CONTRATO MISTO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CONTRATO DE EMPREITADA
NOVAÇÃO
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
ESTIPULAÇÕES VERBAIS ACESSÓRIAS
VALIDADE
FORMA LEGAL
LIBERDADE DE FORMA
TRANSAÇÃO
DOCUMENTO PARTICULAR
ADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
PROVA COMPLEMENTAR
MEIOS DE PROVA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Sumário


I. Em virtude da existência de unidade contratual, e não de pluralidade de contratos, pode dizer-se que as partes celebraram um contrato misto de promessa de compra e venda, de um lado e, de outro, de empreitada.
II. A doutrina propende para a aplicação da teoria da combinação aos contratos mistos combinados.

III. As variações introduzidas em 2015 no conteúdo do contrato-promessa de compra e venda e de empreitada celebrado em 2012 não se traduzem numa novação extintiva, pois não há qualquer declaração expressa da vontade de novar – animus novandi.

IV. A modificação, por não alterar a estrutura e a função da relação obrigacional, incide sobre aspetos acessórios.

V. A validade dessas estipulações, enquanto modificações do negócio anteriormente celebrado, acordadas por forma menos solene do que a legalmente imposta para o negócio originário, depende da não verificação, quanto aos elementos que versa, “das razões da exigência especial da lei”.

VI. Diz-se que são válidas as modificações do contrato, feitas sem observância da forma, que extingam ou atenuem as obrigações de qualquer das partes resultantes do contrato constante de documento, considerando-as isentas de forma.

VII. Estas estipulações não estão sujeitas ao regime de prova do art. 394.º, n.º 1, do CC, uma vez que não são contrárias (pois não se opõem ao conteúdo do documento) nem adicionais (na medida em que não vão além do conteúdo do documento, nada lhe acrescentando) ao conteúdo de documento autêntico, autenticado ou particular cuja autoria esteja ou venha a ser reconhecida nos termos previstos na lei (arts. 373.º-379.º).

VIII. Ainda que se tratasse de estipulações contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou de documentos particulares mencionados nos arts. 373.º a 379.º, sendo válidas e eficazes (arts. 221.º e 222.º), pode ser usada prova testemunhal para fazer a sua prova quando exista um início de prova por escrito. Admite-se a prova testemunhal, não como meio de prova por si só suficiente para demonstrar uma convenção contrária ou adicional ao conteúdo do documento, mas como meio de prova complementar de outro meio admissível (que constitua um princípio de prova).

Texto Integral


Processo n.º 3815/16.4T8AVR.P1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,

I - Relatório
1. AA.  intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra BB.  e Mulher, CC. , formulando os seguintes pedidos:
1- condenação dos Réus no cumprimento pontual do acordo celebrado com o Autor em julho de 2015, referido nos arts 45.º e ss. petição inicial;
2- e, consequentemente, na transferência para o Autor da propriedade do prédio sito em ......., freguesia de......., concelho ......, inscrito na matriz sob o artigo ….. e descrito na CRP sob o n.º ……, nos termos acordados, i.e., sem receber qualquer pagamento adicional ao já auferido condições e com os materiais que a 18 de novembro de 2015 ali se encontravam;
3- condenação dos Réus no pagamento ao Autor de todas as despesas em que vier a incorrer para fazer o prédio retornar às condições e com os materiais que a 18 de novembro de 2015 – data da emissão da declaração junta como documento n.º 13 – lá se encontravam e no respeito do projeto aprovado na Câmara Municipal……, despesas estas que se relegam para posterior liquidação;
4- aplicação do regime do possuidor de má-fé em relação a eventuais benfeitorias realizadas no prédio após 18 de novembro de 2015, podendo, por isso, os demandados levantar todas as necessárias ou úteis, desde que sem detrimento do prédio, ou receber o valor que vierem a provar terem para o Autor, ali se mantendo, sem possibilidade de remoção ou compensação, as que forem voluptuárias;
5- condenação dos Réus no pagamento ao Autor da quantia de € 15.000,00 a título de compensação pelos danos morais referidos nos arts 107.º e ss da petição inicial;
Subsidiariamente,
1- Declaração da resolução do contrato, por incumprimento culposo dos Réus,  e condenação destes no pagamento ao Autor, a título de indemnização pelo incumprimento, de todas as importâncias por eles recebidas em dobro, conforme previsto na cláusula décima sexta do contrato, no valor total de € 52.134,00;
2- Condenação dos Réus no pagamento ao Autor de todas as despesas que este desembolsou em benefício do prédio, por força do regime do enriquecimento sem causa, previsto no art. 473.º do CC, a saber:
- € 4.500,00 na reparação dos vãos das janelas e das portas, mal executadas pelo demandado e na colocação dos alumínios que se lá encontram;
- € 3.500,00, acrescido de IVA, nos projetos indispensáveis ao licenciamento da obra e emissão da licença de utilização hoje detida pelo imóvel e
- € 593,05 referentes ao pagamento das taxas do licenciamento, no total de € 8.593,05.
2. AA.  alegou, em síntese, que celebrou com BB.  um contrato promessa de compra e venda e restauração de imóvel, que este sucessivamente incumpriu no que respeita à restauração do imóvel. Invoca ainda que as partes acordaram, como forma de por um fim aos diversos problemas ocorridos, em o Réu prescindir do pagamento da última tranche do preço e o Autor assumir a responsabilidade pelo acabamento das obras ainda por executar. Refere ainda as partes acordaram na celebração da escritura pública da compra e venda, mas que o Réu incumpriu essa convenção. Peticionou despesas que suportou em projetos, licenças e outras, para legalizar a obra; marcou escritura para 21 de março de 2016, que não se realizou por recusa do Réu em cumprir o acordado com o Autor, recusa que se estendeu à Ré Mulher.
3. Por exceção, os Réus invocaram a ilegitimidade processual da Ré, alegando que esta não teve qualquer intervenção nos factos em discussão nos autos, nem os Réus exercem a actividade comercial de compra e venda de imóveis, não podendo ser responsabilizada por eventuais danos decorrentes de uma obrigação que não assumiu. Por impugnação, invocam uma versão dos factos diferente daquela do Autor. Deduziram pedido reconvencional, mediante o qual peticionam a declaração de incumprimento do contrato celebrado entre as partes, por culpa exclusiva do Autor e, em consequência, que seja reconhecido ao Réu o direito de fazer sua a quantia de € 25.000,00 que recebeu do Autor, em cumprimento da cláusula décima sétima do contrato e o reconhecimento de fazer suas as janelas, portas e vidraça que o Autor entregou para aplicação na obra.
4. O Autor replicou.
5. Foi proferido despacho de aperfeiçoamento em relação ao articulado de petição inicial, ao que o Autor respondeu.
6. Os Réus exerceram o contraditório relativamente aos factos alegados no requerimento de resposta ao convite ao aperfeiçoamento.
7. Por sentença, o Tribunal de 1.ª Instância julgou improcedentes os pedidos principais formulados pelo Autor e absolveu deles os Réus; julgou parcialmente procedente o pedido subsidiário do Autor e condenou os Réus a pagar-lhe as quantias de € 52.134,00 e de € 593,05, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação, até integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%. Julgou também improcedente o pedido reconvencional e dele absolveu o Autor.
Com efeito, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu:
“Pelo exposto decide-se:
A) Julgar improcedentes os pedidos principais formulados pelo autor e deles absolver o réus;
B) Julgar parcialmente procedente o pedido subsidiário e condenar o réus a pagar ao autor as quantias de € 52.134,00 (cinquenta e dois mil, cento e trinta e quatro euros) e de € 593,05 (quinhentos e noventa e três euros e cinco cêntimos), acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação, até integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%;
C) Julgar improcedente o pedido reconvencional e dele absolver o autor;
D) Custas pelo autor e réus na proporção do seu decaimento (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.”

