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CRÉDITO LABORAL
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
FUNDO DE CAPITAL DE RISCO
Sumário
Um Fundo de Capital de Risco não se enquadra no âmbito subjectivo do artigo 334.º do Código do Trabalho que estabelece a responsabilidade solidária pelo crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, de sociedade que com a empregadora se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo. (Pela relatora)
Texto Parcial
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório
1.1. Na presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum que
- AAA,
- BBB,
- CCC,
- DDD,
- EEE,
- FFF, e
- GGG
intentaram contra:
- HHH
- III., e
- JJJ
os AA. pediram que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar aos autores a quantia global de € 361.260,68, sendo:
- € 14.863,30 à autora AAA,
- € 46.861,86 à autora BBB
- € 97.977,89 à autora CCC,
- € 32.456,54 ao autor DDD,
- +-€ 67.906,83 à autora EEE,
- € 67.541,65 à autora FFF, e
- € 33.652,61 à autora GGG,
acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.
Em fundamento da sua pretensão alegaram, em síntese: que foram trabalhadores da III., tendo resolvido os respectivos contratos com justa causa com fundamento na falta de pagamento de retribuições; que sendo a III., objecto de um processo especial de revitalização as aqui rés respondem solidariamente pelos créditos salariais devidos por aquela, bem como pelo pagamento das indemnizações devidas a cada um dos autores por força da justa causa de resolução dos respectivos contratos de trabalho.
Realizada a audiência de partes, a ré “HHH” apresentou contestação na qual alegou, em síntese: que a (…), indicou como sede as suas instalações mas fê-lo apenas temporariamente, enquanto se realizavam as obras na sua sede e para efeitos de recebimento de correspondência; que em momento nenhum qualquer trabalhador da (…)., prestou trabalho naquelas instalações e que inexiste qualquer fundamento para a sua responsabilização solidária, pelo que defende a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido. Pede ainda a condenação dos autores como litigantes de má-fé.
Também a 2.ª ré, III., contestou, alegando, em síntese: que não foi indicado o valor da acção; que os créditos dos AA. foram reconhecidos no PER que identificam relativo à sua empregadora (…).; que não existe qualquer relação de grupo entre si e qualquer das restantes rés; que inexiste qualquer relação entre si e a (…). e que os créditos dos autores já se encontram acautelados âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 18737/18.6T8LSB, cujo plano já foi aprovado e homologado por sentença, pelo que deve ser julgada a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
E finalmente a 3.ª ré JJJ apresentou a sua contestação, sustentando, em síntese: a sua ilegitimidade passiva por não ser uma sociedade comercial e não se encontrar incluída no leque de sociedades elencada nos preceitos do Código das Sociedades Comerciais para o qual remete o artigo 334.º do Código do Trabalho; que não se encontra em relação de grupo com qualquer das restantes rés; que os créditos dos autores já se encontram acautelados âmbito do Processo Especial de Revitalização n.° 18737/18.6T8LSB, cujo plano já foi aprovado e homologado por sentença, o que gera a inutilidade superveniente da presente lide, e que deve ser absolvida do pedido.
Os autores apresentaram resposta às excepções invocadas e concluíram como na petição (fls. 173 e ss.).
Foi proferido despacho pré-saneador, o qual julgou improcedentes as questões suscitadas relativas ao valor da causa e à irrelevância do PER (fls. 177-178). Foi depois também fixado o valor da causa em € 361.260,68 e saneado o processo, julgando-se improcedente a excepção da ilegitimidade suscitada, dispensando-se a realização de audiência preliminar. Ficou-se o objecto do litígio e dispensou-se a enunciação dos temas da prova (despacho de fls.239 e ss.).
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«[…] Destarte, julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente: A) CONDENA-SE a 3.ª ré JJJ, nos termos do artigo 334.º do CT [solidariamente com a empregadora], a pagar aos autores, a título de créditos laborais, as seguintes quantias: a.1) a quantia de € 4.141,27 (quatro mil cento e quarenta e um euros e vinte e sete cêntimos), à autora AAA, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%; a.2) a quantia de € 4.974,21 (quatro mil novecentos e setenta e quatro euros e vinte e um cêntimos), à autora BBB, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%; a.3) a quantia de € 9.415,34 (nove mil quatrocentos e quinze euros e trinta e quatro cêntimos), à autora CCC, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%; a.4) a quantia de € 10.934,82 (dez mil novecentos e trinta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), ao autor DDD, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%; a.5) a quantia de € 12.804,75 (doze mil oitocentos e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), à autora EEE, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%; a.6) a quantia de € 5.507,26 (cinco mil quinhentos e sete euros e vinte e seis cêntimos), à autora FFF, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%; a.7) € 1.821,64 (mil oitocentos e vinte e um euros e sessenta e quatro cêntimos), à autora GGG, acrescida dos juros de mora, vencidos desde as datas do respectivo vencimento e vincendos, à taxa legal de 4%. B) CONDENA-SE a 3.ª JJJ, nos termos do artigo 334.º do CT [solidariamente com a empregadora], a pagar aos autores a título de indemnização nos termos do artigo 396.º do CT as seguintes quantias: b.1) a quantia de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) à autora AAA, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação; b.2) a quantia de € 15.924,25 (quinze mil novecentos e vinte e quatro euros e vinte e cinco cêntimos) à autora BBB, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação; b.3) a quantia de € 41.854,75 (quarenta e um mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) à autora CCC, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação; b.4) a quantia de € 3.934,52 (três mil novecentos e trinta e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos) ao autor DDD, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação; b.5) a quantia de € 29.952,00 (vinte e nove mil novecentos e cinquenta e dois euros) à autora EEE, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação; b.6) a quantia de € 26.660,99 (vinte e seis mil seiscentos e sessenta euros e noventa e nove cêntimos) à autora FFF, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação; e b.7) a quantia de € 12.085,08 (doze mil e oitenta e cinco euros e oito cêntimos) à autora GGG acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação. C) ABSOLVE-SE a 3.ª ré JJJ D do demais peticionado pelos autores; D) ABSOLVE-SE a 1.ª ré HHH., e a 2.ª ré III., dos pedidos contra elas deduzidos pelos autores. Custas a cargo dos autores e da 3.ª ré, na proporção dos respectivos decaimentos – cfr. artigo 527.º do CPC (aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT).
[…]»
1.2. A R. JJJ, inconformada, interpôs recurso desta decisão e elencou as seguintes conclusões:
“A. A Recorrente JJJ interpôs o presente recurso por entender que o Meritíssimo Juiz a quo não efectuou uma correcta apreciação da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, nomeadamente ao dar como provado o ponto 21 da matéria de facto, nem a correcta aplicação do direito, designadamente ao julgar e considerar como aplicável à mesma, não obstante a sua natureza jurídica não se reconduzir à forma societária tal como prevista no Código das Sociedades Comerciais, as normas contidas nos artigos 334.' do Código do Trabalho e 481.' e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
B. Em conformidade, entende a Recorrente que a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 334.' do Código do Trabalho, 481.', 482.', 486.' e 501.' do Código das Sociedades Comerciais, e, ainda, o disposto nos artigos 15.' e 22.' da Lei n.' 18/2015, de 4 de Março que transpõe as Directivas n.s 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho, e 2013/14/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Maio, que asseguram a execução, na ordem jurídica interna, dos Regulamentos UE n.s 345/2013 e 346/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Abril, procedendo à revisão do regime aplicável ao exercício da actividade de investimento em capital de risco.
C. A ora Recorrente é um exemplo de um Organismo de Investimento Colectivo, ou seja, é uma Instituição dotada apenas de personalidade judiciária e que tem como objectivo o investimento colectivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de divisão de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos Participantes, e cuja fonte normativa se encontra na Lei n.' 18/2015, de 4 de Março, estipula, no respectivo artigo 3.' n.' 1, que se considera “[...] investimento em capital de risco a aquisição, por período de tempo limitado, de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma de beneficiar da respectiva valorização”.
D. O artigo 15.' do mesmo diploma legal refere no n.' 1 que “Os fundos de capital de risco são patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, mas dotados de personalidade judiciária, pertencentes ao conjunto dos titulares das respectivas unidades de participação”.
E. A natureza jurídica da ora Ré JJJ pode ser qualificada como composta por quotas de capital, acções e obrigações, não cotadas em mercado bolsista, sendo um fundo fechado, com o montante de capital a investir a ser obrigatoriamente fixado no momento da sua constituição, com a sua gestão a ser exercida – nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 17.' da mencionada Lei n.' 18/2015, de 4 de Março – por sociedades de capital de risco, sociedades de desenvolvimento regional e por sociedades gestoras de organismos de investimento colectivo, verificando-se, nos presentes autos, que a Ré JJJ tem como sociedade gestora a JJJ., a qual, por sua vez, tem personalidade jurídica e representa a Ré em juízo.
F. A Recorrente JJJ é um património autónomo, constituindo um instrumento de financiamento societário, pertencente ao conjunto dos titulares das respectivas unidades de participação, cuja finalidade é serem investidas em sociedades com elevado potencial de crescimento e valorização, por períodos de tempo limitado.
G. A Ré JJJ não se dedica à prossecução de actos de comércio (de acordo com o n.' 2 do art.' 1 do Código das Sociedades Comerciais), nem assume qualquer forma jurídica societária, não lhe sendo aplicável qualquer disposição do Código das Sociedades Comerciais, donde se conclui necessariamente que a natureza dos Fundos de Capital de Risco não se confunde com a natureza das sociedades comerciais tipificadas no Código das Sociedades Comerciais.
H. A diferença resulta logo das respectiva fonte normativa– Código das Sociedades Comerciais no que respeita às sociedades comerciais, e a Lei n.' 18/2015, de 4 de Março no que respeita à Ré JJJ – bem como a própria génese, uma vez que, apesar de ambas podem ser constituídas contratualmente, os Fundos, ao contrário de uma sociedade comercial, para exercerem a sua actividade necessitam de ver a sua constituição “aprovado pelas autoridades do Estado-membro em que o OICVM esteja situado ou estabelecido” – artigo 5.', n.' 1 da Directiva 2009/65/CE, pelo que, em conformidade, a constituição dos Fundos depende sempre de uma autorização administrativa, no caso português da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
I. Dispõe o n.º 1 do artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais que “O presente título aplica-se a relações que entre si estabeleçam sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por acções”, sendo o título ali referido o VI, que regula o regime jurídico das sociedades coligadas, com a mencionada norma chamada à colação por força do artigo 334.' do Código do Trabalho que, por sua vez, refere que “Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencidos há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.' e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.”.
J. O regime laboral remete expressa e inequivocamente para as normas de direito societário, outorgando a estas a modelação e regulação dos factos, as quais, por sua vez, delimitam expressamente o âmbito pessoal de aplicação do aludido título VI, com aplicação às relações que entre si estabeleçam três tipos legais societários: sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por acções.
K. A doutrina tem vindo a realçar que os fundamentos normativos de uma tal delimitação não são inequívocos, não obstante, em face do direito positivo português, existem e devem guiar o intérprete na aplicação da norma
L. A opção legislativa tomada no n.' 1 do artigo 481.' do Código das Sociedades Comerciais radica no facto de as sociedades comerciais desenvolverem uma actividade económica própria, ficcionando o legislador a existência de interesses próprios e antagónicos prosseguidos por cada uma delas individualmente considerada, sendo a mesma parte da natureza intrínseca das sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções, faltando no que respeita às restantes pessoas, colectivas ou singulares, como uma pessoa singular (empresário ou não), sociedades unipessoais por quotas e, no que nos interessa, Fundos de Investimento ou outros Instrumentos de investimento.
M. O critério orienta-se por uma noção de normalidade nas opções tomadas, sendo recorrente ou expectável que uma determinada opção empresarial tomada por uma sociedade possa influir decisivamente na actividade de outra, não ocorrendo este risco quando estamos perante entidades de diferente natureza.
