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CONTRATO DE TRABALHO
HORÁRIO FLEXÍVEL
DESCANSO SEMANAL
Sumário
I – Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia, se o tribunal não se pronunciou sobre questões não invocadas nos articulados e que não são de conhecimento oficioso. II – O tribunal de recurso apenas pode substituir-se ao tribunal recorrido nos casos expressamente previstos, e, em regra, a sua apreciação só pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, excepto se forem de conhecimento oficioso. III – No regime de horário flexível previsto no artigo 56º nº1 do CT, o trabalhador apenas pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, não já assim os dias de descanso semanal, que são definidos pelo empregador. (Pela relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
AAA., intentou a presente acção declarativa, a seguir a forma de processo comum, contra BBB, pedindo seja “ declarado que a Autora aceitou o pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário apresentado pela Ré e que, consequentemente, não tem esta direito a escolher os dias de descanso semanais devendo por isso trabalhar em qualquer dia da semana que a Autora indique.”
Alega que, foi requerido pela Ré a prática de horário flexível com entrada a partir das 8h e hora de saída tendo como limite máximo as 18h, e que os dias de descanso semanal obrigatório e complementar coincidam com o sábado e o domingo. Mais alega que respondeu ao pedido deferindo o mesmo quanto aos dias de semana, mas considerou que o horário flexível não inclui os dias de descanso. Argumenta ainda que cumpriu com o horário pretendido para os dias de semana e fez o possível por fazer coincidir os dias de descanso semanal da Ré com os fins-de-semana. Entende que não cabe no regime do trabalho prestado em regime de flexibilidade a dispensa de trabalho aos fins-de-semana ou em qualquer dia, mas apenas os limites do período normal de trabalho diário. Com a presente acção pretende a confirmação de que a sua posição cumpre integralmente com o horário flexível.
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Foi realizada audiência de partes, não sendo sido possível a sua conciliação.
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A Ré contestou alegando, em súmula, que a Autora com a interpretação que aplica não cumpre com o horário flexível a que tem direito, conforme parecer da CITE.
Conclui pela improcedência da acção, sendo “proferida sentença que não reconheça a existência do motivo justificativo invocado pela A., para a recusa da prestação de trabalho por parte da Ré em regime de horário flexível com folgas fixas ao fim de semana (…)”.
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Foi proferido saneador-sentença que “i) Julgo a presenta ação procedente, por provada, e declara-se que o horário fixado pela Autora à Ré cumpre o direito da Ré ao horário flexível previsto no art.56.º, do Código do Trabalho; ii) Custas a cargo da Ré, sem prejuízo do apoio judiciário.”
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Inconformada, a Ré interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
“I- Vem o presente recurso interposto da sentença datada de 27.01.2020 e notificada via citius aos mandatários a 28.02.2020, que considera como procedente, por provado, o pedido da A. e declara que o horário fixado pela Autora à Ré cumpre o direito da Ré ao horário flexível previsto no art.56.º do Código do Trabalho, condenando assim a Ré a cumprir tal horário. II- Pretendendo a “Autora, nesta ação quer ver reconhecida a sua interpretação do horário flexível o qual não incluirá o direito a escolher os dias de descanso semanal. III- No entanto, a presente ação, no seu pedido e causa de pedir, não se confunde com a ação prevista no art.57.º, n.º7, do Código do Trabalho, pois se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.” De facto, a Autora não peticiona o reconhecimento de motivo justificativo, nem alega factos de onde se possa retirar tal motivo. A questão a decidir prende-se apenas em determinar se, ao abrigo do pedido de horário flexível (art.56.º, do Código do Trabalho) poderá incluir o direito a escolher os dias de descanso complementar e obrigatório.” IV- Definindo, o douto tribunal, o que entende por horário flexível à luz do art. 56º do CT, e concluindo que a Autora não incumpriu a obrigação legal que decorria do n. º7 do citado art.57.º. V- Mas, salvo o devido respeito, se a A. tinha entendido que aceitou o pedido da Ré, nunca teria de vir ao Tribunal peticionar tal aceitação nos termos em que o fez, simplesmente aplicava a sua decisão na prática e teria de ser a trabalhadora a vir requerer ao tribunal que reconhecesse o seu direito a trabalhar no horário flexível requerido e que obteve parecer favorável da CITE à sua pretensão e não o tendo feito, o douto tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre essa questão, fundamentando a sua decisão. VI- O que não fez.! VII- O entendimento jurídico da A. de que “o art. 56º do CT não confere à Ré o direito de exigir que o seu horário de trabalho seja fixado com descanso fixo ao sábado e domingo” não configura de todo o reconhecimento de um motivo justificativo com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.” VIII- In