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CONDOMÍNIO
PRESTAÇÃO DE CONTAS
CONDÓMINOS
LEGITIMIDADE ACTIVA
Sumário
I- Um condómino não tem legitimidade activa para pedir ao administrador a prestação de contas da sua administração do condomínio. II- A eventual invalidade, por falta da devida informação quanto às contas da administração, da deliberação da assembleia de condóminos que aprovou as contas só pode ser discutida em acção que vise a sua anulação. III- Se o administrador se recusar a prestar contas à assembleia de condóminos, só o condomínio pode exigir-lhas através do processo especial de prestação de contas. IV- Uma vez que o condomínio está dotado de personalidade judiciária – artigo 12.º, alínea e) do Código de Processo Civil – , mas não tem personalidade jurídica, pode intervir como autor ou como réu em ações em que estejam em discussão questões que importem ao condomínio, mas para estar em juízo precisa de estar representado, normalmente, pelo administrador, ou por representante designado por deliberação da assembleia de condóminos.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Nos autos de prestação de contas que A. P. move a “X, Sociedade de Recursos, Lda.”, administradora do condomínio do prédio onde a autora é proprietária de uma fração, vieram M. L. e J. M., na qualidade de intervenientes chamados aos autos, como associados da autora, interpor recurso do despacho que decretou a sua intervenção provocada.
Apresentaram alegações que finalizaram com as seguintes Conclusões:
1 – Os recorrentes, tendo apreciado e aprovado as contas de todas as anuidades pela Administradora do Condomínio – ré na ação – em sede de assembleia legalmente convocada e agendada, não têm, por isso, um interesse igual ou paralelo ao da autora na ação a que foram chamados.
2 – Os recorrentes não podem ser coagidos a associar-se à autora, quando, obviamente, não têm interesse em demandar, pois que nenhuma utilidade lhes deriva da procedência da ação.
3 – Nenhum dos condóminos, individualmente considerados, tem legitimidade para se associar à autora, pois que só o condomínio, após deliberação da respetiva assembleia para o efeito, teria legitimidade para exigir à administradora a prestação de contas.
4 – Para que a assembleia de condóminos funcione validamente, terá de ser convocada por quem para isso tenha legitimidade, através de convocatória que indique dia, hora, local e ordem de trabalhos (artigos 1431.º e 1432.º do C.C.)
5 – Não é um condómino, através do incidente de intervenção principal provocada, nem o Tribunal através do deferimento do incidente, que pode convocar a assembleia de condóminos.
6 – A Meritíssima Juiz deu uma errada aplicação ou interpretação aos artigos 30.º, 33.º e 316.º do CPC.
7 – A Meritíssima Juiz desprezou o regime estabelecido nos artigos 1431.º e 1432.º do Código Civil.
Pelo exposto,
Deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se, em conformidade, a decisão recorrida, substituindo-a por outra que indefira o Incidente de Intervenção Provocada deduzido pela autora na ação especial de prestação de contas por ela intentada,
Como é de JUSTIÇA.
A autora contra alegou, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A questão a resolver traduz-se em saber se foi correctamente admitida a intervenção principal provocada dos recorrentes.
II. FUNDAMENTAÇÃO
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“A autora, a convite do Tribunal e de forma a suprir a sua ilegitimidade activa, deduziu incidente(s) de intervenção provocada de:
- L. S. e J. F.; - M. C.;
- M. O.; - P. P. ; e
- M. O. e J. M., na qualidade de herdeiros de R. L..
As pessoas supra identificadas são os proprietários das demais fracções do prédio onde a autora reside e de que é usufrutuária.
A ré, notificada nos termos do art.318.º do Código de Processo Civil, nada disse.
Posto isto, vejamos.
De acordo com o art. 1436.º, al. j) do Código Civil «são funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia: …j) Prestar contas à assembleia;…».
Por outro lado, a assembleia de condóminos, como é evidente, é constituída por todos os condóminos/comproprietários das fracções do prédio em questão.
