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CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CONTRATO MISTO
NULIDADE FORMAL
Sumário
I - A falta de prova a um facto/quesito, ou sua resposta negativa, significa tão somente que os factos constantes de tal quesito ou ponto da matéria de facto têm de entender-se como não alegados, sequer. Ou seja, significa apenas e só não se terem provados tais factos controvertidos que foram objecto de prova e já não que se tenha demonstrado/provado os factos contrários. II - Podemos definir o contrato de mediação imobiliária nos seguintes termos: é aquele pelo qual uma empresa de mediação imobiliária assume a incumbência (nalguns casos, assumindo mais que isso: uma obrigação – cfr. contrato com cláusula de exclusividade) de procurar, para os seus clientes, destinatários (interessados) para a efectivação de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta ou arrendamento dos mesmos, ou o trespasse ou cessão de posição em contratos que tenham por objecto bens imóveis, mediante remuneração, esta devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. III - Donde ressalta como características ou elementos inerentes ao contrato de mediação imobiliária (e comuns à noção de mediação): 1. convenção (expressa ou tácita) de mediação; 2. actividade pontual (leia-se ocasional), independente e imparcial de intermediação; 3. onerosidade. IV - Um contrato de mediação imobiliária celebrado por quem não seja “empresa” é um contrato atípico de mediação imobiliária (não sujeito às exigências de licenciamento previstas na Lei nº 15/2013), mas válido por celebrado no âmbito da liberdade contratual (ut artº 405º CCiv), a que se aplica, por analogia, o regime previsto para a mediação imobiliária em tudo quanto tenha a ver com a semelhança em termos de conteúdo. V - Já, porém, se a atividade de mediação for exercida por empresa que não seja de mediação imobiliária, ou se a actividade for exercida por empresa não licenciada ou autorizada, estaremos perante uma actividade exercida em violação do estatuído no artigo 4º, n º 1, da Lei 15/2013, não tornando nulo o contrato ou os contratos de mediação imobiliária celebrados. É que, não sendo a licença um dos requisitos do objecto negocial e, como tal, não sendo a falta de licença para a actividade de mediação imobiliária um aspecto essencial do objecto negocial, essa falta (violação daquele artº 4º) é apenas sancionada como contra-ordenação, pois é essa e apenas essa a sanção que o RJAMI (de forma expressa) prevê (ut artº 32º daquela Lei). VI - Não podendo uma empresa de mediação imobiliária invocar a nulidade do contrato com vício de forma, não poderá beneficiar, por qualquer forma, da invocação dessa nulidade, sob pena de tal situação se poder reconduzir a um abuso na sua invocação, sendo contrária à boa fé, sendo necessário, nesse caso, a afirmação da validade do contrato. VII - Tendo o mediador prestado toda a actividade a que se obrigou e sendo declarada a nulidade do contrato (por vício de forma), a compensação devida à mediadora deve equivaler ao valor da remuneração acordada: afinal, não sendo possível restituir a prestação de facto positiva (“...tudo o que tiver sido prestado”, ut artº 289º/1 CC), o critério para encontrar o valor a restituir deverá ser o da retribuição/comissão que foi acordada pelas partes contratantes, pois parece ser a única quantia que, de forma objectiva, se poderá reconduzir ao conceito de “valor correspondente” (cit. art.). VIII - O contrato misto é um contrato que resulta da fusão de dois ou mais contratos ou de partes de contratos distintos, ou da inclusão num contrato de aspectos próprios de outro ou outros, sendo que esses elementos se agremiam em ordem à realização de função unitária. IX - Porém, em qualquer caso, está-se perante uma fusão e não um simples cúmulo: o contrato misto é um contrato só, não se identificando com a união de contratos. X - Para que se pudesse configurar um contrato misto, as declarações de vontade expressas pelos contraentes deveriam aportar elementos substantivos e materialmente diferenciados de dois ou mais contratos e não só um elemento, que não se reputa essencial para a caracterização de um contrato, como é a forma de pagamento dos serviços prestados.
Texto Integral
Proc. 24401/18.9T8PRT
Relator: Fernando Baptista
Adjuntos: Des. Amaral Ferreira
Des. Deolinda Varão
Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto
B…, Ldª, intentouacção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C…, SA.
Alegou a autora, em suma, que a solicitação da ré lhe prestou serviços de acompanhamento, direcção e fiscalização das obras de construção de um prédio, bem como de assessoria e prestação de apoio na promoção e venda das fracções autónomas desse mesmo prédio e que, em contrapartida, a ré se obrigou a pagar-lhe 5% do valor da venda de cada fracção autónoma quando as promovesse sem intervenção da ré ou de imobiliárias e 2% nas vendas promovidas através de outras agências imobiliárias.
Mais alegou que a ré apenas lhe pagou parcialmente os valores acordados, tendo pago o valor de €15.744,00 referente à venda indirecta das fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “O” e “P” e fez ainda entregas na quantia global de €25.657,25. Terminou a autora pedindo a procedência da acção e, em consequência, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €80.676,25 (oitenta mil seiscentos e setenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos na quantia de €8.645,00 (oito mil e seiscentos e quarenta e cinco euros), bem como nos vincendos até efetivo e integral pagamento.
A ré apresentou-se a contestar, alegando que apenas solicitou ao gerente da autora que promovesse a venda das fracções do prédio, tendo ficado convencionado que a ré pagaria 2% relativamente às vendas das fracções autónomas que lograsse vender. Mais alega que pagou integralmente os serviços prestados, tendo pago o valor global de €41.647,25; que a pretensão da autora se baseia num contrato nulo; que as comissões a serem devidas se encontram prescritas; e que não são devidos os juros de mora peticionados.
A autora veio responder, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição, mais pedindo a condenação da ré como litigante de ma-fé.
A ré, por sua vez, no exercício do respectivo contraditório, veio pugnar pela improcedência do pedido de litigância de má fé deduzido pela autora.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador e ainda o despacho a que alude o art.º 596º, do NCPC.
Após, procedeu-se a julgamento, vindo a final a ser sentenciada a causa nos seguintes termos: “Por todo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, condena-se a ré C…, SA a pagar à autora B…, Ldª a quantia de €80.430,25 (oitenta mil, quatrocentos e trinta euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às transacções comerciais, contados desde 28.08.2017 sobre a quantia de €78.535,50 e desde a citação até integral pagamento sobre a aludida quantia de €80.430,25; absolvendo-a do restante pedido. Julga-se improcedente o pedido de condenação da ré como litigante de má-fé.”.
Inconformada com esta sentença, dela recorreu a Ré C…, SA, apresentando alegações que remata com as seguintes
CONCLUSÕES:
A) A sentença recorrida deu como provada a factualidade constante dos nos 5, 6,
7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 19 da qual resulta, em substância, que:
a. A edificação do imóvel foi adjudicada à Sociedade de D…, SA através do contrato celebrado em 30.09.2010;
b. Por esse contrato a Sociedade de D…, SA obrigou-se a demolir o edifício sito na Rua…, nºs …, … e …, no Porto, e a construir em sua substituição um novo edifício de acordo com o programa de procedimentos de 10.06.2012;
c. O representante da recorrente nessa empreitada era o Engenheiro B…;
d. O preço da empreitada foi de €1.400.000,00 acrescida de IVA, o que incluía a execução de todos os remates e operações de acabamento que determinassem a perfeita e completa conclusão dos trabalhos;
e. A obra foi licenciada por despacho camarário de 19.02.2010, tendo as respetivas taxas sido pagas em 17.09.2020;
f. Executada a obra o prédio foi licenciado pelo alvará de 09.08.2013;
g. O técnico responsável da obra foi E…;
h. A sociedade empreiteira foi declarada insolvente, quando a obra se encontrava praticamente executada, estando concluída em cerca de 95% (1.400.000,00 x 95% = 1.330.000,00) (1.400.000,00 – 1.330.000,00 = 70.000,00);
i. Houve dificuldade em proceder à venda das frações, tendo-se equacionado a dação em pagamento do imóvel ao Banco credor hipotecário; B) A sentença recorrida deu como não provada a factualidade constante das alíneas a) e d), da qual resulta, em substância, que:
a. A C…, aqui recorrente, não contratou a B…, Lda, aqui recorrida, para dirigir a construção e acabamento da parte restante do identificado prédio, ou seja, os 5% que faltavam e que tinham o valor de contrato de €70.000,00;
b. O cheque de €15.990,00 não se destinou a pagar a comissão relativa à venda das frações “A”, “O” e “P”;
C) Mau grado isto e do modo insanavelmente contraditório, a sentença recorrida deu também como provada a factualidade constante dos nºs 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 28, 29 e 30 cuja reapreciação se pede nos termos do artº 640 do CPC;
D) Na verdade, diz-se insanavelmente contraditória porque:
Primeiro
a. Nos artigos 6, 7 e 8 dos Factos Provados deu-se como assente que a Sociedade de D…, SA foi a sociedade empreiteira encarregada da edificação do imóvel, que concluiu em 95%, ou seja, faltavam €70.000,00 do preço para a respetiva conclusão;
b. Nos artigos 7 e 14 dos Factos Provados deu-se como assente que o representante da C…, SA e responsável técnico pela direção e fiscalização da obra foi o Engº E…;
Segundo:
c. Na alínea a) dos Factos Não Provados deu-se como assente que a Ré (C…) não contratou a autora (B…) para fiscalizar e dirigir a conclusão da parte restante do prédio Terceiro
d. Mas, nos artigos 18 e 22 dos Factos Provados, deu-se por assente que:
• “a ré contratou a autora para esta acompanhar os trabalhos de acabamento da parte restante do prédio”;
• “e o gerente da autora acompanhou os trabalhos de conclusão da parte restante do prédio”.
E) Isto é, a sentença recorrida dá como provada não contratação da B… e o seu contrário, ou seja:
a. Dá como provado que a Sociedade de D…, SA e o Engº E… foram o empreiteiro e o responsável da obra e que a C… não contratou a B… para fiscalizar e dirigir a construção e acabamentos da parte restante do prédio;
b. E dá também como provado que a C… contratou a B… para acompanhar os trabalhos de conclusão da parte restante do prédio.
F) Sendo que a resposta a esta insanável contradição consta do documento nº 45 junto com a petição inicial, onde o F…, gerente da recorrida, declara:
“Recordo que em Setembro de 2012, foi o Senhor que me pediu para tratar das vendas do prédio”
G) Confissão que o tribunal a quo ignorou e que confirma a contestação da recorrente, respondendo às duas questões nucleares deste processo, a saber:
a. Que foi contratado pela ré? – o F…;
b. Para que é que ele foi contratado? – para tratar das vendas do prédio;
H) Desta confissão decorre cristalinamente que a ré desconhecia a recorrida, que somente foi utilizada instrumentalmente para emitir os recibos, tendo tão somente solicitado ao F… que ajudasse nas vendas dos andares dadas as dificuldades conhecidas no tempo da Troika – 2012 e 2013;
I) Confissão que é reforçada pelo alegado no artigo 6 da petição inicial, a saber:
“A Ré sabendo das capacidades físicas (sublinhado nosso) e intelectuais do gerente da Autora”;
J) No artº 6 da petição inicial e na alínea G das alegações a recorrida enuncia a causa de pedir que fundamenta esta ação e que se consubstancia no seguinte:
Contratação da B… como encarregado geral;
Acompanhamento, fiscalização e direção da construção;
Acabamento da parte restante do prédio;
Nas áreas de pintura, eletricidade, trolha, pichelaria, taqueiro,
fornecimento de móveis de cozinha;
Limpeza da obra;
Escolha dos bens e materiais de que o prédio necessitava;
Tendo os seus serviços decorridos entre novembro de 2012 a maio de 2017;
K) Competindo, por isso, à recorrida fazer a prova dos factos que sustentam a causa de pedir nos termos do artigo 342 do Código Civil;
L) Alegou a recorrida que a execução dos serviços de encarregado geral, consubstanciados no acompanhamento, fiscalização, direção da construção e acabamento da parte restante do prédio ocorreram entre novembro de 2012 e maio de 2017;
M) Acontece que na sentença recorrida dá-se como provado que:
Nº 16 dos factos provados
“16. Nessa altura, a obra encontrava-se praticamente executada, estando concluída em cerca de 95%. “
Nº 13 idem
“13. Executada a obra, o prédio foi licenciado pelo Alvará de Utilização Nº ALV/621/13/DMU, de 2013-08-09, conforme documento de fls. 153v “
N) Daqui decorre que os putativos serviços da recorrida não foram prestados entre novembro de 2012 e maio de 2017, mas tão só, entre novembro de 2012 e 9 de agosto de 2013, data da conclusão e licenciamento da obra;
O) Acresce ainda que de acordo com as regras do ónus da prova, a recorrida tinha de alegar e provar a seguinte factualidade o que manifestamente não fez:
a. Que trabalhos concretamente acompanhou e com base em que projetos e procedimentos o fez;
b. Quais foram, em concreto, os trabalhos que faltavam acabar para concluir o prédio e que correspondiam aos 5% em falta;
c. Quem foi o pintor, o eletricista, o trolha, o picheleiro e o taqueiro que executou os trabalhos que faltavam executar e que trabalhos foram esses;
d. Que móveis de cozinha foram fornecidos, para que frações autónomas foram fornecidos e quem os forneceu;
e. Quem, quando e como foi feita a limpeza da obra, sendo que o imóvel é constituído por duas caves, rés do chão e seis andares (nº 5 dos factos provados);
f. Que bens e materiais, em concreto, foram escolhidos pela recorrida e de que o acabamento do prédio necessitou;
P) Não fez, nem podia ter feito, dado que a recorrida não tem qualquer competência ou experiência na área da construção civil, pois como está confessado nas suas declarações por F…, não tem alvará de construção civil ou de mediação imobiliária, por isso não os juntou aos autos, nunca construiu qualquer prédio, nem tem trabalhadores ao seu serviço;
Q) Daqui decorre que a recorrente não podia ter contratado a recorrida para o desempenho das funções de encarregado geral, porque ela não tinha qualquer competência ou recursos humanos que permitissem o desempenho dessas funções;
R) Acresce que a recorrente não precisava de contratar um encarregado geral para concluir os restantes 5% do prédio, pois como está provado pelo contrato de empreitada e pelo alvará de licença de utilização:
i. Tinha contratado uma sociedade de construção civil para edificar o imóvel;
ii. Tinha um responsável pela direção e fiscalização da obra Engº E…;
iii. Tinha um responsável de arquitetura o Arqtº G…;
S) Refira-se ainda o carácter inverosímil da alegação da recorrida, ao verificar-se que para concluir a obra seriam necessários 70.000,00 (1.400.000 x 5%), mas só os serviços do encarregado geral ascendiam a 80.676,25;
T) Tudo como é confirmado pelos depoimentos do Engº E… e Arqtº G… transcritos nestas alegações e constantes dos ficheiros:
009-20191209142121_15328353_2871444; e
010-20191209143835_15328353_2871444;
U) A sentença recorrida dá por assente que a recorrente pagou €41.647,25;
V) Sendo que a recorrida peticionou a quantia de €106.335,50, correspondendo €86.450,00 ao montante em débito e €19.889,50 ao respetivo IVA;
W) No artº 25 dos factos provados a sentença recorrida deu por assente que a execução dos trabalhos ocorreu estre novembro de 2012 e maio de 2017;
X) Acontece que em 23 de junho de 2017 por email de F…, isto é, depois de concluídos os trabalhos, declarou que o montante em dívida era de €63.850,00;
Y) Confissão plasmada nos documentos nºs 45 e 50 do E… e no documento nº 51 do advogado da recorrida;
Z) Isto é:
a. Depois de concluídos os trabalhos;
b. Depois de pagos os €41.647,25;
c. O F… e o advogado da recorrida exigiram apenas o pagamento de €63.850,00, acrescido de IVA;
AA) Em face destas confissões, que a sentença recorrida acolhe no nº 25 dos factos provados, não é juridicamente admissível que a recorrida venha pedir o pagamento de 86.450,00, acrescido de IVA, isto é, mais 22.600,00;
BB) E sobretudo que a sentença recorrida condene a recorrente a pagar 80.430,25, ou seja, mais €1.894,75 do que aquilo que a recorrida confessou ser a divida, confissão dada por assente na sentença recorrida;
CC) O que o administrador da recorrente H… pediu ao F… foi que tratasse das vendas do prédio, como este o confessa no email de 23 de junho de 2017, correspondente ao documento nº 45 junto com a petição inicial;
DD) Neste âmbito o que foi convencionado entre os referidos H… e F… é que a recorrente pagaria 2% (dois por cento) relativamente às vendas das frações autónomas do prédio que conseguisse vender;
EE) Frações que estão indicadas no artigo 23 da petição inicial, e cujo valor de venda ascende a 1.538.000,00, pelo que o montante a pagar seria de € 37.834,80 (30.760,00 + 7.074,80);
FF) A sentença recorrida dá como assente no artigo 28 dos factos provados que a recorrente pagou €41.647.25, nada tendo por isso a pagar;
GG) Acresce que a recorrente nada se obrigou a pagar relativamente às frações cuja venda não tivesse a intervenção do F…, sob pena de estarmos perante uma doação e não em face de uma prestação de serviços, pois nenhum resultado tinha sido entregue à recorrente;
HH) Afirma-se na sentença recorrida que o primeiro pagamento, no valor de €4.920,00, foi realizado com base no valor da venda da fração autónoma “D” – venda indireta;
II) Acontece que o primeiro pagamento terá ocorrido até ao dia 20 de junho de 2013, data do recibo nº 3, no montante de 4.920,00.
