I - A perda do benefício do prazo do devedor, não se estendendo ao fiador, torna necessário que também este seja interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, para obstar à realização coactiva da prestação.
II - A interpelação do fiador por parte do credor não se confunde com a citação que lhe haja sido realizada na execução para exigir o pagamento da totalidade da dívida, porque a citação não permite ao fiador a oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas.
III - No entanto, quando a causa do vencimento antecipado da totalidade da dívida resulta da declaração do devedor como insolvente, porque neste caso o vencimento é automático e independente de qualquer interpelação (art. 91.º do CIRE), o fiador deixa de ter a possibilidade de se lhe opor e oferecer o pagamento para evitar posteriores vencimentos e a mora.
IV - No caso de declaração de insolvência do devedor, a aceitação da relevância da citação do fiador na execução, antes de lhe ter sido feita interpelação, não tem o obstáculo legal de o vencimento da dívida só poder ser exigível ao fiador em execução depois de ele ter sido interpelado, porque com essa citação não há nenhum direito legalmente tutelado, com incidência no regime de vencimento da dívida, que lhe seja subtraído.
V - Constando do requerimento executivo a concretização do fundamento do vencimento antecipado e o valor concreto das prestações em dívida com a citação para a execução é exigível ao fiador todas as prestações em dívida e devidas até final do prazo dos referidos contratos, com os juros respectivos a partir da citação.
Relatório
AA deduziu embargos de executado contra Caixa Geral de Depósitos, SA alegando que não teve conhecimento de que a mutuária deixou de cumprir com as prestações de reembolso dos valores que lhes foram entregues pela exequente através dos contratos dados à execução, desde 11.09.2011, não tendo sido notificado por aquela dessa situação nem teve conhecimento de que o bem hipotecado lhe foi adjudicado, já que nunca foi interpelado pela exequente para proceder à regularização da dívida, tendo ficado privado de pôr cobro à mora.
Depois de ter tido conhecimento da insolvência da mutuária, procurou informar-se junto da exequente da situação dos mútuos, informação que nunca obteve. Assim, dada a falta de interpelação e de comunicação resolutiva, é inexigível a obrigação exequenda.
Admitidos os embargos de executado, foi notificada a exequente para deduzir contestação, o que fez.
Alegou que os contratos dados à execução são títulos executivos válidos e que por força das cláusulas 15ªs dos contratos, pode a exequente considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento, pela parte devedora ou por qualquer dos restantes interessados, de qualquer obrigação decorrente do contrato; com a citação do embargante para os presentes autos ocorreu a interpelação para proceder ao pagamento da dívida, pelo que é esta exigível atendendo ao incumprimento da mutuária, que foi declarada insolvente no processo nº …… do Juízo de Comércio de ......, a exequente tem o direito de considerar incumpridos os contratos e exigível, e em mora, todo o seu crédito.
Instruídos os autos, por sentença foram julgados procedentes os embargos de executado deduzidos por AA contra Caixa Geral de Depósitos, SA, declarando extinta a execução.
… …
Interposto recurso de apelação a Relação julgou-a parcialmente procedente e, revogando a sentença recorrida, decidiu:
a) - julgar os embargos deduzidos pelo executado AA apenas procedentes no que toca aos juros moratórios, declarando-se não exigíveis os juros que foram peticionados de 11.9.2011 até 30.5.2018, data da sua citação;
b) – determinar o prosseguimento dos embargos, a fim de se proceder ao apuramento do concreto montante do capital em dívida nos termos que se deixaram expostos em 8, supra.
… …
Desta decisão interpôs recurso o executado/ recorrente concluindo que:
“ 1 - O douto acórdão ora em crise julgou parcialmente procedente a apelação interposta pela exequente e revogando a sentença proferida em 1ª instancia, decidiu que, apesar de a perda do beneficio do prazo não ser extensível ao fiador e de não existir a interpelação admonitória para proceder ao pagamento do valor em dívida, nem a título de mora, nem a título de vencimento antecipado da obrigação, a citação para a execução conduz à imediata exigibilidade de todas as prestações em divida e devidas até ao final dos prazos contratos, acrescida de juros moratórios a contar dessa data, despesas e comissões peticionadas pela exequente, ordenando o prosseguimento dos autos para o apuramento do concreto montante em divida calculado nesses termos.
2ª – Ora, com o devido respeito por melhor opinião, não pode o recorrente concordar com o douto acórdão recorrido na parte que considera que, apesar de não existir a interpelação admonitória ao embargante fiador para proceder ao pagamento do valor em divida, nem a titulo de mora, nem a titulo de vencimento antecipado da obrigação, interpelação e de ainda não se encontrar apurado nos autos o concreto montante do eventual capital em divida, a citação para a execução conduz á imediata exigibilidade de todas as prestações em divida e devidas até ao final do prazo do contrato, assim como dos juros moratórios a partir dessa data, ficando o recorrente igualmente responsável pelas despesas e comissões peticionadas pela exequente, que lhe é desfavorável, delimitando assim, objetivamente o âmbito do presente recurso a essa parte da decisão.
Senão vejamos,
3ª Não tendo havido recurso da decisão sobre a matéria de facto proferida em 1ª Instância, têm-se esta por definitivamente fixada e assente, que aqui por economia processual se considera integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos.
4ª Resulta assim assente quer na decisão proferida em 1ª instância quer na decisão ora em crise, que a exequente não procedeu à interpelação do embargante/fiador, para proceder ao pagamento do valor em dívida pelos mutuários, nem a título de mora, nem a título de vencimento antecipado da obrigação (alínea M dos factos provados).
5ª- Igualmente nas decisões proferidas nas duas instâncias é entendimento coincidente de que a perda do benefício do prazo não é extensível ao fiador e que perante a declaração de insolvência do devedor o credor não pode imediatamente, sem mais, demandar o fiador do devedor declarado insolvente.
6ª- Pelo que, temos como divergente nas duas decisões a relevância a atribuir à citação para a execução efetuada ao embargante/ fiador e os seus efeitos, a inexigibilidade da obrigação exequenda e a discordância do recorrente quanto aos pressupostos ordenados para o concreto apuramento do eventual montante em divida ordenado na decisão ora em crise.
7ª- Assim, como bem se refere na sentença proferida em 1ª instância, verificada a ausência da interpelação admonitória do fiador, não pode a mesma considerar-se realizada através da citação para a execução, porque esta não visa por termo à mora ou impedir a resolução do contrato.
