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COMPETÊNCIA MATERIAL
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
IRREGULARIDADES NA VENDA
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE COMÉRCIO
PEDIDO ALTERNATIVO
Sumário
I- O legislador, atentos os específicos interesses dos intervenientes processuais, e o fim prosseguido com a venda realizada no âmbito de um processo judicial, estabeleceu um regime especial de invalidades e irregularidades da venda em execução (regime que também se aplica à venda efectuada no processo de insolvência) e tipificou taxativamente os casos em que a venda é inválida e fica sem efeito. II- Por isso, é nesses processos – execução ou insolvência – que se poderá reclamar contra os actos do agente da execução, ou do administrador de insolvência incumbido da venda, bem como, arguir quaisquer irregularidades ou nulidades relativas ao acto da venda. É nesses processos que se conhece da invalidade da venda e que, sendo o caso, se determinará que a mesma fique sem efeito. III- A competência material afere-se em função dos pedidos concretamente formulados e da causa de pedir invocada, independentemente do bem ou mal fundado da pretensão do autor e do eventual insucesso da acção. IV- Compete aos Tribunais de Comércio conhecer dos pedidos de anulação ou declaração de nulidade de actos praticados no âmbito da liquidação em processo de insolvência, e da venda aí efectuada, bem como, daqueles pedidos que deles são mera decorrência. V- Na base do pedido alternativo está uma obrigação alternativa, de tal forma que o direito do autor fica satisfeito efectuando-se uma só das prestações, podendo afirmar-se que estas são juridicamente equivalentes. VI- O art.º 553º do CPC refere dois tipos de direitos alternativos: – Os que o são originariamente ou por natureza (a obrigação nasce ou constitui-se de modo alternativo – vide art.º 543º do CC). – Os que, embora não o sendo inicialmente, se podem resolver em alternativa (casos em que o credor, perante o incumprimento do devedor, tem a hipótese de optar por uma das várias soluções que a lei lhe concede). VII- Ora, em face do disposto no citado normativo, os pedidos formulados sob as alíneas G) e H) não são alternativa aos formulados em A) a F) e como tal não podiam ser admitidos.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I – RELATÓRIO
“X, Lda.” instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra M. F., Y - Investimentos SGPS S.A. e E. V., pedindo:
«A) Seja declarado ilícito o exercício do direito de remição, exercido pela 1ª ré no âmbito do procedimento de insolvência referente ao processo nº 3389/17.9T8NNF, o qual foi exercido de forma fraudulenta; B) Seja a venda efetuada, e a aquisição pela 1ª ré, dos imóveis referidos na petição inicial nos pontos 2º a 10º, declarada nula ou anulada; C) Seja a venda dos imóveis descritos nos pontos 2º a 10º, efetuada pela 1ª ré à 2ª ré, declarada nula ou anulada; D) Sejam todas as inscrições e descrições prediais efetuadas em consequência da aquisição pela 1ª ré por meio do alegado direito de remição, declaradas nulas ou anuladas; E) Seja declarado válida e eficaz a aquisição dos bens imóveis descritos nos pontos 2º a 10º desta petição inicial, a favor da autora, sob condição de esta proceder ao pagamento do preço no âmbito do referido procedimento de insolvência a favor da massa insolvente; F) Seja ordenada a inscrição, a favor da autora no registo predial, da aquisição dos bens imóveis descritos nos pontos 2º a 10º; G) Em alternativa e, caso esse Tribunal não venha a decidir pela anulação da vendas dos bens imóveis descritos nos pontos 2º a 10º desta petição inicial à 1ª ré e desta à 2ª ré, serem os réus condenados no pagamento do montante correspondente aos danos patrimoniais ocorridos na esfera jurídica da autora e que se estimam em € 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros); H) Sejam os réus condenados ao pagamento dos juros de mora, desde a data da citação, até integral cumprimento da decisão judicial que vier a ser proferida e relativamente a todas as quantias objeto de condenação.»
Alegou, para tanto e na síntese possível:
– No processo de insolvência de A. M. e A. F., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz 2, com o nº 3389/17.9T8VNF e em que exercia as funções de administrador de insolvência (A.I.) o aqui 3º réu, foi colocado à venda um lote de bens imóveis.
– A autora, então denominada de “W Lda.”, apresentou proposta para aquisição do referido lote pelo valor de € 550.000,00.
– Tal proposta foi aceite pelo 3º réu (A.I).
