PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
INSOLVÊNCIA
PLANO DE PAGAMENTOS
DIREITO DE VOTO
LISTA DE CRÉDITOS RECONHECIDOS E NÃO RECONHECIDOS
CRÉDITO NÃO CONTESTADO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
Sumário


No âmbito do PEAP, estando em causa créditos sujeitos a condição suspensiva não impugnados, é aplicável o regime previsto no art. 73.º, n.º 2, do CIRE, sendo o número de votos correspondente a esses créditos fixado oficiosamente em atenção à probabilidade da verificação da condição.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA apresentou-se a processo especial para acordo de pagamento, no âmbito do qual juntou proposta de plano de pagamentos que foi objecto de publicação nos termos e para os efeitos do art. 222º-F, nº 2 do CIRE, em 31.10.2019.

Por requerimento de 15.11.2019 o devedor procedeu à rectificação de dois erros de redacção meramente formais no texto da proposta de plano de recuperação (…) que poderão colocar em causa a sua inteligibilidade, requerendo para o efeito a junção de Plano Actualizado para:

no ponto 2 (página 8) onde constava, erradamente,

2 – fornecedores, banca e o. credores: créditos comuns / créditos comuns sob condição plano de regularização: os créditos dos quais o devedor é fiador/avalista e cuja devedora originária é credora comum, serão pagos da seguinte forma:

passa a constar:

2 – fornecedores, banca e o. credores: créditos comuns / créditos comuns sob condição plano de regularização: os créditos dos quais o devedor é fiador/avalista e são comuns, serão pagos da seguinte forma:

no ponto 2 (página 9) onde constava, erradamente:

2 – fornecedores, banca e o. credores: créditos garantidos / créditos garantidos sob condição plano de regularização: os créditos dos quais o devedor é fiador/avalista e cuja devedora originária é credora garantida serão pagos da seguinte forma:

passa a constar:

3 – fornecedores, banca e o. credores com garantias plano de regularização: os créditos dos quais o devedor é fiador/avalista e sobre os quais tenham sido constituídas hipotecas por terceiros serão pagos da seguinte forma:

Apresentada e publicada a lista provisória de credores elaborada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório (doravante, AJP) contendo créditos reconhecidos sob condição suspensiva aos credores BCP, Banco Santander Totta, CEMG, CGD, EOS Credit Funding, Lisgarante e Novo Banco com a menção “uma vez que apenas serão devidos caso se verifique o incumprimento definitivo por parte das empresas titulares dos contratos”, veio o credor Novo Banco, SA – inscrito na lista de créditos com créditos sobre o devedor no valor total de € 8.329.362,48 emergente de avais e fianças por este prestadas e que, com excepção de um crédito no valor de € 25.552,79, foram reconhecidos sob condição suspensiva –, requerer que aos créditos que pelo sr. Administrador Judicial Provisório lhe foram reconhecidos sob condição lhe seja concedido direito de voto não inferior a 50% daqueles créditos, nos termos do art. 73º, nº 2, aplicável por força do art. 222º-A, nº 3, ambos do CIRE.

Para o que ora releva, sobre o dito requerimento recaiu o seguinte despacho:

Relativamente ao requerimento formulado pelo Novo Banco, S.A. relativo aos direitos de voto que entende deverem ser-lhe atribuídos, o mesmo afigura-se intempestivo, devendo o mesmo, no momento oportuno, se entender não lhe terem sido atribuídos os direitos de voto de que se arroga titular, suscitar a questão para efeitos do disposto no artigo 222.º-F do mesmo diploma legal.

Apresentada e publicada a proposta de plano/acordo de pagamentos elaborada pelo devedor, o credor Novo Banco novamente veio requerer “seja reconhecido ao Reclamante o direito de voto do plano de recuperação que o Devedor apresente nunca inferior a 50%.”