Contudo a fração “D” somente foi vendida em 27 de março de 2014 e pelo preço de 150.000,00 (Doc nº 20 junto com a petição inicial);
JJ) Como na tese acolhida na sentença recorrida a venda da fração “D” era uma venda indireta, a comissão devida seria de 2%, ou seja, 3.690,00 (3.000,00 + 690,00);
KK) Não se vê assim qualquer relação entre:
c. O pagamento de 4.920,00 efetuado até 20 de junho de 2013;
d. E a comissão de 3.690,00 relativa à fração “D” vendida em 27 de março de 2014;
Caindo assim por terra o argumento acolhido na sentença recorrida:
LL) A sentença recorrida sustenta que o segundo pagamento foi efetuado após a venda da fração autónoma “E”;
MM) Como está provado documentalmente nos autos, a fração “E”:
a. Foi prometida em venda em 1 de julho de 2013, tendo sido pago o sinal de 32.000,00;
b. A escritura de compra e venda desta fração foi efetuada em 13 de fevereiro de 2014;
c. O pagamento de 9.932,25 ocorreu até 27 de setembro de 2013, data do recibo nº 4;
NN) Acontece que entre 1 de julho de 2013 e 13 de fevereiro de 2014 ocorreram pelo menos os seguintes negócios com prova documental junta aos autos:
k. Fração H
Contrato Promessa de 2 de novembro de 2013;
Preço: 160.000,00
Sinal: 30.000,00;
Escritura de 27 de dezembro de 2013;
ii. Fração J
Contrato Promessa de 19 de novembro de 2013;
Preço: 160.000,00 liquidado na escritura;
Escritura de 31 de dezembro de 2013;
iii. Fração M
Contrato Promessa de 19 de novembro de 2013;
Preço: 12.500,00;
Sinal: 6.250,00
Escritura de 31 de dezembro de 2013;
iv. Fração C
Contrato Promessa de 22 de outubro de 2013;
Preço: 170.000,00;
Sinal: 30.000,00;
Escritura de 15 de setembro de 2014
v. Fração L
Contrato Promessa de 22 de outubro de 2013;
Preço: 284.000,00;
Sinal: 28.400,00 + 28.400,00;
Escritura de 15 de setembro de 2014;
OO) Daqui decorre que entre 1 de julho de 2013 e 13 de fevereiro de 2014 – datas dos contratos promessa e de escritura da fração “E”, foram pelo menos outorgados:
Seis contratos promessa;
Celebradas três escrituras públicas;
Recebidas várias quantias a título de sinal e preço.
PP) Não se compreendendo e muito menos se aceitando o que é que o contrato promessa da fração “E” – datado de 1 de julho de 2013 e a escritura – datada de 13 de fevereiro de 2014, têm a ver com o pagamento de 27 de setembro de 2013, tendo o sinal pago sido apenas de 32.000,00;
QQ) Impõe-se, por isso, a reapreciação da matéria de facto pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, requerendo-se que a factualidade impugnada seja respondida nos seguintes termos:
k. Nº 18 dos Factos Provados
“Não Provado”;
b. Nº 19 dos Factos Provados
“Foi acordado que F… tratava da venda do prédio (Doc nº 45 junto aos autos com a petição inicial)”;
c. Nº 20 dos Factos Provados
“Como contrapartida das vendas promovidas sem a intervenção da ré ou de imobiliários, seria paga uma comissão de 2% sobre o valor da venda de cada fração autónoma”;
d. Nº 21 dos Factos Provados
“A ré no rés do chão do prédio tinha instalado um stand para venda das frações autónomas”;
e. Nº 22 dos Factos Provados
“Não Provado”;
f. Nº 23 dos Factos Provados
“Não Provado”;
g. Nº 24 dos Factos Provados
“F… na sequência do acordado promoveu a venda das frações no stand instalado pela ré no rés do chão do imóvel”;
h. Nº 26 dos Factos Provados
“F… promoveu apenas a venda das frações
autónomas “C”; “E”; “H”; “J”; “M”; K”; “L”; “G”; “Z”; “AUTORA”; “AB”; “X”; “Y”; “T”; “U” e “R””;
k. Nº 28 dos Factos Provados
“Para pagamento das comissões das vendas promovidas por F… a ré entregou a quantia de 41.647,25”;
j. Nº 29 dos Factos Provados
“O advogado da autora enviou à ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 18.08.2017 e recepcionada em 20.08.2017, a interpela-la para o pagamento, no prazo de 8 dias, da quantia de €63.850,00, acrescido de IVA à taxa legal, referente a parte das comissões das vendas e prestação de serviços efectuado no aludido prédio urbano, conforme documento de fls. 121 a 121v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido”;
k. Nº 30 dos Factos Provados
“Não tendo obtido resposta, o advogado da autora voltou a enviar pelo menos mais uma missiva à ré, em 14.12.2017, conforme documento de fls. 122 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
RR) Com esta reapreciação da matéria de facto, consistente com a prova produzida, ficará provado que:
k. Quem foi contratado pela recorrente foi o F…;
ii. Que este foi contratado para tratar da venda do prédio;
iii. E que este utilizou instrumentalmente a recorrida apenas para emitir os recibos;
SS) O que determina a revogação da sentença recorrida e a improcedência da ação;
TT) O imóvel ajuizado resulta da demolição do prédio sito na Rua…, nºs …, … e …, no Porto, e da construção, em sua substituição, de um novo edifício, operação imobiliária que se consubstanciou no seguinte:
a. Em 19 de fevereiro de 2010 foi proferido despacho camarário de licenciamento da obra (Doc nº 2 junto com a contestação);
b. Em 27 de setembro de 2010 foram pagas as taxas decorrentes desse licenciamento (Doc nº 3, idem);
c. O Alvará de Obra Nº ALV/487/10/DMU titulou o respetivo licenciamento (Doc nº 5, idem);
d. Em 30 de setembro de 2010 a recorrente celebrou o contrato de empreitada de edificação do prédio com a Sociedade de D…, SA (Doc nº 1, idem);
e. O responsável técnico da obra foi o Engenheiro E…;
f. Quem elaborou o respetivo projeto foi o Arquiteto G…;
g. Em 9 de agosto de 2013 foi emitido o Alvará de Utilização Nº ALV/621/13/DMU, que certifica a conclusão da obra.
UU) Estes factos e evidências documentais são coerentes com a confissão da recorrida e do seu sócio gerente F…, consubstanciada no seguinte:
a. A prestação de serviços teve o seu início em novembro de 2012 – ou seja, cerca de nove meses antes da emissão do alvará de utilização (artº 42 da petição inicial);
b. O F… confessou nas suas declarações de parte, devidamente gravadas, que: “a obra estava concluída em 95%”;
c. Na alínea B) das suas alegações a recorrida confessa que a obra se encontrava praticamente executada na arte de trolha;
d. Na email do F…, correspondente ao documento nº 45 junto com a petição inicial, ele confessa: “Recordo que em Setembro de 2012, foi o Senhor que me pediu para tratar das vendas do prédio”;
VV) Os sobreditos factos e evidências documentais são ainda consistentes:
a. Com o depoimento, devidamente gravado do Engenheiro E… que declarou, além do mais, que:
i. O único responsável pela direção e fiscalização da obra foi ele próprio;
ii. Que em 9 de agosto de 2013 a obra estava integralmente concluída, daí a emissão do Alvará de Utilização;
b. Com o depoimento, devidamente gravado, do Arquiteto G… que declarou desconhecer a recorrida e confirmou que o F… nada teve a ver com o licenciamento e edificação do prédio;
c. Com o facto da recorrida e do F… não terem quaisquer conhecimentos em matéria de construção, designadamente não terem qualquer alvará de construção civil ou alvará de mediação imobiliária;
d. A recorrente não precisava da recorrida, nem do F… para dirigir, acompanhar e fiscalizar a obra porque:
i. Tinha contratado uma sociedade de construção civil para edificar o imóvel;
ii. Tinha um responsável pela direção da obra e sua fiscalização o Engenheiro E…;
iii. E tinha no Arquiteto G… o autor e responsável do respetivo projeto de arquitetura;
WW) Está pois provado que nem a recorrida, nem o F… acompanharam, dirigiram e fiscalizaram a obra de construção da parte restante do prédio, não tendo obviamente feito prova deste factos; XX) Bem ao invés está confessado o oposto pelo F… no documento nº 45 junto com a petição inicial;
YY) Acresce que a recorrente nada contratou com a recorrida porque desconhecia a sua existência, tendo sido apenas utilizada instrumentalmente pelo F… para emitir os recibos;
ZZ) A recorrente também nada contratou com o F… relativamente ao pagamento de uma comissão sobre as vendas que não fossem intermediadas por ele;
AAA) Não o fez, nem o podia fazer, sob pena de estarmos perante uma doação e não uma prestação de serviços;
BBB) O que foi convencionado com o F… foi, tão só (vide documento nº 45 junto com a petição inicial), pagar-lhe 2% (dois por cento) relativamente às vendas das frações autónomas do prédio que conseguisse fazer;
CCC) Vendas que estão indicadas no artigo 23 da petição inicial, cujo valor ascende a 1.538.000,00, ascendendo a respetiva comissão de 2%, com IVA, a 37.834,80;
DDD) Tendo a recorrente pago 41.647,25 como se declara na sentença sob recurso, pelo que nada deve;
EEE) Prova disto é que no artigo 26 da petição inicial alega-se que o valor das comissões ascende a 106.335,50, ou seja, 80.676,25 sem IVA;
FFF) Sendo que nos documentos nºs 45 e 48 o F… confessa que o valor das comissões em divida é de 63.850,00;
GGG) Confissão reiterada nas cartas enviadas à recorrente pelo advogado da recorrida;
HHH) No último segmento de texto do artº 37 da petição inicial a recorrida alega que a comissão lhe é devida pela promoção e venda das frações autónomas, ou seja, pela atividade de mediação imobiliária;
III) Acontece que, de acordo com os artigos 3 e 16 da Lei nº 15/2013, de 8 de fevereiro, a atividade de mediação imobiliária só pode ser exercida em território nacional por empresas de mediação imobiliária e mediante contrato escrito;
JJJ) Ora a recorrida não é uma empresa de mediação imobiliária, o F… não é um angariador imobiliário e o contrato não foi reduzido a escrito;
KKK) Daqui decorre que o pedido formulado pela recorrida é nulo, porque não preenche os requisitos legais de que depende – a existência de uma sociedade de mediação imobiliária e um contrato escrito de mediação imobiliária, pelo que também por força desta nulidade a recorrente nada lhe deve;
LLL) A haver comissões em divida elas seriam devidas ao F…, dado que foi ele que tratou de vender as frações do prédio;
MMM) Sendo que a última compra e venda com intervenção do F… ocorreu em 22 de dezembro de 2015;
NNN) Pelo que as comissões que putativamente seriam devidas encontram-se prescritas por terem decorrido mais de dois anos (artº 317 als b) e c) do Código Civil);
OOO) O contrato de prestação de serviços não foi reduzido a escrito, pelo que nos termos do artigo 1158 nº 2 do Código Civil a retribuição teria de ser fixada de acordo com juízos de equidade;
PPP) Nos quais teriam de ser ponderados:
A recessão económica vivida nos anos de 2012 a 2015, de que é expressão a assistência financeira ao país;
A dificuldade na venda das frações autónomas;
A existência de empréstimos bancários do Banco I…, SA, como o evidencia a certidão do registo predial junta sob o nº 3 com a petição inicial, a cujo serviço de divida a recorrente tinha de ocorrer, chegando a equacionar a dação em pagamento do imóvel;
A inexistência de custos do F…, dado que não dispunha de uma sociedade de mediação imobiliária e utilizava as instalações da recorrente para promover as vendas;
QQQ) Neste contexto o pagamento do montante global de €41.647,25 feito pela recorrente, remunerava adequada e equitativamente os serviços prestados, pelo que nada mais pode ser exigido;
RRR) A recorrida peticiona a título de juros de mora a quantia de €8.645,00, desde 18 de agosto de 2017 até à instauração da presente ação ocorrida em 19 de novembro de 2018;
SSS) Acontece que a obrigação peticionada não tem prazo certo, pelo que a recorrente somente se podia ter constituído em mora após a citação, ocorrida em 24 de fevereiro de 2019;
TTT) Donde até à data da citação a recorrente não é devedora de quaisquer juros, designadamente dos peticionados €8.645,00, porque as cartas do advogado da recorrida, desacompanhadas de qualquer procuração com poderes especiais, não tem virtualidade jurídica para colocar em mora a recorrente;
UUU) Por último a recorrida não indicou a taxa à qual calculou os juros de mora;
VVV) Sendo que feito esse cálculo, tendo por base de incidência o capital de €80.676,25 e o período de 458 dias, que decorre entre 18 de agosto de 2017 e 19 de novembro de 2018, a taxa seria de 8,540%;
WWW) Como a taxa de juros moratórios não foi convencionada por escrito e não há qualquer fundamento legal para a mesma ser fixada em 8.540%, a taxa peticionada carece de fundamento legal e não é por isso exigível;
XXX) A recorrida não fez prova dos factos constitutivos do seu direito;
YYY) Isto porque a recorrida não só não fez essa prova, como ficou provado o alegado pela recorrente, a saber:
a. Que a edificação do prédio foi adjudicada à Sociedade de D…, SA;
b. Que o responsável da obra foi o Sr Engº E…;
c. Que o arquiteto da obra foi o Sr Arqtº G…;
d. Que o F… iniciou a promoção da venda dos andares quando, no dizer do mesmo, o prédio estava concluído em 95%;
e. Que decorridos cerca de nove meses o prédio não só estava concluído como tinha alvará de licença de utilização;
ZZZ) A recorrida não fez prova nem da base de incidência das comissões, nem do seu
percentual;
AAAA) Bem ao invés está provado que a recorrente pagou 41.647,52, o que excede o
valor de 2% sobre o montante das vendas intermediadas pelo F…;
BBBB) Donde a recorrente nada deve seja a que título for;
CCCC) Em conclusão o Tribunal a quo fez um errado julgamento da matéria de facto e
de direito, interpretando e aplicando mal a lei, o que impõe a sua revogação;
Termos em que se requer a V Exas se dignem conceder provimento ao presente recurso de apelação, e, em consequência:
Primeiro: Reapreciar a matéria de facto sindicada neste recurso, alterando-a nos seguintes termos:
k. Nº 18 dos Factos Provados
“Não Provado”;
b. Nº 19 dos Factos Provados
“Foi acordado que F… tratava da venda do prédio
(Doc nº 45 junto aos autos com a petição inicial)”;
c. Nº 20 dos Factos Provados
“Como contrapartida das vendas promovidas sem a intervenção da ré ou de imobiliários, seria paga uma comissão de 2% sobre o valor da venda de cada fração autónoma”;
d. Nº 21 dos Factos Provados
“A ré no rés do chão do prédio tinha instalado um stand para venda das frações autónomas”;
e. Nº 22 dos Factos Provados
“Não Provado”;
f. Nº 23 dos Factos Provados
“Não Provado”;
g. Nº 24 dos Factos Provados
“F… na sequência do acordado promoveu a venda das frações no stand instalado pela ré no rés do chão do imóvel”;
h. Nº 26 dos Factos Provados
“F… promoveu apenas a venda das frações autónomas “C”; “E”; “H”; “J”; “M”; K”; “L”; “G”; “Z”; “AUTORA”; “AB”; “X”; “Y”; “T”; “U” e “R””;
k. Nº 28 dos Factos Provados
“Para pagamento das comissões das vendas promovidas por F… a ré entregou a quantia de 41.647,25”;
j. Nº 29 dos Factos Provados
“O advogado da autora enviou à ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 18.08.2017 e recepcionada em 20.08.2017, a interpela-la para o pagamento, no prazo de 8 dias, da quantia de €63.850,00, acrescido de IVA à taxa legal, referente a parte das comissões das vendas e prestação de serviços efectuado no aludido prédio urbano, conforme documento de fls. 121 a 121v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido”;
k. Nº 30 dos Factos Provados
“Não tendo obtido resposta, o advogado da autora voltou a enviar pelo menos mais uma missiva à ré, em 14.12.2017, conforme documento de fls. 122 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
Segundo: revogar a sentença recorrida, e julgar improcedente, por não provada, a presente ação com as legais consequências.