N. Vem dado como provado no ponto 1 da fundamentação de facto que: “(...), NIPC (...), com sede na Rua (...)., em Lisboa, tem por objecto social a edição, impressão, distribuição e venda, tanto por conta própria como alheia, de todo o tipo de publicações periódicas ou não;a gestão e exploração de todo o tipo de meios de informação ou comunicação social, próprios ou alheios, qualquer que seja o seu suporte, incluídas as agências informativas; a comercialização por correio, telefone ou outro meio de comunicação de quaisquer bens ou serviços, designadamente livros e bebidas alcoólicas, divulgados ou distribuídos através de catálogos, revistas jornais, impressos ou quaisquer outros meios gráficos ou audiovisuais; a organização de qualquer tipo de eventos, reuniões, congressos e seminários, feiras, exposições; a prestação de serviços de consultadoria, nomeadamente no âmbito do desenvolvimento turístico; a prestação e a realização de quaisquer bens, serviços e actividade acessórias aos mesmos, incluindo estudos, aconselhamento e promoção; bem como quaisquer actividades complementares e/ou relacionadas com as indicadas anteriormente”, ou seja, prossegue uma actividade económica ligada à publicação, comercialização, gestão e exploração de todo o tipo de meios de informação ou comunicação social, sejam os mesmos próprios ou alheios.
O. Vem provado no ponto 45 da Sentença que “A 3.ª ré JJJ, é um fundo de capital de risco, cujo regulamento de gestão faz fls. 215 a 226.”.
P. A Ré JJJ tem como objecto o investimento colectivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de divisão de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos Participante, não prosseguindo nenhuma actividade económica, ao menos directamente, nem, atentos os factos dados como provados, o seu objecto se confunde com o objecto da (...), constituindo um mero instrumento financeiro funcionalmente ligado à actividade económica, mas não se confundindo com a mesma.
Q. Um Fundo é, conforme referido por Remédio Marques, um “acervo patrimonial que pertence, em regime de propriedade de mão comum, ao colectivo dos múltiplos titulares das unidades de participação”, in “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 3.ª edição, pp. 354-355, pelo que, atenta a própria natureza dos Fundos, o artigo 481.° do Código das Sociedades Comerciais, bem como o título a que o mesmo se refere, título VII, não tem aplicação à situação dos autos.
R. O n.° 2 do artigo 9.° do Código Civil, refere que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
S. O artigo 481.° do Código das Sociedades Comerciais constitui parte integrante do corpo de normas reguladoras das sociedades comerciais e refere-se, apenas e expressamente, às sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções, pelo que se fosse intenção do legislador que a previsão da norma abarcasse outras entidades, o mesmo tê-lo-ia dito expressamente.
T. A letra do artigo 334.° do Código do Trabalho não fornece uma definição das relações entre sociedades que ficam abrangidas pelo respectivo âmbito de aplicação, limitando se a remeter para alguns dos tipos de relações de coligação societária previstos no Código das Sociedades - -o artigo 481.' e seguintes.
U. O Tribunal a quo fundamenta a responsabilização da Ré ora Recorrente recorrendo à ideia de existência de uma distinção entre o conceito laboral e comercialista dos grupos de empresas, ideia esta que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não encontra apoio na letra nem no espírito da lei, não sendo defensável em face do direito positivo português.
V. O artigo 334.º do Código do Trabalho remete expressamente para o artigo 481.' do Código das Sociedades Comercias, aplicando-se às seguintes relações de coligação: relação de domínio simples, relação de participações recíprocas, relação de contrato paritário, relação de subordinação, relação de domínio total, excluindo apenas as relações de simples participação do seu âmbito.
W. A lei laboral expressamente remete para a norma societária – “respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”, não sendo relevantes para aplicação do regime as relações estabelecidas com sociedades em nome colectivo e em comandita simples, não prevendo e lei laboral, igualmente, o alargamento deste regime a grupos de outras entidades colectivas, como o consórcio, agrupamento complementar de empresas, a sociedade civil ou a sociedade em comandita simples (sublinhados nossos).
X. Não existe lacuna legislativa a ser suprida, não existindo aplicação analógica a outra forma de grupos ou de entidades, pelo que o argumento contrário não é admissível, pressupondo mesmo um corte com a unidade do sistema jurídico e não encontrando o mínimo apoio na letra da lei, conforme é defendido por Luís Correia Araújo in “Questões Laborais, A responsabilidade solidária das sociedades coligadas e dos sócios-controladores, Ano XXII, n.º 47, Julho/Dezembro de 2015”, págs. 284 e 285;
Y. A questão levantada pela Sentença prende-se com uma questão de direito a constituir do que direito constituído, sabendo o intérprete de antemão que ao mesmo está vedada a criação de nova norma, ou a aplicação da norma existente a situações a que a mesma não quer nem deve ser aplicada, sem recurso ao apertado crivo da analogia.
Z. O artigo 334.' do Código do Trabalho, como tem vindo a ser realçado pela Doutrina e Jurisprudência, tem um alcance significativo na protecção dos trabalhadores, indo bastante além das normas societárias, mas o ir além das normas societárias não significa, ao contrário do exposto na Sentença recorrida, ampliar o âmbito subjectivo de aplicação, outrossim o de facultar aos trabalhadores a responsabilização pelo pagamento de quaisquer créditos laborais vencidos e insatisfeitos de qualquer sociedade com a qual o empregador possua uma relação de coligação, no sentido do artigo 482.°, alíneas c) e d) do Código das Sociedades Comerciais (sociedade mãe), ou das sociedades-filhas, sendo apenas em relação a este ponto que se torna defensável o argumento de que o regime laboral é mais amplo do societário, uma vez que este (artigo 501.° do Código das Sociedades Comerciais), estipula apenas um regime de responsabilidade solidária das sociedades-mãe pelas dívidas das respectivas sociedades-filhas.
AA. A inspiração da norma laboral na societária levanta problemas, como tem notado a Doutrina, nomeadamente José Engrácia Antunes in “Questões Laborais, Os grupos de sociedades no direito do trabalho, Ano XIX, n.º 39, Janeiro/Junho de 2012”, pg. 63”, quando refere que “[...] a remissão para os critérios definidores do âmbito de aplicação da lei societária (arts. 481.' e segs. do CSC) se arrisca a ser fonte de um divórcio entre a aplicação deste regime laboral e a respetiva «ratio» fundamental subjacente (tutela patrimonial dos trabalhadores das empresas agrupadas face aos riscos decorrentes da integração do empregador no perímetro de um grupo.”, argumentando ainda o Autor que “De uma banda, ao remeter para os arts. 481.' e segs. do CSC, o art. 334.' do CT acaba por introduzir um corte artificial na realidade grupal e por conceder uma proteção diferenciada aos seus trabalhadores consoante a forma jurídica e a nacionalidade do empregador e demais entidades componentes do grupo, já que circunscreveu assim a tutela conferida pelo regime legal às empresas que revistam forma anónima ou por quotas com sede em Portugal (discriminação esta que não é sequer passível de ser resolvida por via analógica, como sugere RAMALHO, M. Palma, Grupos Empresariais e Societários – Incidência Laborais, cit., 637, atenta a natureza excepcional da norma do art. 334.' do CT e a proibição geral do art. 11.' do Código Civil” (sublinhados nossos).
BB. Neste sentido também o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 9 de Novembro de 2011, no âmbito do processo 1332/07.2TTVNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt., em cuja fundamentação se pode ler: “Assim, a solução propugnada pelo artigo em análise [actual artigo 334.° do Código do Trabalho] vale apenas para sociedades que se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo nos termos dos arts. 481.' e sgs do CSC. E este dispositivo é claro ao restringir o regime em análise às relações entre sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções.” (sublinhados nossos).
CC. A aplicação do artigo 334.' do Código do Trabalho encontra-se limitada a apenas alguns dos tipos societários, logo, por um argumento de maioria de razão, não será aplicável a entidades que tão pouco assumem aquela natureza jurídica, sendo necessário compreender que a relação grupo societária não se confunde com o conceito de grupo económico, que é mais amplo, e que para efeitos de aplicação deste artigo, o primeiro conceito é aquele que interesse e importa.
DD. Para efectivar a responsabilidade solidária de créditos dos trabalhadores, o regime laboral expressamente remete para o regime societário; este expressa e peremptóriamente exclui do âmbito de aplicação subjectivo todas as entidades que não tenham a natureza jurídica de sociedades e, dentro destas, as que não tenham a tipologia de quotas, anónimas e em comandita por acções; o regime laboral é mais amplo do que o societário porque prevê, ao contrário deste, a responsabilização objectiva das sociedades-mãe e das sociedades-filhas por dívidas próprias; a remissão efectuada pelo artigo 334.' do Código do Trabalho para os artigos 481.' e seguintes do Código das Sociedades Comerciais foi uma opção clara e consciente tomada pelo legislador, sendo que se este quisesse ter alargado o âmbito de aplicação a outras entidades que não as ali previstas tê-lo-ia dito expressamente; não o tendo feito, não é admissível o recurso à analogia aplicando o regime de responsabilidade solidária a entidades como a ora Ré JJJ.
EE. Sem prescindir, o Tribunal a quo ateve-se apenas a um facto para condenar a Ré JJJ no pedido formulado pelos Autores, o de esta deter a maioria do capital social (51%) da (...), prova que, por si só, desacompanhada de outros factos que demonstrem uma situação ou conceito e grupo, é insuficiente.
FF. Considerando - o que não se concede - que há aplicação dos artigos 334.' do Código do Trabalho e 481.' e seguintes do Código das Sociedades Comerciais a uma entidade como a Ré JJJ, nunca a factualidade dada como provada seria suficiente ao ponto de permitir a aplicação das ditas normas, um vez que, conforme refere Raúl Ventura, subjacente às situações de participações recíprocas, domínio e de grupo é a existência de uma entidade com a direcção unitária das sociedades, com o poder de decisão em última análise.
GG. Compulsada a matéria dada como provada, verificamos que se provou a detenção da maioria do capital da (...) por parte da Ré JJJ, constituindo tal facto, por si só, uma mera presunção de domínio, não sendo suficiente para impor uma condenação à ora Recorrente.
HH. Os Autores não provam – nem alegam – a concreta organização, nomeadamente em termos económicos e financeiros; qual a base subjacente à relação de interacção entre a JJJ e a (...); quaisquer outros factos que permitissem afirmar a existência de uma relação de controlo de facto entre as duas entidades ou uma direcção económica unitária a elas subjacente, não provando – nem alegando – em que medida o putativo relacionamento existente era susceptível de produzir efeitos na estrutura organizativa da própria (...), e se esse relacionamento, consubstanciado em ordens/directivas emanadas da Recorrente JJJ, influenciou a situação em que a mesma se veio posteriormente a encontrar – situação de PER.
II. A JJJ não determinava nem determina a forma como a (...) devia realizar o seu objecto; não determinava nem determina a gestão dos recursos humanos da (...); não orientava nem orienta, exigia ou exige a produção de resultados financeiros ou outros; não partilhava nem partilha quadros ou trabalhadores com a (...); não determinava nem determina orientações genéricas ou específicas; não determinava nem determina a produtividade da (...).
JJ. A JJJ estava, como está, em suma, alheada daquilo que é a gestão quotidiana da (...), estrutura da redacção e definição da estratégia editorial, pelo que nenhum facto foi provado que permita concluir pela existência de uma influência dominante daquela sobre esta.