8ª- A citação é um acto jurídico pelo qual se dá conhecimento a determinada pessoa de que foi proposta contra ela determinada ação, se intima a comparecer em juízo e se adverte de que, no caso da ação executiva, deve pagar ou se opor em determinado prazo e sob determinadas sanções e, com o devido respeito, não tem os mesmos efeitos que a realização da interpelação admonitória.
9ª- Pelo que, a citação para a execução não se mostra idónea para afastar a regra do artigo 782 e fazer funcionar o regime do artigo 781, ambos do C.C, com vencimento da totalidade das prestações, conforme tem sido entendimento jurisprudencial, de que é exemplo Acórdão do STJ de 20-09-2007, proc. n.º 2228/07, Relator Duarte Soares, Acórdão do STJ de 29-11-2016, proc. n.º 100/07.6TCSNT-A.L1.S1 Relator Gabriel Catarino.
10ª- Também neste sentido o Acórdão do STJ de 19-01-2016, proc. n.º 1453/12.0TBGDM-B.P1.S1 Relator Gabriel Catarino refere:
I - Num contrato de mútuo liquidável em prestações, a perda do benefício do prazo e a obrigação do pagamento antecipado das prestações vincendas prevista no art. 781.º do CC, depende da interpelação prévia dos devedores.
II -A interpelação do mutuário não dispensa a interpelação autónoma do fiador.
III - A interpelação autónoma do fiador não se tem por realizada com a citação para a acção executiva.
IV - Neste caso, o fiador unicamente pode responder pelas prestações vencidas e não pagas e respetivos juros, até à data da propositura da acção executiva.
11ª – Ora, é certo que nos termos do acordo dos autos, o pagamento da quantia objeto dos contratos de que o embargante se constituiu fiador deveria ser efetuado em prestações e, assim, faseadamente. Nesta medida, tem aplicação o disposto no artigo 781º do CC, que disciplina a «Dívida liquidável em prestações», dispondo que «Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.»
12ª- Mas, deste preceito resulta a mera exigibilidade das prestações e não o vencimento automático, vencendo-se apenas depois da interpelação.
13ª- Pois, o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se venceu, constitui um benefício que a lei concede ao credor, não prescindindo de interpelação ao devedor, na medida em que constituindo uma mera faculdade que aquele pode ou não exercer, pretendendo fazê-lo, deverá dar disso conhecimento ao devedor.
14ª- A posição que não há vencimento automático, por se entender que da lei decorre uma exigibilidade antecipada por solicitação e iniciativa do credor – tem sustentação na doutrina e jurisprudência dominante de que é exemplo o Acórdão do STJ de 25/5/2017, proc. 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2 Relator Olindo Geraldes, e Acórdão do STJ de 14/11/2006, proc. 06B2911 Relator Bettencourt de Faria, entre outros
15ª- Assim, salvo estipulação contratual em sentido diverso, a perda do benefício do prazo, instituída no artigo 781º do CC, não se estende aos coobrigados do devedor, entre os quais se inclui o seu fiador, nos termos do referido artigo 782º do CC, pelo que, querendo agir contra estes, o credor terá de aguardar o momento em que a obrigação normalmente se venceria.
16ª- Também sobre o sentido do art.º 782.º do CC, Ana Prata, in CC Anotado, Vol. I, Almedina, 2017, p. 980, esclarece que “a perda do benefício do prazo pelo devedor, em razão da aplicação do art.º 780.º ou 781.º, não se comunica aos condevedores, solidários ou conjuntos, como também não a um terceiro que tenha assumido uma garantia pessoal (fiança ou aval) ou tenha dado um bem seu em garantia da obrigação (hipoteca ou penhor).”
17ª- Contudo, para além dos casos de exigibilidade antecipada previstos nos arts. 780º e 781º, ambos do CC, prevê o art. 91º, nº 1, do CIRE, que, com a declaração judicial de insolvência, a dívida a prazo se vence antecipadamente, sem necessidade de interpelação do credor ao devedor: dá-se o vencimento automático antecipado.
18ª- Não obstante, a perda do benefício do prazo resultante da insolvência de um só dos devedores, quando a dívida seja solidária, não se estende aos outros co-obrigados, desde que não tenha sido estipulada convenção em contrário ou não se verifique, também quanto a eles, causa determinante dessa perda, conforme entendimento jurisprudencial de que é exemplo o Acórdão do STJ de 18.1.2018, P. 123/14.9TBSJM-A.P1.S2, Relator Henrique Araújo.
19ª- Também Manuel Januário da Costa Gomes em "Sobre os Poderes dos Credores contra os Fiadores no Âmbito da Aplicação do CIRE. Breves Notas", no III Congresso do Direito da Insolvência, Coord. por Catarina Serra, Almedina, 2015, págs. 329/330, sustenta a subsistência do art. 782º mesmo no caso de insolvência declarada, ao contrário do que foi decidido na decisão em crise.
20ª- Ora, in casu porque não renunciou o recorrente/fiador ao benefício do prazo e a sua perda estabelecido a favor do devedor/principal não se estende ao fiador, é, manifesto que, estando o aludido benefício do prazo inequivocamente relacionado com as prestações vincendas, vedado está à exequente/credora e em sede de execução exigir do executado/fiador o pagamento de quaisquer prestações vincendas, sem prejuízo de, relativamente às mesmas, poder já o credor/exequente lançar mão da possibilidade de cumulação sucessiva de execuções prevista no artigo 711.º CPC.
21ª- Pelo que, conforme dispõe o artigo 782 do C. Civil só ao devedor que dá causa ao vencimento imediato da obrigação pode ser exigido o cumprimento parcial ou total antes de terminar o prazo estabelecido, já que a perda do benefício não se aplica ao fiador.
22ª – Ora, numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, pode provocar a insolvência do devedor, aqui embargante, a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ n.º 107, pág. 285).
23ª- Pretende-se assim evitar que o fiador seja responsável para além da medida do risco que assumiu e evitar a sua ruína, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros, comissões e outras despesas, ruina que inevitavelmente poderá vir a suceder nos presentes autos, pois o embargante é homem de 63 anos, com vários problemas de saúde, sério, honrado, cumpridor dos seus compromissos sem nunca ter sido demandado em Tribunal por qualquer divida ou outra razão de natureza civil ou criminal, mas que vive exclusivamente do seu salário e tem a seu cargo um filho menor.