*
Foram apresentadas conta-alegações, nelas se pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. AS QUESTÕES
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº4 e 639º, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questõessuscitadas no recurso são:
A. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
1.Contradição entre a factualidade provada e a não provada, na medida em que – segundo a Recorrente – se deu como provado que “a Ré contratou a Autora para esta acompanhar os trabalhos de acabamento da arte restante do prédio” e que “o gerente da autora acompanhou os trabalhos de conclusão da parte restante do prédio” – art. 18º e 22º dos factos provados – e “na alínea a) dos Factos Não Provados (ainda segundo a Recorrente), “deu-se como assente, que a Ré (C…) não contratou a autora (B…) para fiscalizar e dirigir a conclusão da parte restante do prédio” (sic).
2. Deve ser reapreciada a matéria de facto, alterando-se as respostas aos factos dados como provados na sentença nos seguintes termos:
a. Nº 18 dos Factos Provados “Não Provado”;
b. Nº 19 dos Factos Provados “Foi acordado que F… tratava da venda do prédio (Doc nº 45 junto aos autos com a petição inicial)”;
c. Nº 20 dos Factos Provados “Como contrapartida das vendas promovidas sem a intervenção da ré ou de imobiliários, seria paga uma comissão de 2% sobre o valor da venda de cada fração autónoma”;
d. Nº 21 dos Factos Provados “A ré no rés do chão do prédio tinha instalado um stand para venda das frações autónomas”;
e. Nº 22 dos Factos Provados “Não Provado”;
f. Nº 23 dos Factos Provados “Não Provado”;
g. Nº 24 dos Factos Provados “F… na sequência do acordado promoveu a venda das frações no stand instalado pela ré no rés do chão do imóvel”;
h. Nº 26 dos Factos Provados “F… promoveu apenas a venda das frações autónomas “C”; “E”; “H”; “J”; “M”; K”; “L”; “G”; “Z”; “AUTORA”; “AB”; “X”; “Y”; “T”; “U” e “R””;
i. Nº 28 dos Factos Provados “Para pagamento das comissões das vendas promovidas por F… a ré entregou a quantia de 41.647,25”;
j. Nº 29 dos Factos Provados “O advogado da autora enviou à ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 18.08.2017 e recepcionada em 20.08.2017, a interpelá-la para o pagamento, no prazo de 8 dias, da quantia de €63.850,00, acrescido de IVA à taxa legal, referente a parte das comissões das vendas e prestação de serviços efectuado no aludido prédio urbano, conforme documento de fls. 121 a 121v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido”;
k. Nº 30 dos Factos Provados “Não tendo obtido resposta, o advogado da autora voltou a enviar pelo menos mais uma missiva à ré, em 14.12.2017, conforme documento de fls. 122 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
B. DA MATÉRIA DE DIREITO
1. Se o pedido formulado pela Autora é nulo por a mesma não ser uma empresa de mediação imobiliária e o contrato não ter sido reduzido a escrito; e se, sendo assim, a Ré nada deve à Autora.
1.1. Do contrato celebrado: de mediação imobiliária, contrato misto ou … simples contrato de prestação de serviços?
1.1.a. Contrato de prestação de serviços
1.1.b. Contrato misto?
1.1.c. Contrato de mediação imobiliária?
1.1.d. Em que ficamos?
Tratando-se de um contrato de prestação e serviços, não tendo o mesmo sido reduzido a escrito, “nos termos do artº 1158º nº2 do Código Civil a retribuição teria de ser fixada de acordo com juízos de equidade”?
2. À data da propositura da acção as peticionadas comissões estavam prescritas, “conforme 317.º alíneas b) e c) do Código Civil”?
3. Os juros de mora peticionados apenas eram devidos desde a citação, porquanto, quer porque a obrigação não tinha prazo certo, quer porque as cartas de interpelação enviadas pelo advogado da recorrida, “desacompanhadas de qualquer procuração com poderes especiais, não têm virtualidade jurídica de colocar em mora a recorrente”?
4. A taxa de juros moratórios peticionada pela Autora “carece de fundamento legal e não é por isso exigível”?
II.2. OS FACTOS
Factos provados:
“Tendo em consideração o acordo das partes, os documentos juntos aos autos, a prova produzida em audiência final e o disposto no art.º 5º, do NCPC”, o tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos, “com interesse à boa decisão da causa”:
1. A autora é uma sociedade por quotas, que se dedica a investimentos imobiliários, construção, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, funcionando também como agência predial, conforme documento de fls. 7v a 8v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Dedica-se ainda à administração de imóveis, comércio, importação e exportação de grande variedade de mercadorias, designadamente automóveis, barcos e camiões, conforme documento de fls. 7v a 8v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Por sua vez, a ré é uma sociedade anónima que se dedica à importação, exportação e comércio de artigos de decoração, arte e outros (produtos regionais), assim como serviços de construção civil e obras públicas, urbanizações, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, conforme documento de fls. 9 a 9v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 2006, a ré adquiriu um prédio sito Rua…, nºs …/…, …, no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 2058 e inscrito na Matriz predial urbana sob o artigo matricial nº 12999, no qual levou a efeito a construção de um edifício, conforme documento de fls. 10 a 18 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. O aludido prédio é composto por duas caves, rés-do-chão, 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º andares, correspondentes às frações autónomas A a Z, AA e AB, conforme documento de fls. 10 a 18 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. A ré contratou a edificação do imóvel com a sociedade de Construções D…, SA, através de contrato celebrado em 30.09.2010, conforme documento de fls. 149 a 151v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Nesse contrato convencionou-se, além do mais, que: a sociedade empreiteira se obrigava a demolir o edifício sito na Rua…, nº …, … e …, no Porto, e a construir em sua substituição um novo edifício de acordo com o programa de procedimentos de 16.06.2012 e a cumprir todas as obrigações que lhe viessem a ser transmitidas pelo representante indicado e autorizado pela ré, na pessoa do Engenheiro E…; tendo o empreiteiro ficado inteiramente responsável pela boa execução, pela qualidade e segurança dos trabalhos (Cláusula 3.5).
8. O preço da empreitada foi de €1.400.000,00 acrescido de IVA, o que incluía a execução de todos os remates e operações de acabamento que determinam a perfeita e completa conclusão dos trabalhos; a limpeza geral da obra após a conclusão de todos os trabalhos e a permanência em obra de um técnico devidamente credenciado, responsável pela execução dos trabalhos.
9. O prazo da execução da obra acordado foi de 18 meses a contar de 18.10.2010, ou seja, 18 de abril de 2012.
10. O licenciamento da obra foi feito por despacho camarário de 19.02.2010, conforme documento de fls. 152 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. As respectivas taxas foram pagas em 27.09.2010, conforme documento de fls.
152v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Tendo a licença de obras de construção sido titulada pelo Alvará de Obras Nº ALV/488/10/DMU, no qual se fixou em 600 dias o prazo para a sua conclusão, conforme documento de fls. 153 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. Executada a obra, o prédio foi licenciado pelo Alvará de Utilização Nº ALV/621/13/DMU, de 2013-08-09, conforme documento de fls. 153v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. Nesse alvará declara-se que o técnico responsável pela direção da obra/fiscalização da obra foi E…, inscrito na Ordem dos Engenheiros Técnicos sob o nº ….
15. A empreiteira contratada pela ré apresentou-se à insolvência e abandonou a obra antes da mesma estar completamente concluída.
16. Nessa altura, a obra encontrava-se praticamente executada, estando concluída em cerca de 95%.
17. A ré equacionou a entrega daquele imóvel à entidade bancária que financiou a obra como dação em pagamento da dívida contraída, dadas as dificuldades em proceder à venda das fracções autónomas.
18. Porém, a dada altura, e com vista a facilitar a venda das aludidas fracções autónomas, a ré contratou a autora para esta acompanhar os trabalhos de acabamento da parte restante do prédio acima indicado, designadamente nas áreas de pintura, eletricidade, trolha, pichelaria, taqueiro, fornecimento de móveis de cozinha e limpeza da obra.
19. Tendo ainda acordado que a autora ficaria incumbida de mostrar a interessados compradores as frações autónomas do prédio acima indicado, bem como promover a venda das mesmas num stand colocado pela ré no dito prédio.
20. Como contrapartida da prestação dos serviços acima referidos, as partes acordaram que nas vendas que a autora promovesse sem intervenção da ré ou de imobiliárias, receberia 5% do valor de venda de cada fracção autónoma e nas vendas promovidas através de outras agências imobiliárias, a autora receberia 2% do valor de venda de cada fracção autónoma.
21. Na sequência do acordo celebrado, a ré colocou um anúncio/placard no local para tal efeito.
22. E o gerente da autora acompanhou os trabalhos de conclusão da parte restante do prédio acima indicado, tendo contactado terceiros para a execução dos trabalhos nas especialidades de pintura, eletricidade, trolha, pichelaria, taqueiro, fornecimento de móveis de cozinha.
23. O gerente da autora abria e fechava as portas do prédio da ré, nomeadamente, aos empreiteiros e subempreiteiros contratados e ao seu pessoal e acompanhava o trabalho de cada trabalhador que entrava em obra, bem como recebia os fornecedores e as mercadorias para a obra.
24. Ainda na sequência do acordado, o gerente da autora atendia os clientes e promovia a venda das fracções que compunham o dito prédio urbano, bem como recebia os agentes imobiliários, aos quais entregava a tabela de preços fornecida pela ré.
25. A execução dos serviços acordados ocorreu entre Novembro de 2012 e Maio de 2017.
26. A venda das fracções autónomas “C”, “E”, “I”, “H”, “J”, “M”, “K”, “L”, “G”, “Z”, “AA”, “AB”, “X”, “Y”, “T”, “U” e “R” foi promovida pela autora, sem a intervenção da ré ou de imobiliárias, tendo as demais sido vendidas sem a intervenção da demandante.
27. A ré procedeu à venda das aludidas fracções autónomas, pelos seguintes valores:
- fracção autónoma designada pela letra “B”, pelo preço de €165.000;
- fracção autónoma designada pela letra “D”, pelo preço de €155.000,00;
- fracção autónoma designada pela letra “F”, pelo preço de €157.500,00;
- fracção autónoma designada pela letra “C”, pelo preço de €170.000,00;
- fracção autónoma designada pela letra “E”, pelo preço de €161.500,00;
- fracção autónoma designada pela letra “I”, pelo preço de €157.500,00;
- fracção autónoma designada pela letra “H”, pelo preço de €160.000,00;
- fracção autónoma designada pela letra “J”, pelo preço de €160.000,00;
- fracção autónoma designada pela letra “M”, pelo preço de €12.500,00;
- fracção autónoma designada pela letra “K”, pelo preço de €144.500,00;
- fracção autónoma designada pela letra “L”, pelo preço de €284.000,00;
- fracção autónoma designada pela letra “G”, pelo preço de €155.000,00;fracções autónomas designadas pelas letras “Z e AA”, pelo preço de €27.500,00;
- fracção autónoma designada pelas letras “AB”, pelo preço de €18.000,00;
- fracção autónoma designada pela letra “X”, pelo preço de €18.000;
- fracção autónoma designada pela letra “Y”, pelo preço de €17.000,00;
- fracção autónoma designada pela letra “T”, pelo preço de €17.500,00;
- fracção autónoma designada pela letra “U”, pelo preço de €17.500,00;
- fracção autónoma designada pela letra “R”, pelo preço de €17.500,00; e
- fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “O” e “P”, pelo preço global de €640.000.
28. Para pagamento dos serviços prestados pela autora, a ré entregou à autora as seguintes quantias:
- a quantia de €4.920,00, em 20.06.2013;
- a quantia de €9.932,25, em 27.09.2013;
- a quantia de €4.305,00, em 24.10.2014;
- a quantia de €2.500,00, em 05.12.2014;
- a quantia de €2.000,00, em 13.02.2015;
- a quantia de €2.000,00, em 24.07.2015; e
- a quantia de €15.990,00, através de cheque, em 26.06.2017.
29. A autora enviou à ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 18.08.2017 e recepcionada em 20.08.2017, a interpelá-la para o pagamento, no prazo de 8 dias, da quantia de €63.850,00, acrescido de IVA à taxa legal, referente a parte das comissões das vendas e prestação de serviços efectuado no aludido prédio urbano, conforme documento de fls. 121 a 121v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
30. Não tendo obtido resposta, a autora voltou a enviar pelo menos mais uma missiva à ré, em 14.12.2017, conforme documento de fls. 122 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Factos Não Provados:
E considerou o tribunal recorrido “não ter resultado provado qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, designadamente”:
a. que a ré contratou a autora para fiscalizar e dirigir a construção e acabamento da parte restante do prédio pertencente à ré;
b. que o cheque no valor de €15.990,00 foi especificamente entregue para pagamento do valor relativo à venda das fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “O” e “P”.
III. O DIREITO
Vejamos, então, as questões suscitadas no recurso.
DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
• Da contradição entre a factualidade provada e a não provada
Sustenta a Recorrente que ocorre contradição entre os factos provados e não provados na medida em que, por um lado, se deu como provado que “a Ré contratou a Autora para esta acompanhar os trabalhos de acabamento da arte restante do prédio” e que “o gerente da autora acompanhou os trabalhos de conclusão da parte restante do prédio” – ut arts. 18º e 22º dos factos provados – e, por outro lado, “na alínea a) dos Factos Não Provados, segundo a Recorrente, “deu-se como assente, que a Ré (C…) não contratou a autora (B…) para fiscalizar e dirigir a conclusão da parte restante do prédio” (sic).
Os sublinhados são nossos.
Não tem qualquer razão a Recorrente, salvo o devido respeito.
Parece evidente que a Recorrente lavra num equívoco ao afirmar que o tribunal a quo deu como provada aquela matéria de facto ínsita na al. a) da factualidade…não provada.
Com efeito, o que o tribunal recorrido disse foi apenas e só que não resultou não provado[1]: c. que a ré contratou a autora para fiscalizar e dirigir a construção e acabamento da parte restante do prédio pertencente à ré; d. que o cheque no valor de €15.990,00 foi especificamente entregue para pagamento do valor relativo à venda das fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “O” e “P”.