KK. A ora Recorrente não pode conformar-se com a decisão Tribunal a quo em considerar como provado o artigo 21.º da matéria de facto, quando refere que a (...) Lda. ficou a dever ao Autor DDD o valor de € 16.375,34 (dezasseis mil trezentos e setenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos), já vencido, correspondente a:
vii) Salários relativos a:
• Abril de 2018, no valor de € 1.340,00 (mil trezentos e quarenta euros);
• Maio de 2018, no valor de € 1.340,00 (mil trezentos e quarenta euros);
• Junho de 2018, até 15/06/2018, no valor de € 721,54 (setecentos e vinte e um euros e cinquenta e quatro cêntimos).
viii) Subsídios de refeição relativos a:
• 20 dias do mês de Abril de 2018, no valor de € 115,00 (cento e quinze euros);
• 21 dias do mês de Maio de 2018, no valor de € 120,75 (cento e vinte euros e setenta e cinco cêntimos);
• 11 dias do mês de Junho de 2018, no valor de € 63,25 (sessenta e três euros e vinte e cinco cêntimos).
ix) Subsídio de férias, no valor de € 1.340,00 (mil trezentos e quarenta euros).
x) Férias não gozadas, no valor de € 730,91 (setecentos e trinta euros e noventa e um cêntimos).
xi) Proporcionais no ano da cessação do contrato:
• Férias, no valor de € 609,42 (seiscentos e nove euros e quarenta e dois cêntimos);
• Subsídio de férias, no valor de € 609,42 (seiscentos e nove euros e quarenta e dois cêntimos);
• Subsídio de Natal, no valor de € 609,42 (seiscentos e nove euros e quarenta e dois cêntimos).
xii) Formação devida e não ministrada, no valor total de € 2.460,04 (dois mil quatrocentos e sessenta euros e quatro cêntimos).
LL. Pelo Tribunal é referido que: “A resposta aos artigos 14.', 15.', 16.', 17.', 18.', 19.', 20.', 21.', 22.', 23.', 24.', 25.', 26.', 27.' e 32.' da PETIÇÃO INICIAL fundou-se nos depoimentos de (...)(...)(...)(...) e (...), em conjugação com os documentos de fls. 23v., 24, 24v., 30v., 31, 35v., 37, 37v., 38, 38v., 39, 39v., 41v., 42, 42v., 43v. a 47v., 127 a 171v., e 246 a 254” ou seja, os elementos de prova indicados foram os suficientes e os susceptíveis de fundar a respectiva convicção com o grau de certeza exigível para dar aqueles factos como provados.
MM. O Tribunal dá como provado que não foram pagos aos Autores e, no que aqui interessa, ao Autor DDD, os salários, subsídios de refeição, de férias, férias não gozadas, proporcionais de férias, subsídio de férias, Natal e crédito por horas de formação, e o montante referente a cada um desses créditos laborais.
NN. O teor do documento n.º 15 junto com a Petição Inicial, respeitando o mesmo a um recibo de vencimento do Autor DDD, sem qualquer referência a valores alegadamente em dívida, é totalmente imprestável para prova do ponto 21 da matéria de facto dada como provada, ao que acresce a prova testemunhal produzida e mencionada pelo Tribunal como idónea para a formação da sua convicção.
OO. A Ré JJJ, ora Recorrente, entende que o Tribunal a quo fez uma errada valoração da prova quando, na fundamentação de facto, na resposta aos factos relevantes, deu como provado o ponto 21.
PP. Através da transcrição dos excertos mais relevantes, o Tribunal a quo não retira qualquer razão de ciência dos mesmos, pelo que não existe qualquer prova que permita, com certeza absoluta, dar como provados os concretos montantes ali indicados, não permitindo ao Meritíssimo Juiz a quo ter decidido da forma em que o fez, uma vez que através dos testemunhos analisados, resulta claro e inequívoco que ninguém apresentava razão de ciência suficiente para indicar em concreto os valores alegadamente em dívida por referência aos créditos laborais.
QQ. Neste sentido os depoimentos prestados em Audiência de Discussão e Julgamento de (...)(...)(...)(...)(...) e (...), constantes, respectivamente, nos ficheiros 20191008114634_4153185_2871343, no seguinte tempo de gravação: 04m:04s a 04m:28s; 20191210103740_4153185_2871343, no seguinte tempo de gravação: 02m:04s a 03m:41s, 03m:41s, 20191210114626_4153185_2871343, 20191210120600_4153185_2871343. 20191210144051_4153185_2871343 e
20191210151230_4153185_2871343, nos seguintes tempos de gravação: 07m:10s a 10m:44s, 21m:20s a 21m:23s; 13m:34s a 13m:47s e 01m:50s a 03m:31s.
RR. As testemunhas, quando inquiridas, relataram de forma geral e abstracta o conhecimento do Autor DDD, relataram de igual forma os motivos porque as aludidas Autoras e Autor saíram da (...), não obstante não conseguirem, em momento algum, concretizar o montante de créditos que alegadamente terão ficado em dívida para com (...).
SS. Esta falta de prova, conjugada com a ausência de prova documental que permitisse ao Tribunal a quo apreender, sem margem para dúvida, como verdadeiros os factos alegados na Petição Inicial, implica necessariamente que aquele ponto 21 tenha de ser dado como não provado, com as demais cominações legais daí advenientes.
TT. A falta de prova cujo ónus de produção recaia sobre os Autores a este afecta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil a decisão a proferir quanto ao ponto 21 da matéria de facto será o de não provado.
UU. Ainda que assim não seja entendido, sempre se dirá que o montante constante do ponto 21 da matéria de facto (€ 16.375,34) nunca será o devido pela entidade empregadora ao Autor (...), uma vez que a soma aritmética remete para o valor de € 10.059,75 (dez mil e cinquenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos).
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que V. Exas., Senhores Juízes Desembargadores, suprirão, admitindo a presente Apelação, dignam-se ordenar a
1) Absolvição da Recorrente JJJ do pedido formulado pelos Autores por inaplicabilidade à mesma das normas constantes dos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais e do artigo 334.º do Código do Trabalho;
2) Se assim não se considerar, absolver a Recorrente JJJ do pedido formulado pelos Autores por ausência de prova acerca da existência de influência dominante sobre a (...); e
3) Julgar como não provado o ponto 21 da matéria de facto, ou, se assim, não for entendido, reduzir o montante respeitante ao Autor (...) para a quantia de € 10.059,75 (dez mil e cinquenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos).”
1.2. Não consta que os AA. tenham apresentado contra-alegações.
1.3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 321 com efeito devolutivo.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu Parecer no sentido de ser negada a apelação.
Cumprido o contraditório, não foi apresentada resposta a este Parecer.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
* 2. Objecto do recurso
*
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
1.ª – da impugnação da decisão de facto, quanto ao ponto 21. dos factos provados;
2.ª – saber se o recorrente, Fundo de Capital de Risco, deve ser responsabilizada pelo pagamento dos créditos reconhecidos aos recorridos a presente acção o que suscita as sub-questões de saber:
a) se o mesmo é susceptível de se enquadrar no âmbito subjectivo do artigo 334.º do Código do Trabalho;
b) em caso afirmativo, se o recorrente exercia influência dominante sobre a (...), Lda.
Mostra-se neste momento assente nos autos, por não questionado por qualquer das partes em via de recurso, o segmento da sentença que absolveu do pedido as 1.ª e 2.ª RR. “HHH.” e “ III.”. Quanto à primeira, a sentença absolveu-a do pedido porque, apesar da circunstância de deter 25% do capital social da empregadora (...), “não se demonstrou a existência de qualquer outra das relações previstas no artigo 482.º do CSC, pelo que as mesmas se encontram numa situação de simples participação (cfr. artigo 483.º, n.º 1, do CSC), o que não preenche a previsão do artigo 334.º do CT (que exige participações recíprocas)”, não relevando a circunstância de a empregadora ter tido a sua sede no mesmo edifício onde tem a sua sede a 1.ª ré por ser insuficiente, por si só, para caracterizar uma situação de grupo (mesmo na acepção mais ampla e menos formalista das relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo nos termos e para os efeitos previstos no artigo 334.º do CT que a sentença defende). Quanto à segunda, a absolvição do pedido fundou-se na circunstância de, apesar de ter resultado provada uma estreita ligação, sob o ponto de vista de partilha de recursos, entre si e a sociedade empregadora, tal relação ficar aquém do preenchimento dos pressupostos exigidos para a sua responsabilização solidária. Quanto a ambas as RR. absolvidas, afirmou ainda a sentença que a factualidade apurada nos presentes autos não permite a pretendida desconsideração da personalidade jurídica, pelo que igualmente por esta via considerou improcedente a sua pretendida responsabilização solidária.
Persiste pois em discussão, apenas, a responsabilização solidaria com a empregadora do 3.º R. JJJ.
* 3. Fundamentação de facto
*
3.1. O recorrente impugna a decisão de facto constante da sentença, para o que cumpre de modo suficiente os ónus legais previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
(…)
Em suma, no cenário dos autos, tendo em consideração as específicas regras do ónus da prova que nesta matéria vigoram e os factos que ficaram provados sem impugnação das partes, bem como reanalisando a prova produzida – vg. a prova testemunhal e documental ponderada pelo Mmo. Juiz da 1.ª instância –, é de concluir que se mostra acertada a decisão do tribunal a quo quanto aos valores parcelares que considerou provado estarem em dívida ao autor ora recorrido DDD, devendo a mesma manter-se.
Já quanto ao valor global referenciado na parte inicial do facto 21., é patente o erro de cálculo dele constante, pois que a soma dos valores parcelares ali indicados equivale ao valor final de € 10.059,75 e não ao valor de € 16.375,34 que, certamente por erro de cálculo que sempre poderia colmatar-se nos termos do artigo 614.º do CPC, nele ficou inscrito.
Procede pois a impugnação deduzida na sua formulação subsidiária, alterando-se em consequência o facto 21. para a seguinte redacção: “21. A (...) ficou a dever ao autor DDD o valor de €10.059,75 (dez mil e cinquenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos), já vencido, correspondente a: i) Salários relativos a: • Abril de 2018, no valor de €1.340,00 (mil trezentos e quarenta euros); • Maio de 2018, no valor de €1.340,00 (mil trezentos e quarenta euros); • Junho de 2018, até 15/06/2018, no valor de €721,54 (setecentos e vinte e um euros e cinquenta e quatro cêntimos). ii) Subsídios de refeição relativos a: • 20 dias do mês Abril de 2018, no valor de €115,00 (cento e quinze euros); • 21 dias do mês de Maio de 2018, no valor de €120,75 (cento e vinte euros e setenta a cinco cêntimos); • 11 dias do mês de Junho de 2018, no valor de €63,25 (sessenta e três euros e vinte e cinco cêntimos). iii) Subsídio de férias, no valor de €1.340,00 (mil trezentos e quarenta euros). iv) Férias não gozadas, no valor de € 730,91 setecentos e trinta euros e noventa e um cêntimos). v) Proporcionais no ano da cessação do contrato: • Férias, no valor de €609,42 (seiscentos e nove euros e quarenta e dois cêntimos); • Subsídio de férias, no valor de €609,42 (seiscentos e nove euros e quarenta e dois cêntimos); • Subsídio de Natal, no valor €609,42 (seiscentos e nove euros e quarenta e dois cêntimos); vi) Formação devida e não ministrada, no valor total de €2.460,04€ (dois mil quatrocentos e sessenta euros e quatro cêntimos) [resposta ao artigo 21.' da PETIÇÃO INICIAL].”