Foi requerida a recusa de homologação do plano pelos credores FCE Bank, PLC, Banco BIC Português e Banco Comercial Português invocando, em síntese, situação menos favorável ao abrigo do acordo de pagamento do que a que interviria na ausência de qualquer plano, e que, no confronto com o valor de 1% proposto pagar aos credores comuns, a proposta de pagamento da totalidade da dívida do Estado é uma violação do princípio da igualdade de credores. O credor BCP mais invocou violação não negligenciável de regras procedimentais, e o Município de Lisboa a proibição da alteração do seu crédito por vontade das partes por deter natureza tributária.

Notificados para se pronunciarem sobre o requerimento apresentado pelo credor BCP, o devedor e o Sr. Administrador Judicial Provisório refutaram a violação de procedimento por aquele invocada, ao que o credor respondeu.

Pelo Sr. AJP foi junto o documento com o resultado da votação previsto pelo art. 222º-D, nº 4 do CIRE, consignando que o plano foi aprovado por 73,17% dos votos emitidos, mais consignando que, atendendo a que o Novo Banco requereu que fosse fixado o numero de votos correspondentes ao crédito sob condição reconhecido, atribuiu-lhe uma percentagem de 50%, não tendo considerado os votos emitidos por outros credores com créditos reconhecidos sob condição suspensiva porque não requereram no processo que fossem fixados os seus votos, nos termos do art. 73º, nº 2 e 4 do CIRE.

5. Por referência ao resultado da votação foi proferida a seguinte decisão:

AA, residente na Avenida …, n.° …, R/C, …-… …, NIF …., ao abrigo do disposto no art.° 222°-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), intentar o presente processo especial para acordo de pagamento.

Foi nomeado administrador judicial provisório, por despacho de 19-06-2019 (cfr. fls. 46), nos termos do artigo 222°-C, n.° 3 do CIRE.

O Sr. Administrador juntou lista provisória de créditos a fls. 76 a 80, por requerimento de 22-07-2019 que, na mesma data, foi publicada no portal citius.

Foram apresentadas impugnações, decididas por despacho de fls. 146 a 148, datado de 08-11-2019, transitado em julgado, pelo que a lista se converteu em definitiva (art.° 222-D, n.os 3 e 4 do CIRE).

Concluídas as negociações, em 30-10-2019 o devedor depositou a versão final do plano (fls. 133 e ss.), o que foi publicitado no portal Citius em 06-11-2019. A partir dessa data corre o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer credor pode solicitar a não homologação do acordo, nos termos e para os efeitos dos artigos 215° e 216° do CIRE, com as necessárias adaptações. Por requerimento de 15-11-2019, veio o devedor requerer a junção aos autos de plano retificado, possibilidade que não tem cabimento legal e que, por conseguinte, se indefere, não podendo ser considerado.

Durante o prazo da votação, vieram os seguintes credores requerer a não homologação do plano:

Fls. 169 - EOS CREDIT FUNDING DAC

Fls. 171 - FCE BANK Plc.

Fls. 178 - BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Fls. 182 - MUNICÍPIO DE LISBOA

Fls. 184 - BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A.

No caso deste último credor, veio o mesmo invocar ter ocorrido violação das regras procedimentais, tendo sido ouvidos, para exercício do contraditório, quer o devedor, quer o Sr. Administrador de Insolvência).

Findo o prazo de votação de 10 dias, o administrador judicial provisório veio juntar o apuramento da votação do plano, informando que o mesmo foi aprovado, nos termos constantes de fls. 196 e seguintes (requerimento datado de 19-11-2019), requerendo a sua homologação.

Nos termos do disposto no art.° 222.°-F, n.° 5 do CIRE, “Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o acordo de pagamento que:

a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n. os 3 e 4 do artigo 222. °-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou

b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.”