casu, a A. optou por intentar uma ação de reconhecimento da sua posição jurídica não a ação prevista no nº7 art. 57º pelo que na prática, e salvo melhor e douta opinião, encontra-se ainda obrigada a cumprir o parecer da CITE com o nº 371/CITE/2019 de 03 de Julho de 2019. IX- Não concordando de todo a Ré com a decisão do douto Tribunal em julgar procedente o seu pedido, pois, X- A Ré, perfilha na íntegra o entendimento da CITE, de que se enquadra no conceito de horário flexível, o horário que não compreenda trabalho aos fins-de-semana e trabalho noturno se tal for o mais adequado à conciliação da sua vida profissional com a vida familiar, desde que não colida com o período normal de trabalho diário (número de horas que a trabalhadora está contratualmente obrigada) e respeite os turnos praticados no estabelecimento onde exerce funções. XI- Sendo que entende a Ré que existirá aqui sempre intenção de recusa, quando a A. altera o horário flexível requerido pela trabalhadora de forma unilateral. Entendimento diverso do exposto, levaria a um esvaziamento da norma prevista no art. 56º do CT e do seu âmbito de proteção, restringindo o direito à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar e pessoal, que conhece consagração constitucional e comunitária. XII- No caso em apreço, verificou-se que a A. por um lado autorizou o pedido, por outro condicionou-o à salvaguarda da realização de horários de segunda a domingo, o que representa uma aceitação parcial do pedido e equivale a uma intenção de recusa, por não ir ao encontro do pedido de horário flexível da Ré e inexistir concordância da mesma a qualquer alteração do seu pedido. XIII- Sendo que a A. para além de na realidade não conceder à Ré o horário flexível solicitado na sua totalidade, ainda vem dizer que o art. 56º do CT não confere à Ré o direito de exigir que o seu horário de trabalho seja fixado com descanso fixo ao sábado e domingo, sendo que essa pretensão teve provimento do douto tribunal a quo, mas salvo melhor e douto entendimento, não tem sustentação legal. Pois, O artigo 68.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que: “1. Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país. 2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.” XIV- O disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º da lei fundamental portuguesa estabelece como garantia de realização profissional das mães e pais trabalhadores que “Todos os trabalhadores, (...) têm direito (...) à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.” XV- Sendo entendimento da Ré o conceito de horário de trabalho flexível à luz do preceito constante no n.º 2 do artigo 56.º do CT, em que se entende “por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho”. Nos termos do n.º 3 do citado artigo 56.º do mesmo diploma legal: “O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:a) Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;b) Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;c) Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas”. E assim sendo, neste regime de trabalho, o/a trabalhador/a poderá efetuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas. XVI- Sendo doutrina maioritária do CITE considerar enquadrável no art. 56º do Código do Trabalho, a indicação pela requerente, de um horário flexível a ser fixado dentro de uma amplitude temporária diária e semanal apontada como a mais favorável à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, por tal circunstancia não desvirtuar a natureza do horário flexível se essa indicação respeitar o seu período normal de trabalho diário. Importa, ainda que a amplitude indicada pela trabalhadora seja enquadrável na amplitude dos turnos que lhe podem ser atribuídos. O que acontece in casu, assim a indicação pela trabalhadora da amplitude horária em que pretende exercer a sua atividade profissional, por forma a compatibiliza-la com a gestão das suas responsabilidades familiares, não consubstancia um pedido de horário rígido ou uma limitação ao poder de direção do empregador. XVII- E, o mesmo se afirme para os pedidos em que o/a trabalhador/a requer que a sua prestação de trabalho seja realizada de segunda a sexta-feira. Também, aqui assiste legitimidade no pedido formulado, sendo o mesmo enquadrável no disposto no artigo 56.º do Código do Trabalho que consubstancia um mecanismo de conciliação da atividade profissional com a vida familiar e visa permitir aos/às trabalhadores/as o cumprimento das suas responsabilidades familiares. XVIII- Pois, na verdade, o horário flexível previsto no artigo 56.º do Código do Trabalho não é um horário flexível em sentido restrito ou literal, mas sim um mecanismo de conciliação e de cumprimento de responsabilidades parentais e é com tal desiderato que deve ser interpretado e aplicado.Nesse sentido versam os seguintes acórdãos:o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 4.