*
3.2. São os seguintes os factos a atender para a decisão jurídica do pleito: 1. A (...), NIPC (...), com sede na Rua (...) em Lisboa, tem por objecto social a edição, impressão, distribuição e venda, tanto por conta própria como alheia, de todo o tipo de publicações periódicas ou não; a gestão e exploração de todo o tipo de meios de informação ou comunicação social, próprios ou alheios, qualquer que seja o seu suporte, incluídas as agências informativas; a comercialização por correio, telefone ou outro meio de comunicação de quaisquer bens ou serviços, designadamente livros e bebidas alcoólicas, divulgados ou distribuídos através de catálogos, revistas, jornais, impressos ou quaisquer outros meios gráficos ou audiovisuais; a organização de qualquer tipo de eventos, reuniões, congressos e seminários, feiras, exposições; a prestação de serviços de consultadoria, nomeadamente no âmbito do desenvolvimento turístico; a prestação e a realização de quaisquer bens, serviços e actividade acessórias aos mesmos, incluindo estudos, aconselhamento e promoção; bem como quaisquer actividades complementares e/ou relacionadas com as indicadas anteriormente [artigo 1.º da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR DOCUMENTO]. 2. A 30-05-2013, a (...), adquiriu ao Grupo (...) as publicações que davam pelo nome “(...)(...)” e “(...) [artigo 2.º (1.ª parte) da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES]. 3. A (...), requereu em 17-08-2018 Processo Especial de Revitalização que corre termos no Juízo do Comércio de Lisboa, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com o n.º 18737/18.6T8LSB, no âmbito do qual os aqui autores reclamaram os seus créditos [artigo 2.º (2.ª parte) da PETIÇÃO INICIAL – NÃO CARECE DE PROVA (https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/ConsultasCire.aspx)]. 4. Em consequência da referida compra, a (...), assumiu a posição de entidade patronal dos trabalhadores que, trabalhando para o Grupo MEDIA CAPITAL, asseguravam toda a actividade que suportava a publicação daqueles periódicos [artigo 3.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES]. 5. A 07-08-2017 a (...) Lda., celebrou com a autora AAA contrato de trabalho para a prestação das funções de Jornalista, sob ordens e direcção daquela, com início no dia 1 de Agosto de 2017, contra remuneração mensal ilíquida no valor de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) diários [resposta ao artigo 4.º da PETIÇÃO INICIAL]. 6. Com antiguidade reportada a 03-01-2005, a autora BBB e a (...) Lda. assinaram um contrato de trabalho, desempenhando esta a categoria de Paginadora, às ordens e instruções daquela, com o vencimento mensal ilíquido de € 1.791,16 (mil setecentos e noventa e um euros e dezasseis cêntimos) e subsídio de alimentação diário de € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) [resposta ao artigo 5.º da PETIÇÃO INICIAL]. 7. Com antiguidade reportada ao dia 01-01-2001, a (...) Lda e a autora CCC celebraram contrato de trabalho, cabendo a esta a categoria de Editora, auferindo à data da resolução deste contrato uma remuneração mensal ilíquida de € 3.200,00 (três mil e duzentos euros) a que acresce subsídio de alimentação diário de € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) [resposta ao artigo 6.º da PETIÇÃO INICIAL]. 8. Com antiguidade reportada a 26-09-2009, a (...) Lda., e o autor (...), outorgaram contrato de trabalho pelo qual este passou a desempenhar, sob as ordens e direcção daquela, a função profissional de Operador de Imagem, auferindo o salário mensal ilíquido de € 1.340,00 (mil trezentos e quarenta euros), somando-se o subsídio de alimentação diário de € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) [resposta ao artigo 7.º da PETIÇÃO INICIAL]. 9. Com antiguidade reportada ao dia 17-03-2006, a (...) Lda., e a autora EEE celebraram um contrato de trabalho, pelo qual esta assumia a categoria profissional de Editora, trabalhando por conta e sob a direcção daquela, contra o salário mensal ilíquido no valor de € 2.574,80 (dois mil quinhentos e setenta e quatro euros e oitenta cêntimos), subsídio de isenção de horário de trabalho no valor de € 643,70 (seiscentos e quarenta e três euros e setenta cêntimos), € 124,70 (cento e vinte e quatro euros e setenta cêntimos) por cedência de direitos de autor, e subsídio de alimentação diário de € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) [resposta ao artigo 8.º da PETIÇÃO INICIAL]. 10. Com antiguidade reportada a 01-01-2001, a (...) Lda., e a autora FFF, celebraram um contrato de trabalho, pelo qual esta assumia a categoria profissional de Redactora, trabalhando por conta e sob a direcção daquela, contra o salário mensal ilíquido no valor de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros) e subsídio de alimentação diário de € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) [resposta ao artigo 9.º da PETIÇÃO INICIAL]. 11. A autora GGG e a (...)., celebraram um contrato de trabalho, pelo qual aquela assumia, a partir de dia 08-01-2001, a categoria profissional de Coordenadora de Publicidade, trabalhando por conta e direcção daquela contra o salário mensal líquido no valor de € 1.051,00 (mil e cinquenta e um euros) e subsídio de alimentação diário de € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos), contrato esse no qual a (...), Lda., veio a assumir a posição de empregadora [resposta aos artigos 10.º, 11.º e 12.º da PETIÇÃO INICIAL]. 12. A (...) Lda., assumiu a antiguidade de todos os autores, tendo passado a emitir os respectivos recibos de vencimento [resposta aos artigos 11.º e 12.º da PETIÇÃO INICIAL]. 13. A partir de Abril de 2018, inclusive, a (...) Lda., deixou de proceder ao pagamento todas as retribuições aos seus trabalhadores, onde se incluem todos os autores [resposta ao artigo 13.º da PETIÇÃO INICIAL]. 14. A (...), deixou de efectuar o pagamento de salários e dos diversos subsídios devidos à autora AAA, o que levou esta a suspender o contrato de trabalho a 23/06/2018 e mais tarde a resolvê-lo com invocação de justa causa [resposta ao artigo 14.º da PETIÇÃO INICIAL]. 15. A (...) Lda., ficou a dever à autora AAA € 10.363,30 (dez mil trezentos e sessenta e três euros e trinta cêntimos), valor já vencido, correspondente a: i) Salários relativos a: • Abril de 2018, no valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros); • Maio de 2018, no valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros); • Parte do mês de Junho de 2018, no valor de €1.153,85 (mil cento e cinquenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos). ii) Subsídios de refeição relativos a: • 15 dias do mês Abril de 2018, no valor de €86,25 (oitenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos); • 21 dias do mês de Maio de 2018, no valor de €120,75 (cento e vinte euros e setenta a cinco cêntimos); • 21 dias do mês de Junho de 2018, no valor de €120,75 (cento e vinte euros e setenta e cinco cêntimos). iii) Subsídio de férias, no valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros). iv) 22 dias de férias não gozadas, no valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros). v) 6 dias de férias não gozadas relativas ao ano de 2017, no valor de €409,09 (quatrocentos e nove euros e nove cêntimos). vi) Proporcionais no ano da cessação do contrato, contados 176 dias: • Férias, no valor de €723,29 (setecentos e vinte e três euros e vinte e nove cêntimos); • Subsídio de férias, no valor de €723,29 (setecentos e vinte e três euros e vinte e nove cêntimos); • Subsídio de Natal, no valor €723,29 (setecentos e vinte e três euros e vinte e nove cêntimos); vii) 35 horas de formação não ministrada, no valor total de €302,75 (trezentos e dois euros e setenta e cinco cêntimos) [resposta ao artigo 15.º da PETIÇÃO INICIAL]. 16. A (...) Lda., também falhou em honrar com os seus compromissos laborais para com a autora BBB, devendo-lhe salários e subsídios diversos, o que levou a que esta suspendesse o contrato de trabalho a 15/06/2018 e mais tarde a resolvê-lo com justa causa a 9/07/2018 [resposta ao artigo 16.º da PETIÇÃO INICIAL]. 17. A (...) Lda., ficou a dever à autora BBB €11.934,21 (onze mil novecentos e trinta a quatro euros e vinte e um cêntimos), valor já vencido, correspondente a: i) Salários relativos a: • Abril de 2018, no valor de €1.791,16 (mil setecentos e noventa e um euros e dezasseis cêntimos); • Maio de 2018, no valor de €1.791,16 (mil setecentos e noventa e um euros e dezasseis cêntimos); • Junho de 2018, no valor de €1.460,48 (mil quatrocentos e sessenta euros e quarenta e oito cêntimos). ii) Subsídios de refeição relativos a: • 20 dias do mês Abril de 2018, no valor de €115 (cento e quinze euros); • 21 dias do mês de Maio de 2018, no valor de €120,75 (cento e vinte euros e setenta a cinco cêntimos); • 21 dias do mês de Junho de 2018, no valor de €120,75 (cento e vinte euros e setenta e cinco cêntimos). iii) Subsídio de férias, no valor de €1.791,16 (mil setecentos e noventa e um euros e dezasseis cêntimos). iv) 22 dias de férias não gozadas em 2017, no valor de €1.791,16 (mil setecentos e noventa e um euros e dezasseis cêntimos). v) Proporcionais no ano da cessação do contrato, contados 176 dias: • Férias, no valor de €863,68 (oitocentos e sessenta e três euros e sessenta e oito cêntimos); • Subsídio de férias, no valor de €863,68 (oitocentos e sessenta e três euros e sessenta e oito cêntimos); • Subsídio de Natal, no valor €863,68 (oitocentos e sessenta e três euros e sessenta e oito cêntimos). vi) 35 horas de formação não ministrada, no valor total de €361,55 (trezentos e sessenta e um euro e cinquenta e cinco euros) [resposta ao artigo 17.º da PETIÇÃO INICIAL]. 18. A (...) Lda., também falhou em assegurar as suas obrigações para com a autora CCC, não lhe tendo pago salários e subsídios diversos em dívida, tendo sido estas as causas da suspensão do contrato de trabalho a 29/05/2018 e da respectiva resolução com justa causa a 2/07/2018 [resposta ao artigo 18.º da PETIÇÃO INICIAL]. 19. A (...) Lda., ficou a dever à autora CCC o valor de €16.375,34 (dezasseis mil trezentos e setenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos), já vencido, correspondente a: i) Salários relativos a: • Abril de 2018, no valor de €3.200,00 (três mil e duzentos euros); • Maio de 2018, até dia 29/05/2018, no valor de €2.756,95 (dois mil setecentos e cinquenta e seis euros e noventa e cinco cêntimos). ii) Subsídios de refeição relativos a: • 20 dias do mês Abril de 2018, no valor de €115 (cento e quinze euros); • 16 dias do mês de Maio de 2018, no valor de €92,00 (noventa e dois euros. iii) Subsídio de férias, no valor €3.200,00 (três mil e duzentos euros). iv) Férias não gozadas em 2017, no valor de €2.472,73 (dois mil quatrocentos e setenta e dois euros e setenta e três cêntimos); v) Proporcionais no ano da cessação do contrato, contados 148 dias: • Férias, no valor de €1.297,53 (mil duzentos e noventa e sete euros e cinquenta e três cêntimos); • Subsídio de férias, no valor de €1.297,53 (mil duzentos e noventa e sete euros e cinquenta e três cêntimos); • Subsídio de Natal, no valor €1.297,53 (mil duzentos e noventa e sete euros e cinquenta e três cêntimos); vi) 35 horas de formação não ministrada, no valor total de €646,10 (seiscentos e quarenta e seis euros e dez cêntimos) [resposta ao artigo 19.º da PETIÇÃO INICIAL]. 20. A (...)., incumpriu com as suas obrigações para com o autor (...), não lhe tendo pago salários e subsídios diversos em dívida, havendo suspensão do contrato de trabalho a 15/06/2018 e respectiva resolução com justa causa a 2/07/2018 [resposta ao artigo 20.º da PETIÇÃO INICIAL]. 21. A (...). ficou a dever ao autor (...) o valor de €10.059,75 (dez mil e cinquenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos), já vencido, correspondente a: i) Salários relativos a: • Abril de 2018, no valor de €1.340,00 (mil trezentos e quarenta euros); • Maio de 2018, no valor de €1.340,00 (mil trezentos e quarenta euros); • Junho de 2018, até 15/06/2018, no valor de €721,54 (setecentos e vinte e um euros e cinquenta e quatro cêntimos). ii) Subsídios de refeição relativos a: • 20 dias do mês Abril de 2018, no valor de €115,00 (cento e quinze euros); • 21 dias do mês de Maio de 2018, no valor de €120,75 (cento e vinte euros e setenta a cinco cêntimos); • 11 dias do mês de Junho de 2018, no valor de €63,25 (sessenta e três euros e vinte e cinco cêntimos). iii) Subsídio de férias, no valor de €1.340,00 (mil trezentos e quarenta euros). iv) Férias não gozadas, no valor de € 730,91 setecentos e trinta euros e noventa e um cêntimos). v) Proporcionais no ano da cessação do contrato: • Férias, no valor de €609,42 (seiscentos e nove euros e quarenta e dois cêntimos); • Subsídio de férias, no valor de €609,42 (seiscentos e nove euros e quarenta e dois cêntimos); • Subsídio de Natal, no valor €609,42 (seiscentos e nove euros e quarenta e dois cêntimos); vi) Formação devida e não ministrada, no valor total de €2.460,04€ (dois mil quatrocentos e sessenta euros e quatro cêntimos) [resposta ao artigo 21.' da PETIÇÃO INICIAL]. 22. A (...) Lda., deixou de efectuar os pagamentos de salários e subsídios da autora EEE, o que a levou a suspender o contrato de trabalho a 15/06/2018 e a resolvê-lo com justa causa a 4/07/2018 [resposta ao artigo 22.' da PETIÇÃO INICIAL]. 23. A (...)., ficou a devedor à autora EEE o valor de €19.764,75 (dezanove mil setecentos e sessenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), já vencido, correspondente a: i) Retribuições relativas a: • Abril de 2018, salário no valor de €2.574,80 (dois mil quinhentos e setenta e quatro euros e oitenta cêntimos), subsídio de isenção de horário de trabalho no valor de €643,70 (seiscentos e quarenta e três euros e setenta cêntimos), €124,70 (cento e vinte e quatro euros e setenta cêntimos) por cedência de direitos de autor; • Maio de 2018, salário no valor de €2.574,80 (dois mil quinhentos e setenta e quatro euros e oitenta cêntimos), subsídio de isenção de horário de trabalho no valor de €643,70 (seiscentos e quarenta e três euros e setenta cêntimos), €124,70 (cento e vinte e quatro euros e setenta cêntimos) por cedência de direitos de autor; • Junho de 2018, até 15/06/2018, salário no valor de €1.287,40 (mil duzentos e oitenta e sete euros e quarenta cêntimos), subsídio de isenção de horário de trabalho no valor de €321,85 (trezentos e vinte e um euros e oitenta e cinco cêntimos), €62,35 (sessenta e dois euros e trinta e cinco cêntimos) por cedência de direitos de autor. ii) Subsídios de refeição relativos a: • 20 dias do mês Abril de 2018, no valor de €115,00 (cento e quinze euros); • 21 dias do mês de Maio de 2018, no valor de €120,75 (cento e vinte euros e setenta e cinco cêntimos); • 11 dias do mês de Junho de 2018, no valor de €63,25 (sessenta e três euros e vinte e cinco cêntimos). iii) Subsídio de férias, no valor de €3.343,20 (três mil trezentos e quarenta e três euros e vinte cêntimos) iv) 18 dias de férias não gozadas, no valor de €2.735,35 (dois mil setecentos e trinta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos). v) Proporcionais no ano da cessação do contrato, calculados a 164 dias: • Férias não gozadas, no valor de €1.502,15 (mil quinhentos e dois euros e quinze cêntimos); • Subsídio de férias, no valor de €1.502,15 (mil quinhentos e dois euros e quinze cêntimos); • Subsídio de Natal, no valor de €1.502,15 (mil quinhentos e dois euros e quinze cêntimos); vi) 35 horas de formação não ministrada, no valor total de €519,75 (quinhentos e dezanove euros e setenta e cinco cêntimos) [resposta ao artigo 23.º da PETIÇÃO INICIAL]. 24. A (...) Lda.., também falhou em honrar com os seus compromissos para com a autora FFF, estando em dívida salários e subsídios diversos, o que levou a que esta suspendesse o contrato de trabalho a 25/05/2018 e mais tarde a resolvê-lo com justa causa a 2/07/2018 [resposta ao artigo 24.º da PETIÇÃO INICIAL]. 25. A (...), ficou a dever à autora FFF €11.441,50 (onze mil quatrocentos e quarenta e um euros e cinquenta cêntimos), valor já vencido, correspondentes a: i) Salários relativos a: • Abril de 2018, no valor de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros); • Maio de 2018, no valor de €1.793,85 (mil setecentos e noventa e três euros e oitenta a cinco cêntimos). ii) Subsídios de refeição relativos a: • 20 dias do mês Abril de 2018, no valor de €115 (cento e quinze euros); • 15 dias do mês de Maio de 2018, no valor de €86,25 (oitenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos); iii) Subsídio de férias, no valor de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros); iv) Férias não gozadas em 2017, no valor de €2.000,00 (dois mil euros); v) Proporcionais no ano da cessação do contrato, contados 144 dias: • Férias, no valor de €867,95 (oitocentos e sessenta e sete euros e noventa e cinco cêntimos); • Subsídio de férias, no valor de €867,95 (oitocentos e sessenta e sete euros e noventa e cinco cêntimos); • Subsídio de Natal, no valor de €867,95 (oitocentos e sessenta e sete euros e noventa e cinco cêntimos). vi) 35 horas de formação devida e não ministrada, no valor total de €444,15 (quatrocentos e quarenta e quatro euros e quinze cêntimos) [resposta ao artigo 25.º da PETIÇÃO INICIAL]. 26. A (...), não cumpriu com os seus compromissos para com a autora GGG, devendo em dívida salários e subsídios diversos, o que levou a que esta tenha suspendido o contrato de trabalho a 26/06/2018 e mais tarde a resolvê-lo com justa causa a 09/07/2018 [resposta ao artigo 26.º da PETIÇÃO INICIAL]. 27. A (...), ficou a dever à autora GGG €6.854,66 (seis mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos), valor já vencido, correspondente a: i) Salários relativos a: • Abril de 2018, no valor de €1.051,00 (mil e cinquenta e um euros); • Maio de 2018, no valor de €1.051,00 (mil e cinquenta e um euros); • Junho de 2018, no valor de €856,97 (oitocentos e cinquenta e seis euros e noventa e sete cêntimos). ii) Subsídios de refeição relativos a: • 17 dias do mês Abril de 2018, no valor de €97,75 (noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos); • 21 dias do mês de Maio de 2018, no valor de €120,75 (cento e vinte euros e setenta a cinco cêntimos); • 21 dias do mês de Junho de 2018, no valor de €120,75 (cento e vinte euros e setenta e cinco cêntimos). iii) Subsídio de férias, no valor de €1.051,00 (mil e cinquenta e um euros). iv) Férias não gozadas em 2017, no valor de €764,36 (setecentos e sessenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos). v) Proporcionais no ano da cessação do contrato, contados 177 dias: • Férias, no valor de €509,66 (quinhentos e nove euros e sessenta e seis cêntimos); • Subsídio de férias, no valor de €509,66 (quinhentos e nove euros e sessenta e seis cêntimos) • Subsídio de Natal, no valor €509,66 (quinhentos e nove euros e sessenta e seis cêntimos). vi) 35 horas de formação devida e não ministrada, no valor total de €212,10 (duzentos e doze euros e dez cêntimos) [resposta ao artigo 27.' da PETIÇÃO INICIAL]. 28. Os créditos de todos os autores estão vencidos há mais de 3 meses [resposta ao artigo 32.' da PETIÇÃO INICIAL]. 29. A 3.ª ré JJJ é detentora de uma quota de € 5.100,00 (cinco mil e cem euros) no capital social da (...) Lda., que é de € 10.000,00 (dez mil euros) [artigo 34.' da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR DOCUMENTO]. 30. A 1.ª ré ATÉ AO FIM DO MUNDO – IMAGENS E COMUNICAÇÃO, Lda., tem, desde 08-11-2011, sede na Rua da Fraternidade Operária, n.' 4, 2790-162 Carnaxide [artigos 49.' da PETIÇÃO INICIAL e 16.' DA CONTESTAÇÃO da 1.ª ré – PROVADO POR DOCUMENTO]. 31. A 2.ª ré III, tem, desde a sua constituição (03-04-2013), sede na Rua da Fraternidade Operária, n.' 4, 2790-090 Carnaxide [artigo 49.' da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR DOCUMENTO]. 32. A 3.ª ré (...), Lda., tinha, à data da sua constituição (08-04-2013), sede na Rua (…), tendo em 02-06-2015 alterado a sua sede para a Rua da Fraternidade Operária, n.' 6, 2790-162 Carnaxide, e em 10-07-2018 alterado a sua sede para a Rua (…) [artigos 49.' da PETIÇÃO INICIAL e 8.' da CONTESTAÇÃO da 1.ª ré – PROVADO POR DOCUMENTO]. 33. A estratégia digital do Grupo (…) do qual faz parte a 2.ª ré III, e também a (...), contemplava a promoção de todos os títulos e eventos desta última [resposta ao artigo 56.' da PETIÇÃO INICIAL]. 34. A redacção da (...), Lda., desenvolvia tarefas para a 2.ª ré III, inexistindo um site da Lux África, propriedade do Grupo (…), mas um único da luxwoman.pt, propriedade da primeira [resposta ao artigo 57.° da PETIÇÃO INICIAL]. 35. A 2.ª ré III, ocupa gabinetes da (...), Lda., dentro das instalações da (...), [artigo 59.° da PETIÇÃO INICIAL – PROVADO POR CONFISSÃO]. 36. A 2.ª ré III tem vindo a pagar a alguns credores por dívidas da (...), tendo sido também fornecido o IBAN da III para créditos que a (...), detém [artigos 60.° e 61.° da PETIÇÃO INICIAL – PROVADOS POR CONFISSÃO]. 37. Na altura da constituição da (...), Lda., foi designada como sua sede a Rua da (…) essencialmente por razões operacionais, relacionadas com a realização de obras no … da Rua (…), onde a (...), Lda., teria a sua sede efectiva, tendo sido indicada tal morada no acto de constituição para efeitos de recebimento de correspondência [resposta ao artigo 11.° da CONTESTAÇÃO da 1.ª ré]. 38. Durante esse período, nenhum trabalhador ou colaborador da (...), Lda., se instalou fisicamente na Rua (…), em Carnaxide, nem aí foram criados quaisquer postos de trabalho ou desenvolvida qualquer actividade por parte da (...), [resposta ao artigo 12.° da CONTESTAÇÃO da 1.ª ré]. 39. Dado que os trabalhadores das publicações adquiridas pela (...), Lda., trabalhavam para a (…), a (...), Lda. acordou com aquela que, até as obras no n.° (…) da Rua (…) estarem concluídas, os trabalhadores permaneceriam no seu local de trabalho na (…), embora já a trabalhar por conta da (...), Lda. [resposta ao artigo 13.° da CONTESTAÇÃO da 1.ª ré]. 40. Concluídas as obras, os trabalhadores mudaram-se directamente da (…) para a Rua (…), em Carnaxide [resposta ao artigo 14.° da CONTESTAÇÃO da 1.ª ré]. 41. Com vista à aquisição do imóvel onde tem actualmente a sua sede, a 1.ª ré HHH, celebrou em 22 de Junho de 2011 com o Banco (…). o contrato de locação financeira imobiliária n.° (…) no qual é locatária a referida ré e garantes das obrigações assumidas apenas os seus sócios – e respectivos cônjuges – através de livrança por eles subscrita [resposta aos artigos 16.° e 17.° da CONTESTAÇÃO da 1.ª ré]. 42. O referido contrato foi objecto de renegociação por parte da 1.ª ré HHH., tendo em 30 de Janeiro de 2015 sido celebrado acordo de resolução do contrato, e em 2 de Fevereiro de 2015, foi celebrado entre a 1.ª ré HHH, o Banco (…). novo contrato de locação financeira imobiliária, n.º (…) tendo por objecto o imóvel em que a ré tem a sua sede, no qual figura como locatária a referida ré e em que são garantes das obrigações assumidas apenas os seus sócios – e respectivos cônjuges –, através de outra livrança por eles subscrita, sem que tenha havido intervenção no contrato ou qualquer assunção de responsabilidades por parte da (...)., Lda., ou demais rés [resposta aos artigos 18.º, 19.º e 20.º da CONTESTAÇÃO da 1.ª ré]. 43. A 1.ª ré HHH detém uma participação de € 2.500,00 no capital social da (...), que é de € 10.000,00, mas nem a (...), Lda., nem qualquer das demais rés detém qualquer participação no capital social da 1.ª ré HHH [artigo 29.º da CONTESTAÇÃO da 1.ª ré – PROVADO POR DOCUMENTO]. 44. A (...),– directamente ou através de sócio – não tem poder de decisão nos destinos da 1.ª ré HHH e vice-versa; a 1.ª ré HHH. – directamente ou através de sócio – não tem poder de decisão nos destinos de qualquer uma das outras rés, e vice-versa [resposta ao artigo 40.º da CONTESTAÇÃO da 1.ª ré]. 45. A 3.ª ré JJJ é um fundo de capital de risco, cujo regulamento de gestão faz fls. 215 a 226 [resposta ao artigo 24.º da CONTESTAÇÃO da 2.ª ré]. 46. O plano de revitalização apresentado no âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 18737/18.6T8LSB, foi aprovado por 91,05 % dos créditos, tendo sido homologado por sentença proferida em 26-02-2019, transitada em julgado em 19-03-2019 [artigo 46.º da CONTESTAÇÃO da 2.ª ré – cfr. ofício de 15-05-2019]. 47. O referido plano – cuja cópia faz fls. 127 a 137 –, prevê o pagamento pela (...), dos créditos reclamados pelos autores nos presentes autos, em 10 prestações semestrais, entre o 1.º semestre de 2021 e o segundo semestre de 2025 [resposta aos artigos 46.º, 47.º e 52.º da CONTESTAÇÃO da 2.ª ré].
* 4. Fundamentação de direito
*
O recorrente vem expressar a sua divergência da sentença sob recurso por esta considerar serem-lhe aplicáveis as normas contidas nos artigos 334.º do Código do Trabalho e 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, não obstante a sua natureza jurídica de fundo de capital de risco não se reconduzir à forma societária tal como prevista no Código das Sociedades Comerciais.
Subsidiariamente, se assim não se considerar, sustenta que inexiste prova acerca da existência de influência dominante sobre a empregadora (...).
Defende, por isso, a sua absolvição do pedido.
Vejamos.
O artigo 334º, do Código do Trabalho de 2009, preceito em cujo regime a sentença funda a responsabilização do ora recorrente e que se mostra integrado na secção IV do capítulo VI do Código do Trabalho de 2009, que trata das “Garantias de créditos do trabalhador”, estabelece, sob a epígrafe “Responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo” o seguinte: “Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.”
Esta norma, que tem a sua raiz no artigo 378.º do Código do Trabalho de 2003, constitui um mecanismo de reforço da garantia do cumprimento dos créditos dos trabalhadores, obviando a que a integração da sociedade empregadora num contexto empresarial mais vasto redunde em prejuízo dos seus trabalhadores e permite a estes, sempre que o empregador seja uma sociedade comercial e esteja com outra (ou outras), numa das relações de coligação societária nela especificadas, demandar indistintamente a sociedade empregadora ou qualquer uma dessas sociedades a fim de obter a satisfação dos créditos laborais vencidos há mais de três meses que detenha sobre a sua empregadora, independentemente das posições ocupadas por tais sociedades na relação de domínio ou de grupo[1].
A previsão do artigo 334.º do Código do Trabalho compreende as sociedades que com a sociedade empregadora se encontram em relação de participação recíproca de domínio e de grupo, com uma remissão expressa para “os termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”. Assim, a solidariedade nela prevista cinge-se aos tipos sociais referidos no artigo 481.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, a que se aplicam as regras relativas às sociedades coligadas (título VI), ou seja, aplica-se apenas a sociedades anónimas, a sociedades por quotas e a sociedades em comandita por acções. Além disso, e no que respeita às relações de coligação entre sociedades que abrange, mostram-se todas elas abrangidas, com excepção da relação de simples participação prevista no artigo 483.º do CSC. Ou seja, aplica-se às sociedades em relação de participações recíprocas e de domínio (respectivamente artigos 485.º e 486.º do CSC) e aos grupos constituídos por domínio total, por contrato de grupo paritário e por contrato de subordinação (respectivamente artigos 488.º e ss., 492.º e 493.º e ss. do CSC)[2].
Tem sido este o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência[3].
Como refere Joana Vasconcelos, “a atribuição às sociedades coligadas com a sociedade-empregadora da responsabilidade pelos créditos laborais desta perante os seus trabalhadores assenta na mera existência entre estas, de uma das situações de coligação inter-societária relevantes enumeradas na presente disposição, pelo que a sua aplicabilidade depende, apenas, da invocação pelo trabalhador da relação que, no caso, se verifique. Significa isto que não se impõe ao trabalhador a demonstração de que a actuação das sociedades envolvidas se dirigiu ou teve como resultado defraudar os seus direitos ou comprometer gravemente a respectiva satisfação, nem, contrariamente ao que sucede nas hipóteses comtempladas no artigo seguinte, a alegação e prova dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade) para poder obter junto daquelas a satisfação dos seus créditos laborais”[4].
À luz das regras do onus probandi previstas no artigo 342.º do Código Civil, e tendo em atenção que o regime da responsabilidade solidária em causa resulta da conjugação do Código do Trabalho com o Código das Sociedades Comerciais – é o artigo 334.º do primeiro diploma que cria e define esta responsabilidade solidária em reforço da garantia dos créditos do trabalhador vencidos há mais de três meses mas, por força da remissão expressa para o segundo diploma, são as normas deste que definem as relações societárias para o efeito relevantes –, constitui ónus do trabalhador, para poder beneficiar do regime traçado naquela norma laboral, alegar e provar os factos constitutivos do direito creditício perante a sua empregadora e o seu vencimento há mais de três meses, bem como a existência de uma das relações de coligação societária relevantes acima identificadas, nada mais lhe sendo exigido.
No presente recurso a questão essencial que se coloca consiste em saber se o recorrente JJJ, é susceptível de se enquadrar no âmbito subjectivo da previsão dos artigos 334.º do Código do Trabalho e 481.º e ss. do Código das Sociedades Comerciais e deve, por isso, ser responsabilizada pelo pagamento dos créditos reconhecidos aos recorridos a presente acção.
Segundo o Regulamento de Gestão do recorrente (a fls. 215 e ss.), este é um Fundo de Investimento em Capital de Risco, com sede em Portugal, constituído por tempo determinado (artigo 4.º, n.º 1 d Regulamento de Gestão)[5]. O seu património “tem por objectivo ser investido em instrumentos de capital próprio, valores mobiliários ou direitos convertíveis, permutáveis ou que confiram direito à sua aquisição, bem como em instrumentos de capital alheio, das sociedades em que participe ou em que tenha por objectivo participar, por um período de tempo limitado. Assim, e enquadrado na actividade prevista pela legislação em vigor para os Fundos de Capital de Risco, terá por objecto o investimento em sociedades com elevado potencial de crescimento com especial enfoque no sector de media, fomentando o desenvolvimento do sector na economia Angolana e a criação de um grupo internacional de referência com o objetivo de remunerar os seus investidores em harmonia com a legislação em vigor. Adicionalmente, o Fundo poderá investir o capital em excesso em aplicações a prazo de capital garantido e em instrumentos financeiros, e realizar quaisquer operações financeiras, nomeadamente de cobertura de risco, que sejam necessárias à sua actividade” (artigo 2.º do Regulamento de Gestão).
De acordo com o mesmo Regulamento, o recorrente “é um património autónomo, sem personalidade jurídica, mas dotado de personalidade judiciária, pertencente ao conjunto dos titulares das Unidades de Participação e, como tal, não responde pelas dívidas, obrigações e responsabilidades de qualquer dos seus Participantes, da Sociedade Gestora, do Depositário ou de qualquer outro Fundo de Capital de Risco” (artigo 3.º do Regulamento de Gestão).
Estes artigos do Regulamento de Gestão relativos à finalidade e natureza jurídica do recorrente mostra-se conforme com o regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 375/2007, de 08-11[6] nos termos do qual “[c]onsidera-se investimento em capital de risco a aquisição, por período de tempo limitado, de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, como forma de beneficiar da respectiva valorização” (artigo 2.º) e se definem os Fundos de Capital de Risco (“FCR”) “patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, mas dotados de personalidade judiciária, pertencentes ao conjunto dos titulares das respectivas unidades de participação” (artigo 10.º, n.º 1), estabelecendo-se que “[o]s FCR não respondem, em caso algum, pelas dívidas dos participantes, das entidades que assegurem as funções de gestão, depósito e comercialização, ou de outros FCR” (artigo 10.º, n.º 2) e que os mesmos se regem “pelo previsto no presente decreto-lei e pelas normas constantes do respectivo regulamento de gestão” (artigo 10.º, n.º 3).
Dos factos provados (facto 45.) e do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 375/2007 – que a Lei n.º 18/2015 actualmente em vigor reiterou nos seus artigos 3.º, n.º 1 e 15.º, n.ºs 1, 2 e 4) – resultam duas conclusões evidentes. A primeira é a de que o recorrente não é uma sociedade. A segunda é a de que o mesmo não dispõe de personalidade jurídica e não responde, em caso algum, pelas dívidas dos participantes, das entidades que assegurem as funções de gestão, depósito e comercialização, ou de outros Fundos de Capital de Risco.
Confrontando-se com a particular natureza jurídica do ora recorrente, o Mmo. Juiz a quo afirmou, na douta sentença, que “numa análise meramente jus-comercial” seria de concluir que o mesmo não poderia subsumir-se à previsão dos artigos 334.º do CT e 481.º e ss. do CSC, tendo em conta que não assume a forma de sociedade (cfr. artigo 334.º do CT) nem, consequentemente, constitui uma sociedade por quotas, uma sociedade anónima ou uma sociedade em comandita por acções (cfr. artigo 481.º, n.º 1, do CSC).
Contudo, afirmando o abandono de uma “noção puramente formalista de relação de domínio”, concluiu que o ora recorrente, enquanto detentor de 51% do capital social da (...), pode exercer uma influência dominante sobre a referida a (...), sendo esta última uma sociedade dependente daquela (cfr. artigo 486.º, n.ºs 1 e 2, do CSC) e veio a afirmar que o mesmo responde solidariamente pelos créditos dos trabalhadores AA.
Para tanto, desenvolveu o seguinte raciocínio:
«[…] Todavia, conforme tem sido profusamente salientado por abundante doutrina, sintetizada no acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA de 26-04-2018 que temos vindo a citar, a remissão operada pelo artigo 334.º do CT para uma noção meramente formal dos tipos de grupos económicos regulados nos artigos 481.º e ss. do CSC é manifestamente insuficiente para realizar uma adequada protecção dos trabalhadores das empresas coligadas, visto que os problemas laborais gerados pela constituição de grupos não diferem em função da forma societária ou não societária dos respectivos membros. Assim, parafraseando uma vez mais o supra mencionado aresto (citando INÊS ARRUDA e TITO ARANTES “Actualidade Jurídica, Úria Menéndez”, 13-2006, pág. 26 e ss.), são «claras as insuficiências das consequências jurídicas que a lei associou a este tipo de coligação, para realizarem uma eficaz protecção dos interesses em jogo. Na verdade, tem-se, neste tipo de coligação, sobretudo em vista assegurar a integridade do capital social e a sociedade dominante, descurando os interesses dos sócios, dos credores, e, claro está, dos trabalhadores, da sociedade dominada». «A análise aprofundada dos tipos de grupos económicos regulados pelo CSC permite, na verdade, constatar que as normas constantes desse diploma legal mostram-se insuficientes para realizarem uma adequada protecção dos trabalhadores das empresas coligadas. Desde logo, o artigo 481.º do CSC restringe o regime das coligações de sociedades às relações entre sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções. Contudo, a verdade é que os problemas laborais gerados pela constituição de grupos não diferem em função da forma societária ou não societária dos respectivos membros». Assim, «A perspectiva de análise laboralista dos grupos de empresas, ainda que conexa com a tipologia dos grupos de sociedades acima analisada, é, efectivamente, diferente da visão comercialista dos mesmos. Na verdade, não obstante a preocupação demonstrada pelo legislador na tutela dos credores sociais e sócios minoritários, não foi dispensada, neste diploma, qualquer protecção específica aos trabalhadores, sendo certo que os interesses dos mesmos não são assegurados de forma satisfatória pelas normas destinadas a proteger os credores sociais. «O regime das coligações de sociedades apresentado pelo CSC, mostra-se, desta forma, visivelmente limitado e redutor, impedindo a sua adopção no regime do Direito de Trabalho. Para necessária protecção dos trabalhadores, consideramos, então, necessário alargar o conceito de grupo de empresa de forma a abarcar todas as configurações do fenómeno susceptíveis de criarem riscos suplementares aos trabalhadores face aos riscos normais que suportam genericamente os trabalhadores de uma empresa globalmente autónoma. «Assim sendo, o direito de trabalho deve utilizar uma noção ampla de grupo de empresas: (i) não haverá dúvidas, desde logo, quanto à subsunção, na referida noção, das formas de coligação de sociedades tipificadas no CSC; (ii) deverá abarcar, além dessas, todas as situações em que se detecte uma relação de controlo de facto entre duas ou mais empresas, ou, não havendo embora uma relação de controlo, exista, de facto, uma direcção económica unitária. A presença de qualquer uma destas situações implica, necessariamente (e tal como acontece nas situações tipificadas no CSC), uma perda de autonomia para a empresa dominada/subordinada susceptível de afectar o estatuto dos trabalhadores, pelo que também tem que ser tida em conta no direito de trabalho. Aceitamos, porém, a crítica, no sentido de que esta forma de solucionar a questão não esgota, ainda, todos os problemas suscitados pelo fenómeno do grupo de empresas. Pense-se por exemplo na situação como o consórcio], que entendemos dever inserir no conceito de «grupo», em que não existe a unidade de direcção ou tão pouco a enunciada influência dominante. Assim, para além das situações supra enumeradas, dever-se-á incluir no conceito de grupo, para os efeitos que ora se analisam, (iii) todas as situações em que haja um agrupamento (associação) de duas ou mais empresas que se mostra susceptível de produzir efeitos ao nível do próprio quadro organizativo que serve de base à prossecução da actividade económica do empregador.» Parafraseando ainda o supra referido aresto (desta feita citando JOÃO ZENHA MARTINS, “A descentralização produtiva e os grupos de empresas ante os novos horizontes laborais”, QL, Ano VIII, 18, pág. 217), seria «irrealista confinar a temática dos grupos de empresas às empresas societárias previstas no CSC e não atender à emergência crescente de formas de cooperação empresarial de nível horizontal que proliferam a um ritmo vertiginoso (...) e que do ponto de vista material podem defraudar a tutela juslaboral. É que na actualidade ressalta mais o efeito económico do conjunto dos factores envolvidos num processo produtivo do que a forma jurídica de organização do capital (...)». «Ainda segundo este autor: “O critério de referência, neste particular domínio, tem de repousar na tutela da posição dos trabalhadores em conjugação com o delineamento de um quadro de aferição da funcionalidade quanto ao exercício de determinados direitos e na necessidade de busca ao nível do ordenamento de soluções ou institutos materialmente adequados (independentemente do formalismo societário em questão) que logrem reparar situações de injustiça que, enquanto tal, repugnam à consciência jurídica e desvirtuam a estrutura finalística do direito do trabalho e actuam para além dos princípios básicos do sistema”, até porque a estruturação da realidade grupos de empresas, no plano dos problemas emergíveis no âmbito das prestações materiais multilocalizadas, é extremamente variável. (...) Existe uma exigência de fazer prevalecer a realidade jurídica objectiva sobre a aparência (...).”». Em suma, e reportando-nos agora ao caso em apreço, abandonando uma noção puramente formalista de relação de domínio, não poderá deixar de concluir-se que a 3.ª ré JJJ, enquanto detentora de 51% do capital social da (...), pode exercer uma influência dominante sobre a referida (...), sendo esta última uma sociedade dependente daquela (cfr. artigo 486.º, n.os 1 e 2, do CSC). Aliás, tal influência dominante é ainda reforçada pela circunstância de aos 51% do capital social detido pela 3.ª ré JJJ se juntar ainda a detenção de 16% do capital social da (...),, por (…), que é presidente do conselho de administração da sociedade JJJ, gestora e legal representante da 3.ª ré JJJ (cfr. as respectivas certidões permanentes juntas aos autos, que fazem prova plena desses factos). Conclui-se, por tudo o exposto, que a 3.ª ré JJJ responde solidariamente pelos créditos dos trabalhadores aqui autores, tal como estes se mostram reconhecidos no âmbito do referido PER.
[…]»
Reconhecendo a pertinência das considerações do Mmo. Juiz a quo quanto à insuficiência do regime legal para realizar uma adequada protecção dos trabalhadores que trabalham em empresas integradas em grupos económicos, e a bondade da sua tese de iure condendo, não podemos acompanhar a solução que adoptou a douta sentença da 1.ª instância à face do direito constituído.
Na verdade, com a própria sentença reconhece, o recorrente constitui um Fundo de Capital de Risco, entidade sem personalidade jurídica e que não assume a forma de sociedade comercial nem se enquadra, consequentemente, nas formas societárias previstas no n.º 1, do artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais, para que o artigo 334.º do Código do Trabalho expressamente remete (sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por acções). Por isso mesmo, o recorrente não pode subsumir-se directamente à previsão dos artigos 334.º do CT e 481.º e ss. do CSC.
A argumentação desenvolvida na sentença sob recurso consubstancia materialmente uma aplicação analógica, ao caso do recorrente Fundo de Capital de Risco, da norma do artigo 344.º do Código do Trabalho[7].
Ora, não pode perder-se de vista a excepcionalidade da indicada norma que, visando intensificar a garantia patrimonial dos créditos pecuniários emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação para obviar a que a inclusão do empregador em determinado tipo de coligação inter-societária redunde em prejuízo patrimonial dos seus trabalhadores, veio prever a responsabilidade solidária com o empregador de “sociedade” que com o mesmo “se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”.
Como refere Joana Vasconcelos, “esta solução envolve o afastamento excepcional e circunscrito a dada categoria de créditos (os «emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação») da regra da limitação da responsabilidade patrimonial das sociedades comerciais e a consequente atribuição àquelas que com a sociedade empregadora tenham relações especialmente intensas ou significativas, de uma responsabilidade por dívidas desta”[8]. Júlio Gomes, também citado na sentença, chama a atenção para que se trata de uma responsabilidade “que não depende de culpa e que não é sequer, em bom rigor, subsidiária”, não se exigindo que o trabalhador tenha demandado primeiro sem sucesso o seu empregador, nem se referindo qualquer prévia excussão dos bens deste, pelo que a norma “alarga significativamente o círculo de potenciais devedores”[9].
Ora, nos termos do artigo 11.º do Código Civil é proibida a aplicação analógica das normas excepcionais[10].
E a verdade é que a argumentação expressa na sentença aproxima-se do raciocínio geralmente usado para a aplicação analógica, consubstanciando uma verdadeira “extensão da lei por analogia” ou “interpretação extensiva analógica” que, como avisa o Professor Cabral de Moncada[11], foi o que o artigo 11.º do Código Civil quis proibir.
Com efeito, a afirmação que a sentença faz de que a remissão operada pelo artigo 334.º do CT para uma noção meramente formal dos tipos de grupos económicos regulados nos artigos 481.º e ss. do CSC é “insuficiente para realizar uma adequada protecção” dos trabalhadores das empresas coligadas, visto que “os problemas laborais gerados pela constituição de grupos não diferem em função da forma societária ou não societária dos respectivos membros”, entronca no conceito legal de analogia constante do n.º 2 do artigo 10.º do Código Civil, no termos do qual “[h]á analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”.
É simplesmente com base neste argumento que a sentença, fundando-se em doutrina que reputa as normas do Código das Sociedades Comerciais para que remete o Código do Trabalho de insuficientes para uma adequada protecção dos trabalhadores de grupos de empresas (e propugna que no Direito do Trabalho deve alargar-se o conceito de grupo de empresa de forma a abarcar todas as configurações do fenómeno susceptíveis de criarem riscos suplementares aos trabalhadores face aos riscos normais que suportam genericamente os trabalhadores de uma empresa globalmente autónoma)[12] e em doutrina que afirma ser “irrealista confinar a temática dos grupos de empresas às empresas societárias previstas no CSC e não atender à emergência crescente de formas de cooperação empresarial de nível horizontal que proliferam a um ritmo vertiginoso (...) e que do ponto de vista material podem defraudar a tutela juslaboral”[13], vem a concluir do seguinte modo:
“(…) reportando-nos agora ao caso em apreço, abandonando uma noção puramente formalista de relação de domínio, não poderá deixar de concluir-se que a 3.ª ré JJJ, enquanto detentora de 51% do capital social da (...), pode exercer uma influência dominante sobre a referida (...), sendo esta última uma sociedade dependente daquela (cfr. artigo 486.º, n.os 1 e 2, do CSC).
Ora, salvo o devido respeito, na medida em que o indicado abandono de uma “noção puramente formalista da relação de domínio”, nos termos assumidos na sentença, implica a aplicação da norma excepcional do artigo 334.º do Código do Trabalho a casos que a mesma manifestamente não abarca – por não incluídos na fattispecie das normas societárias para que expressamente remete e que definem e delimitam as relações de coligação intersocietária para o efeito relevantes –, mostra-se o mesmo vedado pela proibição geral constante do artigo 11.º do Código Civil.
Assim, no caso sub judice, ainda que pudesse descortinar-se uma lacuna, patente ou latente, na norma que prevê a responsabilidade solidária com a sociedade empregadora de “sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”, que se entendesse demandar a sua aplicação analógica ao caso do recorrente, que é um Fundo de Capital de Risco, é a própria lei que exclui a viabilidade do recurso à via metodológica integradora em face da natureza excepcional da norma[14].
Aliás, deve notar-se que os autores do primeiro estudo citado na sentença (subscrito por Inês Arruda e Tito Arantes[15]), defendendo embora em termos doutrinários a necessidade para efeito jurídico-laborais de um conceito de grupo mais amplo do que o conceito de grupo para efeitos do Código das Sociedades Comerciais, de forma a abarcar todas as configurações do fenómeno susceptíveis de criarem riscos suplementares aos trabalhadores face aos riscos normais que suportam genericamente os trabalhadores de uma empresa globalmente autónoma, quando na parte final do estudo analisam o direito constituído, não extraem do mesmo este alargamento que antes preconizaram, não invocando a identidade de razões da regulamentação, nem qualquer outro fundamento para alcançar a inclusão no âmbito do artigo 334.º do Código do Trabalho de entidades não societárias, vg. Fundos de Capitais de Risco sem personalidade jurídica. Nesta sede, os referidos autores afirmam que “[o] Código do Trabalho consagra, ainda, um inovador - e importante! - regime de co-responsabilização – objectiva - de terceiros que se encontrem com a entidade empregadora numa relação de participações recíprocas, domínio ou grupo, nos termos previstos no CSC” e afirmam que o regime de co-responsabilidade previsto na lei apresenta “uma considerável protecção dos trabalhadores”, masreconhecem também que “face às restrições quanto ao âmbito pessoal, espacial e material da aplicação dos preceitos legais do CSC" o regime vigente “não os defende perante as diversas formas de coligação de sociedades passíveis de criar os já descritos riscos suplementares aos trabalhadores face aos riscos normais que suportam genericamente os trabalhadores de uma empresa globalmente autónoma”, não sustentando, em momento algum, que se proceda a uma aplicação analógica do artigo 334.º do Código do Trabalho a casos nele não previstos que se integrassem naquela noção mais ampla de grupo de empresas que antes diziam dever ser utilizada no Direito do Trabalho.
Quanto ao segundo estudo citado na sentença em abono do alargamento subjectivo da norma a que procede (da autoria de João Zenha Martins[16]), deve notar-se que o mesmo foi produzido em 2001, antes da legislação codicística que veio introduzir na lei laboral a responsabilidade solidária pelo pagamento de créditos laborais por parte de sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com a sociedade empregadora (artigos 378.º do Código do Trabalho de 2003 e 334.º do Código do Trabalho de 2009). Além disso, as considerações que o autor desenvolve a propósito da “emergência crescente de formas de cooperação empresarial de nível horizontal que proliferam a um ritmo vertiginoso”, da “necessidade de busca ao nível do ordenamento de soluções ou institutos materialmente adequados (independentemente do formalismo societário em questão) que logrem reparar situações de injustiça que, enquanto tal, repugnam à consciência jurídica e desvirtuam a estrutura finalística do direito do trabalho e actuam para além dos princípios básicos do sistema” e da “exigência de fazer prevalecer a realidade jurídica objectiva sobre a aparência”, que a sentença transcreve, precedem a conclusão do autor no sentido de haver situações que “se mostra legitimado o recurso ao levantamento da personalidade jurídica”, o qual fornece resposta à “incontornável relevância da organização empresarial em grupo na modelação das relações laborais, mantendo indemnes as coordenadas básicas em que se estriba o sistema jus-laboral”. Ora o levantamento (ou desconsideração) da personalidade colectiva constitui realidade bem diversa desta possibilidade legal concedida pelo artigo 334.º do CT aos trabalhadores de uma sociedade comercial de demandar outra sociedade estranha ao vínculo laboral por créditos laborais deste emergentes (ou da sua violação ou cessação) unicamente em razão de uma relação de coligação societária que mantenham com a sociedade empregadora, sem que se exija ao trabalhador a demonstração de que a actuação das sociedades envolvidas se dirigiu a defraudar os seus direitos ou comprometer gravemente a respectiva satisfação, ou teve esse resultado[17]. Ao invés do que ocorre com a responsabilidade solidária prevista no citado artigo 334.º, a desconsideração da personalidade colectiva deve actuar tão só “quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica” e “depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam”[18] e apenas deve ser invocada em situações limite[19].
Entendemos, pois, salvo o devido respeito, que dos citados estudos dificilmente poderia retirar-se um contributo para confortar a tese da sentença no que concerne à subsunção de um Fundo de Capital de Risco no âmbito subjectivo do artigo 334.º do Código do Trabalho.
O legislador não deu esse passo e, pelas razões apontadas, não cremos que ao intérprete seja lícito fazê-lo.
Em suma, à luz do direito constituído, entendemos que o regime excepcional de responsabilidade solidária previsto no artigo 334.º do Código do Trabalho, elenca de forma taxativa as relações societárias abrangidas pelo regime de solidariedade por remissão para o Código das Sociedades Comerciais, não sendo lícito o alargamento do âmbito subjectivo de aplicação deste regime a outras entidades que não sejam sociedades comerciais por quotas, anónimas ou em comandita por acções. Como bem diz o recorrente, se a aplicação da norma se encontra limitada a apenas alguns dos tipos societários, por um argumento de maioria de razão, não será também a mesma aplicável a entidades que tão pouco assumem aquela natureza jurídica, como os Fundos de Investimento
Em sentido coincidente se pronuncia Luís Correia Araújo, quando analisa a possibilidade de alargamento do âmbito de aplicação do regime do artigo 334.º, tanto às relações de grupo que envolvam sociedades com sede no estrangeiro, como às que se estabeleçam entre pessoas colectivas (ou outras entidades) que não sejam sociedades comerciais por quotas, anónimas ou em comandita por acções, e conclui não haver uma lacuna legislativa que permita o recurso à analogia. Segundo este autor, “parece claro que o legislador tomou uma opção: a de salvaguardar a coerência com outros regimes laborais com incidência nos grupos; bem como, salvaguardar a coerência do sistema jurídico, evitando criar conceitos e um regime de responsabilidade que se afastasse demasiado do já existente no direito societário. Não pretendemos com isto dizer que a opção do legislador foi a mais correcta, mas parece-nos que que tal opção foi tomada e revela-se na letra do art. 334.º do CT, onde são elencadas taxativamente as relações societárias abrangidas, com utilização de conceitos já delineados noutro ramo do direito” [20].
E na jurisprudência o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 9 de Novembro de 2011, afirmou que a solução propugnada pelo artigo 378.º do Código do Trabalho de 2003 – que corresponde ao artigo 334.° do Código do Trabalho actualmente em vigor – vale “apenas para sociedades que se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo nos termos dos arts. 481.º e sgs do CSC. E este dispositivo é claro ao restringir o regime em análise às relações entre sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções”[21].
Poderá defender-se que o legislador ficou aquém do desejado no âmbito subjectivo de aplicação da norma, ao excluir empresas não constituídas de forma societária[22], mas tal não autoriza o intérprete a dar o passo que o legislador não deu, alargando esta hipótese legal excepcional a outras entidades não contempladas na remissão operada para o artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais.
Assim, não se subsumindo o recorrente JJJ ao regime legal de responsabilidade solidária previsto no artigo 334.º do Código do Trabalho, não pode este Fundo de Capital de Risco ser responsabilizado solidariamente pelo pagamento de créditos salariais devidos aos AA. ora recorridos pela sua empregadora, a (...), nos termos decididos na sentença sob recurso que, por isso, deverá ser revogada na parte em que condenou o ora recorrente no pagamento daqueles créditos, quedando prejudicada a resposta à questão de saber se o recorrente JJJ exercia influência dominante sobre a (...).
*
As custas do recurso interposto da sentença final recaem sobre os AA. recorridos (artigo 527.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), na medida em que, obtendo o recorrente vencimento, decaíram. Ter-se-á contudo em consideração que não são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça, uma vez que não contra-alegaram (artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais). Não havendo lugar a encargos no recurso, a sua condenação é restrita às custas de parte que haja.
* 5. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
5.1. julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, alterando o facto 21. da sentença, nos termos sobreditos;
5.2. conceder provimento ao recurso e, em consequência, alterar a sentença da 1.ª instância no que respeita à condenação do ora recorrente JJJ, absolvendo-se este dos pedidos contra si formulados pelos autores ora recorridos.
Condenam-se os recorridos nas custas de parte que haja.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2021
Maria José Costa Pinto
Sérgio Almeida
Manuela Bento Fialho
_______________________________________________________ [1] Vide Catarina Oliveira Carvalho, “ Algumas Questões Sobre A Empresa e Direito do Trabalho”, in AReforma do Código do Trabalho, Coimbra, 2004, p. 449 e Joana Vasconcelos, i n Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 893. [2] Vide Joana Vasconcelos, i n ob. citada, p. 894. [3] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2011, Processo n.º 1332/07.2TTVNG.P1.S1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2018.5.18, Processo 646/17.8T8CTB.C2, ambos in www.dgsi.pt. [4] In i n ob. citada, p. 896. [5] Dez anos a partir de 2013.02.27, data em que o Fundo se considerou constituído (initial closing) como indicado no artigo 5.º, n.º 3, do Regulamento de Gestão, podendo ser reduzido ou prorrogado por 2 períodos consecutivos de 5 anos, mediante proposta da Sociedade Gestora, sujeita a aprovação da Assembleia de Participantes, por, pelo menos, 2/3 do Capital Total Subscrito do Fundo (segundo o TERMSHEET – FICHA TÉCNICA do Regulamento de Gestão). [6] Diploma que regulava o exercício da actividade de investimento em capital de risco através de sociedades de capital de risco, de fundos de capital de risco ou de investidores em capital de risco em vigor à data em que o Fundo ora recorrente se considerou constituído. Este diploma foi revogado pela Lei n.º 18/2015, de 04 de Março, que transpõe parcialmente as Directivas n.ºs 2011/61/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho, e 2013/14/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Maio, que asseguram a execução, na ordem jurídica interna, dos Regulamentos (UE) n.ºs 345/2013 e 346/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Abril, e procede à revisão do regime aplicável ao exercício da actividade de investimento em capital de risco. [7] De acordo com a distinção clássica entre interpretação extensiva e aplicação analógica, a primeira “limita-se a estender a norma a situações não abarcadas pela sua letra, mas compreendidas no seu espírito” e a segunda “conduz a uma aplicação da norma a situações nem sequer alcançadas pelo seu espírito” – vide Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. citada, p. 179. [8] In ob. citada, p. 893. [9] Vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 900. [10] É certo que o artigo 11.º do Código Civil possibilita a interpretação extensiva das normas excepcionais. Sendo esta possível, em abstracto, no caso vertente não é uma interpretação com tais características que é feita na sentença. Poderia perspectivar-se uma interpretação extensiva, por exemplo, se se pretendesse considerar aplicável a norma a uma sociedade de tipo diferente das previstas no artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais mas, no caso, o recorrente não é sequer uma sociedade pelo que apernas através de integração analógica prevista no artigo 10.º pode perspectivar-se a subsunção do mesmo ao âmbito subjectivo da norma. [11] Apud Pires de Lima e Antunes Varela, in Noções Fundamentais de Direito Civil, cit., p. 170, nota 1. [12] Inês Arruda e Tito Arantes, in “Actualidade Jurídica, Úria Menéndez”, 13-2006, pp. 26 e ss. [13] João Zenha Martins, “A descentralização produtiva e os grupos de empresas ante os novos horizontes laborais”, in Questões Laborais, n.º 18, Ano VIII — 2001 p. 217. [14] Vide João Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, (18 ª Reimpressão), Coimbra, 2010, pp. 192 e ss. [15] Vide a nota 13. [16] Vide o estudo citado na nota 14, pp. 214 a 220. [17] Vide Joana Vasconcelos, in ob. citada, p. 896, quanto ao artigo 334.º do Código do Trabalho de 2009. Relativamente à figura da desconsideração da personalidade colectiva, entre outros, no Acórdão da Relação de Coimbra de 2013.07.03, Processo n.º 943/10.8TTLRA.C1, afirmou-se que “[a] desconsideração tem de envolver sempre um juízo de reprovação ou censura sobre a conduta do agente e esta deve revelar-se ilícita, havendo que verificar se ocorre uma postura de fraude à lei ou de abuso de direito” - in www.colectaneadejurisprudencia.pt. [18] Vide Catarina Serra no seu estudo “Desdramatizando o afastamento da personalidade jurídica (e da autonomia patrimonial”, in Revista “Julgar”, nº 9, Coimbra, p. 130 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2017.11.07, Processo 919/15.4T8PNF.P1.S1, in www.dgsi.pt. [19] Vide Meneses Cordeiro, in A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais, edição da AAFDL, Lisboa, 1989, p. 158. [20] No seu estudo A responsabilidade solidária das sociedades coligadas e dos sócios-controladores, in Questões Laborais , Ano XXII, n.º 47, Julho/Dezembro de 2015, pp. 284 e 285, também citado pelo recorrente. Vide ainda José Engrácia Antunes, Os grupos de sociedades no direito do trabalho, in Questões Laborais, Ano XIX, n.º 39, Janeiro/Junho de 2012, p. 63, nota 38. [21] Processo n.º 1332/07.2TTVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt. Deve dizer-se que também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2018.04.26, Processo 49/14.6TTBRR.L1-4, citado na sentença, decidiu absolver as sociedades demandadas na acção sobre que versava a título de responsáveis solidárias pelos créditos pecuniários das autoras, nos termos do art.º 334.º do Código do Trabalho, por não se poder concluir no caso que se encontravam com a sociedade empregadora numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais. [22] Vide Catarina Carvalho, in ob. citada, pp. 454-455.