Da análise dos votos juntos resulta o seguinte (inexistindo in casu créditos subordinados):

•        Créditos reconhecidos

Mostram-se reconhecidos os seguintes créditos:

Banco BIC Português, S.A.                        1.227.487,95 €       comum

Banco Comercial Português, S.A.              3.562,34 €              comum

Banco Comercial Português, S.A.              4.562.851,42 €       sob condição

Banco Santander Totta, S.A.                      25.000,00 €            sob condição

Caixa Económica Montepio Geral              2.514.539,03 €       sob condição

Caixa Geral de Depósitos, S.A.                  67.973,50 €            sob condição

Caixa Geral de Depósitos, S.A.                  324.801,73 €         comum

Autoridade Tributária                                  178.426,52 €         comum e garantido

EOS Credit Funding, DAC                          404.977,90 €         sob condição

FCE Bank PLC                                          41.129,77 €           comum

Lisgarante, S.A.                                          180.716,45 €         sob condição

BB                                                        50 000,00 €            comum

Município de Lisboa                                   436,55 €                comum

Novo Banco, S.A                                         8.303.805,99 €      sob condição

Novo Banco, S.A.                                       25.552,79 €            comum

RCI Banque Sucursal em Portugal            5.145,00 €              comum

•        Direitos de voto atribuídos e a atribuir aos créditos reconhecidos

De acordo com o resultado da votação remetido a estes autos pelo Sr. Administrador de Insolvência, resulta que o mesmo, dos votos condicionais, apenas considerou o montante correspondente a 50% dos créditos reconhecidos como tal ao credor Novo Banco, S.A., com fundamento em que apenas este credor requereu que lhe fossem atribuídos votos.

Sucede que a atribuição de votos aos créditos reconhecidos sob condição não depende do requerimento efectuado nesse sentido pelo credor que seja titular dos mesmos, mas sim, de acordo com a regra prevista no artigo 73.°, n.° 2, do CIRE, o qual determina que ”O número de votos conferidos por crédito sob condição suspensiva é sempre fixado pelo juiz, em atenção à probabilidade da verificação da condição.”

O n.° 4 deste artigo, cujo pressuposto é haver requerimento dos interessados, apenas se aplica quanto a créditos impugnados (e, acrescente-se, cujas impugnações não estejam ainda decididas), o que não tem, por isso, lugar, no caso dos presentes autos.

De qualquer forma, sempre a atribuição da percentagem de votos dependeria de decisão do juiz, não se enquadrando na esfera de competência do Sr. Administrador Judicial Provisório.

Consequentemente, julgo ilegal a decisão do mesmo de não atribuição de direitos de voto aos créditos reconhecidos sob condição e fixo aos créditos em apreço direitos de voto correspondentes a 50% do seu montante, em face da probabilidade da sua verificação considerando os elementos constantes dos autos.

Face ao exposto, a totalidade de créditos relacionados com direito de voto corresponde a:

€ 9.886.474,81

•        Créditos correspondentes aos votos emitidos

Por votos emitidos devem entender-se aqueles titulados por credores que se apresentaram a votar.

No caso dos presentes autos, tendo em conta os votantes e os direitos de voto supra atribuídos (com inclusão de 50% dos créditos reconhecidos como condicionais), o total de votos emitidos corresponde a:

€ 9.740.971.58

# Votos a favor

Votaram favoravelmente o plano de insolvência credores que representam um total de:

€ 4.355.882,31

# Votos contra

Votaram contra o plano de insolvência credores que representam um total de (com inclusão de 50% dos créditos reconhecidos como condicionais):

€ 5.385.089,27

•        Critérios de aprovação previstos na alínea a) do n.° 3 do artigo 222.°-F do CIRE

O plano foi votado por credores cujos créditos (€ 9.740.971,58) representam mais de um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto (€ 9.886.474,81).

Para se considerar o plano aprovado por via desta alínea, teria o mesmo de recolher o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, ou seja, mais de € 6.493.981,05.

Tendo o mesmo sido votado favoravelmente por credores titulares de créditos cujos direitos de voto ascendem a € 4.355.882,31, verifica-se que, por esta via, não pode considerar- se o plano aprovado.

•        Critérios de aprovação previstos na alínea b) do artigo 222.°-F do CIRE

Para que se pudesse considerar o plano aprovado por via desta alínea, teria o mesmo de recolher o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, o que corresponde a € 4.943.237,41.

Tendo o mesmo sido votado favoravelmente por credores titulares de créditos cujos direitos de voto ascendem a € 4.355.882,31, verifica-se que, também por esta via, não pode considerar-se o plano aprovado.