Ou seja, não se vê onde na decisão recorrida se escreveu que ficou provado – ou, se quisermos (nas palavras da apelante) que está assente– que a Ré não contratou a B…, aqui recorrida para fiscalizar e dirigir a construção e acabamento da parte restante do prédio.
Dito de outra forma, não se vê onde concluiu o tribunal a quo estar provado o que quer que seja no que tange à factualidade dada …como não provada!
Nem o poderia fazer.
Com efeito, como de há muito se vem entendendo, a falta de prova a um facto/quesito, ou sua resposta negativa, significa tão somente que os factos constantes de tal quesito ou ponto da matéria de facto têm de entender-se como não alegados, sequer[2]
Ou seja, significa apenas e só não se terem provados tais factos controvertidos que foram objecto de prova e já não que se tenha demonstrado/provado os factos contrários[3].
Assim, portanto, desde logo, não é legítimo à Apelante extrair dos factos não provados o que quer que seja que ali não conste – ou seja, qualquer outra conclusão para além de que…não se provaram!
Mas mesmo que assim se não entendesse, nunca se verificaria a apontada contradição.
Efectivamente, parece evidente que não há qualquer sobreposição de significado nas palavras “dirigir e fiscalizar”, por um lado,e (simplesmente) “acompanhar”, por outro. Trata-se de termos e conceitos de todo distintos e com significados bem divergentes.
Uma coisa é “(…) fiscalizar e dirigir a construção e acabamentos da parte restante do prédio”, outra – bem diferente – é, simplesmente,“acompanhar” tais trabalhos, ou seja, ir vendo ou estar a par do que se vai fazendo.
Diga-se, aliás, que a própria alegação da apelante contradiz a existência da pretensa contradição, pois o que sustentou nos autos foi que os trabalhos de fiscalização e direção da obra foram sempre assegurados pelas testemunhas E… (que era o engenheiro responsável pela direção técnica da obra) e G… (o arquitecto responsável pelo projecto de arquitectura do prédio em causa). E sendo assim, não se compreende o sentido da ora suscitada contradição na medida em que o que o tribunal a quo deu como provado foi, apenas e só, que a Autora foi contratada (apenas) para acompanhar os “trabalhos de acabamento”.
Portanto, tendo o tribunal a quo dado como provado apenas que o gerente da Autora acompanhou os trabalhos de conclusão da parte restante do prédio e não a direção e fiscalização da obra que segundo a Ré seria feita pelo Engenheiro Responsável para tal e contratado pela Ré, isto, por si só, já faria cair por terra a suscitada contradição na resposta aos factos supra.
**
Vejamos se devem ser alteradas as respostas aos factos dados como provados na sentença, nos termos pretendidos pela Recorrente.
Como é sabido, impende sobre o recorrente o ónus a que se reporta o art.º 639º do CPC, que é o de, na interposição de qualquer recurso, apresentar a sua alegação, na qual deve concluir, embora de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, a que acresce o ónus previsto no art.º 640º, estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão relativa à matéria de facto.
Portanto, as conclusões (que, diga-se, não são uma reprodução de toda a argumentação desenvolvida na fundamentação do recurso, mas uma síntese dessa argumentação que terá de permitir a identificação clara dos motivos de discordância do recorrente e integrar a formulação do pedido de alteração da decisão recorrida, em conformidade) não podem deixar de sintetizar as razões que estão subjacentes à interposição do recurso, tendo de permitir a identificação clara dos motivos de discordância do recorrente, tanto mais porque são elas que definem o objecto do recurso, conforme resulta do disposto no art.º 635.º, n.º 4, do CPC.
Ora, antes de mais, não pode dizer-se que as conclusões da Recorrente respeitam o estatuído no artº 639º, nº1 do CPC quando prescreve que as mesmas devem indicar de forma sintética os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
Com efeito, o que a apelante denomina de conclusões não o são propriamente, pois são uma quase reprodução do corpo das alegações.
Apenas para não retardar mais o desfecho dos autos não lavramos despacho de convite à sua sintetização, nos termos do artº 639º, nº3 CPC, até porque das mesmas conclusões se percebe quais as questões que pela Apelante são suscitadas.
Quanto ao mais, cremos que a Apelante deu suficiente cumprimento ao disposto no artº 640º do CPC, cumprindo, no essencial, os ónus ali contidos (especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; indicar a decisão (de facto) que, em seu entender, deve ser proferida sobre cada um dos pontos de facto impugnados, ut nº1).
Sendo que estatui, por seu turno, do n.º 2 do mesmo artigo, que: «No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.».
É certo que a Recorrente, no que tange às passagens da gravação (al. a) do nº 2 do artº 639º CPC), quase que não faz menção às mesmas nas conclusões das alegações, limitando-se a uma lacónica indicação dos ficheiros (cfr conclusão T)) – e, diga-se em verdade, pouco mais indicações faz no corpo das alegações.
Não cremos, porém, que aquela deficiência, ou insuficiência, nas conclusões propriamente ditas seja motivo bastante para a rejeição do recurso da matéria de facto, pois seria uma sanção assaz pesada e, a nosso ver, desproporcional e injustificada. Trata-se de um ónus secundário que impende sobre o recorrente, que tem como função apenas facilitar o acesso ao meio de prova.
Com as indicações que a apelante faz nas alegações será fácil a este tribunal de recurso localizar as gravações dos depoimentos ali indicados e, dessa forma, reapreciar a decisão da matéria de facto nos pretendidos termos.
Seguimos, assim, o entendimento sufragado, designadamente, nos Acs. desta Relação, de 08.03.2016 (proc. n.º 46519/13.4YIPRT.P1)[4] e de 07.12.2018 (proc. nº 323/17.0T8VFR.P2)[5].
Atentemos, então, em cada um dos pontos de facto dados como provados e cuja resposta a apelante pretende ver alterada:
• Quanto aos factos provados sob os nºs 18, 22 e 23.
Pretende a Recorrente se responda a todos eles com um “Não Provado”.
Tais factos têm o seguinte teor:
Nº 18:
“Porém, a dada altura, e com vista a facilitar a venda das aludidas fracções autónomas, a ré contratou a autora para esta acompanhar os trabalhos de acabamento da parte restante do prédio acima indicado, designadamente nas áreas de pintura, eletricidade, trolha, pichelaria, taqueiro, fornecimento de móveis de cozinha e limpeza da obra.”.
Nº 22ª
E o gerente da autora acompanhou os trabalhos de conclusão da parte restante do prédio acima indicado, tendo contactado terceiros para a execução dos trabalhos nas especialidades de pintura, eletricidade, trolha, pichelaria, taqueiro, fornecimento de móveis de cozinha.
Nº 23ª
O gerente da autora abria e fechava as portas do prédio da ré, nomeadamente, aos empreiteiros e subempreiteiros contratados e ao seu pessoal e acompanhava o trabalho de cada trabalhador que entrava em obra, bem como recebia os fornecedores e as mercadorias para a obra.
O que, no essencial, aqui a apelante põe em causa é que a Autora tenha sido contratada pela Ré para “acompanhar os trabalhos de acabamento da parte restante do prédio acima indicado”.
Ora, já acima observámos que acompanhar não é a mesma coisa que fiscalizar e dirigir os trabalhos.
Diz a apelante, por um lado, que a prova do contrário deste facto dado como provado resulta dos factos…não provados e, por outro, que se provou que a Ré apenas teve relações, não com a Autora, mas, sim, com o F… (que era o seu legal representante).
Não é isso que ressalta da matéria de facto constante da sentença.
Efectivamente, quanto à prova que a apelante pretende fazer extrair da factualidade dada como… não provada, estamos falados: é nenhuma, pois quanto a essa factualidade apenas fica provado que…nada se provou!
Já quanto à prova de que a Ré contratou a Autora para acompanhar os trabalhos de acabamento da parte restante do prédio, cremos que a mesma é clara e abundante no todo dos depoimentos carreados aos autos.
Desde logo, o depoimento do representante legal da autora, F… –
que nos pareceu sério, claro e absolutamente seguro, genuíno e convincente.
Esta testemunha explicou, de forma peremptória, que o Senhor H…, legal representante da Ré, o contactou e contratou, sim, mas como representante/gerente da Autora B…: que todos os serviços que prestou para a ré foram como representante da Autora.
Explicou a testemunha, com detalhe e clareza, a situação do prédio, o desespero do seu proprietário – seu amigo de longa data (desde por volta do ano de 1095, quando o gerente da Autora era dono da “Confeitaria J…”) – , o qual, vendo-se desesperado, sem dinheiro e com o prédio por acabar (dizia que a firma construtora estava a falir e não sabia o que fazer à sua vida, dizendo mesmo que ia entregar o prédio ao Banco), veio ter com a testemunha a pedir ajuda para poder acabar o prédio (que estava pronto em cerca de 95%), pedindo-lhe que a sua firma fosse para lá prestar serviços. A testemunha aceitou, tendo-lhe o Sr. H… dado carta branca para tratar de tudo: contratar pessoal e dirigir e fazer todo o acompanhamento dos trabalhos aluídos no facto provado sob o nº 18.
Disse a testemunha que o Sr H… lhe dizia que ela foi a sua tábua de salvação.
Mas, repete-se, a testemunha insiste e reinsiste: “contactou com a minha firma…para a minha firma ir para lá prestar serviços, claro”.
E que foi a Autora, representada pelo F… – que tudo dirigia e coordenava – , quem tratou de tudo o respeitante aos trabalhos que faltavam fazer no prédio, mais concretamente de pintura, carpinteiro, electricista e taqueiro, igualmente o disseram as testemunhas que executaram esses serviços (assim, v.g., o K… e o L…).
Bem elucidativo da posição que o legal representante da Autora ali tinha, relativamente aos trabalhos de acompanhamento da parte restante do prédio é a expressão do L…: “…eu pensei sempre que o Sr F… é que era o dono do prédio”. Ideia, diga-se, que, afinal, era quase generalizada nas pessoas que ali prestaram serviços … nessa parte restante do prédio, claro! “Ele fiscalizava. Via se estava bem. Para onde é que íamos. Mandava-nos para aqui. “Isto está mal”. Nós fazíamos mediante as ordens do Sr. F…”, que “estava lá todo o dia. Abria e fechava, inclusive…ele é que tinha as chaves”. Era o Sr. F… que verificava se os trabalhos estavam a ser bem feitos” – diz o L…, acrescentando que o Sr. H… (representante legal a Ré) nunca lhes deu ordens: “era sempre o Sr. F…”, sendo este a única pessoa que dava ordens e fiscalizava a obra (remata).
Assim se mantêm os factos provados sob os nºs 18, 22º e 23º.
• Quanto aos factos provados sob os nºs 19, 20, 21 e 24:
Pretende a Recorrente se responda a tais factos da seguinte forma: - Nº 19: “Foi acordado que F… tratava da venda do prédio (Doc nº 45 junto aos autos com a petição inicial)”; - Nº 20: “Como contrapartida das vendas promovidas sem a intervenção da ré ou de imobiliários, seria paga uma comissão de 2% sobre o valor da venda de cada fração autónoma”; -Nº 21: “A ré no rés do chão do prédio tinha instalado um stand para venda das frações autónomas”.
- Nº 24: “ F… na sequência do acordado promoveu a venda das fracções no stand instalado pela ré no rés-do-chão do imóvel”.
Foi a seguinte a redação dada a tais factos na sentença a quo: 19. Tendo ainda acordado que a autora ficaria incumbida de mostrar a interessados compradores as frações autónomas do prédio acima indicado, bem como promover a venda das mesmas num stand colocado pela ré no dito prédio. 20. Como contrapartida da prestação dos serviços acima referidos, as partes acordaram que nas vendas que a autora promovesse sem intervenção da ré ou de imobiliárias, receberia 5% do valor de venda de cada fracção autónoma e nas vendas promovidas através de outras agências imobiliárias, a autora receberia 2% do valor de venda de cada fracção autónoma. 21. Na sequência do acordo celebrado, a ré colocou um anúncio/placard no local para tal efeito. 24. Ainda na sequência do acordado, o gerente da autora atendia os clientes e promovia a venda das fracções que compunham o dito prédio urbano, bem como recebia os agentes imobiliários, aos quais entregava a tabela de preços fornecida pela ré.
Nada se nos afigura alterar às respostas dadas a tais pontos de facto.
Desde logo, o depoimento do legal representante da Autora é sólido e convincente sobre estes factos, mostrando com clareza o que foi contratado entre a Autora (que representava) e a Ré (o Sr H… – representante legal desta última).
Podemos até começar pelo e-mail (doc. nº 45) enviado pelo representante legal da Autora (F…) ao Representante lega da Ré (H…), a que tanto se “agarra” a Recorrente (cfr. ponto 31 das suas doutas alegações) para defender a sua “tese”, o qual, afinal, só infirma a versão da Recorrente, e que reza assim: “….. Recordo-lhe que a seu expresso pedido trabalhei imenso nesse prédio. Recordo que em Setembro de 2012, foi o Senhor que me pediu para tratar das vendas do prédio. Dediquei-me a tudo isso como se fosse meu, desde tratar das vendas indiretas ou indiretas, muitas vezes abrir a porta às 8 horas da manhã, para os trabalhadores, limpar os andares de esfregona e vassoura e muitas mais coisas. Dei a cara por si a muitos problemas que o Senhor virava as costas. Fiz vendas com valores que nunca esperou fazer, na positiva. Reduziu ao nosso combinado a comissão das vendas, indiretas de 3% para 2% e 5% diretas,…..e eu estou à anos à espera das comissões que o Senhor me garantiu que seriam pagas na venda da loja. …..”. Espero que cumpra com a sua palavra, pois já recebeu um sinal bem grande da loja e pode pagar de imediato todos os valores que me deve (a minha firma)…”.
Quanto ao que levou a Ré a contratar a Autora, quer para acompanhar os trabalhos do prédio, quer para promover a venda das frações, já supra ficou dito.
E percute-se que no que tange à promoção das vendas, tudo foi acordado na mesma altura entre os legais representantes de Autora e Ré.
Tudo é, de facto, cabalmente esclarecido e de forma convincente pelo Sr. F….
Disse que, logo após ter aconselhado o Sr H… para acabar o prédio e depois, sim, vendê-lo, foram acordados os termos e condições de venda das fracções.
Assim, o Sr. H… perguntou ao Sr. F… se tratava de tudo, designadamente pondo lá um gabinete de venda, na loja em baixo, o que foi aceite pelo F…, tendo-se então acordado o que rezam os factos provados nºs 19º e 20º (maxime as comissões a pagar à Autora: 5% nas vendas directas e 2% nas indirectas).
E foi após tudo acordado ou assente que o F… meteu mãos à obra, contratando pessoas das várias especialidades dos trabalhos que faltava executar (pintura, taqueiro, electricista, etc) e começando logo a providenciar pela promoção de venda das fracções.
Em particular quanto à promoção de venda das fracções, a testemunha K… referiu que o F… fazia essa promoção: “e eu via bem que ele tinha lá pessoas, e ele ia com as pessoas…mostrar os andares” (a potenciais interessados na compra dos mesmos). “… Às vezes casais, um homem e uma mulher”.
E também o refere a testemunha L….
Perguntando-lhe a advogada se o Sr. F… levava lá os clientes para ver as frações, responde: “Levava. Pelo meno, uma ou duas vezes cheguei a ver lá clientes que o Sr. F… mostrava os apartamentos.”.
E referiu que havia lá um cartaz publicitário das vendas, não sabendo, porém, precisar o seu conteúdo: “Aliás, o Sr. F… estava lá na secretária dele, também ele é que fazia as vendas, quando iam lá clientes e tudo. Agora eu sei que, recordo-me na montra, acho que tinha lá qualquer coisa. Mas não sei precisar o quê”.
Mas do que não tinha dúvidas é dúvidas que as vendas eram feitas pelo Sr. F…,“Tanto que havia apartamentos dos primeiros, que ele sabia as datas ou que já estava pré-definida a compra, e dizia, …vocês vão começar por aquele que vai ser a Escritura, ou está a negociar-se x apartamento... E nós dávamos sempre prioridades aos que eram vendidos.” – diz a testemunha.