8. Inconformados com a sentença, os Réus interpuseram recurso de apelação.
9. AA.  apresentou contra-alegações.
10. Na delimitação do objeto do recurso, o Tribunal da Relação ….. determinou como questões decidendas principais aquelas de saber se é admissível prova testemunhal no que respeita ao acordo alegadamente celebrado entre as partes em 2015, ou seja, em data posterior ao contrato-promessa de compra e venda, e se alguma dos contraentes é responsável pelo incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda do imóvel em causa.
11. Conforme o acórdão do Tribunal da Relação ……:
“Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação ….. em julgar procedente o recurso, e em consequência, julgam improcedentes os pedidos formulados pelo Autor e parcialmente procedente a reconvenção, reconhecendo ao Réu o direito de fazer sua a quantia de € 25.000,00 que recebeu do Autor.
Custas por ambas as partes, na proporção dos respectivos vencimentos.
Notifique.”
12. Inconformado, o Autor AA.  interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:
“IV - EM CONCLUSÃO
I – O resultado da actividade jurisdicional é e tem sempre de ser a afirmação e confirmação de direitos, cuja satisfação deverá determinar a quem deve. O resultado prático da decisão recorrida exprime o triunfo total da aleivosia, traduzindo-se numa forte e totalmente imerecida denegação de justiça.
II.1 – Mostra-se violado o n.º 3, do art. 9.º, do CCivil, de onde decorre que “a solução injusta no resultado não pode ser entendida como vontade da lei”, bem como a vontade legitimadora dos vários órgãos de soberania do Estado, onde se incluem os Tribunais – Art. 3.º, n.º 1 e 110.º da C.R.P. – ou seja a vontade do Povo, a expressão da sua sensibilidade ético-jurídica – Art. 202.º, n.º 1, da C.R.P. - cuja correcta interpretação impunha a total improcedência do recurso.
II – As alterações do contrato traduzidas pelo acordo de 2015 resumem-se a uma consensual cessação antecipada do contrato, que não a uma sua modificação, pois as partes apenas acordam terminar a execução respectiva antes do previsto, compensando-se reciprocamente com a exoneração das obrigações que a cada um até aí incumbiam: um teria de acabar as obras e não acaba, interrompendo a execução do contrato e o outro teria de pagar o remanescente do preço e não paga, de igual modo interrompendo a execução do contrato, o que ocorre consensualmente, com a conferência de mútua quitação. Nada de novo, no que concerne a obrigações, ocorre, extinguindo-se estas, apenas.
II.1 – Verifica-se uma incorrecta aplicação da proibição contida no n.º 1, do art. 394.º, do C.Civil, pois, não contendo, o mencionado acordo, qualquer convenção contrária, ou adicional, ao conteúdo do contrato inicial, limitando-se a cessar antecipadamente a sua execução, a norma não seria de aplicar; ainda que se trate de uma questão de semântica, é de sufragar quando, como é o caso, constitui uma forma legítima de não coarctar a actividade investigatória do Tribunal, em ordem à realização da Justiça material, fim último da actividade Jurisdicional.
III– A expressa confissão da existência de negociações, quer em carta subscrita pelo recorrente, quer mesmo nos articulados deste, comprova plenamente a existência de negociações tendentes à cessação consensual da execução do contrato escrito, o que é indício bastante para a inquirição de testemunhas a propósito da existência ou não, em determinado momento, de um acordo e dos seus termos. O que se pretende, do “ princípio de prova” é isso mesmo, o princípio de prova que indicie a existência de algo tendente a confirmar o facto, ou factos sobre que se vão inquirir as testemunhas e não a sua prova plena, que, naturalmente, dispensaria as testemunhas.
III.1 – Temos pois, também por aqui, uma indevida aplicação da proibição contida no n.º 1, do art. 394.º, do C.Civil, cuja correcta interpretação permitiria a inquirição e valoração dos depoimentos das testemunhas a propósito e não, como se mostra feito, a sua exclusão liminar.
IV – A inserção, em contrato coligado, de compra e venda e empreitada, de cláusula consignando “11.ºAs partes reputam o prazo de 06 (seis) meses para conclusão das obras e outorga da competente escritura pública, como suficiente, pelo que em caso algum deverá ser ultrapassado, excepto se houver acordo entre ambas.”, está, inquestionavelmente, a estipular um prazo para o cumprimento do contrato total, para a outorga do contrato prometido, definitivo e não, como afirma a Relação, um mero “prazo relativo à conclusão da obra, que estava inicialmente prevista durar seis meses”. A afirmação transcrita não é o que consta do contrato a que se refere.
IV.1 – Mostram-se grosseiramente violadas as regras da hermenêutica negocial, constantes dos art. 236.º a 239.º, do C.Civil, mormente o n.º 1, do art. 238.º do mesmo diploma legal que impediria a conclusão da Relação.
V – O recorrente procedeu a competente interpelação admonitória, paradigmática no seu teor, que devida e tempestivamente reiterou, mantendo-a viva e operante, só a tendo desmobilizado pontualmente, pelo período da convicção do cumprimento, pelo recorrido, do acordo de 2015, o qual, incumprido, determinou, de acordo com o princípio naturalístico de que “cessando a causa, cessa o efeito”, a sua plena vigência, constituindo, por isso, as interpelações posteriores do recorrido perfeitos actos falhados, devendo a decisão revogada manter os seus efeitos, por serem os adequados e justos.
V.1 – Ocorre uma incorrecta interpretação do n.º 1, do art. 808.º, do C.Civil, o qual determinava a consideração da interpelação realizada perfeitamente correcta e eficaz, eficácia que manteve, quer por via da norma indicada, quer, também aqui, pela correcta integração das regras da hermenêutica negocial mencionadas na precedente conclusão - art./s 236.º a 239.º, do C.Civil.
Termos em que deverá julgar-se procedente o presente recurso, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida e a consequente repristinação da decisão revogada, nos seus exactos termos, por assim o imporem O DIREITO E A JUSTIÇA”.