24ª- Alinhando pelo mesmo entendimento, também para Manuel Januário da Costa Gomes in “Assunção Fidejussória deDivida,sobre o Sentido e oÂmbito da Vinculação como Fiador, coleção Teses, Almedina) limita-se o artigo 782º, do CC , a consagrar em sede da fiança um princípio geral, a saber, o de que não são extensivas ao fiador as modificações de prazo com que ele não conte ou não possa razoavelmente contar, o que de todo não justifica concluir estar-se na presença de uma beneficiação do fiador, “já que o que se pretende evitar é que seja responsável para além da medida do risco que assumiu.”
25ª- Sendo relevante referir que, nos presentes autos, não só a exequente não efetuou qualquer interpelação ao aqui embargante, como este, por diversas vezes, a interpelou para que o informassem sobre o estado dos contratos, a ultima das quais, através de mandatária, após ter tido conhecimento que a mutuária havia sido declarada insolvente, conforme documento nº 1, 1- A e 1- B juntos com a oposição, sem que nunca lhe tivesse sido concedido qualquer resposta ou informação.
26ª- E neste contexto, a 30/5/2018 é o embargante/ fiador confrontado com o incumprimento do devedor, e é interpelado, não apenas para proceder à regularização de uma eventual divida, ou seja, da possibilidade de pôr cobro à mora, mas mais do que isso, para proceder de imediato ao pagamento de todas eventuais responsabilidades decorrentes dos contratos de mútuo outorgados com o devedor.
27ª- Em rigor, portanto, a exequente não interpelou o fiador/recorrente no sentido de pagar as prestações vencidas (com a indicação do valor e data de vencimento das prestações vencida(s) e não pagas até ao momento) e as que se forem vencendo pelo decurso do tempo(porque a perda do beneficio do prazo do devedor não se lhe estende), antes intima-o para de pronto regularizar/liquidar um eventual valor global e correspondente ao resultante da imediata liquidação total de dois créditos decorrentes de contratos de mútuo outorgados com o devedor.
28ª- Ora, se o fiador não for informado pelo credor do vencimento da obrigação, isto é, se não for colocado em condições de poder cumprir nos mesmos termos em que o pode fazer o devedor, daí não poderá resultar um aumento do seu risco, ou seja: o fiador, quando for, mais tarde, intimado para cumprir, não estará vinculado a mais do aquilo que estaria se fosse esse o momento do vencimento da obrigação tornado possível pela interpelação.
29ª- Pelo que, tendo o embargante a qualidade de fiador e não tendo existido perda do beneficio do prazo nem efetuada a sua interpelação admonitória, apenas lhe são exigíveis as prestações vencidas e não pagas à data da propositura da execução, neste sentido,entre outros, Acórdão do STJ de 05-05-2011 processo nº 5652/9.3TBBRG.P1.S1, Acórdão do TRC de 7.6.2016, processo nº 783/1 relatado por Maria João Areias, Acórdão do TRP de 21.2.2017, processo 2577/14 relatado por Maria Cecília Agante, Acórdão da TRP de 26.01.2016 processo1453/12.o TBGDM-a.P2, Acórdão do TRC de 03.07.2012 relatado por Carlos Querido, Acórdão do TRC de 27.01.2005 relatado por Jaime Ferreira, entre outros.
30ª- Não tendo a exequente cumprido o ónus de informar o fiador, ora executado, e sido este instado apenas para pagar já no decurso do presente processo executivo, não lhe é eficaz o agravamento da divida posterior ao momento em que razoavelmente deveria ter sido informado da quebra de pagamentos (Manuel Januário da Costa Gomes “ Assunção Fidejussória de Divida, pág. 961 e 962), o que consubstancia a exceção de inexigibilidade da obrigação exequenda invocada.
31ª- Sem prescindir e noutra ordem de considerações, caso se entenda que em face da alienação e adjudicação do imóvel hipotecado nas circunstâncias descritas nos autos se deve apurar o concreto montante em dívida, entende o recorrente de, em divergência com a decisão em crise que, para a determinação desse capital, importa que seja apurado o valor do capital já pago por via das prestações anteriormente efetuadas, bem como pela imputação, a esse título, do valor atribuído à credora com a adjudicação e as demais quantias por esta recebidas no âmbito da insolvência onde reclamou os seus créditos, em ordem a calcular então o montante do capital remanescente, na linha do ditame jurisprudencial enunciado no AUJ do STJ n.º 7/2009, de 05/05/2009.
32º- Alias, em virtude da referida alienação do imóvel dado em garantia, impunha-se que a credora procedesse ao novo cálculo do remanescente do capital ainda em dívida e o comunicasse aos fiadores, o que não fez.
33ª- Sem uma tal liquidação, cujo ónus impendia sobre a credora aqui exequente e cuja falta não se mostra imputável ao fiador ora embargantes e sem a realização da interpelação admonitória do mesmo, não é lícito que se considere este, constituído em mora como decorre do preceituado no 805.º, n.º 3, 1.ª parte, do CC e assim que lhe seja exigida a totalidade do montante que se encontra em divida acrescida de juros moratórios, despesas e comissões como foi determinado na decisão em crise.
34ª- Pelo que, ao contrario do entendimento plasmado na douta decisão ora em crise, entende o recorrente que, caso se considere que a citação para a execução constitui interpelação para pagamento, não assiste à exequente o direito a exigir do mesmo o pagamento da totalidade das prestações “em dívida”, mas apenas das já vencidas e não pagas até à data da instauração da execução e sem a contabilização dos juros moratórios, despesas e comissões que este não deu origem.
35ª- Pois encontrando-se ainda ilíquido o eventual capital em divida que, como se refere no douto acórdão ora em crise, poderá nem sequer existir, e não tendo o embargante sido interpelado para cumprir, este não está em mora e desta forma não pode ser responsabilizado por juros moratórios, despesas e comissões que o incumprimento do devedor principal tenha dado origem.