No mesmo diapasão bate o L…, mediador imobiliário.
Assim, relativamente à promoção de venda do prédio em causa, disse que o Sr F… lhe telefonou “para lá ir, para fazer a angariação desse armazém. Na altura que ainda havia dois…..Armazém, Loja. Pronto. E, na altura, creio que havia cerca de dois, três apartamentos ainda para vender. Mas não fiz a angariação. Fiz só da Loja. Do Armazém/Loja. E, ia lá muitas vezes…………, e via que era ele que estava lá a gerir. Era ele que estava a gerir aquilo tudo. Que vendia os apartamentos.”.
E, já agora, ainda relativamente às “funções” legal representante da Autora, aludidas no ponto 18 dos factos provados, atente-se no que diz esta testemunha:
– Advogado: O Senhor disse que o Sr. F… estava lá a gerir aquilo tudo. Para si o que é que era gerir aquilo tudo?
– M…: … Estava a gerir. Geria. Vendia. Ele tratava de chamar as pessoas para fazer obras. Atendia os clientes, …..clientes que apareciam lá, possivelmente interessados na compra de algum apartamento, ou da Loja. E, vi que ele que estava dedicado àquilo. Esteve lá durante muito tempo. (…)
– Advogado: Era ele que estava encarregue do prédio?
– M…: Sim. Sim. Sim. Sim. Sim. Sim. Isso não tenho dúvidas. Não tenho dúvidas. (…) Ele falava-me que, era ele que fazia tudo. Contratava pessoas para fazer os trabalhos lá no prédio, a nível de Taqueiros, Carpinteiros, etc., etc., Trolhas. Que era ele que estava encarregue disso. Que recebia os materiais, estava lá para os receber, quando vinham materiais também. E atendia os Agentes Imobiliários que faziam as angariações também.”.
E relativamente às comissões acordadas com a Autora (com o seu legal representante, Sr. F…), embora a Ré sustente que apenas contratou com ela pagar-lhe comissão por vendas directas e, mesmo aqui, de 2%, tal não apenas foi refutado pelo depoimento do Sr. F…, como também pelo M… (mediador imobiliário).
A Recorrida traz à colação os primeiro e segundo pagamentos feitos à Autora para demonstrar a falta de razão da recorrente.
E com razão, pois os números e a lógica das coisas assim o corroboram.
Parafraseando a Recorrida, veja-se, exemplificativamente, o que se passou relativamente ao segundo pagamento, de €9.932,25: “O gerente da Autora referiu que o segundo pagamento datado de 27/09/2013 referia-se à venda da fração “E” cuja venda foi realizada diretamente pela Autora. Ora este segundo pagamento ocorreu precisamente cerca de dois meses após a celebração do contrato promessa de compra e venda relativo à fração autónoma designada pela letra “E”, cujo valor da venda foi de €161.500, Ora, 5% de €161.500 ⁼ 8.075,00€+IVA (23%) ⁼ €9.932,25. O valor pago pela Ré à Autora corresponde exatamente a 5% do valor da venda e admire-se tratou-se de uma venda direta efetuada pela Autora.
Pergunta-se será pura coincidência? Não saberia a Autora o que estava a pagar e que se comprometeu a pagar? É que 2% sobre o valor €161.500, não coincide “nem de perto nem de longe” com o valor pago pela Ré à Autora…nem sequer se lhe acrescentarmos o IVA!”.
Assim, portanto, parece claro que o acordo entre Autor e Ré foi de que esta pagaria àquela, quer uma percentagem de 5% sobre as vendas diretas, quer a percentagem de 2% sobre as vendas indiretas.
E isso não apenas ressalta à evidência do depoimento do legal representante da Autora e, outrossim, dos números apresentados nos autos, como também se extrai, como já referido, do depoimento da testemunha M… (mediador imobiliário).
Com efeito, sendo-lhe perguntado se tinha conhecimento se o Sr. F… recebia alguma comissão nas vendas, respondeu: “Ele dizia-me que recebia. Até mesmo naquilo que eu angariava. Ele depois…o Sr. F…, que lhe daria uma comissão”. (…).
– Advogado: Portanto, nas vendas que ele fizesse, ele recebia.
– M…: Recebia comissões.
– Advogado:Também recebia nas outras vendas?
– M…:Exatamente.
Assim se mantêm intocadas as respostas contidas nos factos provados nºs 19º, 20º, 21º e 24º.
• Quanto aos factos provados sob os nºs 26º e 28º
Entende a Recorrente que devem ter a seguinte resposta: - Facto nº 26: “F… promoveu apenas a venda das frações autónomas “C”; “E”; “H”; “J”; “M”; K”; “L”; “G”; “Z”; “AUTORA”; “AB”; “X”; “Y”; “T”; “U” e “R””; Facto nº 28: “Para pagamento das comissões das vendas promovidas por F… a ré entregou a quantia de 41.647,25”;
Tais factos provados têm o seguinte teor: 26. A venda das fracções autónomas “C”, “E”, “I”, “H”, “J”, “M”, “K”, “L”, “G”, “Z”, “AA”, “AB”, “X”, “Y”, “T”, “U” e “R” foi promovida pela autora, sem a intervenção da ré ou de imobiliárias, tendo as demais sido vendidas sem a intervenção da demandante. 28. Para pagamento dos serviços prestados pela autora, a ré entregou à autora as seguintes quantias: - a quantia de €4.920,00, em 20.06.2013; - a quantia de €9.932,25, em 27.09.2013; - a quantia de €4.305,00, em 24.10.2014; - a quantia de €2.500,00, em 05.12.2014; - a quantia de €2.000,00, em 13.02.2015; - a quantia de €2.000,00, em 24.07.2015; e - a quantia de €15.990,00, através de cheque, em 26.06.2017.
De novo, não se nos afigura ter a Recorrente qualquer razão.
Quanto às fracções aludidas no provado sob o nº facto 26, a divergência essencial entre Autora e Ré continua a ser a já acima referida: a Autora diz ter sido ela a promotora das aludidas vendas; já a Recorrente, por sua vez, sustenta que quem promoveu as vendas foi, não a Autora, mas, sim, o F….
Esta matéria já foi abordada e respondida acima, aquando da reanálise das respostas aos pontos de facto nºs 19, 20, 21 e 24, donde se concluiu que foi com a Autora que a Ré contratou para proceder à promoção da venda das aludidas frações. E, quer com ou sem intervenção de outras agências imobiliárias, foi acordado que à Autora assistia direito à respectiva comissão, variável conforme as supras referidas situações (5% ou 2%).
E o mesmo se diga relativamente ao facto nº 28: também aqui a divergência continua a estar na pessoa ou entidade que promoveu as vendas, se a Autora (facto provado), se o F… (na versão da Recorrente).
Mas, como visto, resultou amplamente provado que as vendas foram promovidas pela Autora (pessoa colectiva) e não pela pessoa singular, seu legal representante.
Pelo que não vale a pena continuar a bater na “tecla” de que foi o F… o promotor das vendas, quando – percute-se – está à saciedade provado que tal não ocorreu.
Assim, e sem mais, se mantêm os pontos 26 e 28 dos factos considerados na sentença como provados.
• Quanto aos factos provados sob os nºs 29 e 30
Têm o seguinte teor: 28. “A Autora enviou à ré uma carta registada com aviso de recepção, datada de 18.08.2017 e recepcionada em 20.08.2017, a interpelá-la para o pagamento, no prazo de 8 dias, da quantia de €63.850,00, acrescido de IVA à taxa legal, referente a parte das comissões das vendas e prestação de serviços efectuado no aludido prédio urbano, conforme documento de fls. 121 a 121v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido”; 28. “Não tendo obtido resposta, a autora voltou a enviar pelo menos mais uma missiva à ré, em 14.12.2017, conforme documento de fls. 122 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
Pretende a apelante que se substitua a expressão “a autora” pela expressão “o advogado da autora”.
Bom, afigura-se-nos irrelevante, para o mérito da causa, a pretendida modificação: afinal, como se vê das missivas, as mesmas estão subscritas por advogado na qualidade de mandatário da empresa B…, Lda”(precisamente a aqui Autora/Recorrida).
Percutindo-se na sua irrelevância, no entanto, dá-se satisfação à pretensão da Recorrente, pelo que nos aludidos pontos de facto nºs 29 e 30, onde consta “A Autora”, deve ler-se “o advogado da autora” – apenas neste pormenor se modificando a decisão da matéria de facto.
No mais, remete-se para a “Motivação” da decisão da matéria de facto lavrada na decisão a quo, a qual se nos afigura bem elaborada, clara, com o suficiente e desejado sentido crítico, perfeitamente esclarecedora do percurso justificativo das respostas dadas.
** DA MATÉRIA DE DIREITO
1. O pedido formulado pela Autora é nulo por a mesma não ser uma empresa de mediação imobiliária e o contrato não ter sido reduzido a escrito? E, sendo assim, a Ré nada deve à Autora?
Obviamente que se está a partir do princípio de que estamos perante um contrato de mediação imobiliária – o que veremos mais à frente.
Alega a Recorrente que nada contratou com a recorrida e nem, sequer, com o seu representante legal – o F… – , já que apenas a este solicitou que promovesse as fracções autónomas do imóvel.
Mas – diz a Recorrente – mesmo a este representante da Autora não eram devidas quaisquer comissões sobre vendas de fracções autónomas que não fossem por ele intermediadas, apenas lhe sendo devida uma comissão de 2% sobre as vendas em que intermediou, sendo que a tal título lhe pagou €41,647,25, daí que nada mais lhe seja devido.
Os factos provados desmentem, porém, a alegação da Recorrente.
Efectivamente, como visto, provou-se que a Ré contratou a Autora para acompanhar os trabalhos de acabamento da parte restante do prédio, nas diversas artes aludidas no facto 18 e bem assim para promover a venda das fracções, recebendo, em contrapartida, as comissões aludidas supra (5% e 2% - factos provados sob os nºs 19ºe 20º),
acompanhamento de trabalhos e promoção de vendas que, efectivamente, a Autora levou a cabo.
*
Como dito, a primeira questão que neste âmbito suscita a Recorrente é esta: quer porque a Autora não é uma empresa de mediação imobiliária, quer porque o contrato havido entre ambos relativamente à promoção de venda das frações não foi reduzido a escrito, tal contrato seria nulo, daí nada devendo a Recorrente à Autora. Quid juris?
Independentemente da questão de saber se o contrato pode, ou não, ser qualificado de mediação imobiliária, o certo é que, mesmo que o seja, não assiste razão à Recorrente.
O contrato em causa não foi, de facto, celebrado com uma empresa de mediação imobiliária, pois que a Autora o não é.
E quais as consequências sobre o contrato, quando celebrado por quem não tenha essa qualidade – afinal, por quem não está deviamente licenciado para exercer tal actividade (pois não se concede a licença a quem não exerça esse remo de actividade)?
A questão da celebração, ocasional, de um contrato de mediação imobiliária por quem não esteja devidamente licenciado não tem sido objecto de grande trato na doutrina e/ou jurisprudência.
A questão é por nós abordada em “Manual de Mediação Imobiliária”[6], ali se discriminando várias situações: contrato celebrado por mediador que não seja uma empresa; contrato de mediação imobiliária celebrado por empresa que não seja de mediação imobiliária; contrato celebrado por empresa, sim, mas que se não encontra licenciada ou autorizada.
Escrevemos ali[7]:
“Perante a redacção dos artsº 2º/1 (...procura, por parte das empresas...) e 3º (...A atividade de mediação imobiliária só pode ser exercida...por empresas de mediação imobiliária...) da Lei nº 15/2013, a um contrato celebrado por quem não seja.....empresa sempre faltaria um elemento essencial à qualificação do contrato. É que a qualificação do sujeito mediador como empresa é um elemento que conforma o tipo legal neste contrato de mediação imobiliária. Sendo assim, teríamos um contrato atípico de mediação imobiliária (não sujeito às exigências de licenciamento previstas no referido diploma[8]), mas válido por celebrado no âmbito da liberdade contratual (ut artº 405º CCiv), a que se aplicaria, por analogia, o regime previsto para a mediação imobiliária “em tudo quanto tenha a ver com a semelhança em termos de conteúdo”[9].
Quid juris se a atividade de mediação for exercida por empresa que não seja de mediação imobiliária? E se a actividade for exercida por empresa não licenciada ou autorizada?
Ambas às duas questões tem a ver com a necessidade de licença para o exercício dessa mesma actividade. E é a lei que exige a licença, a conceder pelo InCI, para o exercício da actividade de mediação imobiliária por prestador individual ou coletivo estabelecido em território nacional.
Estabelece ainda, o artigo 4º, n º 1, da Lei 15/2013, que o exercício da actividade de mediação imobiliária por prestador individual ou coletivo estabelecido em território nacional depende de licença a conceder pelo InCI[10].
Ou seja, não distingue a lei, para a exigência de licença, se a empresa é ou não de mediação imobiliária. Aliás, como parece óbvio, se a licença é exigida para as empresas que são de mediação imobiliária, por maioria de razão a exige para as que o não são.”.
Portanto (e – repete-se – , partindo do pressuposto que estamos perante contrato de mediação imobiliária), sendo a actividade de mediação em questão exercida por empresa que não é de mediação imobiliária e que (mesmo que o fosse) não se encontra licenciada autorizada para exercer essas actividade, estaríamos perante uma actividade exercida em violação do estatuído no artigo 4º, n º 1, da Lei 15/2013.
Qual a consequência?
Damos a resposta na obra citada[11]:
“XI.1.3. Posição adoptada Exigindo a lei licença válida (artº 4º do RJAMI), estar-se-á perante a falta de um dos requisitos do objecto negocial (se assim se entendesse, o contrato seria nulo - ut artº 280º do CC)? Não o cremos: a licença não é um dos requisitos do objecto negocial. Donde que a falta de licença para a actividade de mediação imobiliária não é um aspecto essencial do objecto negocial[12].
Mas, sendo o artº 4º do RJAMI (regime de acesso) uma norma de natureza imperativa e cominando o artº 294º do CC com a nulidade os negócios “celebrados contra disposição legal de carácter imperativo”, significa que a falta de licença torna o contrato nulo? Não: não torna o contrato nulo, pois que o RJAMI apenas (e de forma expressa) sanciona como contra-ordenação (ut artº 32º) a violação do seu artº 4º[13].”.
Portanto, a questão das consequências de a actividade de mediação imobiliária ser exercida por empresa não licenciada para al actividade não torna nulo o contrato ou os contratos de mediação imobiliária celebrados. Como dito, o RJAMIapenas (e de forma expressa) sanciona como contra-ordenação (ut artº 32º) a violação do seu artº 4º.
**
Questão diferente é atinente às consequências da falta de redução a escrito dum de mediação imobiliária.
De novo, voltamos à obra citada supra[14], onde a questão está ex abundantia tratada.
Actualmente, a forma escrita é obrigatória - requisito ad substantiam (artº 16º/1 do RJAMI)[15].
O artº 16º nº 7 da lei 15/2013 (redacção do DL 102/2017, de 23.08), estabelece que “O incumprimento do disposto nos n º 1, 2, 4 e 6 determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação”.
Como é bom de ver, trata-se de uma nulidadeatípica ou sui generis, à qual não corresponde na íntegra o regime geral previsto no Código Civil, para o negócio jurídico nulo (ut artº 286º CC)[16].
Resulta, portanto, da lei que a ausência da forma legal no contrato determina a sua nulidade e que esta não pode ser invocada pela empresa de mediação.
O mesmo é dizer que, caso estejamos perante contrato de mediação imobiliária, a nulidade do mesmo nunca poderia ser invocada pela Autora.
Mas pergunta-se: não podendo uma empresa mediadora invocar a nulidade do contrato com vício de forma, poderá beneficiar, por qualquer forma, da invocação dessa nulidade?
Obviamente que não poderá ter esse benefício ou aproveitamento, “sob pena de tal situação se poder reconduzir a um abuso na sua invocação, sendo contrária à boa fé, sendo necessário, nesse caso, a afirmação da validade do contrato[17].”[18].