13. Os Réus BB.  e CC.  apresentaram contra-alegações, expondo as seguintes Conclusões:

“A)
-I-
1ª- A prova da existência do alegado acordo verbal de 2015 pressupõe a leitura/interpretação de documentos, mas está vedado ao Tribunal de revista indagar, por via da livre apreciação da prova, eventual erro intrínseco na formação da convicção do julgador.
II-
2ª- O Tribunal recorrido rejeitou o dito acordo de 2015, nulo por vício de forma, porque não foi reduzido a escrito – decisão que o Autor agora não impugna.
3ª- Ao deixar fora da sua alegação o juízo de nulidade com que o Tribunal da Relação fulmina o alegado acordo verbal de 2015, o Autor conforma-se, nessa medida, com o acórdão recorrido, perdendo sentido útil o seu recurso: mesmo que este, na sua exacta medida, fosse viável (e não é), sempre subsistiria, incólume, a decisão anulatória do Tribunal recorrido, que o Autor não atacou.
III-
4ª- O contrato promessa de 2012 foi reduzido a escrito, por imposição legal e por vontade das partes.
5ª- O alegado acordo verbal de 2015, que altera o preço e o objecto de contrato, deveria obedecer à mesma forma deste, porque as razões da exigência especial da lei lhe são aplicáveis.
6ª- É inadmissível a prova testemunhal de estipulações verbais, iniciais, adicionais e contrárias a um contrato reduzido a escrito por imposição legal, o mesmo se aplicando a estipulações adicionais não formalizadas na hipótese de forma voluntária.
7ª- Contendo convenções manifestamente contrárias àquelas que foram antes estipuladas por escrito, não existe no processo qualquer indício de que o alegado acordo verbal de 2015 tenha o conteúdo que o Autor lhe aponta, pelo que o mesmo não pode ser provado por testemunhas.
8ª- Ainda assim, apenas se vê admitida a prova testemunhal quando exista um começo de prova, mas só em casos de simulação invocada pelos simuladores e para evitar situações de grave injustiça, desequilíbrio e iniquidade.
IV-
9ª- Ao alegar que procedeu à interpelação admonitória do Réu para a celebração da escritura, o Autor pretende agora aludir ao contrato tal como foi redigido em 2012, apesar de os seus pedidos (principal e subsidiário) não incidirem sobre este contrato, mas sobre a versão que (supostamente) emergiu do alegado acordo de 2015.
10ª- Mesmo que fosse esse o pedido do Autor, é seguro que dele não conheceu a 1ª instância, que julgou a acção procedente apenas por ter entendido que os RR se recusaram à celebração da escritura correspondente ao alegado acordo de 2015.
11ª- O Autor não suscitou esta questão na sua alegação para o Tribunal da Relação, tal como lhe permite o artigo 636º CPCivil, prevenindo a hipótese de o Tribunal da Relação vir a julgar procedentes os fundamentos do recurso do Réu (tal como aconteceu) – pelo que não pode agora o Supremo conhecer dela.
V-
12ª- A não celebração da escritura deveu-se, não a ausência dos RR-Recorridos, enquanto promitentes vendedores, porque estiveram presentes quando a isso convocados, mas sim a desacordo quanto ao valor do pagamento da última prestação.
13ª- Mesmo que se visse na carta de 12Fev2015 uma interpelação admonitória – e não é – a presença dos contraentes no Cartório, em 21 de Março de 2016, só significa que o Réu estava disposto a transmitir o prédio, mas por determinado preço.
VI-
14ª- O Autor nunca interpelou o Réu a cumprir o contrato promessa de 2012, dentro de determinado prazo, sob a cominação de considerar o contrato como definitivamente não cumprido.
15ª- Aquando das cartas de 12Fev2015 e de 1Mar2016, o Réu não estava sequer em mora na conclusão das obras, as quais estavam atrasadas por causa do próprio Autor.
B)-
(Fundamentos do recurso de apelação que o Tribunal da Relação não conheceu e cujo conhecimento se requer, subsidiariamente):
VII-
16ª- A ter existido, nos termos em que o Autor o apresenta, o dito acordo verbal de 2015 surgiu num ambiente de desentendimento e conflito entre as partes, quanto ao retardamento da execução e cumprimento de um contrato promessa de compra e venda e de restauro de obra.
17ª- Teria em vista liquidar o contrato promessa e evitar o litígio judicial, prescindindo uma parte da execução do resto da obra e a outra do que faltava do preço, contendo por isso concessões recíprocas.
18ª – Tal acordo, seria um contrato de transacção, mas nulo por não constar de documento escrito.
VIII-
19ª- O Tribunal da 1ª instância aplicou ao incumprimento do alegado acordo de 2015 a cláusula penal prevista no contrato escrito de 2012, a devolução em dobro dos montantes pagos.
20ª- Mas não consta, no dito acordo verbal de 2015, que as partes tivessem previsto que a cláusula penal para o seu incumprimento fosse a cláusula penal do contrato de 2012, ou outra, e nem sequer está alegado ou provado que essa fosse a sua vontade provável.
IX-
21ª- Sem prescindir, o litígio emergente do acordo de 2015 é uma disputa entre o Autor não pagar mais nada ao Réu, ou de pagar 6.250€, com referência a um contrato de 37.500€, ou, ao invés, de o Réu prescindir de 12.500€, ou de prescindir de 6.250€.
22ª- Uma cláusula penal de 25.000€, prevista para o alegado incumprimento de um contrato de 2012, é manifestamente excessiva e desproporcionada quando aplicada ao incumprimento do alegado acordo de 2015, que se refere afinal a uma diferença, a um desentendimento de 6.250€.
NESTES TERMOS
- Deve o presente recurso de revista ser julgado improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.
- Caso proceda algum dos fundamentos invocados pelo Autor, os RR requerem que sejam conhecidos os fundamentos do recurso de apelação, que o Tribunal da Relação não conheceu, e a que se referem as conclusões 19ª a 21ª, 24ª a 28ª, 29ª e 30ª daquele recurso.
Assim se fará JUSTIÇA!”

II - Questões a decidir
Decorre da conjugação do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1, 635.º, n.º 4, e 639.º do CPC, que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o respetivo thema decidendum. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos. Nestes moldes, estão em causa as questões de saber (i) se o acordo celebrado pelas partes em 2015 é ou não formalmente válido; (ii) se esse acordo pode ou não ser provado por testemunhas, nos termos do art. 394.º, n.º 1, do CC; (iii) se o Autor procedeu ou não à interpelação admonitória do Réu; e (iv) se o Autor, nos termos da cláusula 16.ª do contrato concluído em 2012, tem ou não o poder de exigir o dobro do que prestou ao Réu.