Consequentemente, julgo o plano não aprovado e, consequentemente, não homologo o mesmo, o que apenas poderia acontecer caso o mesmo tivesse sido aprovado, o que não sucede in casu pelos motivos supra expostos.

Em face da conclusão da não aprovação do plano, não cumpre também apurar de quaisquer causas que pudessem conduzir à sua não homologação em caso de aprovação do mesmo, designadamente por violação de quaisquer outras regras procedimentais, no que eventualmente haveria que ponderar a alegada exclusão do credor Banco Comercial Português, S.A. das negociações.

Custas pelo devedor, com taxa de justiça reduzida a ¼, sendo o valor da ação para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação (art.os 222°-F, n.° 9, 301° e 302° n.° 1, todos do CIRE).

Registe, notifique e publicite nos termos dos art.os 37° e 38° do CIRE, que se entende aplicável por analogia.

Nos termos do disposto no art.° 222°-G n.° 4 do CIRE, com as devidas adaptações, notifique o Sr. Administrador para, em 10 dias, e após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o primeiro se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a respetiva declaração.

Discordando, o devedor interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Ainda inconformado, o devedor veio pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) O douto Acórdão ora recorrido faz “tábua rasa” do disposto no artigo 73º nº 4 do CIRE, ao declarar que um credor que detém um crédito sob condição suspensiva não tem de o previamente requerer e justificar, para que lhe seja concedido direito de voto, uma vez que tal resulta “ex officio” de um poder dever do Juiz.

B) No modesto entendimento do Recorrente, não poderá restar qualquer dúvida de que o artigo 73º nº 4 do CIRE não se aplica unicamente aos créditos impugnados, pois caso contrário não tinha o Legislador incluído na sua redacção “…e ainda, tratando-se de créditos sob condição suspensiva, da probabilidade da verificação da condição.”, o que evidencia, sem margem para dúvida, a necessidade do credor pedir e justificar a pretensão de lhe ser atribuído direito de voto quanto aos créditos condicionais.

C) Não pode o Juiz substituir-se ao credor interessado, fixando-lhe oficiosamente o direito de voto que este não peticionou, sob pena de se encontrar preterida a substância e a letra da Lei, pois o Legislador ao colocar a exigência do pedido de voto quanto a créditos impugnados “e ainda” quanto a créditos sob condição pretendeu evidentemente que não fosse concedido direito de voto a quem o não peticione.

D) Neste mesmo sentido, pronunciou-se já o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão de 31.05.2016 relativo a processo de insolvência, com o nº 2069/11.3TJVNF-D.P1., o qual já se encontra junto a estes autos, no qual é referido, na sua página 11, que “sendo o recorrente titular de créditos sob condição, e não tendo requerido que lhe fossem conferidos votos, ao abrigo do nº 4 do artigo 73º, não podia participar na deliberação, já que tais créditos não lhe conferem qualquer direito de voto …”

E) É ao Administrador Judicial Provisório que compete conceder o direito de voto em sede de PER e/ou PEAP, atenta a natureza extrajudicial destes procedimentos.

F) No sentido de tal competência pertencer ao Administrador Judicial já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto por Douto Acórdão de 05.11.2018 relativo ao processo nº 805/18.6T8STS.P1, pesquisável em www.dgsi.pt, o qual dispõe que no ponto IV do seu sumário que “IV – Sendo um processo tendencialmente extrajudicial em que a intervenção do julgador é pontual em homenagem aos valores da celeridade, da informalidade e da eficácia, competirá ao administrador judicial provisório a fixação do número de votos conferidos aos créditos sob condição suspensiva, sempre com a especificação das razões que fundamentam essa tomada de decisão, nos termos do n.º 4 do art.º 73.º do CIRE.”

G) Neste mesmo sentido invoca-se o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.03.2015, relativo ao processo 1128/13.2TBBJA.E1 igualmente pesquisável em www.dgsi.pt, refere ponto III do seu sumário que “Nada obsta que seja o Administrador Judicial Provisório a fixar o número de votos aos créditos “sob condição”, tanto mais que é ele que detém todos os elementos necessários para o efeito e que participa nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos, como também inexiste qualquer normativo legal no capítulo referente ao processo especial de revitalização (Capítulo II) que determine a aplicação do disposto no artº. 73º, nºs 2 e 4 do CIRE, contrariamente ao que sucede com outras disposições legais.”