ª secção, no processo nº 2608/16.3T8MTS.P1, proferido em 02.03.2018 refere que “(…) será um horário flexível para os efeitos em causa, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos, ainda que tal horário, uma vez definido, na sua execução seja fixo.” Referindo que “ …entende-se por flexibilidade de horário de acordo com o art. 56º , nº2, do CT, aquele que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, a que se refere o nº3 e nº4 do mesmo preceito, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário” e o Acórdão da Relação de Évora proferido no âmbito do processo nº 3824/18.9T8STB.E1, de 11.07.2019, que sobre o conceito de horário flexível discorre o seguinte: “... Apesar do horário solicitado ter horas fixas de início e termo do período diário de trabalho e abranger os dias de folga, o mesmo não deixa de ser um horário de trabalho flexível de acordo com a definição legal, pois trata-se de um horário que visa adequar os tempos laborais às exigências familiares da trabalhadora, em função do seu filho menor de 5 anos(..) E esta é a essência da definição de horário flexível…” XIX- Cumpre ainda referir, quantoao poder de direção do empregador, esclarece o já referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 4.ª secção, proferido em 02.03.2018 que: “São constitucionalmente protegidos os direitos ao livre exercício da iniciativa económica privada e à liberdade de organização empresarial (cfr. Arts 61º, e 80ª nº1ª al. c) da Constituição da Republica Portuguesa). Tais interesses e direitos enfrentam, porém as restrições decorrentesdos direitos fundamentais dos trabalhadores como os supra referidos direitos à conciliação da atividade profissional coma vida familiar como elemento fundamental da sociedade e o direito à proteção da família como elemento fundamental da sociedade e o direito à maternidade paternidade em condições de satisfazer os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar, já que estes se sobrepõem àqueles quando em confronto e que estes só cedem perante aqueles, quando em presença de interesses imperiosos.” XX- E in casu, impendentemente da opinião da A. quanto ao conceito de horário flexível, o parecer da CITE tem de ser cumprido até decisão judicial em contrário. Algo que nos autos em epígrafe nem sequer foi objeto de análise, pois, o tribunal a quo limitou-se a decidir acerca do conceito de horário flexível e não acerca da falta de motivos justificativos de recusa, o que deveria ter acontecido. Neste sentido também podemos verificar o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do processo 8186/16.6T8CBR.C1, que menciona que (..) o que legalmente impõe o parecer da Cite, nos termos do nº5 do art. 57º do CT, é a recusa do empregador do pedido nºs 2 a 4 do mesmo artigo, independentemente do fundamento dessa recusa, nomeadamente a opinião do empregador de que se não encontram preenchidos os requisitos..(..) XXI- Ou ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo 12279/16.1T8LRS.L1-4, que refere” (..).. ainda que a Ré entendesse que a pretensão da Autora não cabia na organização de um horário flexível, nos termos estipulados no art. 56º do CT, e por conseguinte, era de recusar a prestação desta com esse fundamento, ainda assim estava obrigada a cumprir o formalismo indicado no art. 57º do CT…” XXII- Matéria, sobre a qual o douto tribunal se devia ter pronunciado. XXIII- Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que a sentença recorrida ao julgar procedente o pedido da A. de que o horário fixado pela mesma cumpre o direito da Ré ao horário flexível previsto no art. 56º do CT, não interpretou nem aplicou, acertadamente as normas que regem a matéria respeitante ao conceito e atribuição do horário flexível dos artigos 56º e 57º , existindo também, ainda uma grave omissão depronuncia quanto ao formalismo previsto no nº7 do art. 57º do CT que deveria ter sido aqui apreciado. XXIV- Pelas sobreditas razões, deve ser declarado que o horário fixado pela Ré, e aceite pelo tribunal como legal, além de não interpretar corretamente as normas que regem tal matéria é ilegal por não cumprir os formalismos necessários e previstos na lei. XXV- Devendo a Autora proporcionar à trabalhadora condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal, e, na elaboração dos horários de trabalho, deve facilitar à trabalhadora essa mesma conciliação, nos termos, respetivamente, do n.º 3 do artigo 127.º, da alínea b) do n.º 2 do artigo 212.º e n.º 2 do artigo 221.º todos do Código do Trabalho, aplicáveis, em conformidade, com o correspondente princípio. XXVI- Tem assim a apelante direito a cumprir o horário que solicitou à A., com folgas fixas ao fim de semana, por ser legal e do seu direito. Declarando-se que o seu pedido, se enquadra na definição de horário flexível, prevista no artigo 56.º do Código do Trabalho, pois este regime especial de horário flexível visa adequar o tempo de trabalho às exigências familiares do trabalhador, nomeadamente, quando este tem filho menor de 12 anos e apresenta a justificação necessária para a necessidade do mesmo. E por todo o exposto deverão V. Exas conceder provimento ao presente recurso sendo, por efeito da mesma, substituída a Douta Sentença recorrida por outra nos termos da antecedente motivação. Termos em que, invocando-se o Douto Suprimento do Venerando Tribunal, nestes termos e nos demais de Direito, a presente apelação deve ser julgada procedente, revogando-se a douta sentença ora em recurso em conformidade com a conclusões acima formuladas e com todas as consequências legais - assim se fazendo, JUSTIÇA!”