III – Fundamentação
A) De Facto
Foram dados como provados, após as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação ….., os seguintes factos:
“1.º Por documento escrito, denominado por “CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA e RESTAURAÇÃO DE IMÓVEL”, com data de 15 de Outubro de 2012, assinado pelo autor e pelo réu marido, acordaram os outorgantes o seguinte:
“(…)
Primeiro outorgante: BB.  (…)
Segundo outorgante
AA.  (…)
(…)
1ºO primeiro outorgante é proprietário do prédio rústico composto por adega, arrumos agrícolas e logradouro, sito em casa ….., ......., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …., freguesia ......, concelho …….(cfr. mapa anexo-parte integrante do presente contrato).
2ºPelo presente contrato, o primeiro outorgante promete vender ao segundo outorgante livre de ónus encargos e este, reciprocamente, promete comprar ao primeiro outorgante, o prédio rústico mencionado e identificado na cláusula anterior.
3ºO preço da referida venda é de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros).
4ºO pagamento do preço acordado entre os outorgantes será feito em três parcelas, correspondendo cada parcela a uma fase de restauração do imóvel (…..).
5ºO pagamento global será feito do seguinte modo:
1. A primeira parcela, no valor de € 12.500,00 (…) será liquidada com a assinatura do presente contrato e corresponde ao início dos trabalhos de restauração (primeira fase);
2. A segunda parcela, no valor de € 12.500,00 (…), será liquidada aquando da conclusão das instalações de água, luz, bem como a conclusão do telhado (segunda fase);
3. A terceira parcela, no valor de € 12.500,00 (…), será liquidada após a conclusão de todas as obras e aquando da outorga da competente escritura de compra e venda.
6ºAmbos outorgantes acordam e declaram que todos os materiais fornecidos e a aplicação no imóvel (granitos, madeiras, canalizações de água e luz e demais materiais necessários) são por conta do primeiro outorgante.
7ºRessalva-se do artigo anterior, o fornecimento de aplicação dos alumínios, os quais correm por conta e a expensas do segundo outorgante.
8ºO primeiro outorgante fica também responsável pela construção de um alpendre na frente do imóvel e do muro de vedação exterior, que corre a expensas suas e está incluído no valor global da venda.
9ºO muro de vedação exterior será feito em pedra de granito com cerca de 20 cm (…) de altura e na parte superior terá também pilares em granito unidos por rede de vedação com cerca de um metro de altura.
10.ºO imóvel será dividido no seu interior a gosto do segundo outorgante e conterá, sem prejuízo de outras divisões que possam vir a ser acrescentadas ou suprimidas, as seguintes divisões, a saber:
1. Rés-do-chão: Cozinha kitnet, 1 quarto, 1 wc e uma lareira à lavrador;
2. Primeiro andar: um quarto, 1 wc e um terraço com varandim.
11.ºAs partes reputam o prazo de 06 (seis) meses para conclusão das obras e outorga da competente escritura pública, como suficiente, pelo que em caso algum deverá ser ultrapassado, excepto se houver acordo entre ambas.
12.ºA assinatura do presente contrato-promessa pelo primeiro outorgante, equivale também à declaração de quitação do recebimento da primeira parcela do preço acordado.
13.ºA escritura pública de compra e venda será marcada pelo primeiro outorgante, dentro do prazo estabelecido e após a conclusão das obras, devendo este avisar o primeiro outorgante com a antecedência mínima de oito dias, do dia, hora e respectivo Cartório Notarial.
14.ºO pagamento da escritura pública e respectivo registo é da responsabilidade do segundo outorgante.
15.ºO segundo outorgante, após a assinatura do presente contrato, pode fiscalizar o decorrer das obras.
16ºO incumprimento do estabelecido no âmbito do presente contrato por parte do primeiro outorgante, implica a restituição em dobro de todas as quantias recebidas até ao momento.
17ºO incumprimento do presente contrato por parte do segundo outorgante implica a perda dos montantes entregues ao momento.
(…)
19.ºO presente contrato promessa de compra e venda e restauração de imóvel corresponde à vontade livre e esclarecida de todos os intervenientes
(…) vai ser assinado pelos outorgantes como sinal de boa-fé e total aceitação. (…)” (fls. 46 a 52);
2.º Com data de 24 de Abril de 2013, autor e primeiro réu assinaram o documento constante de fls. 53, denominado de “Declaração” e do qual consta o seguinte: “Aos vinte e quatro dias do mês de Abril de 2013, eu, BB.  (…) primeiro outorgante do contrato promessa de compra e venda e restauração do imóvel, ratificado em 15 de Outubro de 2012, respeitante ao prédio rústico (…) inscrito na matriz predial sob o n.º ….. (…) declaro, por minha honra que recebi, do segundo outorgante AA. , a quantia de € 12.500,00 (…) respeitante à liquidação da segunda parcela constante do n.º 5, do ponto 2, do referido contrato. (…)”
3.º Com data de 12-02-2015 o autor enviou ao réu marido a carta constante de fls. 54-55, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, tendo por assunto: “Fixação de prazo para cumprimento do contrato-promessa celebrado”;
4.º Da carta mencionada no artigo anterior, consta, para além do mais, o seguinte:
“(…) Considerando que, na sequência do Contrato-promessa celebrado entre nós (…) o qual tinha como data acordada para a conclusão da obra e consequente celebração da escritura pública, 15 de Abril de 2013, sem que até ao momento tal tenha acontecido; (…)
Considerando que, (…) tenho conhecimento que a respectiva licença para realização das obras, solicitada à Câmara Municipal, por Vossa, Excia, se encontra a aguardar o seu levantamento e respectivo pagamento da taxa camarária, sem que Vossa Excia (…) ainda tenha procedido ao seu levantamento.
Venho, através da presente (…), e porque ainda estou interessado no cumprimento do contrato promessa supra indicado, conceder a V. Exas. Um prazo de 6 meses, a contar da recepção da presente carta, para cumprimento do estipulado nas cláusulas do citado contrato, o qual passará pela conclusão das obras de restauração no imóvel, nomeadamente os definidos nas cláusulas 6ª (…), 8º (…) e 10º (…) e pelo agendamento de imediato da realização da escritura pública de compra e venda definitiva, sob pena de não o fazendo, nesse prazo, considerar o contrato resolvido, por falta de cumprimento, reservando-me o direito de exigir (…) o montante já entregue, em dobro, em como o valor já gasto, por mim (…)
Mais solicito (…) que no cumprimento do estipulado no referido contrato, no que diz respeito ao concluir a obra a gosto do cliente, recue a parede (…) feita no quarto do 1º andar, o máximo que for possível (…);
5.º Com data de 27 de Fevereiro de 2015, o réu marido enviou ao autor a carta constante de fls. 57;
6.º Da carta mencionada no artigo anterior consta, além do mais, o seguinte:
“Considerando que o imóvel era dividido com o que vossa excelência pretendia, assim foi feito, sendo o senhor a dizer aos pedreiros onde era feita a parede. (…).
As obras encontram-se paradas, pois foi o senhor que ordenou ao Senhor EE.  (electricista e canalizador) que suspendesse o trabalho.
Fico à espera de uma resposta sua, se é para demolir a referida parede ou se é para continuar com os trabalhos de electricidade e canalização (…)”;
7.º Em resposta, o autor, através do sua mandatária, enviou ao réu a carta constante de fls. 58, com data de 10-03-2015, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta, para além do mais, o seguinte:
“(…) O DD. (…) incumbiu-me de transmitir a Vossa Excia que face ao teor da carta datada de 27/02/2015 (…) devera proceder conforme o estipulado no contrato promessa celebrado e dentro do período de seis meses que lhe foi concedido (Vide Carta (…) de 12-02-2015) (…)
O DD. jamais ordenou ao Sr. EE.  a suspensão dos trabalhos (…) quem o contratou foi Vossa Excia e, como tal, deverá ordenar a continuação da obra com a execução dos trabalhos de electricidade e canalização (…)
O DD. aguardará pelo terminus do prazo de 6 meses para a conclusão das obras e para a celebração da respectiva escritura (…)”;
8.º Com data de 18 de Novembro de 2015 o réu marido assinou o documento constante de fls. 72, denominado “Declaração”, documento que remete para o documento constante de fls. 61 e 73 e do qual consta o seguinte:
“(…) BB.  (…) declara (…) que recebeu de AA.  a importância de 1.067,00 € (…), referente a despesas do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …., da freguesia ......., concelho ......., conforme documento anexo.
Mais declara que todos os materiais de construção que se encontram no prédio acima referido fazem parte do mesmo. (…)”;
9.º Com data de 15 de Fevereiro de 2016 o réu marido enviou ao autor a carta constante de fls. 14, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
10.º Da carta mencionada no artigo anterior consta, para além do mais, o seguinte:
“(…)Venho por este meio informar que fui contactado para levantar na camara ….. a licença de utilização do imóvel sito em casa …., .............., …….
Sugeria que nos reuníssemos no local com os pedreiros, carpinteiros e electricistas para determinar, de uma vez por todas, quais os passos a seguir de modo a que agradem a todos e seja também plausível.
Eu tenho toda a disponibilidade e agradecia que me diga duas ou três datas da sua disponibilidade para que eu possa marcar com os restantes trabalhadores (…).”
11.º Com data de 16 de Fevereiro de 2016 foi passado o Alvará de Utilização n.º …, relativo ao processo de obras n.º ….., alvará emitido em nome do réu, BB. , na qualidade de proprietário, relativo ao imóvel descrito na CR Predial …… sob o n.º ….. e inscrito na matriz urbana sob o artigo ….. (fls. 76 a 79);
12.º O custo do alvará foi de € 593,05 (fls. 76 e 79);
13.º Com data de 01 de Março de 2016, o autor enviou ao réu a carta constante de fls. 81 e 82, tendo por assunto: “Fixação de prazo para cumprimento de contrato promessa celebrado”, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
14.º Da carta mencionada no artigo anterior consta, para além do mais, o seguinte:
“4. (…) verificar em início de Julho de 2015 (…) não ter obtido até então qualquer resposta indiciadores de que iria proceder ao cumprimento dos prazos que lhe estava a conceder, acedi, por sugestão do Sr. EE.  (…) aceitar proceder à escritura do imóvel na fase em que se encontrava, desde que não fosse por mim paga a quantia referente à terceira parcela, constante do n.º 3, da clausula número 5 do contrato formalizado inicialmente.
5.Porque, em observância do supracitado, fui contactado dois dias depois, pelo Sr. EE. , informando-me de que o Sr. BB. , havia aceitado tais termos, podendo por isso tomar a meu encargo a conclusão da obra, na condição única de que teria de lhe pagar o valor referente ao IMI desde o ano de 2009 a 2012, certidão (….) (1607€) (…)