H) É um facto inelutável que a decisão do Sr. Administrador Judicial Provisório constante do resultado da votação nestes autos junto a 19.11.2019, referência …, não foi minimamente arbitrária nem discricionária, pois este limitou-se a aplicar o artigo 74º nº 3 do CIRE ou seja, só atribuiu o direito de voto aos detentores dos créditos sob condição que o requereram no processo.

I) Sendo evidente a inexistência de qualquer ilegalidade na atribuição dos votos apresentada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, tem o Recorrente de requer a revogação, em sede de Revista do Douto Acórdão ora recorrido, o qual violou, inelutavelmente, o disposto no artigo 73º nºs 2 e 4, 17º-F, nº 5 e 222º-F, nº 3 todos do CIRE.

Termos em que deve revogar-se o Douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que considere aprovado o plano de recuperação apresentado pelo Recorrente.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

O presente recurso foi interposto, e bem, com fundamento no art. 14º, nº 1, do CIRE que restringe o recurso de revista à verificação de uma situação de contradição jurisprudencial, nos termos aí previstos.

Para o efeito, o recorrente invocou essa contradição relativamente a duas questões apreciadas no acórdão recorrido:

i) Se a fixação do número (ou a proporção) dos votos emitidos por credores com créditos reconhecidos sob condição suspensiva é da competência do AJP ou do Juiz do processo; e

ii) Se esse número (ou proporção) é oficiosamente fixado (independentemente de requerimento do interessado).

Já neste Tribunal, em despacho do ora relator, depois de se afirmar que não existia contradição jurisprudencial quanto à primeira questão, concluiu-se deste modo:

"Decisiva para os dois acórdãos em confronto foi a outra questão também suscitada pelo recorrente (…): saber se o titular do crédito sob condição tem de requerer previamente que seja fixado o número de votos a esse crédito, como se decidiu no acórdão fundamento; ou se essa fixação é oficiosa, como se entendeu no acórdão recorrido.

Aqui, sim, a oposição entre os acórdãos é patente, tendo o entendimento adoptado quanto a tal questão sido determinante para a decisão a que se chegou em cada um desses acórdãos.

Entende-se, por isso, que o recurso de revista, interposto nos termos do art. 14º, nº 1, do CIRE – e, assim, como revista normal – deve ser admitido e prosseguir, mas com o objecto limitado a esta segunda questão".

Tendo esta decisão transitado em julgado, é, pois, apenas a questão aí enunciada que importa decidir neste recurso.

III.

A factualidade relevante a considerar na apreciação do recurso é a que consta dos pressupostos de facto contidos na decisão da 1ª instância, acima reproduzida, que emergem dos elementos constantes dos autos, com eles estando conformes, e não foram, por qualquer modo, contrariados pelas partes.

IV.

Discute-se então neste recurso se o titular do crédito sob condição tem de requerer previamente que seja fixado o número de votos a esse crédito ou se essa fixação é oficiosa.

Estamos no âmbito de um processo especial para acordo de pagamento (PEAP), introduzido pelo DL 79/2017, de 30/6, e que, como se prevê no art. 222º-A do CIRE[2], se destina a permitir ao devedor – que não seja uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente – estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.

Trata-se de um processo especial, "desenhado" à semelhança do PER (agora dirigido apenas às empresas – art. 17º-A), destinado predominantemente a pessoas singulares e a evitar a insolvência destas (e a liquidação patrimonial que é própria desta).

Dispõe o art. 222º-A, nº 3 que este processo especial tem carácter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente Código que não sejam incompatíveis com a sua natureza.

Assim, a par da remissão geral que é feita nos termos do art. 17º, nº 1 para as normas de processo civil (preceito também alterado na reforma de 2017), prevê-se, agora expressamente, naquela norma a aplicação subsidiária directa das regras contidas no CIRE que não sejam incompatíveis com as regras do PEAP. Questão é que, como se adverte no acórdão recorrido, as disposições deste procedimento se apresentem lacunosas.