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E Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer, nos seguintes termos “As questões colocadas são, pois, essencialmente as seguintes: - o âmbito de aplicação do art. 56º do CT – ou seja, o direito de o trabalhador com filhos nas circunstancias ali indicadas – beneficiar de horário flexível abrange ou não os dias de descanso, nomeadamente os fins-de-semana? – Foi respeitado o formalismo previsto no art. 57º do CT, mais concretamente no seu nº 7, por parte da A. e, caso o não tenha sido, em que medida tal afecta a decisão? Quanto a esta última questão, parece-nos que, efectivamente, o formalismo indicado não foi respeitado. Com efeito, tendo o pedido da trabalhadora sido recusado pela A. na parte acima referida (fins-de-semana), o processo foi submetido à apreciação da CITE (art. 57º, nº 5 do CT), entidade esta que emitiu parecer desfavorável à recusa da A. Assim, caberia a esta, nos termos do citado art. 57º, nº 7 do CT, suscitar junto do tribunal decisão que se pronunciasse sobre eventual motivo justificativo da recusa. Não foi propriamente essa a via escolhida pela A., como se depreende da enunciação do pedido efectuado. Porém, através da acção proposta, logrou a A. obter, na prática, decisão favorável à recusa da pretensão da R., pelo que, aparentemente, este meio de eventualmente contornar o estrito formalismo legal terá escasso ou nenhum efeito na decisão tomada e naquela a tomar. Relativamente à questão substancial da abrangência do horário flexível previsto no art. 56º do CT, não pode ignorar-se a jurisprudência que a este propósito tem sido formulada, nomeadamente a resultante dos Acs. do TRL proferidas nos processos nº 13543/19.3T8LSB, 12279/16.1T8LRS.L1 e, mais recentemente, no processo nº 3582/19.0T8LRS.L1 (Ac. de 29-01-2020). No entanto, não pode deixar de se manifestar sensibilização pelos argumentos expostos pela CITE, que vem enquadrando os dias de descanso no conceito de horário flexível, ligando-o à conciliação plena entre a vida profissional e a vida familiar e pessoal, a qual merece consagração constitucional e comunitária. Crê-se que um entendimento menos rígido do sentido subjacente à norma plasmada no art. 56º do CT se compaginaria de forma mais intensa com o direito tão superiormente consagrado. E, assim se entendendo, deveria a sentença recorrida ser substituída por outra que julgasse improcedente a acção proposta.”
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando as conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões a decidir são
- se a sentença é nula por omissão de pronúncia;
- se foi respeitado, por parte da Autora, o formalismo previsto no art. 57º do CT, mais concretamente no seu nº 7, e, em caso negativo, quais as consequências dessa omissão – questão nova;
- se o âmbito de aplicação do art. 56º do CT, ou seja, o direito de o trabalhador beneficiar de horário flexível, abrange ou não os dias de descanso, nomeadamente os fins-de-semana.
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III – Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
1.A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto abrange a exploração, administração, gestão e desenvolvimento de espaços comerciais, bem como de todas as actividades com estes estabelecimentos relacionadas, nomeadamente o comércio, importação, distribuição e armazenagem de artigos não especificados, nomeadamente artigos para o lar, decoração, vestuário, calçado, artigos de uso e consumo pessoal e doméstico, produtos têxteis, electrodomésticos, equipamentos electrónicos, produtos alimentares, bebidas e tabaco, joalharia, ourivesaria, mobiliário, livros, papelaria, tabacaria, perfumes, produtos químicos e farmacêuticos, instrumentos musicais, bicicletas, veículos mecânicos de propulsão e actividades de restauração, hotelaria, decoração e cultura e lazer, transporte, exploração de teatros e cinemas, compra e venda, investimento e revenda de móveis e imóveis adquiridos para esse fim, consultoria para negócios e gestão, prestação de serviços, participação em outras sociedades com objecto análogo como forma do exercício de actividades económicas e tudo o mais que esteja relacionado ou seja conveniente para o desenvolvimento do objecto social aqui referido.