8. Porque (…) vinculada a confirmação da sua vontade na abdicação dos pressupostos do pagamento previsto na cláusula 5, n.º 3 do contrato, acedeu na oportunidade de assinar todos os documentos inerentes à entrada do processo de licenciamento da obra na Câmara (…) cujos formalismos legais nunca ousou cumprir para a sua obtenção;
9.º Porque e só por consequência disso, seu deu início ao processo com vista à regularização dos licenciamentos (…) cujo requerimento processual carecia de ser por si assinado, na qualidade de ainda proprietário do imóvel, a fim de ser submetido à aprovação na CM …… (…)
Assim, é no sentido de tudo quanto foi referido, acordado (…) que dou conta de que foi marcada nova data da escritura pública para o próximo dia 21 de Março de 2016, pelas 14h30m no Cartório Notarial (…) ……, sendo que não comparecendo será no imediato accionado judicialmente todo o procedimento inerente à resolução do contrato (…);
15.º No dia 21 de Março de 2016 esteve marcada no Cartório Notarial ....... a escritura de compra e venda entre o autor e os réus relativamente à venda do imóvel inscrito na matriz predial urbana ….., proveniente do artigo urbano ….., descrito na CR Predial …… sob o n.º ….. (fls. 85 e 86);
16.º A escritura pública não se realizou;
17.ºConsta do instrumento notarial de fls. 85 e 86 que a escritura não se realizou: “ (…) por as partes não terem chegado a acordo quanto ao valor do pagamento da última prestação previsto no contrato promessa de compra e venda por eles outorgado no ano de dois mil e doze, tendo estado presentes os referidos vendedores e o comprador (…)”;
18.º Com data de 10 de Maio de 2016, o autor, através do seu Mandatário, enviou ao réu, a carta constante de fls. 92 a 95, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
19.º Em resposta, o réu enviou ao autor, na pessoa do seu mandatário, a carta constante de fls. 99-100, com data de 23 de Maio de 2016, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta, para além do mais o seguinte:
“(…)
1-O contrato que celebrei é um contrato promessa de compra e venda de imóvel a restaurar (…)
O V/ cliente tinha intervenção no restauro (…). Mas a intervenção foi muito para além disso (…) sem esquecer o atraso na aplicação dos alumínios.
Eis aí alguns dos motivos por que a execução das obras (e portante a celebração da escritura) foi sofrendo atrasos que se repercutiram negativamente na relação negocial.
2-Por essas razões, as partes aceitaram em retardar a celebração da escritura
(…)
3-Acresce que as despesas administrativas que o V/cliente pagou com projectos e licenças nem teria eu que as pagar, porque aquilo que eu prometi vender foi (…) um prédio rústico composto por arrumos, cujo restauro não estava sujeito a licenciamento.
4- Aqui chegados, (…) não posso nem tenho que prescindir na totalidade da última prestação, nem há razão para isso, a não ser o desconto dos trabalhos que ainda não estão concluídos (…) como é o caso da lareira/fogão de sala, da escada para o 1ºandar e da banca da cozinha.
E por isso, foi pena que a escritura não tivesse sido celebrada quando há dias esteve marcada, só porque o V/cliente não quis pagar a parte do preço que lhe pedi.
5-(…) o V/cliente paga 6.500€, celebra-se a escritura e ele recebe o prédio como está.
Caso assim não se entenda, fico a aguardar a comparência na obra do V/cliente, para que defina, de uma vez por todas, os aspectos (…) que lhe cabe a ele decidir (…)”
20.º Com data de 26 de Setembro de 2016 o réu marido enviou ao autor a carta constante de fls. 102, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta, para além do mais, o seguinte:
“(…) O Sr. não compareceu na obra para destinar as alterações que pretendia, nomeadamente quanto à lareira/fogão de sala, à escada do 1º andar e a banca da cozinha, apesar do convite que lhe fiz por carta de 15 de Fevereiro de 2016 (…) e (…) de 23 de Maio de 2016.
Por isso, concluí a obra nos exactos termos do contrato promessa.
Sendo assim e de acordo com a cláusula 13º do contrato promessa, venho informá-lo que marquei a escritura pública de compra e venda para o dia 10 de Outubro de 2016, pelas 10h, no Cartório Notarial …… (…).
Pelo exposto, fico a aguardar a sua comparência e bem assim o pagamento do remanescente do preço ainda em falta (12.500,00€);
Caso pretenda verificar o estado da conclusão da obra, poderá avisar-me (…)”
21.º No dia 10 de Outubro de 2016 a escritura não se realizou. O autor não compareceu (fls. 152);
22.º Com data de 14 de Outubro de 2016, o réu marido enviou ao autor a carta constante de fls. 103 e da qual consta:
“(…) O Sr. não compareceu no Notário ……. (…) nem justificou a sua ausência.
Em face disto, venho informá-lo que para a celebração da escritura de compra e venda marquei nova data, 28 de Outubro de 2016, pelas 10h, no mesmo Cartório (…).
Fico a aguardar a sua comparência e bem assim o pagamento do remanescente do preço em falta (12.500,00€);
Caso ainda assim não compareça, nem outorgue a escritura, entendo que o Sr. não deseja cumprir o contrato promessa o qual por isso considero como definitivamente não cumprido por vontade sua (…) ficando a meu favor o total de € 25.000,00 que o Sr. pagou, tal como prevêem a cláusula 17º do contrato promessa (…);
23.º No dia 28 de Outubro de 2016 a escritura não se realizou. O autor não compareceu (fls. 154);
24.º O autor é Comandante…….;
25.º Por força da sua profissão, sentiu necessidade de procurar um sítio sossegado para instalar uma residência de lazer, de fins-de-semana;
26.º O que o motivou a celebrar o contrato identificado no artigo 1º;
27.º Em Abril de 2013 a obra mencionada no contrato não estava concluída;
28.º Em Julho de 2013 a obra não estava concluída;
29º. Quando o autor pretendia colocar os alumínios não o pode fazer porque os vãos das janelas e portas estavam mal executadas, tendo sido posteriormente reparados;
30.º Os alumínios foram colocados em Setembro de 2013;
31.º A obra foi iniciada sem projecto de alteração do prédio para poder destinar-se à habitação;
32.º Quando foi efectuado o pagamento da segunda tranche, a instalação de água e luz não tinha sido iniciada e o telhado não estava concluído;
33.º Feitas as reparações e os alumínios colocados em Setembro de 2013, o réu comprometeu-se a entregar o prédio totalmente pronto e a celebrar o contrato prometido até ao final daquele ano de 2013;
34.º Em Dezembro de 2013, a obra não estava concluída;
37.º O autor, para a legalização da construção e conversão do prédio rústico em urbano procedeu à contratação de técnicos especializados para a realização dos projectos necessários, bem como de empreiteiros e recorreu aos serviços de uma solicitadora;
38. A Sra. Solicitadora contactou o réu no sentido de dele obter um acordo;
39.º Por indicação do autor, o Sr. FF. , sócio gerente da Firma Construções……., Lda., fez um orçamento para a execução dos trabalhos em falta no imóvel prometido vender pelo réu, pelo valor de €15.000,00, acrescido de IVA.
40.º O Réu subscreveu todos os documentos necessários à entrada formal do processo de licenciamento da obra na Câmara ……. e Novembro de 2015, no escritório da Sra. Solicitadora
-subscreveu os documentos em falta para a legalização do prédio,
-recebeu os €1.067,00 referido em 8º e pela declaração referida,
-fez constar que pertencerem ao prédio todos os materiais de construção que ali se encontravam;
41.º No momento e lugar referidos no precedente artigo, ficou acordado ser marcada a escritura de compra e venda imediatamente após a aprovação final dos projectos e emissão da licença de utilização pela Câmara Municipal…….
42.º A licença de utilização referida em 11º ficou pronta em 16.02.2016 tendo sido levantada pela Senhora Solicitadora;
43.º A solicitadora marcou a escritura do negócio prometido, por meio informal, não tendo o réu comparecido;
44.º O autor procedeu a fazer nova marcação, para o dia referido em 15º comunicando-a réu através da carta registada referida em 14º;
45.º No dia da escritura de 21 de Março de 2016, o réu referiu que a sua esposa, a ré mulher exigia, para assinar a escritura, a quantia de €6.250,00;
46.º Os réus mantiveram a exigência de lhes ser paga a importância de €6.250,00 para outorgarem a escritura, e, perante a recusa do autor, esta acabou por se não realizar e lavrado o instrumento notarial referido em 17º;
47.º O Autor alterou as medidas do muro de vedação para uma altura superior à referida no contrato;
48º O Autor instou o Réu a alterar os peitoris das janelas, de modo a que se lhe aplicasse uma peça, inteiriça, de granito;
49º O Réu alterou sete janelas e aplicou, em cada uma, uma peça de granito;
50º O Réu construiu, por indicação do Autor, um muro em pedra, de 0,80m por cerca de 10m, com três degraus junto ao telheiro, a separar o logradouro do acesso à casa;
51º Por indicação do Autor o Réu aplicou madeira de forro de pinho no tecto do r/c e do 1º andar do edifício;
52º Do mesmo modo, o Autor quis que a vedação exterior do terreno fosse em madeira com pilares em granito, apesar de inicialmente estar previsto que fosse em rede;
53º O réu plantou entre 3 a 4 árvores;
54º Na carta de 12 de Fevereiro de 2015, o Autor pediu ao Réu “os calcetamentos dos pisos de acesso” ao alpendre;
55º Na mesma carta, o Autor define a dimensão do terraço “de cerca de 1,5m”.
56º O Réu, efectuou trabalhos de desaterro das paredes do edifício e de terraplanagem do logradouro, a nascente, norte e poente;
57º Quando as partes celebraram o contrato mencionado em 1º, o imóvel encontrava-se parcialmente enterrado em arbustos e terra;
58º Em Outubro de 2015 o Autor apresentou ao Réu o projecto de arquitectura da obra.
59º Em Novembro de 2015 o Autor apresentou ao Réu o pedido de licenciamento municipal para obtenção da licença, com as respectivas peças escritas e desenhadas, para que este as assinasse (fls. 155)
60º Até Outubro de 2015 o Réu foi executando algumas partes da obra, com base em esboços e indicações avulsas;
61º O contrato previa (cláusula 10ª) que no 1º andar houvesse um “terraço com varandim”, mas as peças desenhadas nada esclarecem sobre isso (fls. 204)
62º Após o envio das cartas mencionadas em (de 15 de Fevereiro de 2016 e de 23 de Maio de 2016) o autor não compareceu na obra;
63º O réu concluiu a obra, implantou uma escada de um lanço único, tal como o projecto, e a lareira de canto, com a chaminé no seu alinhamento;
64º A execução das obras acordadas sempre esteve a cargo do réu.
65.º Em 26.03.2010 (doc. n.º 2) o réu adquiriu vinte e um prédios, em alguns dos quais levou a cabo operações de reconstrução restauro e venda;
66º Os réus estão casados um com o outro no regime da comunhão de adquiridos, desde 16 de Fevereiro de 1990 (fls. 134)
67º: O réu dedica-se à compra imóveis que restaura, para posterior revenda;
68.º Tratando-se de obras que implicavam a transformação do prédio de rústico em urbano, a intervenção licenciadora da Câmara era necessária para obtenção da licença de habitabilidade.
69.º O autor pagou à Sra. Notária, a quantia de 33,28€ (fls. 87 e 88)”.