36ª - Ainda, tendo a exequente já recebido o montante de € 114.750,00 (cento e catorze mil setecentos e cinquenta euros) pela adjudicação do imóvel hipotecado, conforme factos assentes em L) (após a correção ordenada), ao que acresce agora o montante de € 9.412,39 (nove mil quatrocentos e doze euros e trinta e nove cêntimos) que recebeu após o rateio efetuado na insolvência, o que se encontra documentado nos autos por requerimento de 23/9/2019 refª ….., verifica-se que na totalidade a exequente recebeu € 124.162,39 ( cento e vinte e quatro mil cento e sessenta e dois euros e trinta e nove cêntimos), quantia esta que excede largamente os valores a que teria direito a receber até à data, caso fosse cumprido o calendário de pagamento de capital e juros inicialmente acordado, o que, também por aqui, conduz à extinção da presente execução.
37ª- Pelo que, sempre com o respeito que é muito, o douto acórdão recorrido não fez uma correta interpretação da lei, nomeadamente do disposto nos artigos 781, 782, 805 nº 1 e nº 3 primeira parte todos do Código Civil.
… …
Nas contra-alegações a recorrida defende a confirmação da decisão apelada.
Colhidos os vistos, cumpre decidir
… …
Fundamentação
Encontra-se provada a seguinte matéria de facto:
A) No exercício da sua atividade creditícia, a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. celebrou com BB, um Contrato de Compra e Venda com Mútuo com Hipoteca e Fiança, no montante de € 127.500,00, formalizado por escritura pública de .. de agosto de 2006.
B) Contrato esse em que o ora executado/embargante e AA e demais fiadores declararam o seguinte:
“Que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Caixa em consequência do empréstimo aqui titulado dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre o Banco e a parte devedora, renunciando ao benefício da excussão prévia e aceitando que a estipulação relativa ao extrato da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança, e que também conhecem perfeitamente o conteúdo do referido documento complementar, pelo que é dispensada a sua leitura.”
C) A cláusula 15ª do documento complementar da escritura referenciada em A), com a epígrafe “Incumprimento/Exigibilidade Antecipada” prevê o seguinte:
“1 – A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o imediato pagamento no caso de, designadamente:
a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;
b) Incumprimento pela parte devedora de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com a Caixa ou com empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo;
c) Venda, permuta, arrendamento ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, sem o prévio acordo, escrito, da Caixa, dos bens que sejam ou venham a ser dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte de uso corrente;
d) Propositura contra a parte devedora de qualquer execução, arresto, arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativa que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens;
e) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito.
2 – Caso ocorra qualquer das situações referidas no número anterior, a Caixa fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados.”
D) Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato referenciado em A), foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano sito em alto de ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ....
E) No exercício da sua atividade creditícia, a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. celebrou em .. de agosto de 2006, com BB, um Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança, no montante de € 10.000,00.
F) Contrato esse em que o ora executado/embargante figura como terceiro outorgante na qualidade de fiador.
G) A cláusula 12ª do contrato em causa, com a epígrafe “Garantia e Fiança”, prevê o seguinte: “ Os terceiros outorgantes responsabilizam-se solidariamente com os segundos como seus fiadores e principais pagadores pelo pagamento de tudo o que vier a ser devido à Caixa em consequência deste contrato e dão desde já o seu acordo a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a Caixa e, bem assim, às alterações da taxa de juro permitidas por este contrato, renunciando-se ao benefício da excussão prévia e aceitando que a estipulação relativa ao extrato da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.”
H) A cláusula 15ª do contrato referenciado em E), com a epígrafe “Incumprimento/
Exigibilidade Antecipada” prevê o seguinte:
“1 – A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o imediato pagamento no caso de, designadamente:
a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;
b) Incumprimento pela parte devedora de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com a Caixa ou com empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo;
c) Venda, permuta, arrendamento ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, sem o prévio acordo, escrito, da Caixa, dos bens que sejam ou venham a ser dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte de uso corrente;
d) Propositura contra a parte devedora de qualquer execução, arresto, arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativa que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens;
e) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito.
2 – Caso ocorra qualquer das situações referidas no número anterior, a Caixa fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados.”
Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato referenciado em A), foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano sito em alto de ..., freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ....
J) A partir de 11.09.2011, a mutuária deixou de efetuar o pagamento das prestações a que se havia obrigado pelos contratos supra referenciados.
K) A mutuária BB foi declarada insolvente no âmbito do processo ...... do Juízo de Comércio de ....... No âmbito do referido processo de insolvência da mutuária, onde a exequente reclamou o crédito exequendo, veio-lhe a ser adjudicado o prédio identificado em D) e I) pelo valor de 114.000,00€.
M) A Caixa Geral de Depósitos SA não procedeu à interpelação da ora embargante para proceder ao pagamento do valor em dívida pelos mutuários, nem a título de mora, nem a título de vencimento antecipado da obrigação.
… …
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme prevenido no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
Neste sentido, o objeto da revista remete para a questão de saber se é necessária interpelação da fiadora para que lhe possa ser exigido o pagamento resultante do vencimento antecipado de todas as prestações, por incumprimento por parte do devedor de uma delas, e a relevância da citação do embargante/fiador no domínio da exigibilidade da obrigação exequenda.
… …
Como decorre dos factos provados, o recorrente/embargante figura nos contratos, oferecidos como títulos executivos, como fiador e foi nessa qualidade que foi demandado.
A fiança, como garantia especial das obrigações, é na definição legal do art. 627 do CCivil o vínculo jurídico pelo qual um terceiro/fiador se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor (cfr. prof. A. Varela, in “Das Obrigações em Geral, vol. II, 6ª ed., pág. 475 e art. 627 nº1, do C. Civil.).
Como garantia pessoal, a obrigação do fiador é conformada pelas características de acessoriedade e subsidiariedade encontrando a primeira (a mais essencial das duas) a sua expressão no nº 2 do artº 627 do C.C., traduzindo a ideia de a fiança ficar subordinada a acompanhar a obrigação afiançada, com as consequências que se encontram fixadas nos arts. 628, 631, 632, 634, 637 e 651, todos daquele mesmo diploma legal. Como escreve Antunes Varela, (op. cit. pág. 471), o fiador é um verdadeiro devedor, mas a obrigação que assume é acessória da que recai sobre o obrigado, entendida esta nos termos e com as consequências previstas nestes últimos normativos legais citados, e muito especialmente no sentido de que tal obrigação, que assume, é a do devedor (principal) e não uma obrigação própria e autónoma daquele.