2.Os estabelecimentos são caracterizados por terem uma área comercial ampla e situarem-se em centros comerciais, os quais estão em funcionamento durante os sete (7) dias de semana e com horário de abertura às 10:00 horas e encerramento entre as 23:00 e as 24:00 horas, todos os dias.
3. Deste modo, a empresa realiza o seu objeto através da exploração de dez (10) lojas espalhadas por Portugal, a saber: Almada (Almada Fórum), Braga (Braga Parque), Coimbra (Fórum Coimbra), Lisboa (Colombo), Amadora (UBBO), Loulé (Mar Shopping), Portimão (Aqua Portimão), Porto (Parque Nascente), Matosinhos (Norte Shopping) e Sintra (Fórum Sintra).
4. A Ré foi admitida ao serviço da Autora ao abrigo de contrato de trabalho em 24-09- 2012, no qual a última se obrigou a prestar trabalho à primeira sob as suas ordens e direcção, contra o pagamento de uma retribuição mensal.
5. A Ré foi contratada para exercer as funções de operador de loja.
6. Funções que mantém actualmente.
7. As funções da Ré consistem em fazer atendimento ao cliente, caixa e reposição.
8. A Ré exerce actualmente funções na loja AAA sito no Centro Comercial (…), com morada na Rua (…).
9. No dia 19/05/2019 a Ré remeteu à Autora a carta junta a fls.11, e que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, na qual conclui requerendo a sua integração em horário de trabalho flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, até ao seu filho perfazer 12 anos de idade, nos seguintes termos: i) hora de entrada a partir das 8h e hora de saída tendo como limite máximo as 18h; ii) que os dias de descanso semanal obrigatório e complementar coincidam com o sábado e o domingo.
10. A Autora respondeu à Ré por carta de 04/06/2019, junta a fls.13v., e que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, na qual comunica que o pedido de horário flexível é aceite, sem inclusão dos dias de descanso, admitindo a Autora conciliar a pretensão da Ré sempre que possível.
11. Por carta recebida em 11/06/2019 a Ré respondeu à Autora conforme missiva de fls.14v, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, solicitando o envio para a CITE para emissão de parecer.
12. A Autora remeteu o processo à CITE, para emissão de parecer, comunicando a intenção de recusa quanto aos descansos semanais fixos.
13. A CITE emitiu parecer desfavorável à intenção de recusa da Autora.
14. Após receber o parecer desfavorável por parte da CITE, a Autora entregou em mão à Ré, em 11/07/2019 uma missiva, dando-lhe conhecimento do mesmo.
15. A Autora atribuiu à Ré o horário pretendido: entrada às 8:00 horas e saída às 18:00 horas, com duas horas de intervalo diário.
16. O qual veio a ser alterado, passando a Ré a gozar apenas uma hora de intervalo diário, saindo às 17:00 horas.
17. A Autora manteve a indicação dos dias de trabalho a cargo da Ré, ou seja, de 2.ª feira a domingo.
18. A Autora sempre que lhe foi possível, fez coincidir os dias de descanso semanais da Ré com os fins-de-semana.
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IV – Apreciação do Recurso
1.Da nulidade da sentença
Está em causa desde logo a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quanto ao cumprimento do formalismo previsto no nº7 do art. 57º do CT.
Entre as causas de nulidade da sentença, taxativamente previstas no artigo 615º do CPC, conta-se a que ocorre “ d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
O Professor Castro Mendes, no quadro de vícios da sentença que traçou no seu “Direito Processual Civil”, classifica este vício como um vício de limites, ou seja, “a decisão, porventura formalmente regular e contendo só afirmações exactas e verdadeiras, não contém o que devia conter ou contém mais do que devia” .[1]
O Prof. Antunes Varela, no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do artº 668º do Código de Processo Civil[2], salienta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”. [3]
O problema está em saber qual o sentido a dar à expressão “questões” a apreciar, para evitar que a sentença fique inquinada do aludido vício.