Foram dados como não provados os seguintes factos:
“Petição Inicial
- 7º e 8º: provado apenas o que consta do contrato mencionado no artigo 1º dos factos provados;
11º: provado apenas o que consta do artigo 27º dos factos provados;
12º, 13º;
14.º e 15º: provado apenas o que consta dos factos 2º e 32º dos factos provados;
18.º Não provado que o autor despendeu 4.500,00€ nos alumínios e na reparação dos vãos da janelas e das portas;
22.º e 23º;
32.º: Não provado que o réu se comprometeu a elaborar o projecto para alteração da inscrição matricial do prédio de rústico para urbano;
35.º e 36.º;
38º (na parte referente à confirmação e anuência do réu ao alegado acordo) e 39º;
45º, 46º, 51º e 52º;
57º: não provado que o autor pagou a quantia de € 3.500,00
102º a 106º;
Contestação:
47º: não provado que o prazo de seis meses foi sendo ultrapassado, porque o próprio Autor atrasou decisões e alterou outras que lhe competiam, no que concerne à definição das obras a executar, e exigiu trabalhos que não estavam previstos no contrato.
48º;
55.º Provado apenas o que consta do artigo 53º dos factos provados;
58.º: Não provado que os trabalhos de desaterre das paredes do edifico e de terraplanagem tenham sido efectuadas pelo réu a pedido do autor;
66º Não provado que só em Outubro de 2015 o autor transmitiu ao réu o seu “gosto” quanto à concepção dos trabalhos;
68º;
98º, 99º: provado apenas o que consta dos factos 35º, 36º, 38º, 40, 45,
46º dos factos provados”.


