e marido E.......... .
Encontrando-se na posse do mesmo há já mais de três anos.
Os anteriores proprietários D.......... e E.......... adquiriram o aludido prédio por volta de 1986 na sequência de partilha verbal dos bens de H........., viúva, e residente em .......... .
E desde então até á data em que o transmitiram à Autora sempre o possuíram ininterruptamente e o usaram e fruíram como coisa sua.
A Autora, desde a data em que adquiriu o prédio, dele tem cuidado e utilizado.
Agindo todos à vista e com conhecimento de toda a gente, sem nunca ter havido oposição de quem quer que fosse.
Todos respeitando e reconhecendo a Autora e os seus antepossuidores como legítimos proprietários de tal imóvel.
A questão que se coloca é de saber se tais factos permitem concluir pela aquisição do referido prédio pela Autora por usucapião. Vejamos:
A usucapião é o instituto por via do qual se adquirem direitos reais, como a propriedade (artigo 1316º do Código Civil, diploma a que pertencem os artigos a seguir indicados sem indicação da sua proveniência). Tal modo de aquisição assenta na posse da coisa, mantida por determinado lapso de tempo (artigo 1287º).
Na definição legal, a “posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art. 1251º) e “mantem-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar” (art. 1257º).
É preenchida por dois elementos: o corpus e o animus. O primeiro corresponde à materialidade (prática de actos); o segundo, à espiritualidade (intenção de agir como titular do direito a que corresponde a actuação).
Porque a prova do “animus”, dado tratar-se de um elemento psicológico, se apresenta a maior parte das vezes difícil, a lei estabelece uma presunção a favor do possuidor –“em caso de dúvida, presume-se a pose naquele que exerce o poder de facto …” – artigo 1252º n.º 2.
Pode chegar-se à situação de possuidor ou pela constituição de uma nova situação de posse ou pela aquisição a terceiro de uma situação de posse já existente. À primeira forma de aquisição chama-se aquisição originária e à segunda, aquisição derivada.
Os modos de aquisição originária da posse são dois: o apossamento e a inversão do titulo (artigo 1263º, alíneas a) e d) e artigo 1265º). E são três os modos de aquisição derivada de posse: a tradição, o constituto possessório e a sucessão mortis causa.
No caso dos autos D.......... e E.......... adquiriram a posse do aludido prédio por volta de 1986 na sequência de partilha verbal dos bens de H.......... O facto da partilha ter sido feita verbalmente, não obsta à aquisição da posse. Não obstante a invalidade formal da partilha, os referidos D.......... e E.......... passaram de facto, a deter materialmente o prédio, actuando como titulares do direito de propriedade sobre o mesmo e na convicção que o mesmo lhes pertencia.
Posse que exerceram de forma pacifica, publica e sem oposição de quem quer que seja, usando e fruindo o prédio como coisa sua, ininterruptamente, desde 1986 até transmitirem o prédio à ora Autora.
Como dispõe o art. 1255.º do CC, «por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa”.
Mas só uma partilha legalmente feita pode localizar o domínio de cada um dos consortes em bens certos e determinados (v. Vaz Serra, RLJ ano 91, p. 181).
A posse em nome próprio só começa a partir da inversão do título. Como refere o Prof. Vaz Serra, ob. cit., pág. 182 «enquanto não houver inversão do título da posse, cada um dos consortes possui por si e pelos outros, não podendo, portanto, adquirir por prescrição bens certos e determinados do património indiviso».
Mas um dos casos de inversão do título (Vaz Serra, ob. e loc. citados) é o de ter havido partilha de facto, que, «embora juridicamente irrelevante» faz inverter o título, «passando cada herdeiro a ter uma posse exclusiva sobre certa parte determinada da herança», sendo, então possível a usucapião.
No caso dos autos, resulta dos factos provados que na sequência de partilha verbal os referidos D.......... e E.......... passaram, de facto, a ter uma posse exclusiva sobre o referido prédio urbano, o que permite concluir pela inversão do título.
Sendo a posse não titulada presume-se de má fé (artigo 1260º, n.º 2, do Código Civil). Mas tendo-se provado que passaram a possuir o prédio, na sequência de partilha verbal, tal facto permite considerar que ao adquirir a posse ignoravam lesar o direito de outrem e, portanto elidida a referida presunção.
Não se provou a data exacta do início da posse, tendo-se dado apenas como assente que se iniciou “por volta de 1986”.