Por sua vez, a subsidiariedade, que não pode ser vista de forma totalmente isolada daquela primeira característica, é um benefício estabelecido exclusivamente a favor do fiador e que se desenvolve no princípio, segundo o qual, ele só responderá pelo pagamento da obrigação se, e quando, se provar que o património do devedor (afiançado) é insuficiente para a solver. Por outras palavras, a subsidiariedade concretiza-se no chamado benefício de excussão, o qual, por sua vez, consiste no direito que o fiador tem de recusar o cumprimento da obrigação enquanto não estiverem executidos todos os bens do devedor principal, princípio esse que se encontra consagrado no art. 638 do C.C., ao estipular que ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver executido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito (nº 1), podendo ainda, inclusive, o fiador continuar a recusar o seu cumprimento, mesmo para além dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor (cfr. nº 2) .
Sendo o princípio da subsidiariedade a regra na fiança, ele comporta excepções, quer de carácter geral quer especial, levando a que, verificadas as situações nelas contempladas, não ocorra o denominado benefício de excussão. As primeiras ocorrem nas situações previstas nas als. a) e b) do art. 640 do C.C., destacando-se aqui a referida naquela primeira alínea e que tem lugar sempre que o fiador houver renunciado (de forma expressa ou tácita) a tal benefício e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador. Entre o segundo tipo de excepções especialmente previstas, deixamos simplesmente nota, por completude de exposição e a título exemplificativo, a que se prevê no art. 101 do Código Comercial, onde se estabelece que “todo o fiador de obrigação mercantil, ainda que não seja comerciante, será solidário com o respectivo afiançado” (vd. Pedro Romano Martinez, Garantias de Cumprimento 4ª edição,2006 pag. 19 e Fernando Gravato Morais, in “Contratos de Crédito ao Consumo”, Almedina, 2007, pág. 346-347).
A fiança, depois de estabelecida, está vocacionada para cessar apenas quando terminar a obrigação garantida (art. 651), o que é uma consequência da apontada natureza acessória da garantia, sem prejuízo do regime particular, quer quanto à invalidade da obrigação principal (art. 632), quer quanto ao caso julgado (art. 635) e prescrição (art. 636) e sem esquecer a possibilidade de, por acordo das partes, estas poderem fazer finalizar a fiança.
Observado sumariamente o regime desta garantia, no que interessa à decisão delimitada pelas conclusões de recurso, não se questiona a validade da fiança que o recorrente prestou, nem que renunciou ao benefício da excussão prévia, isto é, à faculdade de recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver executido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito (art. 638 nº 1), não tendo, porém, renunciado ao benefício do prazo da prestação que, nos termos do art. 779, por regra, se tem por estabelecido a favor do devedor, sendo no fim do prazo estabelecido que o credor poderá exigira obrigação ao devedor. Sucede que a lei permite que em determinadas situações e mediante certas circunstâncias ocorra a perda do benefício do prazo, podendo o credor exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação. Assim é que, se o devedor nas dívidas liquidáveis em prestações faltar ao pagamento de uma delas, isso importa o vencimento de todas (art. 781), de igual a que, se o devedor tornar insolvente, o credor pode exigir o cumprimento imediato da obrigação (art. 780 nº 1), sendo esta situação ocorrente nos autos porquanto, a mutuária BB foi declarada insolvente no âmbito do processo com o nº …… do Juízo de Comércio de ...... - al K -, o que determinou o imediato vencimento de toda a dívida, em conformidade com o art. 91º, nº 1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Assente que, por força da declaração de insolvência da mutuária, se operou o imediato vencimento de todas as suas obrigações, daqui não decorre que o credor possa imediatamente, e sem mais, demandar o fiador da devedora entretanto declarada insolvente. Em verdade, pelo regime da fiança enunciado, é inexacto dizer-se, como a recorrente sustenta, que sendo o objetivo da fiança garantir que o credor obtenha o resultado do cumprimento da obrigação principal, sendo a devedora interpelada (seja no processo de execução seja no de insolvência) não tem a credora nenhuma obrigação de comunicar ao fiador a situação de mora em que se encontra o devedor afiançado ou que, quando muito, seria sobre o próprio devedor que recaía o ónus de informar o fiador da situação de incumprimento, sobre a sua situação económico-financeira e sobre o estado das obrigações garantidas. Em diverso, o regime da perda do benefício do prazo relativamente ao devedor ( art. 782), em desvio à regra do art. 634, adverte que esta perda não se estende “aos co-obrigados do devedor nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”, ou seja, não se estende aos fiadores que não tenham renunciado a esse benefício, uma vez que a norma, sendo supletiva, permite que ao abrigo da liberdade negocial do art. 405 as partes possam convencionar em sentido contrário, o que no caso em apreciação não ocorreu. Sublinhe-se que a supletividade referida, permitindo que o fiador pudesse ter assumido desde logo a responsabilidade, no caso de perda do benefício do prazo, não se compadece com a referência nos contratos a que eles se tenham constituído como fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pelos primeiros outorgantes e hajam renunciado expressamente ao benefício de excussão prévia, expressão que não tem um tal alcance.
O que o art. 640, prevê é que “O fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores: a) Se houver renunciado ao benefício de excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador;”, sendo esses benefícios o da excussão em geral e o da excussão havendo garantias reais, cfr. arts. 638 e 639. No que concerne à assumpção da obrigação de principal pagador, ela apenas visa, integrada na fórmula que também abarca a renúncia ao benefício da excussão prévia - e correspondendo a uma particular forma daquela - a “solidariedade” da fiança, de modo que o credor possa, em caso de incumprimento, demandar desde logo o fiador pela totalidade da dívida.