B) De Direito
1. Importa recordar que AA.  e BB.  celebraram, por escrito, um contrato-promessa de compra e venda e de empreitada, a 15 de outubro de 2012, nos termos do qual o segundo prometeu vender ao primeiro um prédio rústico composto por adega, arrumos agrícolas e logradouro, sito em ……., pelo preço de € 37.500,00, dividido em três parcelas, correspondendo cada parcela a uma fase de restauração do imóvel. A terceira parcela, no valor de € 12.500,00, deveria ser paga após a conclusão de todas as obras e aquando da outorga da respetiva escritura de compra e venda.
Contrato misto
2. A matéria contratada por AA.  e BB.  subsume-se a mais de um tipo contratual legal (contrato-promessa e empreitada). Em virtude da existência de unidade contratual, e não de pluralidade de contratos, pode dizer-se que as partes celebraram um contrato misto de promessa de compra e venda, de um lado e, de outro, de empreitada. Trata-se de um único contrato, em que as partes reuniram regras de dois negócios, total ou parcialmente regulados na lei (art. 405.º, n.º 2, do CC).
3. Não se afigura possível, no caso em apreço, separar, na matéria contratada, um contrato estruturalmente completo por cada tipo. Repare-se que AA.  se vincula ao pagamento de um único preço, e não ao pagamento de um preço pela compra do imóvel e de outro pela obra a realizar no mesmo prédio.
4. Independentemente de uma certa flutuação terminológica, da congregação desses elementos típicos resulta um contrato misto suscetível de ser subsumido a uma das categorias elaboradas pela doutrina.
5. Nos contratos combinados, uma das partes vincula-se a várias prestações principais correspondentes a tipos contratuais diferentes e a outra vincula-se a uma prestação unitária. No caso em apreço, enquanto BB.  se obriga a vender e a realizar determinadas obras, AA.  obriga-se a comprar por um único preço, que inclui aquele da realização da obra e, por isso, mutatis mutandis, a uma prestação unitária.
6. Nos contratos de tipo duplo, por sua vez, uma das partes obriga-se à prestação típica de certo contrato e a outra à prestação típica de outro contrato. Não é o que  se verifica no caso em apreço.
7. Por seu turno, nos contratos mistos em sentido estrito, o tipo contratual adotado pelas partes destina-se precipuamente a um objetivo correspondente a outro contrato, a estrutura própria de um tipo contratual é utilizada como meio e é afeiçoado de modo a que o contrato sirva, ao lado da função que lhe compete, a função própria de um outro contrato. Não é, manifestamente, o que sucede no caso sub judice.
8. Por último, nos contratos complementares, ao lado de uma prestação principal, há obrigações secundárias inerentes a outro tipo contratual. Não é, também, o que se verifica in casu.
9. Poderia, nestes moldes, falar-se de um contrato combinado, na medida em que BB.  se vinculou a várias prestações principais correspondentes a tipos contratuais diferentes (prometeu vender e realizar certa obra) e AA.  se vinculou, fundamentalmente, a uma prestação unitária (prometeu comprar, considerando que o preço da compra e venda abrange aquele da realização da obra).
10. A doutrina propende para a aplicação da teoria da combinação aos contratos mistos combinados, lançando diretamente mão das normas correspondentes aos diferentes tipos contratuais. Com efeito, nem sempre é possível determinar o elemento principal do contrato e não se justifica, de qualquer modo, a extensão indiscriminada do regime que corresponde a esse elemento preponderante a outras partes da relação obrigacional. Tem-se em vista harmonizar ou combinar, na regulamentação do contrato, as normas aplicáveis a cada um dos elementos típicos que o integram.
Acordo modificativo
11. Os contratos devem ser pontualmente cumpridos e, em regra, só podem ser modificados por mútuo consentimento dos contraentes (art. 406.º, n.º 1, do CC).
12. Ao que parece, em 2015, as partes introduziram variações no conteúdo do contrato-promessa de compra e venda e de empreitada celebrado em 2012, que não tornaram inútil a subsistência da disciplina contratual anteriormente estabelecida.
13. Não se trataria, assim, de uma novação extintiva (rectius, extintiva da relação obrigacional antecedente e constitutiva de uma outra relação obrigacional com características a se stanti), mas antes de uma renegociação daquele mesmo contrato misto, concluído em 2012. As partes quiseram a manutenção da relação obrigacional anterior, não a tendo substituindo por outra.
14. Por conseguinte, não pode falar-se de novação objetiva, pois não há qualquer declaração expressa da vontade de novar – animus novandi (vontade expressa de extinguir a relação anterior - art. 859.º). A novação não se presume, pois pressupõe uma manifestação de vontade efetiva nesse sentido.
15. Com efeito, AA.  e BB.  convencionaram a modificação da relação negocial anterior, da disciplina dos seus interesses anteriormente estabelecida, sem que tal se traduzisse na extinção da relação modificada. As alterações (redução da obra a realizar e do preço da compra e venda) pretendidas não incidem, de resto, sobre a fisionomia originária da relação negocial em que funcionalmente se enquadram, nem sobre a sua existência.
16. Cum summo rigore, a modificação acordada pelas partes opera sobre a relação obrigacional, não extinta, e não sobre o negócio originário, não tendo eficácia retroativa. Parece, por isso, preferível falar-se em negócio originário e não em negócio modificado enquanto fonte da relação jurídica modificada pelo segundo negócio jurídico. Sob este ponto de vista, pode dizer-se que o negócio modificativo introduz modificações na relação obrigacional, mas não da relação obrigacional, que permanece a mesma nos seus traços essenciais.
17. Neste sentido, a modificação reflete-se igualmente na interpretação do contrato: de um lado, deve considerar-se a relevância hermenêutica das cláusulas modificadas na interpretação daquelas cláusulas em que se reflete a eficácia do negócio modificativo; de outro lado, a própria modificação, em si mesma considerada, tem um alcance hermenêutico que o intérprete deverá ter em conta para estabelecer a intenção comum das partes. Pode, nestes termos, dizer-se que nem a cláusula 16.ª (“O incumprimento do estabelecido no âmbito do presente contrato por parte do primeiro outorgante, implica a restituição em dobro de todas as quantias recebidas até ao momento”), nem a cláusula 17.ª (“O incumprimento do presente contrato por parte do segundo outorgante implica a perda dos montantes entregues ao momento”) foram objeto de alteração. Os elementos da relação originária não modificados, nem objetivamente incompatíveis com a nova configuração negocial, permanecem.
18. O negócio modificativo é dotado de causa própria e autónoma, claramente distinta daquela do negócio modificado: a modificação do último, a sua alteração com conservação da respetiva identidade. As partes já não querem parcialmente a anterior relação contratual e, simultaneamente, querem modificá-la parcialmente, conservando-a (animus modificancidi).
19. Mantém-se incólume o seu núcleo fundamental nos respetivos traços essenciais (identidade estrutural e funcional). Por conseguinte, também não se confunde com a causa novandi: substituição da relação jurídica anterior por uma nova.
20. Na expansão tendencial do espaço concedido ao negócio modificativo reflete-se a transição de uma conceção estática da relação obrigacional – enquanto realidade imutável - para uma conceção moderna dinâmica – enquanto realidade em evolução e suscetível de ser adaptada, por vontade das partes, à alteração das circunstâncias ou a novos interesses.
21. Apenas a vontade inequívoca das partes de substituir a relação originária por uma nova comporta novação. Acresce que a intenção das partes não pode determinar novação nas hipóteses de modificações qualitativamente acessórias.
22. As modificações, por não alterarem a estrutura e a função da relação obrigacional, incidem sobre aspetos acessórios. A acessoriedade (dependência) deve ser entendida e apreciada mediante a consideração dos efeitos do negócio originário, i.e., confrontando os efeitos do acordo modificativo com aquela regulamentação dos interesses fundamentais das partes de que é expressão o negócio originário. O caráter acessório do acordo modificativo pressupõe a existência de uma relação de dependência – unilateral - deste perante o negócio originário, no sentido de que apenas o último é suscetível de constituir um prius, antecedente jurídico necessário para que o outro se justifique e produza os seus efeitos. Sob o ponto de vista funcional, essa dependência faz do negócio modificativo um negócio de segundo grau. Encontra-se funcional e teleologicamente ligado ao negócio originário.
23. Verifica-se, in casu, uma variação do quantum das prestações e não do respetivo quid. Considera-se que estipulações subsequentes – verbais ou constantes até de documento escrito dotado de menor força probatória do que a legalmente prevista - sobre o montante do preço não são essenciais do contrato celebrado, mas apenas acessórias.
Validade do negócio modificativo
24. Surge, pois, a questão de saber se a modificação do contrato celebrado é abrangida pela razão que levou a lei a exigir a forma para o contrato de que resultou a relação obrigacional em apreço.
25. A validade dessas estipulações, enquanto modificações do negócio anteriormente celebrado, acordadas por forma menos solene do que a legalmente imposta para o negócio originário, depende da não verificação, quanto aos elementos que versa, “das razões da exigência especial da lei”.
26. Seguindo a teoria da combinação mencionada supra, pode dizer-se que, estando o contrato de empreitada sujeito ao princípio da liberdade de forma, o negócio modificativo que altere a quantidade da obra a realizar assim como o montante do preço também não se encontra sujeita à observância de qualquer forma legal.
27. A compra e venda, por seu turno, pode ser modificada sem forma quando se trate de reduzir a obrigação de pagamento do preço inicialmente acordada.
28. Diz-se que são válidas as modificações do contrato, feitas sem observância da forma, que extingam ou atenuem as obrigações de qualquer das partes resultantes do contrato constante de documento, considerando-as isentas de forma. Ao estabelecer a necessidade de observância de determinada forma, a lei pretende, em regra, proteger uma ou ambas as partes contra precipitações e, por isso, se a convenção, em lugar de constituir ou de ampliar as suas obrigações, as reduz ou extingue, não se verifica a razão da exigência de forma[1].
29. Esta mesma doutrina se aplica aos pactos extintivos: podem não se verificar as razões por que a lei impõe a necessidade de observância de determinada forma para a convenção constitutiva e, por conseguinte, não há que formular o princípio de que os contratos apenas podem ser extintos pela forma por que se celebram[2].
30. In casu, o contrato modificativo atingiu as obrigações em si mesmas, reduzindo-as. Diminuiu, de um lado, a prestação a cuja realização AA.  (preço) se encontrava obrigado e, de outro, a de BB.  (obra).
31. Poderia estar em causa uma renúncia parcial bilateral (à terceira parcela do preço e à realização de parte da obra), suscetível de se encontrar na transação. Porém, o objeto da renúncia transacional não é o direito controvertido, pois este não é certo, mas sim o direito de ação. Não está, pois, em primeiro lugar, em causa a renúncia ao direito afirmado por qualquer das partes, porque este, fruto do litígio, é controverso. Quando se fala em renúncia na transação extrajudicial, tem-se particularmente em vista não um direito substantivo, que poderá existir ou não, mas um direito processual:  renúncia à interposição da respetiva demanda[3]. Não parece verificar-se, in casu, uma renúncia expressa ou tácita (art. 217.º do CC) ao direito de ação.
32. Por outro lado, poderia dizer-se  que, tendo ambas as partes disposto dos respetivos créditos, verificar-se-iam duas remissões parciais (arts. 863.º- 867.º do CC). Contudo, não se verifica um dos pressupostos da remissão, porquanto as partes não reconhecem a existência e/ou o conteúdo das respetivas obrigações. De um lado, AA.  não reconhece, expressa ou tacitamente, o crédito de BB.  à totalidade do preço inicialmente acordado e, de outro, este não reconhece, expressa ou tacitamente, o crédito daquele à realização da restante parte da obra. Contudo, isto não obstaria à aplicação por analogia das regras da remissão[4].
33. A modificação do contrato pode igualmente traduzir-se num instrumento de resolução de conflitos jurídicos, assumindo, deste modo, uma função transacional.
34. A transação extrajudicial é um negócio solene (art. 1250.º do CC). A forma da transação é sempre, independentemente do seu objeto, ad substantiam[5]. De qualquer modo, ainda que de transação se pudesse falar, dela não decorreria algum efeito para o qual é exigida escritura pública ou documento particular autenticado, não valendo aqui o princípio da equiparação: a forma da transação é igual à forma exigida para o efeito pretendido.
35. Se, porventura, se atribuísse natureza transacional ao acordo modificativo celebrado em 2015 por AA.  e BB. , este encontrar-se-ia ferido de nulidade por falta de forma (art. 220.º). Todavia, sempre se poderia lançar mão do art. 293.º do CC, convertendo-se esse negócio num outro destituído de função transacional, pois observaria os respetivos requisitos essenciais de substância e de forma e o fim prosseguido pelas partes permitiria supor que elas o teriam querido se houvessem previsto a invalidade.
36. Note-se, nesta sede, que a prevenção e a cessação de litígios podem ser alcançadas por outros meios que não a transação.
Art. 394.º, n.º 1, do CC
37. As estipulações em apreço não estão sujeitas ao regime de prova do art. 394.º, n.º 1, do CC, uma vez que não são contrárias (pois não se opõem ao conteúdo do documento) nem adicionais (na medida em que não vão além do conteúdo do documento, nada lhe acrescentando) ao conteúdo de documento autêntico, autenticado ou particular cuja autoria esteja ou venha a ser reconhecida nos termos previstos na lei (arts. 373.º-379.º). Por isso, a sua prova não tem de fazer-se por confissão ou documento escrito, embora menos solene do que o exigido para o negócio, antes se admitindo a prova testemunhal e por presunções.
38. Porém, ainda que se tratasse de estipulações contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou de documentos particulares mencionados nos arts. 373.º a 379.º, sendo válidas e eficazes (arts. 221.º e 222.º), pode ser usada prova testemunhal para fazer a sua prova quando exista um início de prova por escrito, proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou quando, por efeito da natureza do contrato ou de outra circunstância, for verosímil que as convenções hajam sido celebradas.
39. Com efeito, pode suceder que a prova testemunhal seja acompanhada de circunstâncias que tornam verosímil o facto – a convenção modificativa - que com ela se pretende demonstrar, afastando-se assim os perigos que resultariam da mera prova testemunhal. Se as circunstâncias objetivas do caso tornam verosímil o facto que com a mera prova testemunhal quer provar-se, os perigos desta são bastante atenuados. Por outro lado, esses perigos são maiores nas convenções anteriores ou contemporâneas do que nas subsequentes, pois é mais natural que as partes modifiquem os seus contratos do que deixem de incluir no documento contratual todas as cláusulas acordadas. Acresce que está em causa a conciliação entre o valor do documento, o interesse na estabilidade do contrato tal como consta do documento, de um lado e, de outro, o interesse em o modificar ou acrescentar, o respeito pela vontade das partes[6].
40. Esta mesma doutrina se aplica aos pactos extintivos[7].
41. De resto, a doutrina e a jurisprudência têm procedido a uma interpretação restritiva dos limites à utilização da prova testemunhal que o art. 394.º do CC consagra.
42. Tem-se sustentado, conforme mencionado supra, que a norma do n.º 1 do art. 394.º do CC não pode ser interpretada como estabelecendo a proibição absoluta da admissibilidade da prova testemunhal, sendo antes de considerar que tal prova é de admitir, apesar da letra da lei, de forma a obstar a graves iniquidades a que a "regra do n.º 1 do artigo 394.º, bem como a aplicação que dela é feita no n.º 2 do mesmo artigo, poderiam dar lugar, quando aplicadas sem restrições"[8].
43.  Por conseguinte, admite-se a prova testemunhal, não como meio de prova por si só suficiente para demonstrar uma convenção contrária ou adicional ao conteúdo do documento, mas como meio de prova complementar de outro meio admissível (que constitua um princípio de prova). Quando se exige um princípio de prova, requer-se que esse outro meio de prova torne plausível ou verosímil o facto que se pretende provar[9].
44. Não parece, por isso, juridicamente correta a consideração das referidas estipulações como feridas de nulidade, de um lado e, de outro, a eliminação do factos sob os n.os 35.º e 36.º, 38.º e 40.º, 1.ª parte, da matéria de facto julgada provada pela sentença, com o fundamento de que esses factos não podiam ser provados por testemunhas, por serem contrários ao conteúdo do documento contratual e a tal se opor o disposto no art. 394.º, n.º 1, do CC.
45. Trata-se de questão que, por ser de direito, pode ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de recurso de revista.
46. Está, assim, por ora prejudicado o conhecimento das questões de saber se o Autor procedeu ou não à interpelação admonitória do Réu e se, nos termos da cláusula 16.ª do contrato concluído em 2012, tem ou não o poder de exigir o dobro do que prestou ao Réu