Dirigindo agora a nossa atenção para a questão decidenda, que tem a ver com a votação e aprovação do acordo de pagamento, cumpre começar por referir que, como se prevê no art. 222º-F, nº 4, a votação é efectuada por escrito, aplicando-se o disposto no art. 211º com as necessárias adaptações, sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal.

Prescreve-se no art. 211º, nº 1 que na votação apenas podem participar os titulares de créditos com direito de voto, o que pressupõe a prévia definição dos credores com direito a voto e do número de votos atribuídos a cada um desses credores, matérias a que, no que não esteja previsto em regras específicas do PEAP, deve ser aplicado o regime estabelecido em normas do art. 73º, com as necessárias adaptações.

É o caso do nº 1 dessa norma, segundo o qual os créditos conferem um voto por cada euro ou fracção, mas aqui (PEAP) com referência à lista de créditos elaborada pelo AJP.

Será também aplicável o disposto no nº 2: o número de votos conferidos por crédito sob condição suspensiva é sempre fixado pelo juiz, em atenção à probabilidade da verificação da condição.

Prescreve ainda o nº 4 do art. 73º que a pedido do interessado pode o juiz conferir votos a créditos impugnados, fixando a quantidade respectiva, com ponderação de todas as circunstâncias relevantes, nomeadamente da probabilidade da existência, do montante e da natureza subordinada do crédito, e ainda, tratando-se de créditos sob condição suspensiva, da probabilidade da verificação da condição.

No que concerne a créditos impugnados, importa notar, porém, que, como decorre do art. 222º-F, nº 3, o juiz pode computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos.

Assim, o legislador consagrou expressamente para o PEAP norma idêntica àquela que é aplicável ao processo de insolvência, no que respeita à atribuição de votos a créditos impugnados.

A questão aqui discutida tem a ver com a interpretação e aplicação do conjunto destas normas.

No acórdão recorrido afirma-se que, relativamente a créditos impugnados, contendo o procedimento uma disposição específica (art. 222º-F, nº 3), não existe nesta matéria qualquer lacuna, não tendo, pois, aplicação a norma do art. 73º, nº 4, que faz depender de requerimento do interessado a contabilização dos créditos impugnados. Estando em causa créditos sob condição, aplicável será, sim, o nº 2 desse artigo, que atribui a fixação de votos ao juiz, sem necessidade de prévio requerimento para esse efeito.

No acórdão fundamento preconiza-se solução diferente, por paridade com o que sucede no processo de insolvência: com fundamento na aplicação do art. 73º, nº 4 e considerando o princípio geral do pedido, "a fixação (…) do número de votos que cabem aos créditos subordinados a condição suspensiva dependerá sempre do pedido adrede formulado pelo credor em causa, ao contrário do que sucede relativamente aos créditos impugnados por força do disposto no corpo do nº 3 do art. 222º.F do CIRE".

Trata-se, realmente, de questão controvertida, quer na jurisprudência[3], quer na doutrina[4].

Tendo em atenção o que acima se afirmou sobre o regime do PEAP e sobre o recurso subsidiário às regras do processo de insolvência e considerando que naquele se estabelece regra específica para a atribuição de votos aos créditos impugnados, que é semelhante – mesmo que sem mencionar os créditos sob condição – à norma correspondente aplicável ao processo de insolvência, entende-se dever ser acolhida a solução preconizada no acórdão aqui recorrido.

Desde logo, por ser a solução que melhor parece ajustar-se à letra das aludidas normas. Com efeito, o art. 73º, nº 4 dirige-se, na insolvência, a créditos impugnados, mesmo aqueles que estejam sujeitos a condição suspensiva e, neste caso, a pedido do interessado, o juiz fixa ao crédito a quantidade de votos em atenção à possibilidade de verificação da condição.

Este critério repete o estabelecido no nº 2 do art. 73º, só podendo, por isso, esta norma ter por objecto créditos sob condição que não tenham sido impugnados.