A chamada nulidade por omissão de pronúncia está directamente relacionada com os limites da sentença e interligada com a norma que disciplina a “ordem de julgamento”, a saber, o artº 608º nº 2 do CPC, aplicável ex-vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT. De facto, resulta deste preceito legal que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras….”.
Como afirma Alberto dos Reis, a sentença deve corresponder à acção. Dela resulta nomeadamente que o juiz deve pronunciar-se sobre tudo o que se pedir e só sobre o que for pedido.[4]
Analisada a sentença, constata-se que a mesma debruça-se efectivamente sobre esta questão, e fá-lo nos seguintes termos: “A presente ação, no seu pedido e causa de pedir, não se confunde com a ação prevista no art.57.º, n.º7, do Código do Trabalho: “7 - Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.” De facto, a Autora não peticiona o reconhecimento de motivo justificativo, nem alega factos de onde se possa retirar tal motivo. A questão a decidir prende-se apenas em determinar se, ao abrigo do pedido de horário flexível (art.56.º, do Código do Trabalho) poderá incluir o direito a escolher os dias de descanso complementar e obrigatório.”
Ou seja, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão, no sentido de afastar o seu conhecimento, por considerar não ser esse o escopo da pressente acção. E com razão.
Vejamos
Decorre do pedido e da causa de pedir da presente acção que a Autora não peticiona o reconhecimento do motivo justificativo da recua do pedido de horário flexível, antes pretende se determine se, o pedido de horário flexível pode incluiro direito a escolher os dias de descanso complementar e obrigatório. Trata-se de questão a montante daquela a que se refere o artigo 57º nº 7 do CT.
Portanto, não tinha o tribunal de responder a tal questão, pelo que não ocorre qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
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2.Se foi respeitado o formalismo previsto no art. 57º nº7 do CT, por parte da Autora e, em caso negativo, quais as consequências dessa omissão. – Conclusões V, VI, VII, VIII e XXIII
Esta questão não foi alegada na contestação, limitando-se a Ré a pedir que o tribunal julgue injustificado “o motivo justificativo invocado pela A. para a recusa da prestação de trabalho por parte da Ré em regime de horário flexível com folgas fixas ao fim de semana, e, em consequência, ser a Ré absolvida dos pedidos formulados pela Autora.”, sendo certo que não foi essa a causa de pedir invocada pela Autora, e não ocorrendo qualquer defesa por excepção por parte da Ré, mormente, sobre a natureza e pertinência desta acção para cumprimento do desiderato legal a que alude o nº7 do artigo 57º do CT.
O tribunal de recurso apenas pode substituir-se ao tribunal recorrido nos casos expressamente previstos. É o que resulta do disposto nos art. 608º nº 2, in fine, e 665º nº 2, ambos do CPC, e constitui doutrina e jurisprudência dominantes.
De facto, como afirma António Abrantes Geraldes, “A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em regra, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha todos os elementos imprescindíveis».[5] Também a jurisprudência vem decidindo nesse sentido. Assim, entre outros, vide Acórdão do STJ de 21-03-2012[6], nos termos do qual “a função do recurso no quadro institucional que nos rege é a de remédio para correcção de erros in judicando ou in procedendo, em que tenha incorrido a instância recorrida, processo de reapreciação pelo tribunal superior de questões já decididas e não de resolução de questões novas, ainda não suscitadas no decurso do processo. E o Acórdão desta Relação de 11-09-2012[7], “III - Os recursos destinam-se a permitir a reapreciação de decisões tomadas com base no acervo dos factos alegados pelas partes e não a alegar factos novos nem a suscitar questões novas. IV - As questões não colocadas pelas partes em momento processualmente adequado só podem ser apreciadas em fase de recurso na exacta medida em que delas o Tribunal possa ainda conhecer oficiosamente.”
Face ao exposto, e sem necessidade de outros considerandos, não se conhece da questão trazida agora à apreciação deste tribunal.
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3. Se o âmbito de aplicação do art. 56º do CT, ou seja, se o direito de o trabalhador beneficiar de horário flexível, abrange ou não os dias de descanso, nomeadamente os fins-de-semana.
A Autora, com a presente acção, pretende que o tribunal decida que, no âmbito do horário flexível, a Ré não tem direito a escolher os dias de descanso semanais devendo por isso trabalhar em qualquer dia da semana que a Autora indique.
O tribunal a quo deu-lhe razão.