Mais desenvolvidamente, sobre as consequências da (declaração da) nulidade do contrato (por vício de forma) no que tange à remuneração da mediadora, escrevemos na mesma obra[19]:
«As posições divergem:
- Nada deve receber?[20]
- A compensação (utartº 289º CC) deve corresponder ao valor dos serviços efectivamente prestados pelo mediador?[21]
- A compensação deve equivaler ao valor da remuneração acordada?[22] - Posição a seguir: a compensação deve equivaler ao valor da remuneração acordada. Parece-nos que esta última posição é a mais correcta: afinal, não sendo possível restituir a prestação de factopositiva (“...tudo o que tiver sido prestado”), o critério para encontrar o valor a restituir deverá ser o da retribuição/comissão que foi acordada pelas partes contratantes, pois parece ser a única quantia que, de forma objectiva, se poderá reconduzir ao conceito de “valor correspondente” (cit. artº 289º/1).».
Em suma, sempre improcederia a questão suscitada pela Recorrente: é que, caso estivéssemos – como sustenta a Recorrente – perante um contrato de mediação imobiliária, celebrado por uma empresa não licenciada para tal actividade e mesmo que sem submissão à forma legalmente prevista, a remuneração (ou remunerações) acordadas entre as partes contratantes pela venda das frações promovidas sempre seria devida à Autora – obviamente, é claro, desde que se verifiquem os demais requisitos para a sua exigência, maxime o nexo de causalidade entre a actividade da mediadora e o resultado final.
Sobre a questão do nexo de causalidade entre a actividade de mediação e o contrato celebrado a final, remete-se para a obra que vimos seguindo, Manual da Mediação Imobiliária, pp 136 ss.
Como ali observámos, a questão da relação da causalidade que deve intercorrer entre a actividade desenvolvida pelo mediador e a conclusão do negócio é um dos temas mais melindrosos e mais debatidos da teoria da mediação, como bem se compreende, desde logo pelas suas relevantes consequências práticas.
«De facto, por regra e sem prejuízo das excepçõesprevistas na lei, tem sido entendimento generalizado na jurisprudência que o mediador, no contrato de mediação imobiliária, só tem direito à remuneração/comissão convencionada com o comitente/cliente verificados os seguintes pressupostos: - O negócio visado vier[23] a ser concluído/concretizado[24];
- Existência de nexo causal: a celebração do negócio visado deve ser o corolário ou a consequência da actividade do mediador (no âmbito da mediação)[25].».
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1.1. Do contrato celebrado: de mediação imobiliária, contrato misto ou … simples contrato de prestação de serviços?
Afinal, qual o tipo contratual outorgado entre as partes?
A Recorrente sustenta tratar-se de contrato de mediação imobiliária. Não cremos, porém, que a factualidade apurada consubstancie este tipo contratual. Nem, sequer, um contrato misto.
Vejamos.
1.1.a. Contrato de prestação de serviços?
De acordo com o disposto no art. 1154.º do C.C.,contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
O contrato de prestação de serviços tem por objecto o resultado do trabalho e, para chegar a esse resultado, não fica o obrigado sujeito à autoridade e direcção do outro contraente.
Explica-nos Galvão Telles [26] que por contrato de prestação de serviços se promete certo ou certos resultados de uma actividade que tanto pode ser manual como intelectual. O prestador obriga-se à realização de um serviço, que efectuará por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte, como acontece no contrato de trabalho.
Através deste contrato, a actividade prometida é olhada no seu resultado e não em si, como energia laboradora que a outra parte oriente em conformidade com os seus fins.
Daqui logo se vê que se distingue do contrato de mediação imobiliária, pois que o tipo de obrigação assumida é bem diferente: de meios e não de resultado.
Com efeito, embora os dois regimes imediatamente anteriores ao RJAMI (2004 e 1999) descrevam e classifiquem a obrigação típica do mediador imobiliário – independentemente de as partes poderem concretizar as suas obrigações de forma diferente – como obrigação de meios, «agora, estipulando-se um vasto leque de negócios visados pelo contrato de mediação imobiliária (cfr. artº 2º/1[27]), a prestação do mediador passou a ser entendida de forma diferente: tal “actividade de mediação imobiliária “consiste na procura, por parte das empresas, .....de destinatários para a realização de negócios...” (destaque nosso). Obriga-se a diligenciar no sentido de procurar interessado no negócio visado no contrato. Mas ...não se obriga a encontrar mesmo esse interessado que leve a cabo o negócio[28].
A actividade do mediador deixou, assim, de ficar “reduzida” a uma simples obrigação, passando a ter bem maior amplitude, devendo a vinculação contratual do mediador e os seus termos e dimensão ser vista e analisada caso a caso.
«O mediador desenvolverá a actividade pretendida pelo seu cliente no interesse de ambos, sabendo que só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado, celebração que se mantém na disponibilidade deste. A faculdade do mediador tem como contraponto a liberdade do cliente relativamente à celebração do contrato desejado – sem prejuízo de casos especiais, como o contrato com cláusula de exclusividade ou o contrato de leilão, e da proibição do abuso de direito.»[29].
É, assim, bom de ver que por via de regra a obrigação assumida pelo mediador no contrato de mediação imobiliária simples é uma obrigação de meios (diligenciar por encontrar um destinatário). No entanto, no contrato de mediação imobiliária com regime de exclusividade, poderá haver uma maior ou menor vinculação do mediador, conforme o acordado inter partes. E, então, aqui pode encontra-se uma obrigação de meios ou de resultado. Isto mesmo é também sustentado por Ricardo Lucas Ribeiro[30], o qual tendo por base o princípio da liberdade das partes na conformação do conteúdo dos contratos, acaba por concluir que “em princípio as partes podem converter validamente obrigações de resultado em obrigações de meios e obrigações de meios em obrigações de resultado”[31], sem transcenderem os limites impostos pela lei.»[32].
Por outro lado, embora a mediação imobiliária seja uma modalidade do contrato de prestação de serviços, sem regulamentação legal, o certo é que se trata de um contrato atípico, embora nominado, que ultrapassa a mera configuração da prestação de serviços. Sendo certo, embora, que se lhe aplicam as estipulações contratuais das partes(liberdade contratual), depois, por analogia, as disposições relativas a contratos afins e só por último (ou seja, só na falta ou insuficiência das referidas estipulações contratuais ou normas legais – caso de lacunas a preencher) se aplicam, subsidiariamente, as regras do contrato de prestação de serviços[33]e do mandato[34] (sem prejuízo, é claro, da atenção às regras gerais das obrigações)[35]. É que, como dito supra, correspondendo a atribuição do mediador a um dever de prestação, o contrato de mediação é uma modalidade dos contratos de prestação de serviços.
Perante todo o explanado (desde logo, v.g., atendendo ao tipo de obrigação assumida neste tipo contratual: de meios e…não de resultado), parece concluir-se que o contrato celebrado entre Autora e Ré se afasta do tipo contratual da mediação imobiliária – o que abaixo melhor veremos.
1.1.b. Contrato misto?
Pode perguntar-se se o que foi contratualizado inter partes foi, afinal, não um contrato de prestação de serviço tout court, nem um contrato de mediação imobiliária, mas um contrato misto.
Não nos parece.
Denomina-se contrato misto, de acordo com o art. 405.º/2, do C.C. aquele que reúne em si regras de dois ou mais contratos total ou parcialmente típicos, assumindo-se, dessa forma, como um contrato atípico, por não corresponder a nenhum tipo contratual regulado na lei[36].
É um contrato que resulta da fusão de dois ou mais contratos ou de partes de contratos distintos, ou da inclusão num contrato de aspectos próprios de outro ou outros [37].
“Os elementos correspondentes a vários tipos contratuais agremiam-se em ordem à realização de função unitária; ou forma-se um acordo pela conjugação de parte de elementos de diversos contratos típicos; ou em certa espécie contratual insinuam-se ou incrustam-se elementos estranhos.
Tem-se entendido, porém, que, em qualquer caso, se está perante uma fusão e não um simples cúmulo: o contrato misto é um contrato só, não se identificando com a união de contratos[38].
Voltando ao caso sub judice, concorda-se com a sentença: não se está perante um contrato misto, pois não parece que coenvolva elementos típicos de mais de um contrato.
“Com efeito, apenas a forma como a prestação dos serviços deveria ser paga poderia convergir no modelo que é, usualmente, utilizado nos contratos de mediação, por nestes o pagamento de mediação se referenciar ao valor do negócio celebrado pelo cliente e por uma certa e determinada percentagem desse valor.
Porém, este elemento, por si só, não permite concluir para a convenção estabelecida entre as partes uma qualificação diversa de um contrato de prestação de serviços, pois nada impede que num contrato deste tipo as partes convencionem uma forma de pagamento referida ao valor que vier a ser obtido com a conclusão de um negócio, por parte do cliente. Para que se pudesse configurar um contrato misto, as declarações de vontade expressas pelos contraentes deveriam aportar elementos substantivos e materialmente diferenciados de dois ou mais contratos e não só um elemento, que não se reputa essencial para a caracterização de um contrato, como é a forma de pagamento dos serviços prestados”[39].
1.1.c. Contrato de mediação imobiliária?
A mediação imobiliária é um contrato estruturalmente idêntico ao tipo social do contrato de mediação geral. É uma das valências da mediação[40].
É um contrato legalmente típico (cfr. Lei 15/2013, e 8.2), a que se aplica a seguinte regulamentação: 1º - O diploma específico que o prevê (Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, enquanto legislação especial – cfr. artº 16º); 2º - O que ressalta dasestipulações contratuais das partes(liberdade contratual); 3º - À falta ou insuficiência das referidas estipulações contratuais ou normas legais, aplicam-se, subsidiariamente, as regras do contrato de prestação de serviços - a que são extensíveis as disposições sobre o mandato,....com as necessárias adaptações (artº 1156º CCiv)[41], [42] (sem prejuízo, é claro, da atenção às regras gerais das obrigações). Desta regulamentação aplicável logo ressalta estar-se perante um modelo contratual que extravasa da mera prestação de serviços.
Podemos definir o contrato de mediação imobiliária nos seguintes termos: é aquele pelo qual uma empresa de mediação imobiliária assume a incumbência (nalguns casos, assumindo mais que isso: uma obrigação – cfr. contrato com cláusula de exclusividade[43]) de procurar, para os seus clientes, destinatários (interessados) para a efectivação de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta ou arrendamento dos mesmos, ou o trespasse ou cessão de posição em contratos que tenham por objecto bens imóveis, mediante remuneração, esta devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação[44].
Daqui ressalta como características ou elementos inerentes ao contrato de mediação imobiliária (e comuns à noção de mediação):1. convenção (expressa ou tácita) de mediação; 2. actividadepontual (leia-se ocasional[45]), independente[46] e imparcial de intermediação; 3. onerosidade.
No caso dos autos faltariam, desde logo, os pressupostos da independência e imparcialidade – com especial pendor para o primeiro.
Não cremos, de facto, que os factos provados permitam concluir estar-se perante um mero contrato de mediação imobiliária.
1.1.d. Em que ficamos?
Dúvidas não parece haver de que para além da incumbência da promoção de venda das fracções, o que foi contratado entre Autora e ré foi algo bem mais amplo, abrangendo o acompanhamento da parte restante do prédio, designadamente nas áreas de pintura, eletricidade, trolha, pichelaria, taqueiro, fornecimento de móveis de cozinha e limpeza da obra. E é claro que nestes aspectos do contratado, não vemos que a Autora tivesse a “liberdade” de contratar como bem entendesse, aos preços que entendesse, sem dar satisfação ao dono da obra, a Ré.
Assim, portanto, embora a remuneração acordada fosse de acordo com o produto da venda das frações autónomas do prédio da Ré e a remuneração seja um dos elementos caracterizadores de um contrato de mediação imobiliária, tal não pode considerar-se o “verdadeiro” elemento definidor da relação contratual celebrada, sendo também certo que, como vimos, de forma alguma pode dizer-se que a Autora tenha actuado apenas como mediadora na venda das fracções.
De facto, o acordado entre as partes integrava-se na figura da prestação de serviços[47], sim, mas com um objecto ou âmbito que extravasava em muito a mera promoção da venda das frações, antes se consubstanciando em contratar terceiros para a execução dos trabalhos de acabamento da obra no prédio mormente de Pintura, Pichelaria, Carpintaria, Eletricidade, Trolha, Taqueiro, fornecimento de móveis para as cozinhas, “tendo inclusive o gerente da Autora chegado a realizar limpezas da obra, abrir e fechar as portas do prédio da ré, nomeadamente, aos empreiteiros e subempreiteiros contratados e ao seu pessoal, acompanhava o trabalho de cada trabalhador que entrava em obra, bem como recebia os fornecedores e as mercadorias para a obra, atendia os clientes e promovia a venda das frações que compunham o dito prédio urbano, bem como recebia os agentes imobiliários”[48].
Como pertinentemente observa a Recorrida, “Um mediador imobiliário não contrata Trolhas, Taqueiros, Picheleiros, carpinteiros, etc., não dá ordens a estes trabalhadores, não acompanha o trabalho destes trabalhadores, não procede à limpeza dos prédios, não recebe fornecedores a não abre a porta aos outros agentes imobiliários concorrentes a si próprio….”. Um contrato típico de mediação imobiliária é, como vimos supra, algo bem diferente. Apenas a forma como a prestação de serviços devia ser paga pode convergir no modelo que usualmente é utilizado nos contratos de mediação imobiliária. No entanto, este elemento por si só não permite, obviamente, concluir que estamos perante um contrato típico de mediação imobiliária.
Mas, como dito supra, mesmo que se considerasse ter sido celebrado um contrato de mediação imobiliária sem a forma legalmente estipulada, as comissões acordadas sempre seriam devidas, pois, afinal, as vendas das fracções foram concretizadas por via da actividade mediadora da Autora (verificando-se, assim, o aludido nexo causal).
Em suma: temos um contrato de prestação de serviço, com o objecto definido supra, o qual para ser válido não carece de qualquer forma solene.
Assim improcede a questão suscitada.
1. Tratando-se de um contrato de prestação e serviços, não tendo o mesmo sido reduzido a escrito, “nos termos do artº 1158º nº2 do Código Civil a retribuição teria de ser fixada de acordo com juízos de equidade”?
Não tem razão a Recorrente, salvo melhor opinião.
É certo que o artº 1156º do CC manda aplicar ao contrato de prestação de serviço as disposições sobre o mandato, nos termos ali melhor explicitados. E entre elas, está, portanto, o citado art 1158º, nº2.
Acontece que a Recorrente não terá lido com a devida atenção o que reza o nº 1, quando dispõe que a medida da retribuição, sendo o mandato oneroso, só é determinada nos termos previsto na segunda parte desse normativo, “não havendo ajuste entre as partes.”.
Ora, esse “ajuste” teve lugar e está claramente expresso e clarificado no facto 20 dos provados: “Como contrapartida da prestação dos serviços acima referidos, as partes acordaram que nas vendas que a autora promovesse sem intervenção da ré ou de imobiliárias, receberia 5% do valor de venda de cada fracção autónoma e nas vendas promovidas através de outras agências imobiliárias, a autora receberia 2% do valor de venda de cada fracção autónoma.”.
Foi essa a retribuição acordada e é essa que a Autora vem peticionar.
Sem mais delongas, assim improcede esta questão.
2. À data da propositura da acção as peticionadas comissões estavam prescritas, “conforme 317.º alíneas b) e c) do Código Civil”?
Não ocorreu a alegada prescrição.
Não se verifica o requisito previsto na parte final da al. b), do citado preceito legal, visto que a autora e a ré são sociedades comerciais e os serviços prestados à ré foram-no no âmbito do exercício da respectiva actividade comercial.
E igualmente se não verifica o requisito previsto na parte final da al. b), do mesmo preceito legal, pois que não estamos perante créditos resultantes da prestação de serviços no exercício de uma profissão liberal.