Não se estendendo ao fiador a perda do benefício do prazo, importa averiguar os efeitos que o vencimento da obrigação principal tem sobre o crédito e débito da fiança, respondendo o ac. do STJ de 18-1-2018 na revista n.º 2351/12.2TBTVD-A que “a perda do benefício do prazo do devedor não se estendendo ao fiador torna necessário que também este seja interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, para obstar à realização coactiva da prestação.” (e em igual sentido o ac. STJ de 10-5-2007 no Proc. 07B841, in dgsi.pt)
Diferentemente, a apelação recorrida, em sintonia com Januário Gomes, “Assunção Fidejussória de Dívida”, Almedina, Colecção Teses, 2000, págs. 946/947, defende não ser de exigir previamente a interpelação do fiador, mas tão-só o cumprimento do dever de informar em obediência ao princípio da boa-fé e aos deveres acessórios de conduta que recaem sobre o credor, com apoio indirecto no princípio geral que se pode extrair do disposto no art. 782º do Cód. Civil. Para este entendimento existe diferença conceptual entre informar e interpelar de modo que, se a necessidade de informação alicerçada na boa-fé previne que o seu incumprimento por parte do credor, não informando o fiador, não possa prejudicar este, tal não significa que se exija uma verdadeira interpelação do credor ao fiador, porque esta se considera realizada com a que foi feita ao devedor e tem reflexo, per relationem, no âmbito da obrigação do fiador. “A perspectivação da necessidade de o credor informar o fiador do vencimento da obrigação como dever acessório de informação (…) conduziria directamente às regras de aplicação da obrigação de indemnização (art. 562 e ss.” (…)” obrigando a ter de ser o fiador, como lesado, “(…) em virtude do aumento da sua responsabilidade, possibilitado pelo vencimento da obrigação e posteriores ocorrências, a reagir, através da acção de indemnização contra o credor.” - cfr. Manuel Januário Gomes, op. loc. cit.
Não se pondo em causa a exactidão do que este autor afirma, e que foi transcrito na apelação recorrida, impõe-se corrigir que ele restringe esse entendimento às obrigações a termo certo nas quais o fiador sabe, desde o início da constituição da relação fidejussória, qual é o momento de vencimento da obrigação principal, não sendo necessária a interpelação do fiador pelo credor para despoletar a aplicação do regime previsto no artigo 634, atenta a acessoriedade da fiança e a natureza da obrigação - Januário Gomes, op. cit. pp. 942 e 943, e ainda em “Estudos de Direito das Garantias”, Vol. I, Almedina, págs. 234 e 235. Todavia, sendo a obrigação pura ou, estando sujeita a um termo certo, o credor é beneficiário exclusivo do prazo e, pretendendo obter o incumprimento antecipado, exige-se uma intimação ou pedido do credor, que vale como interpelação, para provocar o vencimento antecipado - Januário Gomes, op. cit. p. 944.
O defendido pela recorrente, que obteve satisfação em primeira instância, assenta na exigência de interpelação ao fiador, por parte do credor, para que possa ser exigida a este a sua responsabilidade como garante.
No caso em decisão o que motivou a exigência do imediato cumprimento da obrigação do devedor foi este ter sido declarado insolvente, embora a dívida fosse liquidável em prestações. Esta particularidade pode obviar ao que sustentava Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, Vol. II, 7.ª ed., Almedina, pp. 53-54, ao escrever: (…) que estando em causa no art. 781º do C.Civil um benefício concedido ao credor – que este poderá exercer ou não – não poderá ser dispensada a interpelação do devedor para cumprir, sendo que só com a interpelação – por via da qual o credor exerce o direito ou benefício que a lei lhe concede – poderá ocorrer a mora do devedor relativamente à totalidade da prestação.
Donde, nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no art. 781º, do C. Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.
Assim, se o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade) (…)”.
Em verdade, consente-se que a interpelação do devedor seja dispensável no caso do vencimento das prestações reportar à declaração de insolvência do devedor e não, directamente, à falta de pagamento de uma das prestações, só que, a posição do fiador perante o crédito não sofre alteração, quer o credor exija o cumprimento por força da insolvência ou em virtude da falta de realização de uma das prestações, esclarecendo-se que da leitura do requerimento executivo, se verifica que a exequente faz radicar o imediato vencimento das dívidas contraídas nos contratos em causa nos presentes autos, tanto no início da falta de pagamento de prestações pela mutuária (em 11.9.2011), quanto na declaração de insolvência desta ocorrida no âmbito do processo com o nº …… continuando a ter a dívida a natureza de liquidável em prestações para o fiador.
Acolhendo neste domínio o que se escreve no ac. do STJ de 17-2-2018 na revista 10180/15.5T8CBR T-A.C1.S, in dgsi.pt, desta mesma secção, “(…) sendo a operância do imediato vencimento ou exigibilidade imediata da dívida pagável a prestações, com a consequente perda do benefício do prazo por parte do devedor, realidade diametralmente diversa da resolução/rescisão do contrato de mútuo, apenas objectivando a interpelação para tal efeito desse mesmo devedor a torná-la vencida - antes de tal interpelação a dívida [“rectius”, a correspondente obrigação], apesar de a todo o tempo exigível [pura, portanto], não se encontra vencida e, portanto, o devedor constituído em mora -, força é considerar, insista-se, que com a instauração da execução e subsequentes trâmites o Exequente não levou a cabo a extinção do contrato, nos termos do art. 432.º, n.º 1, do CC. Mas, em alternativa bem diferente, a efectivação do seu latitudinário cumprimento.”
Recordamos que a apelação recorrida propende a que “Nunca o fiador, no contexto específico deste caso, teria a possibilidade de pôr termo à mora ou de evitar a resolução dos contratos.”, no entanto, temos de relativizar esta observação com o que antes perfilhámos ao distinguir o imediato vencimento ou exigibilidade imediata da dívida pagável a prestações (com a consequente perda do benefício do prazo por parte do devedor) da resolução/rescisão do contrato de mútuo, visando aquela interpelação do devedor a torná-la vencida e o diferente papel do fiador na obrigação. Sendo o fiador um garante da obrigação, uma vez interpelado, mesmo quando o credor tenha sido declarado insolvente, nada obsta a que possa realizar a prestação e tenha interesse nisso, se atendermos a que o contrato a prestações era um mútuo que tinha associado a compra e venda de um imóvel. Por outro lado, o disposto no artigo 91 do CIRE, ao dispor no seu nº 1, que o vencimento das obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva opera de forma automática, independentemente de qualquer interpelação, não tem como consequência absoluta que o credor possa imediatamente, sem qualquer interpelação, demandar o fiador do devedor declarado insolvente - vd. Ac. STJ de 06.12.2018, relatado por Tomé Gomes, in dgsi.pt.
Com incidência na questão em decisão, e que indaga se a efectivação de cumprimento, prosseguida pelo exequente na execução, se pode reputar como válida e eficaz quanto ao executado fiador, o mesmo acórdão citado de 17-2-2018, alude ao texto do art. 782 e ao comentário de Pires de Lima e Antunes Varela (cfr. “Código Civil-Anotado”, Vol. II, 4.ª ed., C. Editora, p. 33) no sentido de “a perda do benefício do prazo não afecta terceiros que tenham garantido pessoalmente o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador, como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos.
Qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria.”
Esta alusão serve para que, no acórdão que seguimos, se deixe expresso que “Do mesmo modo se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 10.05.2007 que a perda do benefício do prazo de pagamento de obrigações a prestações emergente do não pagamento de uma delas não vale quanto ao fiador. Destes pronunciamentos – com os quais inteiramente concordamos -, surge, pois, forçosamente de concluir que não assistia ao Exequente o direito a, sem mais, levar a efeito no tocante aos Executados-fiadores, (…) a exigência do imediato cumprimento de todas as prestações do contrato por solver.”.
É com este mesmo sentido que interpretamos as normas e tomamos como correcto que, a perda do benefício do prazo do devedor, não se estendendo ao fiador, exige que também este seja interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida e para obstar à realização coactiva da prestação (cfr. ac. STJ de 18-01-2018 na Revista n.º 2351/12.2TBTVD-A, in dgsi.pt). A citação dos fiadores para a execução - para contestar ou pagar a totalidade da dívida resultante da antecipação de vencimento - não pode suprir a falta de tal interpelação, pois, através dela, não é dada oportunidade aos fiadores de procederem ao pagamento das prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas, e só através de interpelação para cumprir a obrigação se pode efectivar tal exigibilidade. Aliás, tal exigência foi sugerida por Adriano Vaz Serra, “Fiança e Figuras Análogas”, Sep. BMJ nº 71, onde propôs, no artigo 10/3 do Anteprojeto: “(…) Quando a obrigação principal só se vencer com a interpelação do devedor, o fiador deve ser igualmente interpelado para que a interpelação seja eficaz em relação e ele” justificando-a no facto de o fiador poder querer cumprir logo, evitando o alargamento da responsabilidade decorrente da mora. Embora não tenha sido feita constar expressamente na lei relativamente aos casos de obrigação pura ou a termo incerto, o legislador fê-lo relativamente aos casos de dívida liquidável em prestações, regulando a questão do reflexo, nos obrigados e terceiros garantes, da perda pelo devedor do benefício do prazo ocorrida nos termos dos artigos 780 e 781 (artigo 782º).
Chegados a este ponto, é nele que se coloca a questão final de determinar se a falta de interpelação do fiador, necessária por este não ter renunciado ao benefício do prazo, não podendo ser substituída pelos efeitos da citação na execução, impõe a extinção da execução ou se permite relevar aquela citação, vinculando o fiador ao pagamento do capital das prestações em dívida, vencidas e vincendas, apenas com a salvaguarda de a exigibilidade desse montante, datado na citação, tornar devidos os juros de mora a partir desta. ou, num outro entendimento já sufragado também pela jurisprudência, apenas as vencidas à data da execução, e acrescida dos juros pedidos desde a data da citação.
No plano da definição dos princípios, afirmámos a necessidade de interpelação do fiador por parte do credor e que com ela não se confunde a citação que lhe haja sido realizada na execução para exigir o pagamento da totalidade da dívida, porque a citação não permitiria ao fiador a oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas. No entanto, por razões de relevância pragmática, várias são as decisões que, sensíveis a que a citação é em qualquer caso uma comunicação, admitem que esta, não tendo o valor nem a natureza da interpelação que era exigível, possa ter a utilidade para através dela o credor exigir ao fiador a totalidade da dívida (prestações vencidas e vincendas) excepto no que diz respeito aos juros de mora que se contariam desde a citação apenas.
Neste âmbito de apreciação importa distinguir, como já salientámos, se a causa do vencimento antecipado da totalidade da dívida resulta do não pagamento de uma das prestações ou se da declaração do devedor como insolvente. No primeiro caso, a interpelação do fiador permitiria a este a oportunidade de realizar o pagamento das prestações vencidas, pelo que, não tendo sido feita, frustrar-se-ia esse direito não podendo em nosso entender prosseguir a execução com o argumento de o art. 781 do CCivil permitir que numa dívida liquidável em prestações a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento de todas. Este regime da dívida relativo ao devedor não se replica automaticamente no fiador e por isso é que, por este poder ter uma palavra a dizer sobre o vencimento, é que a sua interpelação para esse efeito se torna incontornável. No segundo caso, quando o vencimento da totalidade da dívida resulta da declaração de insolvência do credor (art. 780 nº 1) defende-se que, por esse vencimento ser automático e independente de qualquer interpelação (art. 91 do CIRE), o fiador deixaria de ter a possibilidade de se lhe opor oferecendo o pagamento.
Não cremos que seja exactamente assim. Se a devedora deixou de efectuar o pagamento das prestações a partir de 11.09.2011 e foi, depois, declarada insolvente (no proc. ......), a interpelação do fiador por parte da credora continuaria a ter a utilidade de permitir a este o pagamento dívida porque o vencimento desta não impedia (antes determinava) esse pagamento, contudo, tal cumprimento não permitiria já que o crédito se sustasse com o pagamento, interrompendo a mora e o vencimento da totalidade das prestações ou que pudesse ter alguma incidência sobre a hipoteca (arts. 91 e 97 do CIRE). Assim, no caso de o devedor ser declarado insolvente, a interpelação prévia a ser instaurada a execução manteria utilidade, mas efeitos tão reduzidos que é de questionar se essa utilidade continua a corresponder e a justificar que seja configurada como uma exigência legal, o que é a questão central da revista.
No caso de declaração de insolvência do devedor, a aceitação da relevância da citação não tem o obstáculo legal de o vencimento da dívida só poder ser exigível ao fiador em execução depois de ele ter sido interpelado previamente pelo credor, porque o interesse do fiador realizar o pagamento não é, de todo, o de poder condicionar a extensão do capital em dívida opondo-se ao vencimento das prestações (ela vence-se automaticamente com a insolvência), mas impacta noutro domínio que é o de, cumprindo ele a obrigação, ficar sub-rogado nos direitos do credor - art. 644. Ora, se o fiador pagar a dívida, o que lhe sobra é poder ser ele, em vez do credor, a reclamar o crédito na insolvência e a poder ver-lhe, numa eventualidade mais ou menos remota, adjudicado o imóvel, como o foi ao exequente, com o consequente valor da adjudicação abatido no crédito, como também o foi nos autos. Estas razões fazem concluir que, afinal, a utilidade de o fiador ser interpelado autonomamente antes de ser citado para a execução, no concreto de o devedor ter sido julgado insolvente, não se mostra relevante nem exigível uma vez que não há nenhum direito legalmente tutelado, com incidência no regime de vencimento da dívida e de maior oneração para o fiador, que lhe seja subtraído com a citação.
Neste contexto, é perante o requerimento inicial da execução que poderemos concluir se nele se contém fundamento para a exequente peticionar a totalidade das prestações acordadas. E consultado esse requerimento executivo verificamos que se concretiza relativamente aos dois contratos discutidos que “ (…) a partir de 11/09/2011, a Mutuária deixou de efetuar o pagamento das prestações a que se havia vinculado através do referido contrato (…) bem como face à sua declaração de insolvência (…) confere à Exequente CGD, S.A. o direito a considerar vencido o empréstimo e, consequentemente, exigível e em mora, todo o seu crédito tanto aos mutuários como aos fiadores.”. E mais se articulou que “Aquele contrato encontrava-se igualmente garantido por hipoteca, registada sobre um imóvel que se encontrava apreendido nos autos de insolvência (…) tendo sido já objeto de adjudicação à CGD, S.A. pelo montante de € 114.750,00, dispensada do depósito do preço a CGD, S.A. apenas teve depositar o montante de € 22.950,00; (…) “do empréstimo concedido e referido no precedente artigo 1º, encontra-se em dívida, na presente data (09/05/2018), o valor global de € 65.400,00, conforme discriminado no campo Liquidação da Obrigação, ao qual acrescem e acrescerão os juros moratórios vincendos (…):
“ (…) a partir de 11/09/2011, a Mutuária deixou de efetuar o pagamento das prestações a que se havia vinculado através do referido contrato junto como Doc. n.º 3, bem como face à sua declaração de insolvência confere à Exequente CGD, S.A. o direito a considerar vencido o empréstimo e, consequentemente, exigível e em mora, todo o seu crédito tanto aos mutuários como aos fiadores; Deste modo, do empréstimo concedido e referido no precedente artigo 1º, encontra-se em dívida, na presente data (09.05.2018), o valor global de € 16.248,27, conforme discriminado no campo Liquidação da Obrigação, ao qual acrescem e acrescerão os juros moratórios vincendos, calculados sobre o capital em dívida (…)”
Com estes elementos, o requerimento executivo inicial, apresentou ao executado como títulos executivos os dois contratos de mútuo relativamente aos quais se constituiu fiador, sendo o articulado explícito quanto ao fundamento de que socorre para vir peticionar as prestações acordadas antes de decorrido o prazo acordado para o respetivo vencimento, esclarecendo ainda a causa da antecipação do vencimento da totalidade das prestações acordadas e concretizando quais são pelo que deixámos referido, cremos que é a decisão apelada consistente quanto a não se poder negar, perante estes elementos no requerimento executivo, a relevância de que reveste a citação para a execução, conducente à exigibilidade imediata de todas as prestações em dívida e devidas até final do prazo dos referidos contratos contrato, ainda a exigibilidade da totalidade da dívida no que aos fiadores concerne se deve considerar apenas a partir da citação dos Executados e não desde a data apontada no requerimento executivo.
Também, como com critério se adverte na apelação recorrida, tendo sido adjudicado à exequente, no âmbito do processo de insolvência da mutuária, onde reclamou o crédito exequendo, o prédio identificado nos autos pelo valor de 114.750,00€ (cfr. al. L dos factos provados), a alegação do embargante, de que esta quantia excede largamente os valores que a exequente teria direito a receber até à data mais recente caso fosse cumprido o calendário de pagamento de capital e juros inicialmente acordado, deixa em aberto o ter de se apurar se, por este motivo, a execução deverá ser extinta. É verdade que a exequente no requerimento executivo sustentou que a venda operada não foi suficiente para liquidar as quantias mutuadas, mas a sentença recorrida, julgando procedentes os embargos por ausência de interpelação do fiador e irrelevância da citação para a execução, não se pronunciou sobre aquela outra suscitada pelo embargante. Sendo matéria controvertida e que justifica o prosseguimento dos embargos com vista ao apuramento do concreto montante do capital que ficou em dívida após a imputação do valor obtido pela adjudicação à credora/exequente do imóvel hipotecado, a que se adicionam as despesas e comissões peticionadas, bem como os respetivos juros moratórios, estes contados apenas a partir da citação do ora embargante para a execução, impõe-se, também nessa parte, confirmar a apelação.
Tudo visto, improcedem as conclusões de recurso e deve dar-se provimento à decisão apelada.
… ..
Síntese conclusiva
- A perda do benefício do prazo do devedor, não se estendendo ao fiador, torna necessário que também este seja interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, para obstar à realização coactiva da prestação.
- A interpelação do fiador por parte do credor não se confunde com a citação que lhe haja sido realizada na execução para exigir o pagamento da totalidade da dívida, porque a citação não permite ao fiador a oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas.
- No entanto, quando a causa do vencimento antecipado da totalidade da dívida resulta da declaração do devedor como insolvente, porque neste caso o vencimento é automático e independente de qualquer interpelação (art. 91 do CIRE), o fiador deixa de ter a possibilidade de se lhe opor e oferecer o pagamento para evitar posteriores vencimentos e a mora.
- No caso de declaração de insolvência do devedor, a aceitação da relevância da citação do fiador na execução, antes de lhe ter sido feita interpelação, não tem o obstáculo legal de o vencimento da dívida só poder ser exigível ao fiador em execução depois de ele ter sido interpelado, porque com essa citação não há nenhum direito legalmente tutelado, com incidência no regime de vencimento da dívida, que lhe seja subtraído.
- Constando do requerimento executivo a concretização do fundamento do vencimento antecipado e o valor concreto das prestações em dívida com a citação para a execução é exigível ao fiador de todas as prestações em dívida e devidas até final do prazo dos referidos contratos contrato, com os juros respectivos a partir da citação.
… …
Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão apelada nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 14 de janeiro de 2021
Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respectivo voto de conformidade da Srª. Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e do Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva.
Manuel Capelo (Relator)