Como ensina Sandra Passinhas, in A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, págs. 208 e 216, «Todos os condóminos têm direito de serem convocados para a reunião da assembleia. (…) Devem, pois, ser convocados o proprietário e o usufrutuário para a reunião da assembleia; a falta de convocação deste último é causa de invalidade das deliberações aí tomadas. (…)»
Daqui resulta que o administrador de condomínio tem de prestar contas à assembleia de condóminos e esta é constituída por todos os comproprietários, o que significa que para assegurar a legitimidade activa desta acção, a autora tem de estar acompanhada dos demais condóminos e que são as pessoas supra identificadas.
Nesta conformidade, e sem necessidade de outras considerações, ao abrigo do disposto no art. 316.º e ss. do Código de Processo Civil, admito a requerida intervenção provocada de L. S. e J. F.; M. C.; P. P. , M. O. (esta por si e na qualidade de herdeiros de R. L.) e J. M., na qualidade de herdeiro de R. L., todos como associados da autora.
Notifique.
Cite nos termos do disposto no art. 319.º do Código de Processo Civil”
O despacho recorrido sustentou-se no disposto no artigo 1436.º, alínea j) do Código Civil, segundo o qual, uma das funções do administrador do condomínio é a de prestar contas à assembleia. Como a assembleia é constituída por todos os condóminos, então, para ficar assegurada a legitimidade ativa nesta ação, a autora teria de estar acompanhada dos demais condóminos.
Ora, o que está em causa nestes autos, não é a prestação de contas à assembleia de condóminos por parte do administrador. Como se vê das várias actas juntas aos autos – de 2013 a 2019 – o administrador do condomínio apresentou contas, todos os anos, tendo as mesmas sido sempre aprovadas pela assembleia de condóminos, por maioria, com o voto contra apenas da fracção “C”, de que é usufrutuária, precisamente, a aqui autora. Os ora chamados/apelantes participaram nessas assembleias e votaram sempre favoravelmente as contas apresentadas.
A questão é, portanto, de mérito.
O administrador só tem obrigação de prestar contas à assembleia “não estando obrigado a fazê-lo a pedido de qualquer condómino, nisso interessado. Este, no caso de não ter aprovado a deliberação que aprovou as contas, pode-a impugnar judicialmente” – cfr. Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, 2.ª edição revista e atualizada, Almedina, pág. 209.
Este mesmo autor cita o Acórdão da Relação do Porto de 12/02/1996, CJ, XXI, 1, 216: “As contas do condomínio devem ser apreciadas pela assembleia de condóminos a quem a lei especialmente atribui essa competência, pelo que improcederá o pedido de julgamento das mesmas pelo tribunal. Não é a cada um dos condóminos que as contas devem ser apresentadas, mas à assembleia de condóminos”.
Só se o administrador se recusar a prestar contas à assembleia de condóminos é que o condomínio pode exigir-lhas através do processo especial de prestação de contas.
Já vimos que o administrador do condomínio prestou contas, anualmente, perante a assembleia de condóminos, tendo estas sido sempre aprovadas.
Não pode a autora, única condómina que votou contra as contas, vir exigir que o administrador preste contas a si, individualmente.
De todo o modo, e respondendo em concreto à questão que se coloca neste recurso, dir-se-á que a legitimidade ativa nesta ação nunca necessitaria da presença de todos os condóminos para ficar assegurada. Não se trata, aqui, de uma ação do condomínio contra o administrador por este não ter apresentado contas perante a assembleia. A autora, como condómina, apresenta-se a agir individualmente. Pode fazê-lo, designadamente numa ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos (artigo 1433.º do CC) ou para defender qualquer ofensa a bens comuns integrados na propriedade horizontal (artigo 1437.º, n.º 3 do CC). Já sustentámos que não o pode fazer para pedir que o administrador lhe preste contas (pois o mesmo só o pode fazer perante a assembleia de condóminos e tem vindo a fazê-lo todos os anos, conforme resulta das actas das assembleias juntas aos autos), mas este entendimento contende já com o mérito da ação e não com a questão processual da legitimidade.
Caso o administrador se recusasse a prestar contas à assembleia de condóminos, então o condomínio poderia exigir-lhas através do processo especial de prestação de contas.
Como é sabido, o condomínio tem personalidade judiciária – artigo 12.º, alínea e) do Código de Processo Civil – o que lhe permite intervir como autor ou como réu em ações em que estejam em discussão questões que importem ao condomínio e que se inscrevem no âmbito dos poderes do administrador. Claro que, não tendo personalidade jurídica, mas apenas personalidade judiciária, para estar em juízo precisa de estar representado, normalmente, pelo administrador (a capacidade judiciária que lhe falta é suprida através da representação judiciária do administrador – artigo 26.º do CPC).