Ora, consagrando o art. 222º-F, nº 3 (corpo) o critério para a fixação do valor dos créditos impugnados, sem a sujeitar a pedido do credor interessado, não existe, neste âmbito, parece-nos, omissão legal que deva ser suprida com o recurso à aplicação do art. 73º, nº 4.

Aos créditos reconhecidos sob condição suspensiva não impugnados será aplicável o regime do art. 73º, nº 2, sendo os votos fixados oficiosamente, independentemente de requerimento do credor nesse sentido.

Aliás, se no âmbito do PEAP não é exigido o pedido do interessado para a contabilização do respectivo crédito impugnado, não se vê justificação para adopção de um critério diferente no que toca a créditos sob condição (não impugnados).

Por outro lado, a lista de credores tem no PEAP (assim como no PER) um sentido e alcance próprio: "a inclusão na lista visa simplesmente determinar quem pode participar nas negociações, as maiorias de aprovação e quem pode votar"[5]. Por isso, para exercer o direito de votar basta ao credor que o seu crédito seja incluído na lista.

Assim, como se afirma no acórdão recorrido, "a oficiosidade na fixação de votos aos créditos qualificados sob condição suspensiva (para, na medida do que vier a ser fixado, ser considerado no cômputo das maiorias) não constitui uma qualquer exceção ao princípio do pedido, antes uma limitação do pedido que subjaz à reclamação de créditos e/ou à sua inclusão na lista de créditos elaborada pelo AJP, enquanto instrumento legitimador do exercício de direitos no âmbito do PER ou do PEAP, que inclui o direito de integrar o quórum deliberativo para aprovação ou não aprovação do plano através do exercício do voto. O que vale por dizer que o crédito reclamado e/ou inscrito na lista disporá sempre do direito de voto na medida correspondente ao seu montante, exceto se for impugnado ou reconhecido sob condição suspensiva. Nestes casos, conforme acrescenta Catarina Serra, a exigência do pedido para a sua consideração e fixação do número de votos apenas causaria dificuldades porque, na ausência de assembleia de credores e, assim, não estando o Juiz presente na votação, o credor teria de estimar a melhor oportunidade para o fazer, estimando o prazo razoável necessário para uma resposta em tempo útil".

Entende-se, pois, por estas razões, que a decisão que considerou ilegal a preterição dos direitos de voto dos créditos reconhecidos sob condição suspensiva não merece qualquer censura.

Em conclusão:
 No âmbito do PEAP, estando em causa créditos sujeitos a condição suspensiva não impugnados, é aplicável o regime previsto no art. 73º, nº 2 do CIRE, sendo o número de votos correspondente a esses créditos fixado oficiosamente em atenção à probabilidade da verificação da condição.

V.

Em face do exposto, nega-se a revista confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2021

F. Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

Tem voto de conformidade dos Exmos Adjuntos (art. 15ºA aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

_______________________________________________________


[1] Proc. nº 11773/19.7T8LSB.L1.S1
F. Pinto de Almeida (R. 376)
Cons. José Rainho; Cons.ª Graça Amaral
[2] Serão deste diploma todos os preceitos legais adiante citados sem outra menção.
[3] Pronunciaram-se sobre esta questão, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 10.01.2019 (Proc. 3017/18), no sentido da não aplicação do art. 73º, nº 4, e de 25.11.2014 (Proc. 1999/13), no sentido de que a fixação de votos do crédito sob condição fica condicionado a requerimento do respectivo credor,
[4] Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, 424 e 428) e Fátima Reis Silva (Processo Especial de Revitalização, 62) defendem que o art. 73º, nº 4 não tem aqui aplicação.
Posição contrária é sustentada por Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed., 173 e 408) e Bertha Parente Esteves [Da aplicação das normas relativas ao plano de insolvência ao plano de recuperação conducente à revitalização, em II Congresso de Direito da Insolvência (coord. de Catarina Serra), 272].
[5] L. M. Pestana de Vasconcelos, Recuperação de Empresas: o Processo Especial de Revitalização, 56.