A Ré pretende ver revogada a sentença, por considerar que o seu pedido de horário flexível, com folgas ao fim-de-semana, se enquadra na definição de horário flexível prevista no artigo 56º do Código do Trabalho, pois este regime especial de horário visa adequar o tempo detrabalho às exigências familiares do trabalhador, nomeadamente, quando este tem filho menor de 12 anos e apresenta a justificação necessária para a necessidade do mesmo.
É a seguinte a fundamentação da primeira instância: “O supra referido art.56.º, ao definir o conceito de “horário flexível” (no seu nº2) não se reportou ao horário de trabalho (isto é, ao “regime” de distribuição das horas ao longo do dia, e de fixação quer dos intervalos de descanso quer do descanso semanal), mas sim e apenas ao período normal de trabalho diário (isto é, à distribuição das horas de trabalho ao longo do dia), estatuindo que tal flexibilidade se reporta ao seu início e ao seu termo. Assim, o regime de horário de trabalho flexível a que tem direito o trabalhador com filho menor de 12 anos, no âmbito deste art.56º, concretiza-se apenas à escolha por esse trabalhador da hora de início e da hora termo do período normal de trabalho diário. Da conjugação das normas supra citadas resulta a constatação que cabe ao empregador, em primeiro lugar, estabelecer os limites dentro do qual o horário flexível pode ser exercido – depois, dentro desses limites, é que o trabalhador poderá gerir o seu tempo da maneira que melhor lhe aprouver, por forma a cuidar do seu filho menor. (…) Ora, no caso em apreço, a Ré formulou à Autora um pedido para lhe fosse fixado um regime de horário de trabalho flexível nos termos do art.56.º, e mais atesta que, perante a intenção de recusa de tal pedido, o CITE veio a emitir parecer desfavorável nos termos do n.º 6 do art.57.º, do mesmo diploma legal. Da análise do teor do pedido formulado pela Ré, do teor do parecer emitido pelo CITE e do horário flexível que veio a ser fixado pela Autora, impõe concluir-se que a Autora não incumpriu a obrigação legal que decorria do n.º7 do citado art.57.º: dever de não recusar o pedido na sequência do parecer desfavorável. Verifica-se que uma parte do pedido formulado pela Ré extravasa o âmbito do regime de horário de trabalho flexível, ou seja, a escolha por si da hora de início e da hora termo do período normal de trabalho diário. Com efeito, embora tal pretensão se formule pedido no sentido de que o seu horário fosse fixado de modo a não iniciar-se antes das 8 horas nem terminar após as 18 horas, o que se integra no âmbito de previsão do regime em causa, tal pretensão estendia-se também a que tal horário fosse entre 2ª e 6ª feira, o que implicava que o seu período de descanso semanal fosse obrigatoriamente aos sábados e domingos, sendocerto que, como supra já se referiu e demonstrou, o descanso semanal, por opção do legislador, está fora do âmbito do regime do horário flexível. Por conseguinte, apenas a parte da pretensão da trabalhadora relativa ao início e termo do período normal de trabalho diário se insere no regime legal previsto no art.56.º, pelo que apenas nessa parte tal pretensão podia ser apreciada e deferida ao abrigo deste regime legal. Nestas circunstâncias, tendo a Autora estabelecido para a Ré um horário diário das 8 às18 horas, com dias de descanso rotativos, na sequência do parecer do CITE, esta conduta é insuscetível de configurar uma violação (um incumprimento deste parecer), uma vez que, por um lado, a fixação de tal horário corresponde efetivamente à escolha dessa trabalhadora quanto à hora de início e à hora termo do seu período normal de trabalho diário, única situação que integra o regime de horário de trabalho flexível facultado pelo art.56.º, e, por outro lado, o regime do descanso semanal, nomeadamente, no âmbito do trabalho de turnos, está excluído do regime do horário de trabalho flexível legalmente previsto para o trabalhador com filho menor de 12 anos.”
Dispõe o art.º 56º, do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares”, que “1-O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalhoflexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos. 2-Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário. 3-O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve: a)Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário; b)Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento; c)Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas. 4-O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.”
O Código do Trabalho responde assim à exigência constitucional que resulta dos artigos 59º nº1 b) da CRP - que confere ao trabalhador o direito “a organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.” - e 67º nº2 h) - nos termos do qual “Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família … Promover, políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.” - concretizando-a.