– A 1ª ré é mãe do insolvente e foi notificada pelo 3º réu (A.I.) para exercer o seu direito de remição no que se refere à aquisição dos imóveis em questão, tendo renunciado a tal direito de remição, renúncia que constava do aviso público de venda.
– Contudo, no dia 15 de Novembro de 2018, através de advogado que constituiu como seu mandatário, a 1ª ré propôs-se exercer tal direito, nos termos da carta que para o efeito endereçou ao 3º réu (A.I.).
– Sucede que devido ao seu estado de doença, a 1ª ré encontrava-se e encontra-se, incapaz de celebrar o mandato ou qualquer outro negócio jurídico, compreender e sequer expressar a sua vontade em exercer qualquer direito e, muito menos, o direito de remição no âmbito do procedimento de insolvência em causa.
– Acresce que a 1ª ré não tinha rendimentos nem capital que lhe permitissem pagar o preço (€550.000,00 euros), nem pediu qualquer empréstimo em seu nome.
– Não obstante tais factos serem do conhecimento integral do 3º réu (A.I.), o mesmo aceitou, como boa e suficiente, a procuração, supostamente emitida pela 1ª ré a favor de mandatário constituído para o efeito, mesmo sabendo que a assinatura aposta na dita procuração em nada coincidia com o nome e assinatura da 1ª ré e com o seu nome por extenso.
– No dia 26 de Novembro de 2018, por intermédio de tal mandatário, a 1ª ré procedeu ao pagamento do preço referente ao lote com os imóveis em questão, preço que foi depositado na conta da massa insolvente.
– O pagamento foi efectuado através de depósito de cheque bancário, com o nº ………36, sacado sob o banco denominado por Banco … S.A., em conta bancária no Banco …. (…), não titulada pela 1ª ré, e emitido à ordem da massa insolvente do processo de insolvência supra referido, o que era do conhecimento do 3º réu (A.I.)
– A escritura de compra e venda dos referidos imóveis acabou por ter lugar a 29 de Janeiro de 2019, no Cartório Notarial de N. R., sito em ….
– Pouco tempo depois a 1ª ré vendeu à 2ª ré todos os imóveis que havia obtido por via da remição.
– Porém, para não levantar suspeitas sobre o verdadeiro intuito da 1ª e 2ª rés, somente parte dos imóveis foi registada a favor da compradora, encontrando-se a restante parte por registar.
– Conclui a autora que, em primeiro lugar, a ré não tinha capacidade jurídica para constituir mandatário ou para celebrar contrato de compra e venda.
– Mesmo que assim não se entenda, defende que, a partir do momento em que os bens foram adjudicados à autora, depois da renúncia da 1ª ré ao exercício do seu direito de remição, o 3º réu (A.I.) nunca poderia ter procedido à venda de tais bens à 1ª ré, prejudicando os interesses da autora.
– E que a 1ª ré teria actuado apenas de modo a permitir que os bens em causa acabassem na esfera jurídica da 2ª ré, exercendo o direito de remição de forma simulada e fraudulenta, tudo para que a 2ª ré adquirisse tais bens, “em detrimento do direito, da lei e dos legítimos e legalmente protegidos, interesses da autora, que mantém integral e total interesse na aquisição dos referidos bens”.
– A considerar-se não ter existido simulação, sustenta a autora que estamos perante uma manifesta falta de consciência das várias declarações negociais da 1ª ré, consubstanciada através do exercício do direito de remição, aquisição dos bens móveis e, ainda, venda de tais bens à 2ª ré, declaração negocial que é anulável nos termos do disposto no art.º 247º, nº 1 e 2 do C.C., “pois somente foi alegadamente exercida, para permitir que a 2ª ré adquirisse os bens imóveis que integravam a aquisição feita pela autora em tempo e nos termos da lei”.
– Mais alega que a forma como a aquisição de tais bens imóveis ocorreu indicia tratar-se de uma conduta organizada, entre várias pessoas, entre eles os réus, de modo a evitar que os imóveis em questão fossem legitimamente adquiridos pela autora e a permitir que fossem integrar a esfera jurídica, num primeiro momento da 1ª ré, e, depois, em manifesta contradição com o direito de remição exercido cinco meses antes por aquela, num segundo momento, da 2ª ré.
– Sustenta a autora que tais factos e condutas dos réus integram, entre outros, um crime de “Burla Qualificada” p.p. pelos artºs. 218º, nº2 do Código Penal, que a representação da 1ª ré foi fraudulenta e exercida em violação do disposto no art. 262º, nº2 do C.C..