Alega a apelante que adquiriu o prédio aos referidos D.......... e E.......... mais de três anos antes da propositura da presente acção (21-01-2003).
Assim, à data da alegada aquisição pela Autora, ainda que se considere aplicável o prazo de 15 anos (artigo 1296º) os transmitentes ainda não tinham adquirido o prédio por usucapião, por não ter decorrido o referido prazo desde o início da posse em nome próprio. Iniciada a posse em 1986 só no ano de 2001 se completaria o referido prazo de 15 anos, sendo que a Autora alega ter adquirido o prédio em data anterior.
Não resulta claro dos factos alegados nem dos factos assentes, a que título foi adquirido o prédio pela Autora.
Mas a ter adquirido o prédio por compra (como, embora não alegado expressamente, decorre da petição inicial), não celebrada por escritura pública, o negócio é formalmente inválido (artigo 201º do Código Civil).
Pondo-se por isso a questão de saber se a Autora pode, para efeitos de usucapião somar a sua posse à dos antecessores.
Estabelece o n.º 1, do artigo 1256º que aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor.
No caso dos autos a Autora alega ter adquirido o prédio aos antepossuidores, depreendendo-se da sua alegação que invoca aquisição do imóvel por compra, mas não comprova nem alega ter sido celebrada a necessária escritura pública, o que acarreta a nulidade do invocado negócio translativo.
A acessão é a faculdade de, designadamente para efeitos de usucapião, o possuidor juntar à sua posse a do seu antecessor (art. 1256º nº 1 do CC).
Trata-se de duas posses, a anterior e a posterior, que a lei permite ao novo possuidor, se quiser, somar.
Mas para tanto, como defende Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, art. 1256º, Vol. II, pag. 14), “é necessário que haja um verdadeiro acto translativo da posse”, ou seja, “uma verdadeira relação jurídica entre os dois antepossuidores” e “formalmente válida”.
Esta posição consagra a doutrina de Manuel Rodrigues (In “A Posse”, Almedina, Coimbra, 1981, pag. 292), segundo a qual “o título há-de ser real…é preciso que exista de direito, que tenha as condições formais ou substanciais, necessárias para existir. Justus titulus non est titulus invalidus.”
Assim, como se escreveu no Acórdão desta Relação de 5-5-2005 (in www.dgsi.pt) “para que se verifique acessão da posse entre o transmitente e o adquirente, nos termos do art. 1256º do CC, é imperativo que o negócio entre ambos constitua título justo, ou seja, que se trate de negócio válido formal e substancialmente.
Não sendo esse negócio válido, um verdadeiro negócio real, encontrando-se ferido de nulidade, não lhe concede a lei a virtualidade de transmitir força possessória, não podendo o adquirente, fazer-se valer da posse do seu antecessor, aceder à posse deste, mas, quando muito, arrogar-se à sua própria posse”.
A circunstância de a acessão das posses ser uma consequência lógica imediata da transmissão jurídica, real e verdadeira, de uma situação possessória anterior, implica, por sua vez que, quando o sujeito haja sido investido na sua posse com base em negócio inválido possa invocar, nos termos gerais, a sua posse, mas não também a do seu antecessor, por lhe faltar o nexo de válida transmissão que é indispensável à identidade e continuidade das suas posses em causa.
Voltando ao caso dos autos, embora a Autora posa invocar a sua posse sobre o imóvel em causa, por não ter demonstrado que esta lhe tenha sido transmitida por negócio formal e substancialmente válido, não pode fazer-se valer da posse dos seus antecessores. Assim, dado que a sua própria posse dura, com referência, á data em que a acção foi proposta, apenas há mais de três anos, não resulta demonstrada a alegada aquisição do prédio em causa por usucapião.
O que determina a improcedência do pedido de reconhecimento da aquisição pela Autora do direito de propriedade, por usucapião, sobre o aludido prédio urbano.
Mas daí não se segue que deva ser julgado improcedente o pedido de indemnização, através da reconstituição natural, dos danos causados pela Ré no identificado imóvel.
Embora não provada a invocada aquisição do direito de propriedade por usucapião, resulta demonstrada a alegada posse sobre o dito prédio urbano sendo que, na ausência de presunção fundada no registo, a pose confere à Autora a presunção da titularidade do direito de propriedade, presunção essa não elidida.