Trata-se de proteger a família, como “elemento fundamental da sociedade” (cfr nº1 do art. 67º). Pressupõe “a ideia de que o trabalho pode ser pessoalmente gratificante, não podendo ser, de qualquer forma, prestado em condições socialmente degradantes ou contrárias à dignidade humana (cfr. art. 1º e 13º nº1) ou impeditivas da conciliação da actividade profissional com a vida familiar.”[8]
No entanto, se o trabalhador pretender exercer esse direito ao horário flexível, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (artº 56º nº 3 corpo), devendo fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (artº 56º nº 3, alíneas a), b) e c) e nº 4).
De acordo com o nº 2 do artigo 56º do CT, entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
Portanto, o conceito de horário flexível remete para o conceito de “período normal de trabalho”, que a lei – artigo 198º do CT – define como “O tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana”. Contudo, não é a esse conceito que o legislador pretendeu referir-se, pois que coloca o acento tónico na escolha pelo trabalhador das “horas de início e termo do período normal de trabalho diário”, e a estas se refere o disposto no artigo 200º do CT “1- Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal.”
A questão a decidir é se o conceito de horário flexível abrange os dias de descanso do trabalhador, mormente os sábados e domingos.
Como se afirma no acórdão desta Secção de 23-10-2019[9], “Como é sabido, até mesmo os direitos constitucionalmente protegidos admitem restrições legais. Donde, não é por a Constituição salvaguardar a conciliação entre a atividade profissional e a vida familiar, que o direito estabelecido para tal fim se tem como absoluto. Antes terão que ser salvaguardados os direitos dos trabalhadores num processo de equilíbrio com os interesses dos empregadores. Afinal, também estes vêem constitucionalmente protegidos o livre exercício da iniciativa económica e a liberdade de organização empresarial (Artº 61º e 80º/1-c) da CRP) do que é expressão o poder de estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem e o de determinar o horário do trabalhador dentro dos limites da lei (Artº 97º e 212º do CT). No caso que nos ocupa a Apelante faz incidir o seu pedido sobre a delimitação de um dos componentes do conceito de horário de trabalho – a determinação do descanso semanal. Porém, ao conceder o direito à flexibilidade de horário, o legislador restringiu tal direito ao período normal de trabalho diário e não ao horário de trabalho em toda a sua extensão.[10] Isto é bem visível não só a partir do conceito que integra o nº 2, como também de quanto se exprime no nº 4 do preceito legal em referência. Sendo certo que o Artº 56º do CT consubstancia um mecanismo de conciliação da atividade profissional com a vida familiar e visa permitir aos trabalhadores o cumprimento das suas responsabilidades familiares, também o é que a abertura à flexibilização com reflexos positivos para o trabalhador não foi total. Significa isto que do ponto de vista legal não lhe é possível definir os concretos termos em que pretende desenvolver a sua atividade.”[11]
Portanto, acompanhamos a sentença recorrida, quando aí se afirma que o regime de horário de trabalho flexível a que tem direito o trabalhador com filho menor de 12 anos, no âmbito deste art.56.º, concretiza-se apenas à escolha por esse trabalhador da hora de início e da hora termo do período normal de trabalho diário, estando o período de descanso semanal fora do âmbito do regime do horário flexível.
Em face do exposto, não tem a Ré direito a escolher, no âmbito do regime do horário flexível, os dias de descanso semanais devendo por isso trabalhar em qualquer dia da semana que a Autora indique.
Improcede o recurso.
*
V – Decisão
Face a todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto por BBB, e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Registe.
Notifique.
Lisboa, 25-11-2020
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso
_______________________________________________________ [1] Vol II, 1987, pág. 803. [2] Cuja redacção era idêntica à do actual artigo 615º do actual CPC. [3] Manual de Processo Civil, pág. 686. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol 2º, pág. 670. [4] CPC anotado, vol V, reeimpressão, 1984, pág. 52. [5] Cfr Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2ª edição, pág. 94 e Recursos no Processo do Trabalho – Novo Regime, 2010, pág. 65. [6] Proc 130/10.0JAFAR.F1.S1, 3º Secção, disponível in www.dgsi.pt. [7] Proc 4336/07.1TVLSB.L2-1, disponível in www.dgsi.pt. [8] CRP Anotada – J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, 4ª edição, pág. 773. [9] Procº 13543/19.3T8LSB. [10] Sublinhado da ora relatora. [11] Cfr também acórdão desta Secção de 20-01-2020 – Processo 3582/19.0T8LRS.L1-4.