Sempre se diga, por outro lado, que a Recorrente jamais poderia beneficiar da presunção presuntiva invocada, atenta a posição que teve nos presentes autos.
E a explicação vem correctamente plasmada na sentença recorrida, pelo que nos limitamos a aqui transcrever o respectivo excerto.
Como aí se refere, “contrariamente ao que acontece nas verdadeiras prescrições, a lei admite, ainda que de forma limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante prova da dívida.
O art.º 313º, nº 1, do CC estabelece que: “a presunção do cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão”; acrescentando depois o nº 2 que “a confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito”.
Porém, o art.º 314º do CC alarga o âmbito da confissão e permite a confissão tácita ao estabelecer que: “Considera-se confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.”
Ora, assentando a prescrição de curto prazo na presunção do cumprimento, não poderá a mesma aproveitar a quem tenha em juízo uma actuação oposta ao cumprimento.
Como neste sentido escreve Sousa Ribeiro – cfr. “Prescrição Presuntiva: sua compatibilidade com a não impugnação dos factos articulados pelo autor”, in Revista de Direito e Economia”, ano V, nº 2,p. 393 - “constituindo uma mera presunção de pagamento, ela não poderá aproveitar a quem tenha uma actuação em juízo que logicamente o exclua. Quando alega a prescrição e simultaneamente pratica um acto inconciliável com o seu pressuposto fundante, o devedor está a contradizer-se a si próprio, pois ao mesmo tempo que pretende ver reconhecida a extinção do vínculo, com base num presumível cumprimento, não deixa de admitir que ele ainda não se efectuou”.
É o caso, por exemplo, entre outros, da negação da existência da dívida, da discussão do seu montante ou da alegação de pagamento de quantia inferior à reclamada, atribuindo-lhe o efeito de liquidação total do crédito.
Prosseguindo, dir-se-á que as prescrições presuntivas, funcionando como presunções de cumprimento, produzem a inversão do ónus da prova, de tal forma que o devedor fica liberto desse encargo, tendo, porém, o credor a possibilidade de elidir tal presunção, provando o não cumprimento.
Contudo, o credor só poderá elidir essa presunção, através de um acto confessório do próprio devedor, conforme resulta dos já citados art.ºs 313º e 314º do CC, sucedendo que essa confissão tanto pode ocorrer por via judicial, como extrajudicial. Confissão judicial que será tácita quando o devedor pratica em juízo actos incompatíveis com a presunção do cumprimento.
Compreende-se, deste modo, que o devedor para poder beneficiar da prescrição presuntiva de dois anos que invoca não deve negar os factos constitutivos do direito do credor já que, ao fazê-lo, irá alegar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento.
Sobre o devedor recai, assim, o ónus de alegar expressamente que já pagou a dívida aqui em questão, ao contrário do que acontece na prescrição ordinária em que aí, sim, pode confessar que não pagou e concomitantemente opor a prescrição. Cfr., por ex., ac. RP de 3.02.2004, p. 0326591, ac. RP de 8.11.2007, p. 0735486 e ac.RP de 19.2.2008, p. 0726136, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Ora, da leitura da contestação, constata-se que a ré veio dizer que o valor devido pelos serviços prestados era inferior ao peticionado já se encontrando totalmente liquidado. O que significa que a ré negou a existência da dívida tal como a autora a reclamou nos autos.
Sucede que, como já se assinalou, a ré para se poder socorrer da prescrição presuntiva que invocou, impunha-se que não negasse os factos constitutivos do direito do credor e que simultaneamente alegasse, de forma expressa, o pagamento da dívida peticionada.
Como tal não foi feito, terá que se concluir que a ré apresentou defesa incompatível com a presunção de cumprimento, o que levará a que esta, também por esta via, não possa beneficiar da incidência da prescrição presuntiva.
Consequentemente, não operará no caso em apreço a prescrição presuntiva alegada pela ré na sua contestação.”.
Assim, sem mais, improcede esta questão.
4. Os juros de mora peticionados apenas eram devidos desde a citação, porque a obrigação não tinha prazo certo e as cartas de interpelação enviadas pelo advogado da recorrida, “desacompanhadas de qualquer procuração com poderes especiais, não têm virtualidade jurídica de colocar em mora a recorrente”?
É certo que a obrigação de pagamento não tinha prazo certo, por tal não ter sido fixado entre as partes.
Mas a interpelação extrajudicial, feita pela Autora para o pagamento de € 68.850,00, acrescido de IVA à taxa legal, no prazo de 8 dias, é perfeitamente válida, sendo certo que tal interpelação foi enviada em 18.08.2017 e recepcionada pela ré em 20.08.2017.
Daqui que acresçam juros moratórios nos termos plasmados na sentença.
Obviamente que a alegação de que as cartas de interpelação enviadas pelo advogado da recorrida, “desacompanhadas de qualquer procuração com poderes especiais, não têm virtualidade jurídica de colocar em mora a recorrente”, não faz qualquer sentido: a Ré recebeu-as, sabendo (e aceitando) que eram oriundas da Autora, teve pleno conhecimento do seu teor, tomou sobre elas posição.
Daqui que se concorde com a Recorrida: “a questão da falta de interpelação só porque a missiva enviada pelo Mandatário da Autora não leva junto uma simples procuração, parece-nos claramente uma não questão”.
5. A taxa de juros moratórios peticionada pela Autora “carece de fundamento legal e não é por isso exigível”?
Não se vê onde está o problema: o que importa não é saber qual a taxa peticionada, mas, sim, se a taxa fixada na decisão recorrida está em conformidade com a lei.
E está.
Ora, como (e bem) se escreveu na sentença, “tratando-se de juros de que é titular uma empresa comercial, estes juros devem ser calculados às taxas previstas na Portaria nº 277/2013, de 26.08 (em conjugação com os avisos publicados semestralmente pela Direcção-Geral do Tesouro), por força do disposto no art.º 102º, § 3º, do CComercial.
Por isso, a decisão final proferida foi de condenação da Ré a pagar à Autora a quantia ali arbitrada a título de capital “acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às transacções comerciais, contados desde 28.08.2017 sobre a quantia de € 78.535,50 e desde a citação até integral pagamento sobre a aludida quantia de € 80.430,25; absolvendo-a do restante pedido.”.
Nada a censurar.
Improcede também esta questão – assim claudicando todas as conclusões das doutas alegações de recurso.
IV. DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 14 de janeiro de 2021
Fernando Baptista
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
______________ [1] O sublinhado é nosso. [2] Cfr. v.g., Ac. Rel. Porto de 14.04.94, Col. Jur 1994-II-213 e Jur. e Doutrina ali referidas. [3] Acs. STJ de 8.2.66, 28.5.68,30.10.70,11.6.71,23.6.73,5.6.73,23.10.73,4.6.74, in Bol. M.J., respectivamente,154-304,177-260,200-254,208-159,218-239,228-195,228-239 e 238-211). [4] «(…). II - A falta da exata indicação das passagens da gravação do depoimento que fundamenta a impugnação da matéria de facto constitui um ónus secundário que impende sobre o recorrente, que tem como função apenas facilitar o acesso ao meio de prova. III - Por essa razão, não se pode aplicar a sanção da rejeição imediata do recurso nessa parte, cominada para a inobservância do ónus primário estabelecido no artigo 640.º, n.º 1, CPC (indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os meios de prova que imponham decisão diversa e a decisão que deve ser proferida), cuja função é a delimitação do objeto do recurso. IV - Caso a omissão da exata indicação das passagens da gravação dificulte excessivamente a localização dos excertos relevantes deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento.». [5] «No que respeita ao ónus de indicação exata das passagens da gravação que suporta a pretensão do impugnante da decisão da matéria de facto, na senda dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Martins de Sousa, no processo n.º 522/03.0JTCFUN.L1 e de 04 de Julho de 2013, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Moreira Alves, no processo n.º 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1, ambos acessíveis no site da DGSI, entendemos que a omissão da indicação detalhada ao minuto e ao segundo das passagens em que se estriba a impugnação não obsta ao conhecimento da impugnação da matéria de facto, bastando para tanto a indicação dos depoimentos em causa, bem como da identificação de quem os prestou, tanto mais que o tribunal ad quem, no exercício da sua tarefa de reapreciação da decisão da matéria de facto deve procurar formar a sua própria convicção, exercendo, para tanto, os poderes oficiosos que lhe são conferidos (veja-se o artigo 640º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil). [6] Almedina, 2019, pp 62-63 e 319. [7] PP 62-63. [8] Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 05/11/1974, BMJ 241, pp.265-9. [9] Neste sentido, PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, pp 155 (na circunstância, a propósito de contrato de locação financeira em que nenhuma das partes é uma sociedade de locação financeira) e HIGINA ORVALHO CASTELO, O Contrato de Mediação, pp 383-385. [10] Os procedimentos administrativos relativos ao licenciamento, ao registo e ao controlo da validade do título detido pelas empresas que se dediquem ao exercício da atividade de mediação imobiliária encontram-se previstos no Regulamento 16/2014, do InCI, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 15 de janeiro de 2014. [11] FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, Manual de Mediação Imobiliária, Almedina, 2019, pp 318-319. [12] Tal falta de licença só produzirá a nulidade do contrato se estiver nos domínios em que a lei de forma expressa comina essa sanção (v.g., conteúdo do contrato, forma..). [13] De acordo com o disposto no nº 1 do artº 4º da Lei nº 15/2013, de 08.02, “.....o exercício da actividade de mediação imobiliária por prestador individual ou coletivo estabelecido em território nacional depende de licença a conceder peio InCI” (Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P). Em conformidade com o preceituado no artº 32º, nº 1, alínea a), a violação desse comando legal faz incorrer o infractor numa coima, sendo competente para o procedimento contraordenacional CI (artº 33º/1/b)). Ora, conforme resulta da concatenação das duas normas, a falta de licença para o exercício da actividade de mediação imobiliária é pertinente, em exclusivo, à relação entre a empresa que se dedica à actividade e a Administração Pública, não tendo qualquer repercussão jurídica sobre o objecto do contrato de mediação celebrado com o cliente. Para tanto, como dito, não comina a lei com a nulidade a falta da licença, antes lhe fazendo corresponder a prática de um ilícito de mera ordenação social. Aliás, conforme resulta do artº 294º do Código Civil, nem todas as violações de lei imperativa são cominadas com a nulidade do negócio, impondo-se determinar, na falta de estatuição legal e em cada caso concreto, se a norma violada se dirige contra o conteúdo do negócio jurídico ou se visa outra finalidade (neste sentido, citando os ensinamentos de Heinrich Hörster e Manuel de Andrade sobre o artº 294º, cfr. Acórdão do TribunaI da Relação do Porto de 20 de Setembro de 2001, Relatado LEONEL SERÔDIO).A jurisprudência em que se formou essa corrente tem o seu marco no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1997 (in CJ-STJ, I, pág. 58) e evoluiu através de outros arestos, como é o caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Janeiro de 2007, relatado por AZADINHO LOUREIRO, inwww.dgsi.pt). Assim se conclui, pois, na senda desse entendimento, que a falta de licença para o exercício da actividade mediadora, quer à data da celebração do contrato de mediação imobiliária, quer aquando do seu cumprimento, não é causa de nulidade do mesmo negócio jurídico. [14] FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, Manual da Mediação Imobiliária, Almedina, 2019. [15] Carácter formal esse que visa, sobretudo, a protecção do incumbente. A lei actualmente vigente regula o contrato com pormenor e na perspectiva da protecção do incumbente – mais a mais se o contrato de mediação estiver sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais – as condições de remuneração, as modalidades do pagamento, a inscrição no contrato do valor do IVA e, sobretudo, impondo a forma escrita sob pena de nulidade como decorre dos arts. 16º, nº2, c) e nº5. A imposição de forma solene – formalidade ad substantiam – seguiu a linha dos precedentes diplomas que antecederam a Lei nº 15/2013, de 8.2. Considerando que se trata de formalidade ad substantiam, HIGINA CASTELO, in “O Contrato de Mediação”, escreve, a pág. 412: “Trata-se claramente de forma dita ad substantiam, um requisito de validade, forma mínima exigida para que o contrato seja válido. Segundo a regra geral de direito civil, a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei (art. 220º do Código Civil). A nulidade tem o significado impresso na disciplina contida nos artigos 286 e 289 a 293 do Código Civil, sendo, nomeadamente, invocável a todo o tempo por qualquer interessado e podendo ser declarada oficiosamente pelo tribunal. O RJAMI, porém, apesar de expressar que a não redução a escrito determina a nulidade do contrato, afastou o regime geral da nulidade, atribuindo à proscrição da forma escrita no contrato de mediação imobiliária uma consequência específica: nulidade (assim lhe chamou) não invocável pela empresa de mediação (16, n-º5, do RJAMI). Esta estatuição também não constitui novidade, estando prevista em idênticos termos desde o regime de 1992…). Tem-se reconhecido unanimemente que a nulidade prevista no RJAMI é atípica ou sui generis, ou seja, que não lhe corresponde o regime geral ditado pelo Código Civil para o negócio jurídico nulo.”. [16] Para maiores desenvolvimentos sobre quem pode invocar a nulidade e como invoca-la, ver a cit. obra, a pp 82-83. [17] Neste sentido, vejam-se entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/03/2004, proferido no Pº 7282/2003-1 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/03/2007, proferido no Pº 0720378, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [18] Ob cit., a pág. 84. [19] Pp 84- 87. [20] « III - Tendo sido celebrado verbalmente entre Autora e Rés um contrato de mediação imobiliária, nos termos do disposto no DL n.º 285/92, de 19-12, tal contrato é nulo por não ter sido reduzido a escrito e por a nulidade não ter sido invocada pela Autora mediadora, mas sim pelas Rés (art.º 10, n.ºs 1 e 6, do citado Decreto-Lei). IV - Por tal motivo, as Rés não se constituíram na obrigação de remunerar a Autora pelos serviços de mediação que esta diz ter prestado.» - Ac. STJ de 07-06-2005, Revista n.º 206/05 - 1.ª Secção, Barros Caldeira. [21] « II – O contrato de mediação deve obrigatoriamente ser reduzido a escrito, devendo dele constar os actos a praticar pelo mediador, bem como a contrapartida. Se o contrato não tiver sido escrito é nulo por falta de forma. Porém, quando a falta de forma não for imputável ao mediador, este tem direito a receber em contrapartida, o valor correspondente ao trabalho desenvolvido, pela actividade da meação. III- Estando provado que a mediadora prestou serviços de mediação, aproximando o promitente comprador do promitente vendedor, interessado e beneficiário da mediação, serviços ou tarefas que não lhe podem ser devolvidas, como consequência da declaração de nulidade do contrato, ter-lhe-á de ser pago o valor correspondente calculado equitativamente de forma justa e equilibrada. Se assim não fosse, estava estabelecido um convite ao incumprimento e à fraude generalizada neste tipo de contratos.» - Ac. RL de 09.06.2005, proc. 4801/2005-6, Gil Roque. Assim também entendem Miguel Côrte Real e Maria Mendes Cunha (A atividade de mediação imobiliária: anotações e comentários ao DL 77/99 de 16/03 e à legislação complementar, Porto: Vida Económica, 2000), que referem: “no caso de haver celebração de um contrato de mediação imobiliária sem sujeição à forma escrita e de cuja execução resultem vantagens para o cliente da sociedade de mediação (interessado), vantagens que decorram do integral cumprimento, por esta, do contrato celebrado, apesar da sua nulidade, nesta especifica hipótese, é certo, que através do próprio instituto do enriquecimento sem causa, sempre a sociedade prestadora de tais serviços deverá ser ressarcida pela sua prestação. Milita decisivamente neste sentido o disposto no artigo 289º do C.C.” (p 84). « Tendo o contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes sido declarado nulo, a ré tem que restituir ao autor os € 8 000 000,00 que dele recebeu a título de remuneração pelos serviços que lhe prestou e este que restituir àquela o valor dos serviços de mediação imobiliária que, de facto, foram prestados.» - Ac. TRC de 06.03.2012, proc. 2372/10.0TJCBR.C1, António Beça Pereira. « IV- Não obstante a nulidade do referido contrato de mediação, por inobservância da forma escrita legalmente exigida (art. 20.