O que se mostra suficiente para assegurar a legitimidade material da autora para pedir a reparação dos danos causados no aludido prédio.
Sem pôr em causa a obrigação de indemnização a Ré alega que a sentença recorrida a condenou “ a reconstruir efectiva e integralmente as paredes danificadas, a porta, a padieira, a estrutura do telhado e respectivas telhas do mesmo imóvel”, sem ter resultado provado que a reparação era materialmente impossível de concretizar pela Ré, ou que a reconstituição do objecto dos danos fosse a única forma de salvaguardar o direito da Autora. Conclui que tal condenação viola assim os artigos 562º e 493º n.º 2, do Código Civil, de cuja conjugação resultaria a restauração natural dos danos provocados, mediante mera reparação dos mesmos.
Se bem entendemos a alegação da Ré, esta insurge-se contra a condenação “ a reconstruir as paredes danificadas, a estrutura do telhado e respectivas telhas” por entender que a reparação é possível sem necessidade de prévia demolição.
Estabelece o artigo 562º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Consagra, como princípio geral quanto à indemnização, o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano (principio da reposição natural).
Assim, cabe à Ré promover a reparação do imóvel da Autora, repondo o mesmo na situação anterior á prática do facto lesivo.
Não se provou, mas também não resulta afastada a necessidade, de demolir previamente as paredes danificadas, para poderem ser reconstituída a situação material anterior aos danos que resultaram provados, causados pelas obras executadas pela Ré. Mas a parte dispositiva da sentença também não determina a prévia demolição e posterior reconstrução. Manda “reconstruir”, termo sinónimo da expressão “reconstituir” utilizada no citado artigo 562º.
Caberá à Ré proceder às obras necessárias a repor as paredes, a estrutura do telhado, a porta e padieira, na situação anterior aos provados danos, o que quanto à parede voltada a sul, à parede voltada a poente e à estrutura do telhado dificilmente se concebe que possa ser feito sem demolir e reconstruir as referidas paredes e a estrutura do telhado. Mas a sentença não concretizou, nem os autos contem elementos para concretizar os trabalhos que em concreto a Ré terá de realizar para reconstituir a situação anterior aos danos. Caberá à Ré executar todas as obras necessárias a repor o prédio no estado anterior aos provados danos, importem ou não a prévia demolição e posterior reconstrução, sendo esse o sentido dispositivo da sentença, coincidente com o comando do artigo 562º do Código Civil.
Refere ainda a apelante que não se encontram sequer apurados os danos que efectivamente se verificaram no aludido prédio, salientado que há quanto a tais danos divergência entre as respostas dadas aos quesitos 11º e 12º e as respostas aos quesitos 16º e 17º. Embora sem o afirmar expressamente resulta da alegação da apelante que haverá contradição entre as respostas dadas aos referidos quesitos. Contradição que contudo não existe, dado que não resulta das referidas respostas que o prédio apresente apenas os danos a que se referem as respostas dadas aos quesitos 16º e 17º, reconhecidas pela Ré, mas sim que apresenta também os danos a que se referem as respostas dadas aos quesitos 10º, 11º, 12º e 14º.
Como refere a apelante não se apurou a razão que levou os identificados G.......... e marido a impedir a Ré de efectuar a reparação que se prontificou a efectuar, não da totalidade dos danos provados, mas apenas dos danos que ela reconheceu como tendo sido causados pelas obras por ela executadas. Mas não há fundamento para mandar ampliar, nessa parte, a matéria de facto dado que, ao contrário do que agora sugere, não foi sequer alegado pela Ré, que os referidos G.......... e marido tenham agido a mando ou em representação da Autora. Por outro lado, a só agora invocada mora do credor, não excluiria a obrigação da Ré de proceder à reparação. Seria apenas susceptível de fazer a Autora incorrer na indemnização a que se refere o artigo 816º que não foi pedida pela Ré.
Termos em que procedem apenas parcialmente as conclusões da apelante.
III- Decisão
Pelo exposto acordam em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio urbano sito na Rua.........., .........., confrontante a Norte com terreno da Igreja, a Sul com caminho público e a Nascente e Poente com terreno público, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 153, e mantendo-se na restante parte.
Custas pela apelante e pela apelada, na proporção de 2/3 para aquela e 1/3 para esta.
Porto, 5 de Julho de 2006
Alziro Antunes Cardoso
Afonso Henrique Cabral Ferreira
Albino de Lemos Jorge