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Os réus contestaram, tendo o 3º réu, Dr. E. V., invocado, entre o mais, designadamente nos artºs. 75º a 80º da sua contestação, que o tribunal competente para apreciar a decisão do Administrador de Insolvência é o tribunal da insolvência, alegando, em suma, que dos actos praticados pelo Administrador de Insolvência cabe exclusivamente a reclamação/impugnação para o juiz do processo de insolvência; e que a autora foi notificada no dia 27 de Novembro de 2019 de que tinha sido exercido o direito de remição, não tendo reagido nos autos de insolvência, como podia. Os demais réus além das excepções deduzidas e impugnação substancial do alegado na P.I., pediram a condenação da autora como litigante de má-fé.
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A autora apresentou réplica.
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O Tribunal “a quo” apreciou a questão da competência material do Tribunal, para conhecer do pedido principal e a excepção dilatória atípica quanto ao pedido alternativo, decidindo:
Pelo exposto, decide-se julgar verificada a excepção de incompetência em razão da matéria, julgando este Juízo Central Cível incompetente para conhecer dos pedidos formulados a título principal, bem como julgar verificada a referida excepção dilatória de natureza atípica quanto ao pedido alternativo, e em consequência, absolvem-se os réus da presente instância. Custas a cargo da autora (art. 527º do Código de Processo Civil).
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Inconformada com tais decisões, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
«1 - A decisão proferida pelo Tribunal a quo é recorrível, o recurso mostra-se interposto tempestivamente, a Recorrente tem interesse e manifesta legitimidade para tal, encontrando-se paga a taxa de justiça correspondente; 2 – A A. pediu ao Tribunal a quo que fosse declarado ilícito o exercício do direito de remição fraudulenta exercido pela 2º R., que fosse a venda e aquisição dos bens imóveis pela 1ª R. descritos nos nºs 2º a 10º da sua petição inicial, declarados nulos ou anulados e que declarasse nula ou anulada, a venda dos ditos bens imóveis adquiridos pela 1ª R., em exercício do direito de remição e a sua posterior venda, entre a 1ª R. e a 2ª R.. 3 - Foi pedido pela A. ao Tribunal a quo que anulasse a venda dos bens imóveis entre a 1ª R. e a 2ª R., venda que frustrou o alegado direito de remição e foi simulada, tendo sido levada a cabo como forma de fazer chegar tais bens imóveis à esfera jurídica da 2ª R. e impedindo que a A. conseguisse adquirir aqueles bens imóveis. 4 - Sendo o objeto do litígio de natureza cível, pretendendo-se anular as vendas dos imóveis em causa com fundamento em fraude à lei e simulação e, por outro lado, apurar a responsabilidade civil do administrador de insolvência, a competência material para apreciar e decidir sobre tais matérias, cabe aos tribunais cíveis. 5 - Os pedidos da A. não parecem caber na previsão do art. 128º da LOSJ, o qual define e limita a competência dos Juízos do Comércio. 6 - Nos termos do disposto no art. 117º, nº1, alínea a) da Lei de Organização do Sistema Judiciário, (LOSJ) compete aos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento de ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50.000,00, conforme é o caso dos autos. 7 – Nos termos do art. 553º do C.P.C., podem ser deduzidos pedidos alternativos, como sucedeu nos presentes autos, não sendo os mesmos incompatíveis entre si. 5 - A sentença objeto de recurso violou, pelo menos, o disposto nas normas dos arts. 117º, nº1, alínea a) e 128º, ambos da LOSJ e, bem assim, o disposto no art. 553º do C.P.C.;
Termos em que, e nos melhores em Direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se integralmente a decisão recorrida, com todas as demais legais consequências, concluindo-se como na petição inicial, só assim se fazendo a V. costumada JUSTIÇA.»
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A 1ª e 2ª rés apresentaram contra-alegações.
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O recurso foi admitido a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal, foram colhidos os vistos e o recurso inscrito em tabela, cumprindo agora decidir
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que assim se sintetizam:
A) Incompetência material do Juízo Central Cível para conhecer dos pedidos formulados em A) a F).
B) Admissibilidade do pedido alternativo.
III - FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva para o presente recurso a matéria constante do relatório supra.
IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A) Da incompetência material
A competência em razão da matéria dos Tribunais comuns é residual estabelecendo-se em função da matéria que se discute na acção não estar atribuída a outra ordem jurisdicional (cfr. art.º 211º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), art.º 64º do CPC e 40º nº 1 da LOSJ).
No caso em apreço não está em causa a repartição da competência entre diferentes ordens jurisdicionais, mas dentro da mesma ordem jurisdicional – tribunais judiciais – em função da repartição de competências estabelecida pelas Leis de organização judiciária (art.º 65º do CPC), situação que é equiparada à competência material em sentido estrito, embora com as especialidades constantes do art.º 97º nº 2 no que tange à arguição e conhecimento da incompetência.
É em função do pedido efectuado e da causa de pedir que se há-de aferir a competência, em razão da matéria, dos Tribunais [1].
Assim, será com base nos pedidos formulados e na causa de pedir (conjunto de fundamentos fácticos e jurídicos em que a autora estriba tais pedidos), que se determinará qual o tribunal competente para conhecer desta acção.
Como se refere no acórdão do TRG de 8-10-2020 (6692/19.0T8BRG-A.G1) publicado em www.dgsi.pt, “daqui resulta que ainda que a acção tenha sido deduzida incorrectamente, tanto do ponto de vista adjectivo como do direito substantivo, o autor é soberano nesta sede, já que o Tribunal tem de atender ao pedido tal como ele é apresentado. Assim se a acção for incorrectamente intentada, o seu eventual insucesso é questão que não diz respeito à competência material do Tribunal”.
No caso em apreço o Tribunal “a quo”, relativamente aos pedidos formulados em A) a F), entendeu que é no âmbito do processo de insolvência que se poderá conhecer e decidir sobre as irregularidades no exercício do direito de remição e invalidade da venda efectuada nesse processo e todos os demais pedidos formulados nessas alíneas.
Efectivamente a venda dos bens apreendidos que integram a massa insolvente é efectuada segundo as regras previstas no CIRE (artºs 158º a 168º), aplicando-se, em tudo quanto aí não se mostre previsto e que não contrarie as respectivas disposições, o regime da venda em processo executivo do Código de Processo Civil, ex vi artºs. 17º do CIRE e 549º do CPC.
Assim, no que tange à venda de bens e salvo as regras especificamente previstas no CIRE, aplica-se o disposto para a venda em processo de execução, assumindo o Liquidatário, “grosso modo”, a posição que na venda executiva compete ao agente de execução.
Aduz a apelante que “nunca a impugnação das compras e vendas sucessivas dos referidos imóveis poderiam ter lugar no próprio processo de insolvência onde foi exercido o direito de remição, porquanto aquele procedimento não prevê sequer a possibilidade de a A. intervir naquele processo, requerendo que sejam proferidas decisões sobre os pedidos objecto dos presentes autos. E que não dispõe de forma ou meio processual adequado no âmbito do processo de insolvência para deduzir os pedidos apresentados nos presentes autos, nem o processo de insolvência é o meio processual adequado e legal para impugnar as vendas dos imóveis ou a responsabilidade civil do Administrador de Insolvência decorrente de actos praticados no respectivo procedimento.”
Sucede que o regime da venda em processo executivo, extensivo à venda em processo de insolvência, não é idêntico ao da venda civil.
A venda é efectuada no âmbito de um processo, é um acto processual sujeito ao regime de arguição das nulidades processuais, como se depreende do disposto na al. c) do nº 1 do art.º 839º do CPC, onde se prevê os efeitos da anulação do acto da venda nos termos do art.º 195º do CPC.
Acrescendo que os casos em que a venda fica sem efeito são apenas os previstos no art.º 838º e 839º do CPC.
O legislador, atentos os específicos interesses dos intervenientes processuais e o fim prosseguido com a venda realizada no âmbito de um processo judicial, estabeleceu um regime especial de invalidades e irregularidades da venda em execução (ou na insolvência) e tipificou taxativamente os casos em que a venda é inválida e fica sem efeito.
Por isso, é nesses processos – execução ou insolvência – que as irregularidades e as nulidades têm de ser arguidas e que se poderá reclamar contra os actos do agente da execução ou administrador de insolvência incumbido da mesma função.
É nesses processos que se conhece da invalidade da venda e que, sendo o caso, se determinará que a mesma fique sem efeito.
O argumento da apelante, de que no processo de insolvência não existe meio processual adequado e legal para impugnar as vendas dos imóveis, não colhe.
Não é pelo facto da autora não poder, ou já não estar em tempo para impugnar a venda segundo as regras ou com os fundamentos previstos no processo de insolvência, que passa a poder recorrer aos meios comuns, ampliando as causas de invalidade da venda, os casos em que fica sem efeito e os prazos para a impugnar.
Como atrás referimos, a competência material afere-se em função dos pedidos concretamente formulados e da causa de pedir invocada, independentemente do bem ou mal fundado da pretensão do autor e do eventual insucesso da acção, sendo por isso irrelevante o argumento aduzido pela apelante.
Assim, subscrevemos a douta fundamentação da decisão recorrida e dos acórdãos nela citados, concluindo, tal como aí se decidiu, que a presente acção, relativamente aos pedidos formulados em A) a F) é da competência dos Tribunais de Comércio.
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A apelante impugna também o despacho recorrido na parte em que decidiu que o pedido deduzido em alternativa pela autora não se enquadra na previsão do art.º 533º do CPC, pelo que, sendo o mesmo processualmente inadmissível, a sua dedução integra excepção dilatória de natureza atípica, que igualmente determina a absolvição a instância.
Nas suas alegações a apelante sustenta que “tal norma, permite que sejam deduzidos pedidos alternativos, quando tais direitos sejam alternativos, como é o caso dos autos … estamos perante um direito processual, de natureza adjetiva e não perante um direito de natureza substantiva, como parece ser a previsão do art. 543º do Código Civil … a A. tem direito a deduzir os pedidos alternativos que deduziu, pois os mesmos são perfeitamente compatíveis entre si na perspetiva processual”
Estabelece o art.º 553.º (Pedidos alternativos)
1 - É permitido fazer pedidos alternativos, com relação a direitos que por sua natureza ou origem sejam alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa.
2 - Quando a escolha da prestação pertença ao devedor, a circunstância de não ser alternativo o pedido não obsta a que se profira uma condenação em alternativa.
Em anotação a este artigo escrevem Abrantes Geraldes António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, Almedina, pág. 611:
«Na base do pedido alternativo está uma obrigação alternativa, de tal forma que o direito do autor fica satisfeito efectuando-se uma só das prestações, podendo afirmar-se que estas são juridicamente equivalentes. O art.º 553º refere dois tipos de direitos alternativos, os que o são originariamente ou por natureza e os que, embora não o sejam inicialmente, se podem resolver em alternativa. A primeira espécie prevista no art.º 543º do CC, é aquela em que a obrigação nasce ou se constitui de modo alternativo. O conteúdo das obrigações alternativas é integrado por duas ou mais prestações que se equivalem, senão em termos económicos, pelo menos juridicamente, significando tal equivalência que a obrigação se extingue pela satisfação de uma só das prestações.
Por seu turno, os direitos que se podem resolver em alternativa respeitam a casos em que o credor, perante o incumprimento do devedor, tem a hipótese de optar por uma das várias soluções que a lei lhe concede. Assim acontece no caso da impossibilidade parcial do cumprimento, prevista no art.º 802º do CC, em que o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento da parte que for possível. O mesmo se passa no caso do art.º 808º do CC em que, apesar de ultrapassado o “prazo razoável”, será admissível que o credor possa, em alternativa, optar entre rescindir o contrato, nos termos do art.º 801º, ou insistir ainda pelo cumprimento. A questão das obrigações que se resolvem em alternativa tem sido apreciada pelos tribunais com certa frequência em casos derivados do incumprimento de contratos de empreitada (e também de contrato de compra e venda com defeitos) constituindo entendimento que os direitos fundados no art. 1221º do CC podem ser exercidos na mesma acção, mas em regime de subsidiariedade e não como pedidos alternativos.»
No caso em apreço não estamos perante qualquer dos casos em que é admissível a formulação de pedidos alternativos, não merecendo reparo o que nesta sede se decidiu na 1ª instância.
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Consequentemente improcedem as conclusões da apelante
V – DELIBERAÇÃO
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando as decisões recorridas.
Custas pela apelante.
Guimarães, 26-11-2020
Eva Almeida
António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte
1 -António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol.I, 2018, Almedina, pág 97, citando o acórdão do STJ de 29-5-14, 1327/11.
Ver ainda Acs. Do TRG. de 26-1-2017 (proc. nº 1358.16.5T8BRG.G1) e de 18.10.2018 (proc. 6352/17.6T8BRG.G1) in dgsi.pt.