IV – Decisão

            Nos termos expostos, acorda-se em remeter o processo ao Tribunal da Relação …. em vista da reapreciação da impugnação da matéria de facto com base na posição ora assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça a propósito da validade do contrato modificativo eventualmente celebrado pelas partes em 2015 e da admissão de prova testemunhal para a sua prova.

Custas em função do vencimento que vier a ser apurado a final.

Lisboa, 17 de dezembro de 2020.


            Sumário:
I. Em virtude da existência de unidade contratual, e não de pluralidade de contratos, pode dizer-se que as partes celebraram um contrato misto de promessa de compra e venda, de um lado e, de outro, de empreitada.
II. A doutrina propende para a aplicação da teoria da combinação aos contratos mistos combinados.

III. As variações introduzidas em 2015 no conteúdo do contrato-promessa de compra e venda e de empreitada celebrado em 2012 não se traduzem numa novação extintiva, pois não há qualquer declaração expressa da vontade de novar – animus novandi.

IV. A modificação, por não alterar a estrutura e a função da relação obrigacional, incide sobre aspetos acessórios.

V. A validade dessas estipulações, enquanto modificações do negócio anteriormente celebrado, acordadas por forma menos solene do que a legalmente imposta para o negócio originário, depende da não verificação, quanto aos elementos que versa, “das razões da exigência especial da lei”.

VI. Diz-se que são válidas as modificações do contrato, feitas sem observância da forma, que extingam ou atenuem as obrigações de qualquer das partes resultantes do contrato constante de documento, considerando-as isentas de forma.

VII. Estas estipulações não estão sujeitas ao regime de prova do art. 394.º, n.º 1, do CC, uma vez que não são contrárias (pois não se opõem ao conteúdo do documento) nem adicionais (na medida em que não vão além do conteúdo do documento, nada lhe acrescentando) ao conteúdo de documento autêntico, autenticado ou particular cuja autoria esteja ou venha a ser reconhecida nos termos previstos na lei (arts. 373.º-379.º).

VIII. Ainda que se tratasse de estipulações contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou de documentos particulares mencionados nos arts. 373.º a 379.º, sendo válidas e eficazes (arts. 221.º e 222.º), pode ser usada prova testemunhal para fazer a sua prova quando exista um início de prova por escrito. Admite-se a prova testemunhal, não como meio de prova por si só suficiente para demonstrar uma convenção contrária ou adicional ao conteúdo do documento, mas como meio de prova complementar de outro meio admissível (que constitua um princípio de prova).

Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).

Maria João Vaz Tomé (Relatora)

António Magalhães

Jorge Dias

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[1] Cfr. Adriano Paes da Silva Vaz Serra, “Contrato de modificação ou de substituição da relação obrigacional", in BMJ, n.º 80, 1958, pp. 114, 119.
[2] Cfr. Adriano Paes da Silva Vaz Serra, “Contrato de modificação ou de substituição da relação obrigacional", in BMJ, n.º 80, 1958, pp. 114, 119.
[3] Cfr. Tiago Soares da Fonseca, A transação civil na litigância extrajudicial e judicial, Coimbra, Gestlegal, 2018, pp. 311-313.
[4] Cfr. Tiago Soares da Fonseca, A transação civil na litigância extrajudicial e judicial, Coimbra, Gestlegal, 2018, pp. 314-322.
[5] Cfr. Tiago Soares da Fonseca, A transação civil na litigância extrajudicial e judicial, Coimbra, Gestlegal, 2018, p. 362.
[6] Cfr. ADRIANO PAES DA SILVA VAZ SERRA, “Contrato de modificação ou de substituição da relação obrigacional", in BMJ, n.º 80, 1958, pp. 110, 118, 121-122.
[7] Cfr. Adriano Paes da Silva Vaz Serra, “Contrato de modificação ou de substituição da relação obrigacional", in BMJ, n.º 80, 1958, p. 130.
[8] Cfr. Adriano Paes da Silva Vaz Serra, “Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Dezembro de 1973”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º (1974-1975), p. 311; Carlos Alberto da Mota Pinto/João Calvão da Silva, “Garantia de bom funcionamento e vícios do produto”, in
Colectânea de Jurisprudência, ano X, 1985, tomo III, pp. 11 e ss.
[9]. Cfr. Rita Gouveia, “Anotação ao Artigo 394.º”, in Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, pp.890-892.