Não podendo o administrador estar ao mesmo tempo, do lado ativo e do lado passivo numa ação, terá a assembleia de condóminos que deliberar no sentido de designar/nomear quem representa o condomínio para efeito de intentar a dita ação de prestação de contas, pois, como já vimos, só o condomínio tem legitimidade para o fazer, caso o administrador se recuse a prestar contas à assembleia. Neste caso, o representante age apenas em nome e no interesse do condomínio, ou seja, do conjunto dos condóminos, não necessitando de apresentar procuração individual dos condóminos, mas apenas acta da assembleia geral que o nomeou representante especial para esse efeito – neste sentido, cfr Aragão Seia, obra citada, pág. 190.
De tudo o que fica dito, resulta, assim, que não é aplicável, in casu, a figura da intervenção principal provocada, pois os ora apelantes não pretendem fazer valer um interesse próprio paralelo ao da autora, não têm, em relação ao objeto da causa, um interesse igual ao da autora – artigos 311.º e 316.º do CPC – ao contrário, tendo aprovado as contas apresentadas em assembleia, têm um interesse oposto ao da autora (veja-se que, nos termos do artigo 30.º do CPC, a legitimidade se reconduz à titularidade do interesse directo em demandar ou contradizer, exprimindo-se o primeiro de tais interesses pela utilidade derivada da procedência da acção e o segundo deles pelo prejuízo que dessa procedência advenha, sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor).
No caso dos autos, como temos vindo a referir, estamos perante uma acção especial, em que a autora, na qualidade de condómino de um prédio, pede ao administrador do mesmo a prestação de contas relativas aos últimos 15 anos.
É incontroversa, tanto a qualidade de condómina da autora, como a de administrador atribuída à ré, uma e outra relativamente ao prédio identificado nos autos.
Prestar informação aos condóminos é, entre outros, um dever geral do administrador em cujo âmbito se inscreve o dever, especificamente enunciado na alínea j) do art. 1436º do Código Civil, de prestar contas à assembleia.
E tendo em vista a satisfação dessa obrigação por parte do administrador, impõe o art. 1431º, nº 1, que este proceda à convocação de assembleia de condóminos, na primeira quinzena de cada ano, para discussão e aprovação das contas respeitantes ao ano anterior.
Repetindo o que já supra salientámos, a obrigação do administrador, no que à prestação de contas respeita, tem como beneficiário, não cada um dos condóminos individualmente considerados, mas o corpo colectivo por todos eles formado, reunido em assembleia. É, pois, à assembleia de condóminos – ou seja, ao colégio constituído pela sua totalidade -, e não a cada um deles, que cabe a titularidade do correspondente direito.
Veja-se, neste sentido, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 19/10/2010, processo n.º 8702/09.0TBOER.L1-7, da Relação do Porto de 30/01/2006, processo n.º 0557095 e da Relação de Évora de 12/04/2018, processo n.º 79/17.6T8LAG.E1, todos em www.dgsi.pt.
Tem de concluir-se, pois, que a relação material controvertida, tal como é desenhada pela autora, tem como sujeito passivo o administrador e, do lado activo, só poderia ter o condomínio, considerando que um condómino isoladamente considerado não tem o direito de exigir a prestação de contas (artigo 941.º do CPC).
Já vimos, contudo, e para terminar, que o administrador prestou contas à assembleia do condomínio, que é quem tem legitimidade para as exigir e aprovar, não estando obrigado a fazê-lo a pedido de qualquer condómino nisso interessado.
Uma nota final para dizer que a eventual invalidade da deliberação da assembleia de condóminos por falta da devida informação quanto às contas da administração só pode ser discutida em acção que vise a sua anulação; a prestação de contas pedida no presente processo nada tem a ver com esse objectivo.
Procede, assim, a apelação, com a consequente revogação do despacho recorrido, com a substituição por outro que indefere o incidente de intervenção principal provocada.
II. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e indeferindo-se a intervenção principal provocada, suscitada pela autora.
Custas pela apelada.
***
Guimarães, 28 de janeiro de 2021
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho