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EMBARGOS DE EXECUTADO
IMPUGNAÇÃO DE ASSINATURA
PERÍCIA À LETRA
PROVA
Sumário
1- Para que se considere provada a assinatura de um documento, exista ou não perícia, há que ponderar, além de todos os elementos probatórios produzidos, também o contexto fático alegado, bem como a própria forma como decorreram os autos, com vista à verificação da verdade processual e, tudo analisado, concluir-se por uma probabilidade suficientemente elevada da sua veracidade, com uma margem de erro que se mostre proporcionada às regras da razão e da experiência de vida.
Texto Integral
Embargante e Apelado : J. M., residente do …, nº .., Fafe,
Embargado e Apelante: J. N., residente na Rua …, nº …, Guimarães
Autos de: oposição à execução mediante embargos de executado
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I -Relatório
O embargante de executado, por apenso à execução que lhe foi movida, defendeu que esta devia ser extinta, invocando, em súmula, que não apôs a assinatura no lugar do sacador do cheque, que este se encontra prescrito e não vale como título de crédito, visto que a relação subjacente não foi concretamente alegada, sendo nulo o contrato de mútuo, para cujo pagamento nunca foi interpelado, encontrando-se também a dívida prescrita, bem como os juros, que não são devidos.
O exequente contestou, defendendo que o cheque foi assinado pelo executado e impugnando a factualidade invocada pelo executado.
No despacho saneador, a exceção de insuficiência do título executivo foi julgada improcedente, por se entender que o exequente invocou a relação subjacente à emissão do cheque, e foi julgada procedente a prescrição invocada quanto aos juros de mora vencidos há mais de cinco anos, relegando para final o conhecimento da exceção de prescrição da dívida.
Produzida a prova e realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência, a extinção da instância executiva.
É desta decisão que recorre o embargado, apresentando as seguintes conclusões:
1. “Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 1, al. a) ex vi art.º 853.º, n.º 1, ambos do CPC, vem o presente recurso interposto da douta sentença de 25/06/2020, que julgou os embargos totalmente procedentes;
2. Com recurso à reapreciação da prova gravada, o Recorrente impugna a decisão da matéria de facto das alíneas a) e b) dos factos julgados não provados.
3. A prova do facto julgado não provado na alínea a) foi realizada através das duas perícias constantes dos autos, de onde resulta:
4. 1.ª Perícia: “é possível” que a assinatura constante do cheque com o nome do embargante tenha sido manuscrita por aquele, tal como é possível que tenha sido o embargante que manuscreveu a data, o local, bem como o montante em numerário e por extenso do cheque, correspondendo a um grau de probabilidade de 50%.
5. 2.ª Perícia: é “provável que a escrita suspeita da assinatura seja da autoria de J. M.”, com “uma preponderância das semelhanças em quantidade e qualidade (…), o que conduziu a um resultado positivo, no sentido de ser provável J. M. o autor da assinatura do cheque”.
6. Contrariamente ao sufragado na douta sentença recorrida, os esclarecimentos prestados em audiência pela Senhora Perita da 2.ª perícia não são susceptíveis de abalar a conclusão do 2.º relatório pericial, uma vez que, mesmo não tendo beneficiado dos originais das assinaturas autênticas do Embargante, aquela expressou de forma clara que “com este material foi possível chegar a esta conclusão”;
7. Nos autos existem duas perícias que concluem como sendo “provável” que o Embargante seja o autor da assinatura do cheque oferecido à execução, aliás, no primeiro relatório esse grau de probabilidade é ainda extensível aos demais dizeres do preenchimento do cheque (a data, o local, bem como o montante em numerário e por extenso do cheque);
8. Além do relatório pericial, também os depoimentos das testemunhas J. M. e D. L., permitiram concluir que entre o Embargante e o Embargado existiam, à data da emissão do cheque oferecido à execução, relações comerciais;
9. Assim, [1] o grau de provável obtido naqueles exames técnico-científicos, coadjuvado pelas [2] regras da experiência, pela [3] ausência absoluta de referências probatórias em sentido contrário, ou seja, ausência de contraprova, e com o [4] conhecimento de que entre Embargante e Embargado existiram, à data da emissão do cheque, relações comerciais, é suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração do facto de que o cheque oferecido à execução tenha sido assinado pelo Embargante.
10. Como tal, deveria o Tribunal a quo ter julgado provado que:
11. A assinatura de J. M. mencionada em 2) foi ali aposta pelo seu próprio punho.
12. Quando assim não se entenda, se o Tribunal a quo ficou com as dúvidas que verteu na motivação da douta sentença recorrida, tinha o poder e dever de ordenar o esclarecimento e complemento das ditas conclusões, através da obtenção dos originais das assinaturas autênticas do Embargante; Trata-se de um poder dever com fundamento legal nos artigos 411.º e 607.º, n.º 1, segunda parte, do CPC).
13. Razão pela qual, violadas as referidas disposições legais, impõe-se a anulação da douta sentença recorrida, com a remessa do processo à 1.ª instância para que se ordene a obtenção dos originais das assinaturas autênticas do Embargante, a fim de serem remetidas à Senhora Perita para complementar as conclusões do relatório pericial.
14. A prova do facto julgado não provado na alínea b) foi realizada através dos depoimentos de C. P. e M. A.;
15. No que concerne ao depoimento de C. P., não vislumbramos qualquer traço da “parcialidade” que lhe é assacada na douta sentença recorrida, tanto mais que são inúmeras as respostas negativas, ou de falta de conhecimento ou, ainda, de impossibilidade de precisão dos factos; A testemunha, do início ao fim do seu depoimento, limitou-se a narrar o episódio a que assistiu, limitando-se a descrever aquilo que viu e nada mais.;
16. C. P. descreveu que há cerca de 20 anos acompanhou o Embargado numa deslocação ao estaleiro do Embargante, onde assistiu à entrega do cheque em causa nos autos, que foi entregue pelo Embargante ao Embargado, tendo naquela altura o Embargado referido que aquele cheque se destinava a pagar um empréstimo que tinha feito ao Embargante;
17. Por seu turno, o depoimento de M. A., além de não ser fielmente representando na douta sentença recorrida, está ali totalmente descontextualizado;
18. Conforme descrito pela referida testemunha, o Embargante chega a casa do Embargado e este recebe-o, dizendo-lhe “Oh meu «Oh meu artista», o que evidencia a existência de cumplicidade e confiança entre o Embargante e o Embargado, ao ponto deste se permitir dirigir-se àquele nos mencionados termos;
19. Atentas as regras da normalidade, um amigo que recebe outro e o cumprimenta com a expressão «Oh meu artista», não o pretende ofender e nem dirigir-se a ele em termos pejorativos ou depreciativos (a intimidade e confiança das relações de amizade, consente a utilização de expressões daquele tipo, com significado bem diferente do que, noutro contexto, poderia ter);
20. Emerge claro do depoimento de M. A. que entre o Embargante e o Embargado existia amizade e confiança, que justifica a realização do empréstimo alegado no requerimento executivo;
21. Por seu turno, esta mesma relação de confiança e amizade explica que o Embargado tenha anuído a um empréstimo de 5 mil contos sem um prévio documento comprovativo, mas com a garantia da entrega de um cheque do mesmo valor no prazo de uma semana, tal como descrito pela testemunha: o Embargante iria entregar ao Embargado um cheque do mesmo montante, para titular e garantir o empréstimo;
22. Esta parte do depoimento de M. A. não consta sequer da douta sentença recorrida e, quanto a nós, é a mais importante, porque não é de todo correcto, face a este depoimento, afirmar-se que o Embargado aceitou emprestar dinheiro sem um documento comprovativo;
23. Apreciado o depoimento da sua totalidade e colocado o mesmo no contexto correcto, não vislumbramos em que medida se mostra “contrário às regras da experiência e normalidade do acontecer” que um amigo e empresário empreste dinheiro a outro, com quem tem relações comerciais, com a garantia da entrega de um cheque do mesmo montante no prazo de uma semana;
24. Aliás, estamos a falar de um evento ocorrido há cerca de 20 anos, pela altura da mudança do escudo para o euro, perfeitamente compatível com o perfil e modo de agir dos empresários da época;
25. A conjugação dos referidos depoimentos gravados, é suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração do facto de que o cheque oferecido à execução se destinava a pagar um empréstimo em numerário, do montante de 5000 contos (cinco milhões de escudos), feito pelo exequente ao executado;
26. Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter julgado provado que:
27. 4. O cheque oferecido à execução destinava-se a pagar um empréstimo em numerário, do montante de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), feito pelo exequente ao executado.
28. O Embargado tentou apresente execução com base num cheque, ainda que mero quirógrafo, o que constitui título executivo nos termos do art.º 703.º, n.º 1, al. c) do CPC;
29. Os factos constitutivos da relação subjacente à emissão do cheque constam do requerimento executivo e, em face dos factos provados, resulta que a emissão do cheque se destinou a pagar um empréstimo em numerário, do montante de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), feito pelo exequente ao executado;
30. Independentemente de se ter demonstrado a razão da emissão do cheque dado à execução, o certo é que este demonstra, por si só, o reconhecimento unilateral de uma dívida, ou seja, a constituição de uma obrigação pecuniária do emitente do cheque a favor do seu portador, porquanto, a função normal do cheque é a de pagamento;
31. A nulidade do mútuo, por falta de forma legal, não retira a exequibilidade ao cheque oferecido à execução, pois que, por força do Assento do STJ n.º 4/95;
32. O Embargado logrou demonstrar que a assinatura constante do cheque foi aposta pelo punho do Embargante;
33. Em síntese, não tendo os embargos de executado sido julgados improcedentes, a douta sentença recorrida violou o art.º 703.º, n.º 1, al. c) do CPC e o art.º 458.º, n.º 1 do Código Civil.
34. Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida, proferindo-se douto acórdão que julgue improcedentes os embargos de executado; ou quanto assim não se entenda,
35. Proferindo-se douto acórdão que anule a douta sentença recorrida, ordenando a remessa do processo à 1.ª instância para que se proceda à obtenção dos originais das assinaturas autênticas do Embargante, a fim de serem remetidas à Senhora Perita para complementar as conclusões do relatório pericial.
36. Assim decidindo, farão V.as Ex.as Venerandos Desembargadores, a habitual Justiça.”
37. A recorrida respondeu, apresentando, pedido de ampliação do objeto do recurso subsidiário, com as seguintes conclusões:
“1. Ao contrário do que pretende fazer crer o apelante, o tribunal a quo, não teve em conta apenas o resultado da segunda perícia e os esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento, o tribunal a quo teve em conta que nos presentes autos foram realizados dois relatórios periciais, tendo o primeiro relatório considerado como possível que a assinatura constante do cheque dado à execução fosse da autoria do embargante, ora apelado, concluindo o senhor perito nos esclarecimentos prestado que tinha dúvidas, ou seja, a assinatura tanto poderia ser como não ser, daí que, o grau de probabilidade fosse se 50%, tanto poderia ser como não ser; 2. Pelos esclarecimentos prestados pela senhora perita ficou-se na dúvida se realmente as conclusões constantes do relatório seriam as mais acertadas ou não, isto porque a senhora perita que referiu que na posse de outros documentos, originais poderia ter tido outra conclusão, e essa conclusão poderia ter sido para mais ou para menos, tudo como melhor resulta do depoimento transcrito no corpo das alegações; 3. È legítimo ao tribunal considerar que teve dúvidas e não ficou convencido da conclusão tirada no segundo relatório, tanto mais que a mesma senhora perita perante o original da assinatura do embargante, numa primeira fase considerou como inclusiva se a assinatura era ou não do embargante, ou seja, considerou que não era possível concluir; 4. Na avaliação dos dois relatórios o tribunal considerou e bem que apesar dos dois divergirem não poderia concluir pela autoria da assinatura do embargante; 5. Pois, como concluiu “atenta a prova pericial realizada, com dois resultados distintos, e não ocorrendo qualquer justificação para conferir maior credibilidade a qualquer uma das periciais, o tribunal fica na dúvida se o embargante assinou o cheque dos autos” ; 6. O tribunal ao ponderar a prova pericial em respeito e observância do princípio da livre apreciação da prova e ao considerar que nos autos não existiam outros elementos dos quais o mesmo tribunal pudesse conferir maior credibilidade a um relatório pericial em prejuízo do outro, não podia concluir que a assinatura fosse da autoria do embargante; 7. Como resulta da fundamentação da douta decisão, por um lado, a segunda perícia não foi a única realizada nestes autos o que permitiu ao tribunal considerar o resultado da primeira perícia e conjugá-lo com a segunda perícia e os esclarecimentos prestados, sendo que, os esclarecimentos verbais foram mais “esclarecedores” do que os primeiros, permitido assim que o tribunal optasse pelo resultado da primeira perícia em detrimento da segunda; 8. Não foi assim violado qualquer norma, designadamente, o artigo 411.º do CPC, tanto mais que, perante os esclarecimentos prestados o embargado não requereu, mesmo em sede de audiência de julgamento, quaisquer outras diligências probatórias, designadamente as diligências que agora acusa o tribunal de as não ter levado a cabo; 9. O apelante, na transcrição que apresentou no corpo das alegações, teve o cuidado de seleccionar a parte dos depoimentos que segundo ele seriam suficientes para alterar o convencimento do tribunal, mas esqueceu-se que a análise da prova não pode ser feita apenas e tão só pelos extractos de depoimentos; 10. Ao contrário do que pretende o apelante as testemunhas cujos depoimentos foram em parte transcritos revelam um depoimento contraditório e em sede de contraditório revelaram-se totalmente incoerentes; 11. Por outro lado, pela leitura atenta dos depoimentos transcritos, verifica-se que os depoimentos das testemunhas indicadas pelo embargado não são espontâneos e escorreitos mas induzidas, contraditórias, tentando construir uma história que não tem qualquer sentido ou nexo; 12. O depoimento da testemunha C. P. é totalmente irrelevante e em nada contribuiu para o esclarecimento da verdade material, tanto mais que não soube dizer quem era a pessoa que viu entregar o cheque se era o M. J. ou o J. M.; 13. Do depoimento da testemunha M. A. ou de qualquer uma das outras ouvidas em audiência de julgamento, não ficou demonstrado que entre o embargado e o embargante existisse uma relação comercial ou de amizade; 14. Por tudo quanto se referiu no corpo das alegações, conclui-se que o depoimento da testemunha M. A. não merece qualquer credibilidade, sendo este incompreensível e totalmente descabido; 15. Bem andou assim o tribunal a quo ao considerar que não foi produzida qualquer prova convincente que permita concluir que ocorreu um empréstimo em numerário pelo exequente ao executado; 16. Tendo o tribunal a quo fundamentado a sua posição com base em elementos que se prendem directamente com a imediação da prova testemunhal, e mostrando-se a decisão de acordo com as regras da experiência e da lógica deve a mesma manter-se; 17. Não existe assim qualquer erro de julgamento na desvalorização dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento. 18. Na fundamentação da matéria de facto, em obediência ao disposto no artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, a Meritíssima juiz “a quo” analisou, a nosso ver, criticamente não só a prova testemunhal produzida em audiência como o conjunto dos demais meios prova constantes dos autos; 19. No julgamento da matéria de facto, o tribunal aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova de factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada (art. 607º nº 5 do Código de Processo Civil); 20. Assim, a pretensão do apelante em ver alterada a matéria de facto, quanto às respostas dadas às alíneas a) e b) dos factos não provados deverá ser totalmente negada; 21. Não houve assim violação dos preceitos legais mencionados no recurso dos apelantes; 22. O recurso não merece assim acolhimento em toda a linha, impondo-se a manutenção da decisão recorrida; 23. Nos termos do n.º 1 do artigo 636.º do Novo Código de Processo Civil, no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação prevendo-se a necessidade da sua apreciação; 24. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo pode o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário... impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas; 25. Nos presentes autos, a douta sentença considerou “que não resultou demonstrado que a assinatura constante do cheque foi aposta pelo punho do executado, pelo que sem necessidade de maiores considerações, temos que concluir pela procedência da presente oposição à execução mediante embargos de executado, mostrando-se desnecessária a apreciação das restantes questões suscitadas”; 26. Assim, tendo o apelante intentado recurso pelo qual pretende que seja alterada a factualidade da al. a) e b) dos factos provados e com isso os embargos sejam julgados totalmente improcedentes, justifica-se que caso o tribunal ad quem lhe venha a dar razão, ou seja, que venha a considerar a factualidade das al. a) e b) como provadas, ou até só a factualidade da al. a), considera o apelado que as demais questões suscitadas em sede de oposição mediante embargos de executado devem ser apreciadas; 27. Pelo que, caso o tribunal ad quem dê razão ao embargado devem os autos ser remetidos para a primeira instância a fim da meritíssima juiz conhecer as demais questões suscitadas pelo embargante; 28. Sendo certo que, não tendo o embargado provado a relação causal invocada no requerimento executivo, ou seja, que ocorreu um empréstimo em numerário pelo exequente ao executado, e embora o cheque que não vale como título de crédito mas como mero quirógrafo, os embargos de executado terão de proceder por falta de prova da relação subjacente que cabia ao embargado provar e não provou; 29. Assim, caso o tribunal ad quem dê razão ao apelado, o que só por mera cautela se admite, necessário se torna que sejam conhecidas as questões não decididas e caso não haja remessa do processo para a primeira instância o que só consideramos, também, por mera cautela, deve, então, o tribunal a quem conhecer a questão vinda de referir e todas as demais suscitas em sede embargos; 30. Embora, o cheque a que faltem as condições legais para valer como título cambiário, possa servir como título executivo, nos termos do art. 46.º, n.º 1, al. c), do CPC – na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26-06 – e actual artigo 703.º do NCPC - desde que o mesmo contenha a causa da sua subscrição ou que a mesma causa seja alegada no requerimento executivo e que esta não tenha natureza formal ou que, tendo-a, não exija forma mais solene da que o título cambiário observa, entendemos que no caso concreto o titulo continua a ser insuficiente. 31. No requerimento executivo, o exequente não alegou que o cheque fosse um mero quirógrafo, contudo, alegou que a subscrição do mesmo se deveu a um empréstimo em numerário que o exequente fez ao executado, o que não é suficiente para fazer o cheque preencher os requisitos previstos na referida al. c) do nº 1 do art. 46º do CPC e actual artigo 703.ºdo NCPC; 32. A alegação do exequente não preenche a invocação de uma relação substancial que crie direitos e deveres entre duas pessoas que são agora exequente e executado, tanto mais que, o cheque dado à execução é um cheque ao portador; 33. Estando no presente caso, fora da relação cambiária, em virtude do cheque prescrito ter deixado de valer como tal, e entrando-se na valoração do documento assinado pelo devedor para valer como título executivo em que é indicada a relação subjacente no requerimento executivo, sendo o cheque ao portador, como facilmente se vê pela sua análise, não se pode falar em reconhecimento de dívida em relação ao exequente, uma vez que o seu nome não consta no título dados à execução; 34. A invocação da relação subjacente alegada pelo exequente, embora insuficiente, só é susceptível de conferir eficácia executiva ao cheque se este contiver o nome da pessoa a favor de quem foi emitido, pelo que o documento dado à execução não tem validade executiva como documento quirógrafo; 35. Tendo a acção cambiária prescrito, o cheque que não está emitido à ordem, como quirógrafo, não satisfaz os requisitos de exequibilidade previstos no art.º 46º, nº 1, c), do Código de Processo Civil e actual artigo 703.º do NCPC; 36. Não valendo o cheque como título executivo e não tendo o exequente alegado quaisquer factos dos quais se possa retirar a data em que o suposto empréstimo foi realizado e a data do seu vencimento e não constando dos autos qualquer comunicação ou interpelação para pagamento, a obrigação do executado apenas se venceria com a citação para a execução. 37. Ao título dado à execução não se aplica os termos do n.º 2 do citado artigo 46.º do CPC na anterior redacção, e, por isso, não tem o exequente qualquer título para a quantia peticionada a título de juros de mora a contar do dia da apresentação do cheque. 38. Sendo que, não haveria vencimento de qualquer obrigação e, por isso, não haveria lugar a quaisquer juros.
Nestes termos e nos demais de direito que Vossas Excelências proficientemente suprirão, deverá o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida. Assim se fazendo Justiça.”
II- Objeto do recurso
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Face ao teor das conclusões do recurso, são as seguintes as questões que cumpre apreciar, por ordem lógica, começando pelas que precludem as demais questões:
1 -- se deve ser alterada a matéria de facto no sentido pugnado pelo Recorrente e, por força dessa modificação, revogada a sentença, julgando-se improcedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado;
2-- caso assim se não considere, se deve ser anulada a sentença, para que se obtenham outros originais de assinaturas autênticas do embargante e com estas se determine que sejam complementadas as conclusões do relatório pericial.
III- Fundamentação de Facto
A sentença vem com a seguintes matéria de facto fixada:
Factos provados
1) Foi dado à execução o escrito: 2) Com data de 27.12.2001, o cheque nº ......, sacado sobre o Banco ..., no valor de 5000.000$00, ao portador, tendo sido aposto, no local destinado à assinatura do sacador uma assinatura com o nome J. M., devolvido pela entidade sacada sem pagamento em 02.01.2002, mediante a aposição no seu verso os seguintes dizeres: “Falta de provisão por mandato do Banco sacado”.
Factos Não Provados
a) A assinatura de J. M. mencionada em 2) foi ali aposta pelo seu próprio punho. b) O cheque destinava-se a pagar um empréstimo em numerário feito pelo exequente ao executado.
IV- Motivação de Facto e Fundamentação de Direito
Da impugnação de Facto
Foram suficientemente cumpridos os ónus a que alude o artigo 640º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, pelo que se entra de imediato na análise concreta da impugnação da matéria de facto.
Visto que estão em causa critérios a atender para a apreciação da prova, cumpre, antes de mais, salientá-los dos critérios a atender para a apreciação da prova
Na reapreciação dos meios de prova deve-se assegurar o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma profundidade de poderes da 1.ª instância -, efetuando-se uma análise crítica das provas produzidas.
É à luz desta ideia que deve ser lido o disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil. Visto que vigora também neste tribunal o princípio da livre apreciação da prova, há que mencionar que esta não se confunde com a íntima convicção do julgador.
A mesma impõe uma análise racional e fundamentada dos elementos probatórios produzidos, que estes sejam valorados tendo em conta critérios de bom senso, razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio.
Porque baseada em critérios objetivos, é suscetível de controlo.
Se o tribunal de recurso, com base em critérios racionais, concluir, com a necessária certeza, que houve um erro na apreciação da prova, porque esta deveria ser analisada em sentido diferente, deve proceder em conformidade, fazendo proceder a impugnação da matéria de facto nessa medida. Ao efetuar tal juízo, não obstante, deve ter em conta o afastamento que o tribunal de recurso tem de determinado tipo de provas, como a gravada e inspeção ao local.
E como alcançar tal certeza?
A formação da convicção não se funda na certeza absoluta quanto à ocorrência ou não ocorrência de um facto, em regra impossível de alcançar, por ser sempre possível equacionar acontecimento, mesmo que muito improvável, que o ponha em causa. Exige, sim, um alto grau de probabilidade.
“Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que mais do que ser possível (pois não é por haver a possibilidade de um facto ter ocorrido que se segue que ele ocorreu necessariamente) e verosímil (porque podem sempre ocorrer factos inverosímeis), o facto possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso.” cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2014, no processo 1040/12.2TBLSD-C.P1 (sublinhado nosso).
A convicção do julgador é obtida em concreto, face a toda a prova produzida, com recurso ao bom senso, às regras da experiência, quer da vida real, quer da vida judiciária, à diferente credibilidade de cada elemento de prova, à procura das razões que conduziram à omissão de apresentação de determinados elementos que a parte poderia apresentar com facilidade, a dificuldade na apreciação da prova testemunhal e a fragilidade deste meio de prova.
Esta regra exige ainda a sua adequação ao caso concreto, e razões práticas, de bom senso, da experiência da vida e da experiência jurisdicional, tendo em conta os múltiplos aspetos da situação, como o relevo do facto na economia da ação, o tipo de ação, a acessibilidade aos meios de prova, o posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados e ao elemento probatório apresentado, entre muitos outros.
Enfim, para a prova de um facto é sempre mister concluir que existe um alto grau de probabilidade, impondo-se também que as razões (fortes e plausíveis) em que se sustenta a conclusão que da sua veracidade sejam mais credíveis e viáveis que as opostas.
Assim, se só tiver sido produzida prova residual, nenhuma outra foi produzida que o contradiga e o facto é possível não se impõe ao tribunal que dê o facto como provado, sendo necessário critérios racionais e convincentes que inculquem tal veracidade.
O que agora se afirma pode ser diretamente aplicado ao tipo de prova pericial aqui em debate.
Tem sido discutido qual o peso a dar á perícia que apenas remete para a probabilidade de a assinatura ser do embargante, sem se classificar como elevado o grau de tal aleatoriedade (embora se considere superior a 50%) e sem que existam outros elementos probatórios ou contextuais que permitam intensificar ou afastar essa possibilidade ligeiramente aumentada face à simples possibilidade do facto ter ocorrido. (1)
É obvio que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”, como explica Vaz Serra in Provas – Direito Probatório Material”, in BMJ 110/82 e 171.
No entanto, se para o decretamento das providências cautelares, onde, é bem-sabido, se aligeiram as necessidades da prova, se exige a sua probabilidade séria para a verificação do direito (artigo 368º nº 1 do Código de Processo Civil), não se bastando com a sua simples probabilidade, por maioria de razão, mais apertado é o crivo da demonstração do facto para sustentar decisões definitivas, embora não nos possamos esquecer que é evidente que não é possível ter a certeza da veracidade de um facto, havendo que ler a referência à dúvida a que se reporta o artigo 346º do Código Civil nesse contexto.
“A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade (especialmente dos factos pretéritos e dos factos do foro interno de cada pessoa), de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas da espécie, para convencer o julgador (que conhece as realidades do Mundo e as regras da experiência que nele se colhem) da verificação ou realidade do facto” (2) (sublinhado nosso)
Assim, necessário é, para que se considere provada a assinatura do embargante ou a celebração do mútuo, que se ponderem todas as provas produzidas, o contexto fático em causa, bem como a própria forma como decorreram os autos, analisando-se a perícia conjuntamente com todos estes elementos, com vista à verificação da verdade processual e, todas vistas, se considere que resulta dessa análise uma probabilidade suficientemente elevada da prática desses factos que se podem dar como provados, com uma margem de erro que não se mostre desproporcionada às regras da razão e da experiência de vida.
do caso concreto. -- das perícias
O Recorrente, como primeiro argumento, entende que “Nos autos existem duas perícias que concluem como sendo “provável” que o Embargante seja o autor da assinatura do cheque oferecido à execução”.
No entanto, a análise das perícias e seus resultados não permitem que se concorde com tal entendimento.
Na primeira perícia realizada foi apresentado como “Documentos Questionados: Original de um cheque do Banco ..., conta na 35105161001, titular J. M., cheque na ......, datado de 27.12.2001, no valor de 5000000$00 no qual se encontra aposta uma assinatura com o nome de J. M. no local de assinatura.” como na mesma se refere e como “Outros documentos - considerados fidedignos: • Original de cinco folhas de papel timbrado do Prof. J. C., Centro Médico-Legal, Lda, nas quais se encontram apostos caracteres manuscritos pelo punho de J. M. recolhidos presencialmente neste Centro em 19.04.2016. • Cópia do Cartão de Cidadão referenciado com o nO ……, com data de validade 30.01.2017, pertencente a J. M. na qual se encontra aposta a assinatura do seu titular.”, ali se concluindo que “É possível que a assinatura tenha sido manuscrita por aquele”.
Esta perícia foi objeto de pedido de esclarecimentos, os quais foram prestados, com mais concretização da comparação efetuada, sem que ali se referencie qualquer falta de elementos que tivessem determinado a conclusão alcançada, melhor explicitada da seguinte forma “o perito tem dúvidas sobre essa autoria, mas não descarta possibilidade dela ter sido manuscrita pelo punho” do embargante.
Assim o resultado desta perícia não pode ser reconduzido à probabilidade, mas sim à mera possibilidade, a qual, no próprio relatório, é remetida para uma significância de 50% (tanto pode ter sido, como não ter sido, sem maior peso para qualquer uma das opções).
Foi determinada uma segunda perícia, desta feita a realizar pelo LPC, o qual, em 3-8-2017 afirmou não poder obter resultados conclusivos, referindo que “apenas na presença de diversas assinaturasespontâneas” do embargante, “em documento originais e/ou fotocopias nítidas, contemporâneas e/ou, preferencialmente, anteriores a dezembro de 2001, se poderão, eventualmente, alcançar resultados esclarecedores”.
Efetuadas múltiplas diligências, veio a ser obtido diverso material para exame, referindo o LPC, além do cheque, a reprodução de dois assentos de nascimento, datados de 1993 e 1989, a reprodução de contrato de sociedade de 2001, bem como fotocópias de expediente diverso. Ali se menciona que foi efetuada a “verificação da adequabilidade do material remetido para exame face ao quesito”, a que se seguiu a sua comparação.
Nesta 2ª perícia, notificada por ato de 6-12-2019, concluiu-se pela simples probabilidade da aposição da assinatura pelo embargante. Na escala a que recorre o relatório pericial (“muitíssimo provável”, “muito provável”, “provável”; “inconclusivo”, “provável não”; “muito provável não” e “muitíssimo provável não”) encontra-se apenas um grau acima do inconclusivo.
É certo que, como se escreveu no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/19/2015, no processo 165/10.3TBMUR-A.G1: “1. No exame à letra e à assinatura, o grau de “provável” que o juízo técnico pericial atribui aos factos em crise não é uma certeza científica ou próximo dela --- e só raramente o será na generalidade dos casos submetidos a exame --- e nem sequer significa que seja muito provável, mas também não é mera possibilidade ou verosimilhança. ”
Embora seja conclusão cientificamente relevante de pendor favorável à existência do facto que faz crer na plausibilidade da assinatura, esta efetiva viabilidade de veracidade da tese do embargado não atinge o grau de uma probabilidade forte (senão seria “muito provável” ou, na melhor das hipóteses, “muitíssimo provável”).
Importa, pois, recorrer ao demais produzido nos autos e ao próprio contexto em que se insere o documento em causa, na versão das partes.
-- da prova testemunhal
A prova testemunhal produzida, no entanto, não auxilia a tese do Recorrente, não obstante este manifestar o contrário, baseando-se, essencialmente, no depoimento de C. P. e M. A..
C. P. referiu que viu o embargante apenas uma vez, há cerca de 20 anos (ainda se recordando do facto), porque foi ao estaleiro deste com o embargado, o qual lhe disse que ia buscar o dinheiro que tinha emprestado ao embargante. Viu a entrega de um cheque, que aquele lhe disse corresponder ao dinheiro que havia emprestado.
Já M. A. referiu que o cheque teve como fundamento queixa do embargado, que referiu «Vou-te emprestar o dinheiro e isto fica assim? Não tenho nada que prove?», ao que o embargante lhe respondeu «Para a semana vou pedir cheque ao Banco, dou-te um cheque.»
Em suma: na versão desta primeira testemunha o embargado ia buscar o pagamento do montante emprestado, na versão da segunda testemunha tal cheque servia “para titular e garantir o empréstimo”, não para o pagamento (imediato). São situações bem distintas, sendo as duas teses quase contraditórias. O facto de ser reconhecido por outras testemunhas (previamente ouvidas) que o embargante teria tido negócios com o embargado em nada importa para a questão aqui em debate.
Assim, o depoimento das testemunhas não ajuda nada no sustento da tese do embargado, face a tais contradições.
Por outro lado, a mera referência, pela testemunha que afirmou ter assistido ao empréstimo, ao tratamento informal dado pelo embargado ao embargante, não permite inferir uma forte amizade entre aqueles (as formas como as pessoas se tratam diferem muito conforme o meio social, havendo alguns em que pessoas que mal se conhecem se podem tratar, sem má intenção, por nomes ou mesmo por palavrões, que noutros seriam considerados ofensivos, assim como dependem da personalidade do emissor, havendo pessoas mais reservadas e outras mais ousadas ou menos respeitosas, nomeadamente se em posições de supremacia). De qualquer forma, com frequência, quando são usadas expressões que retratam traços psicológicos menos abonatórias por um amigo para chamar o outro, fundam-se em traços da sua personalidade. A menção a um “artista”, naquele contexto, denota alguma falta de confiança na seriedade do visado, como se refere na sentença.
Assim, concorda-se com a sentença quando refere que “Ora, este depoimento, que não merece qualquer credibilidade, mostra-se contrário às regras da experiência e normalidade do acontecer. Na verdade, é incompreensível que o exequente apelide o executado de “artista”, o que contém uma conotação de pessoa pouco séria e com uma conduta com pouco ética, e em seguida lhe entregue cinco milhões de escudos, que tinha em casa, sem o mesmo prestar qualquer garantia.”
Na versão da testemunha que referiu tal expressão, não se vê qualquer pedido de explicação sobre o fim pretendido dar ao dinheiro ou prazo para a sua devolução (sendo normal que quem o pede emprestado explique a sua necessidade, justificando-se e quem o empresta pretenda saber o seu fim, acordando-se em que termos se fará a restituição), nem porque teria o embargado tamanha quantia em numerário em seu poder.
Desta forma, considerando a falta de certeza apresentada nas duas perícias quanto à autoria da assinatura e na fraca plausibilidade do descrito nos depoimentos, analisados segundo as regras da experiência, (não é comum ter-se cinco milhões de escudos, em numerário e em casa e entregá-los a alguém, num contexto em que é tratado como “artista”, sem receber qualquer garantia e explicação em retorno, nem aguardar-se quase duas dezenas de anos para exigir o seu pagamento) conclui-se, sem margem para dúvidas, pela falta de produção de elementos probatórios que com um mínimo de segurança suportem a posição fática do embargado.
- B - da necessidade de produção de mais prova após o encerramento da audiência de discussão e julgamento
Invoca ainda o Recorrente que, se se entender que os esclarecimentos prestados pela Senhora Perita abalaram as conclusões do 2.º relatório pericial, não se compreende que, antes de encerrada a audiência de discussão e julgamento, não se tenha oficiosamente ordenado a obtenção dos originais das assinaturas autênticas do Embargante, a fim de lhe serem remetidas para complementar as conclusões do relatório pericial.
No entanto, do exposto conclui-se que não são os esclarecimentos prestados pela Senhora Perita em audiência de julgamento que afastam a demonstração da veracidade da aposição da assinatura pelo embargante, há quase duas décadas, no documento em causa, mas, sim, a existência de dois relatórios que não apontam com uma probabilidade bastante para o facto que o embargado pretende que se dê como provado, no que toca à assinatura do cheque. Quer este facto, quer a celebração do mútuo também são postos em causa pelo depoimento das duas testemunhas supra referidas que, pretendendo assegurar tal facto, trazem razões diversas para a assinatura do cheque e descrevem factos pouco plausíveis. Tudo somado leva a concluir-se pela falta de demonstração da realização da assinatura pelo embargante no cheque dado à execução e da celebração do empréstimo. Tal não ficou dependente de uma declaração prestada pela Sr.ª Perita, algo desgarrada do teor do relatório e que o não pôs em causa.
Por outro lado, também a sentença não se baseou em tal declaração para não julgar provados tais factos, mas na realização de duas perícias com resultados distintos.
Concorda-se, pois, com o juízo de valoração das provas efetuado pela 1ª instância e não se verifica qualquer “dúvida fundada sobre a idoneidade da fonte ou sobre a inteligibilidade ou regularidade da prova produzida em 1ª. instância” (3)
Os relatórios periciais encontram-se nos autos, foram notificados às partes que sobre eles exerceram as faculdades legais que entenderam pertinentes, mostram-se claros, tendo o segundo, como supra salientado, afirmado que os elementos prestados foram suficientes para a sua realização e conclusões. Nenhuma irregularidade ou insegurança se encontra neles, não se sentindo, quanto à segunda perícia, a carência de a complementar, sendo que tão pouco as afirmações da Senhora Perita remetem para essa necessidade, por não se poder dela concluir que tendo os originais se concluiria, necessariamente, para uma maior probabilidade mais forte.
Acresce que nada faz crer seja possível, agora, obter mais elementos documentais originais, de há cerca de duas décadas, os quais foram procurados aquando da realização da perícia.
Há que ter em conta que a Relação, nos termos do artigo 662º., nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil, apenas deve ordenar a produção de novos meios de prova quando haja dúvidas sobre os meios de prova produzidos e se entender que é previsível que diligência as virá sanar, tendo ainda sempre como pano de fundo os ónus de prova e contra-prova e os efeitos preclusivos que o não exercício de faculdades processuais relativas à produção de prova produz.
Com efeito, o principio do inquisitório é delimitado por outros: para além do citado princípio do preclusão, o do dispositivo e o da autorresponsabilidade das partes. (4)
Como se viu, no presente caso não se verificam dúvidas sobre os relatórios periciais, os quais se mostram cuidadosamente realizados, tendo sido realizadas duas perícias, ambas com o amplo contraditório processualmente previsto, tendo sido prestados todos os elementos que foi possível obter no âmbito de aturada busca e sem que se possa sequer presumir que era ou encontrarem-se documentos originais com assinatura com cerca de vinte anos. Veja-se que o Recorrente teve conhecimento do relatório pericial, quanto ao resultado que é claro e que as declarações da Senhora Perita não puseram em causa, bem como os elementos que o suportaram, nada tendo então requerido para que fosse aprofundado.
Assim, também por aqui improcede o recurso.
Da aplicação do Direito aos factos
Por todo o exposto, mantém-se na íntegra a matéria de facto provada e não provada fixada na sentença recorrida e nenhuma censura faz o Recorrente à aplicação do Direito ali efetuada. Efetivamente a mesma mostra-se bem elaborada, com correta subsunção dos factos provados ao direito.
Está em causa o título executivo a que se reporta expressamente a alínea c) do nº 1 do artigo 703º do Código de Processo Civil, que desta forma esclareceu polémica anterior.
São títulos executivos, além de outros, os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.
Necessário é, no entanto, que se esteja perante um título executivo, num caso um cheque, o qual tem que conter a assinatura de quem passa o cheque (o sacador) (artigo 1º § 6º da Luch).
Embora o embargado tenha invocado tal assinatura, a mesma foi impugnada pelo embargante.
Encontramo-nos no âmbito de simples documentos particulares, pelo que há que recorrer ao disposto no artigo 374º, nº 2, do Cód. Civil, o qual determina que se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
Assim, é ao embargado, que apresentou o documento, que incumbe o ónus de provar a sua veracidade, o que não logrou fazer.
É, portanto, evidente que, sem a demonstração de que foi o embargante que apôs a sua assin1tura naquele cheque, não lhe é possível imputar a assunção de qualquer obrigação retratada nesse documento, passível de execução.
Improcede a apelação, tornando, destarte, também despiciendo conhecer da ampliação do recurso formulada apenas para o caso desta proceder.
V- Decisão
Por todo o exposto, julga-se a apelação totalmente improcedente e em consequência mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães,
Sandra Melo Conceição Sampaio Elisabete Coelho de Moura Alves
1. com posições diferenciadas, a título exemplificativo, podem referir-se os acórdãos com os nºs 1291/15.8T8VCT-A.G1 e 165/10.3TBMUR-A.G1, no seguinte sentido “O grau de provável obtido naquele exame técnico-científico, coadjuvado pelas regras da experiência e pela ausência absoluta de referências probatórias em sentido contrário, ou seja, ausência de contraprova, pode ser suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração do facto.” e no sentido oposto os acórdãos proferidos no processo 37/12.7TBVVD-A.G1 e 803/06.2TBVNO-A.E1 “Resulta do exposto que não lograram os peritos alcançar um parecer que, com suficiente certeza técnico-científica, confirme ou negue a aposição por cada um dos embargantes da assinatura e da expressão que lhes são imputadas, tendo concluído por meros juízos de probabilidade – “provável” e “pode ter sido” –, sem lhes atribuir qualquer grau de certeza científica. Como tal, cumpre apreciar os dados extraídos pelos peritos da análise comparativa efetuada à letra e às assinaturas em causa, conjugados com outros meios probatórios, à luz do princípio da livre apreciação da prova, de forma a aferir se permitem considerar provados os factos em causa.”
2. cf Fernando Pereira RODRIGUES, Os Meios de Prova em Processo Civil, 3.ªed, Coimbra: Almedina, 2017 7 pag16 e , citando Antunes Varela.
3. cf acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2019, no processo 431/14.9TVPRT.P1.S1 (dgsi)
4. cf acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2018, no processo 1295/11.0TBMCN.P1.S2 (dgsi)