º, n.º 1, do DL n.º 77/99, de 16-03, e arts. 220.º e 286.º do CC), estando provado que a Autora prestou serviços de mediação, confiando legitimamente que a Ré estava a ser regularmente representada, tais serviços ter-lhe-ão de ser pagos, nos termos do art. 289.º, n.º 3, do CC.» - Ac. STJ de 21-03-2006, Revista n.º 3393/05 - 1.ª Secção, Paulo Sá. [22] Assim: « I - É nulo o contrato de mediação em que as partes omitiram a identificação determinada pelo art.º 20.º, n.º 2, al. h), do Dec. Lei n.º 77/99, de 16 de Março devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, nos termos do disposto no art.º 289.º, n.º 1, do C. Civil. II - Tratando-se de uma prestação de actividade, a sua restituição in natura não é possível devendo ser restituído o valor correspondente. Tendo a entidade mediadora desenvolvido toda a actividade a que se tinha obrigado, fazendo-o com sucesso uma vez que a mesma conduziu à celebração de um contrato-promessa com entrega, efectiva, de uma quantia a título de sinal, a remuneração acordada entre as partes contratantes é a única quantia que, de uma forma objectiva, se pode reconduzir ao conceito de valor correspondente.» - Ac. RL de 22.11.2011, proc. 1634/05.2TCSNT.L1-7, Orlando Nascimento. «Tendo o mediador prestado toda a actividade a que se obrigou e sendo declarada a nulidade do contrato, nos termos do 289.º, n.º 1, do CC, não sendo possível restituir a prestação de facto positiva, o critério para encontrar o valor a restituir é o da retribuição que foi acordada pelas partes.» - Ac. STJ de 19-04-2012, Revista n.º 1634/05.2TCSNT.L1.S1 - 2.ª Secção, Álvaro Rodrigues. « Declarada a nulidade de contrato de mediação imobiliária por vício formal, há que observar o exarado no art. 289.º n.º 1 do CC. Não podendo o “cliente” restituir em espécie os serviços prestados pela entidade mediadora, o melhor critério para achar o valor daqueles é o comitente pagar a acordada comissão.» - Ac. STJ de 11.2.2010, proc. 2044/07.2TBFAR.E1.S1 - PEREIRA DA SILVA Acórdão do STJ de 20/04/2004, proc. 04A800, sobre um contrato de mediação nulo por não ter sido celebrado na forma prescrita, o tribunal decidiu que «não merece reparo o critério adoptado pelas instâncias para a fixação do valor dos serviços prestados pelo autor, ou seja, de que a ré deve pagar ao autor a comissão de 3%, que foi acordada sobre o preço da venda, pois foi aquele valor que as próprias partes fixaram como justo e adequado, do ponto de vista contratual, para a remuneração dos serviços do autor». [23] Constituindo objecto legal da sua actividade de mediação. [24] Com efeito, na concretização da obrigação do mediador, este pratica, por conta própria, vários actos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender (por exemplo, publicação de anúncios em jornais e revistas, colocação de placas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc.), visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel. No entanto, é apenas no momento da concretização do negócio com o interessado que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual, em princípio, apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração, ressalvado o caso do nº 2. Exige-se, ainda, que o negócio seja perfeito, no sentido de eficaz (Higina Orvalho Castelo, in “Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária Anotado, pág.129”, refere: “Quando o contrato é celebrado sob condição suspensiva o direito à remuneração só nasce quando a condição se verifica; e quando enferma de invalidade absoluta, o mediador não tem direito à remuneração (…)”. Portanto, a remuneração do mediador, em princípio, está dependente duma condição suspensiva, que se traduz na realização do negócio objecto do contrato de mediação. «O direito à retribuiçãodepende da celebração docontratoprometido embora seja independente do cumprimento do mesmo. Só com a verificaçãodeum “resultado útil” – a realização do negócio – da actuação do mediador, este ganha o direito à retribuição. Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata. Pode-se, assim, afirmar que o direito à retribuição está sujeito a condição suspensiva: a celebração do negócio. Naturalmente, que só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá deser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro….» - in Ac. STJ de 28.4.2009 (FONSECA RAMOS – citando CARLOS CALERDA BARATA). [25] Com efeito, é pacífico na doutrina (bem assim na jurisprudência) que a prestação do mediador terá de ser causal em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro (cfr., v.g., Carlos Lacerda Barata, ob cit., p. 203. Ou Menezes Cordeiro, referindo este Autor (ob cit., a p. 729) que “a atividade do mediador deve ser causa adequada ao fecho do contrato definitivo; ou então: este deve alcançar-se como efeito de intervenção do mediador”). (….) « I- O mediador, no contrato de mediação imobiliária, só tem direito à remuneração convencionada com o comitente/cliente se o negócio visado vier a ser concluído/concretizado e desde que a celebração deste tenha sido o corolário ou a consequência da sua actividade. II- Compete ao mediador-autor a alegação e prova dos pressupostos do seu direito, particularmente da verificação do nexo causal entre a sua actuação (no âmbito da mediação) e a outorga do contrato visado.» - Ac. TRP de 15.07.2009, proc. 2187/07.2TBVRL.P1, Carlos Moreira. - Ac RC de 3.2.2015, proc. 1399/11.9TBCLD.C1 (ANTÓNIO CARVALHO MARTINS) - Ac. TRP de 22.10.2018, proc.84410/17.2YIPRT.P1 (MANUEL DOMINGOS FERNANDES): «I – No contrato de mediação imobiliária, a remuneração do mediador está dependente da verificação de uma condição essencial que se traduz na realização do negócio objecto do contrato.
II – O mediador, devido ao risco/álea inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado, o que significa que tem de se verificar um nexo de causalidade adequada entre a sua actividade e a realização do negócio, de modo a que se possa afirmar que a concretização deste foi o corolário ou a consequência daquela actuação.». [26] BMJ 83-171, "Contratos Civis". [27] Que reza: A actividade de mediação imobiliária «consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis». [28] Como dito, não depende do mediador a realização do negócio visado, pois isso depende das vontades do cliente e do interessado encontrado. Daí que não faça parte da obrigação do mediador garantir o negócio, mas, sim, a procura de destinatário para o mesmo (se fará, ou não, o negócio, logo se verá; mas isso já nada tem a ver com o contrato de mediação imobiliária). [29] HIGINA O. CASTELO, O Contrato de Mediação, cit., pp 401. Neste sentido, v.g.: - Ac. STJ de 1.4.2014, proc. 894/11.4TBGRD.C1.S1- Gabriel Catarino.« II - Para que ocorra uma mediação basta que, como consequência dos actos de promoção e facilitação envidados pelo mediador, se perfeccione o contrato a que as mesmas tendem, através da concorrência da oferta realizada por uma das partes e a consequente aceitação pela outra, não se exigindo a sua posterior consumação, pois que este resultado é independente da vontade do mediador, a não ser que se haja responsabilizado expressamente de o obter, através de um pacto especial de garantia no qual assuma o bom fim da operação.». - «Não constitui obrigação fundamental do mediador concluir o contrato; a sua obrigação essencial é a de conseguir interessado para certo negócio que ele próprio, raramente, conclui, sendo indiferente que este intervenha na fase final do negócio» - Ac. TRG de 23.10.2014, proc. 49320/12.9YIPRT.G1, Manuel Bargado. - «O contrato de mediação imobiliária é um contrato bilateral e oneroso: o mediador obriga-se a procurar interessado e a aproximá-lo do comitente para a realização do negócio no sector imobiliário e este último obriga-se a remunerá-lo pelo serviço prestado» (Ac. STJ de 12.12.2013, proc. 135/11.4TVPRT.G1.S1, Granja da Fonseca). [30] Obrigações de Meios e Obrigações de Resultado, Coimbra Editora, 2010, pp. 76-78. [31] Tal possibilidade tem implicações, como o mesmo autor refere, nas regras do ónus da prova, modificando-as, em prejuízo do devedor, pois a assunção de uma obrigação de resultado faz recair sobre o devedor uma presunção de culpa alargada à ilicitude e ao nexo de causalidade. [32] FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, Manual da Mediação Imobiliária cit, pp 102-104. [33] Assim entendendo, veja-se, v.g.: A. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, 618, 2 edição, Almedina, Coimbra, 2007. Na jurisprudência, v.g., Acórdão do STJ de 9-XII-1993 (JOSÉ MAGALHÃES), in 432 BMJ (1993), 332-341. Em sentido oposto, rejeitando a mediação da prestação de serviços ou do mandato, ver o Acórdão do STJ de 4-111-1980 (AQUILINO RIBEIRO), in 295 BMJ (1980), 356-360. A que são extensíveis as disposições sobre o mandato,....com as necessárias adaptações (artº 1156º CCiv). [34] À prestação de serviço são extensíveis as disposições sobre o mandato,....com as necessárias adaptações (artº 1156º CCiv). [35] Desenvolvidamente, veja-se FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, cit Manual da Mediação Imobiliária, pp 39-40. [36] Defendendo que os contratos mistos devem ser considerados como contratos atípicos e integrados nesta categoria,Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Coimbra, 2000, p. 49. Ver, ainda, Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Coimbra, reimpressão, 2002, p. 212, eMenezes leitão, Direitos das Obrigações, I, 4.ª ed., Coimbra, 2005, p. 196. [37] Cfr. Inocêncio Galvão Telles, Direito da Obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, p. 86. [38] Cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELES, “Manual dos Contratos em Geral”, 4.ª edição, 2010, Almedina, CoFFra, p. 469 e ORLANDO DE CARVALHO, in “Negócios Jurídicos Indirectos”, (Teoria Geral), Boletim da Faculdade de Direito, (Suplemento X), CoFFra Editora, p. 83. [39] Escreveu-se (e, no nosso ver, bem) na sentença. [40] Outras são, v.g.: mediação financeira (CVM), a mediação de emprego, a mediação monetária e a mediação de seguros. [41] Estabelece o artigo 3º do Código Comercial que se “as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei comercial nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenidos, serão decididos pelo direito civil”. Por sua vez, o artigo 10º do Código Civil também estabelece que “1- Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2- Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. 3- (…)” (a este propósito ensina J. Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1995, p. 202, que “Nos termos do artigo 10º, n º1 do Código Civil o julgador deverá aplicar (por analogia) aos omissos as normas que diretamente contemplem casos análogos – e só na hipótese de não encontrar no sistema uma norma aplicável a casos análogos é que deverá proceder de acordo com o n º3 do mesmo artigo. Dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses, paralelo, isomorfo ou semelhante – de modo a que o critério valorativo adotado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos, seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro (n º2 do artigo 10º) (…) O recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento das lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa (principio da igualdade: casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante), a que acresce ainda uma razão de certeza do direito: é muito mais fácil obter a uniformidade de julgados pelo recurso à aplicação com as devidas adaptações, da norma aplicável a casos análogos do que remetendo o julgador para critérios de equidade ou para princípios gerais do Direito (…)”). [42] Há jurisprudência que rejeita, de todo, a aplicação subsidiária ao contrato de mediação imobiliária das normas de alguns contratos como a prestação de serviços e, dentro desta, o mandato (cfr. Acórdão do STJ de 4 de Março de 1980, BMJ 295, p. 356 e seguintes: “a aproximação (do contrato de mediação) com o contrato de mandato é arredada porque se o mandatário é encarregado de cuidar dos interesses de um dos contraentes, tendo por meta a realização do negócio jurídico, o mediador no contrato é, quando muito, intermediário nas propostas contratuais, sendo alheio à conclusão do contrato”. Face ao que dissemos, cremos tratar-se de jurisprudência um tanto peregrina. [43] É claro que, tratando-se de contrato de mediação simples (sem cláusula de exclusividade) a mediadora tem toda a liberdade de desenvolver a atividade pretendida pelo cliente, a tal não podendo ser obrigada. Do mesmo modo que ao cliente assiste a total liberdade de contratar outras mediadoras, bem assim de celebrar o contrato com um terceiro encontrado por uma outra mediadora. O que não acontece, portanto, na situação de exclusividade. [44] Sem prejuízo das excepções ínsitas no artº 19º da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro. Mais desenvolvidamente, pode ver-se a obra que vimos citando, a pp 23 ss. [45] Com efeito, o contrato de mediação, por via de regra, é celebrado para um certo negócio, não se caracterizando “pela estabilidade do vínculo, mas antes pela sua ocasionalidade” (cfr., entre outros: Carlos Lacerda Barata, obra citada, p. 200; Vaz Serra, RLJ Ano 100, p. 343; Maria de Fátima Ribeiro, obra citada, p. 92; António Menezes Cordeiro, Direito Comercial, p. 699). Tal não significa que a mediação em certas circunstâncias não possa assumir tal vínculo de estabilidade. [46] Ainda a propósito do trecho legal de definição de actividade de mediação imobiliária (artº 2º/1 RJAMI), ao referir que a procura (de destinatários) se efectua em nome dos seus clientes, é de todo pertinente a crítica que lhe é feita por HIGÍNIA ORVALHO CASTELO, Contrato de Mediação, Almedina, pp 401-402: « ... No léxico jurídico, a locução em nome de implica a existência de representação, logo, da prática de atos suscetíveis de produzir efeitos jurídicos na esfera do representado. (...). Como sabemos, o contrato de mediação, por definição, não autoriza o mediador a intervir no contrato desejado em representação do cliente. A verificar-se semelhante autorização estaremos no âmbito de um mandato com poderes de representação ou de um contrato atípico com notas de mediação e mandato representativo. Repare-se que a procura de destinatários para a realização de negócios, cerne da definição de atividade de mediação, deixa de fora o momento da celebração do negócio desejado, consubstanciando-se em atos materiais, como os exemplificados no art. 2.º, n.º 2.» - destaques nossos. Efectivamente, a mediação – de que a mediação imobiliária é uma das valências (além desta, encontram-se previstas, nomeadamente, a mediação financeira (art.ºs 289º e sgts. do CVM), a mediação de emprego (DL n.º 124/89, de 14 de Abril), a mediação monetária (DL n.º 110/94, de 28 de Abril) e a mediação de seguros (DL n.º 144/2006, de 31 de Julho)) – caracteriza-se, como ensina PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direito Comercial, Volume I, 2011, Parte Geral, Contratos Mercantis, Almedina, pág. 197, pela «intermediação entre o comprador e o vendedor, ou entre as partes num outro tipo de negócio, em que o intermediário – o mediador – aproxima as partes no negócio, põe-nas em presença, por vezes até intervém na negociação para o promover, mas não participa no negócio. O mediador é um facilitador……não actua por conta de nenhuma das partes, embora contratado por uma delas…..mas nunca representa qualquer delas no negócio que vem a ser celebrado». Também ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2002, pág. 102, refere que o mediador «limita-se a aproximar as pessoas e a facilitar a celebração do contrato…….e ao contrário do agente, que actua por conta do principal – “representando-o” economicamente – o mediador age com imparcialidade, no interesse de ambos os contraentes, sem estar ligado a qualquer deles por relações….de dependência ou de representação…é tipicamente uma pessoa independente». A mesma opinião tem ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (Do contrato de mediação, na revista, “o Direito”, ano 139º, 2007, Tomo III, pág. 517): «em sentido amplo a mediação significa o acto ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas, de modo a que, entre elas, se estabeleçam negociações que possam conduzir à celebração de um contrato definitivo. Em sentido técnico ou estrito, a mediação reclama ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar …» - de novo são nossos os destaques. [47] A Autora assume, afinal, perante a Ré a obrigação de lhe proporcionar …certo resultado do seu trabalho…, com retribuição (artº 1154º CC) – resultado esse consubstanciado, designadamente, em levar a cabo as diligências e actos necessários ao acabamento da parte restante do prédio (nesta parte, portanto, pelo menos, estamos perante uma “pura” prestação de serviços). [48] Observa-se, e bem, nas contra-alegações.