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IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
PROVA POR PRESUNÇÃO JUDICIAL
CONTRATO DE MÚTUO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
I - O artigo 640º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente que impugna a decisão da téria de facto o ónus de: a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. II - Não cumpre esse ónus o impugnante que se limita a insurgir-se em abstrato contra a decisão sem especificar os factos que impugna e o sentido da decisão que, no seu entender, devia ser proferida; III – Por outro lado, na impugnação da decisão da matéria de facto, exige-se da parte do impugnante a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, com indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado. IV - Como decorre da sua regulamentação legal (art. 1142º e seguintes do Código Civil) o mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. É um contrato real quod constitutionem, que só fica perfeito com a entrega do dinheiro ao mutuário. V – Não litiga de má fé a parte que alega facto que veio a provar-se não ser verdadeiro, quando tal facto não se mostra essencial à verificação dos pressupostos constitutivos do direito invocado. VI - A defesa convicta de uma posição, diversa daquela que a decisão judicial acolheu, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do artigo 542º, do Código de Processo Civil.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I - RELATÓRIO
M. P. intentou a presente ação contra F. P., pedindo que seja declarada a nulidade, por vício de forma, dos contratos de mútuo celebrados entre autor e réu, e em consequência deve:
a) condenar-se o réu a restituir ao autor a quantia mutuada em 19 de Fevereiro de 2016 no valor de € 72.150,00 (havendo manifesto lapso na formulação do pedido quanto à indicação do dia 18);
b) condenar-se o réu a restituir ao autor a quantia mutuada em 19 de Fevereiro de 2016 no valor de €26.100,00;
c) condenar-se o réu a restituir ao autor a quantia mutuada em 13 de Março de 2016 no valor de €25.000,00;
d) condenar-se o réu a pagar os juros de mora à taxa legal em vigor para atos de natureza civil, que se vencerem desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou para o efeito, em resumo, que:
- em 19 de Fevereiro de 2016 o réu pediu emprestado ao autor a quantia de €98.250,00, ficou acordado entre autor e réu que este restituiria a quantia mutuada no prazo de trinta dias;
- em 13 de Março de 2016 o réu pediu emprestado ao autor mais a quantia de 25.000,00 €, que o réu restituiria no prazo de trinta dias a contar daquela data;
- das quantias mutuadas pelo autor ao réu, este não restituiu qualquer quantia;
- os contratos de mútuo celebrados entre autor e réu, em 19 de Fevereiro de 2016 e em 13 de Março de 2016 são nulos por falta de forma.
O réu apresentou contestação, impugnando em parte a factualidade alegada e alegando por sua vez, em resumo, que desde a data de 15 de Julho de 2015 todas as quantias que foram objeto de empréstimo estão pagas e, a partir daquela data, o réu nada mais pediu ao autor.
Conclui que deve a ação ser julgada totalmente improcedente e ser o réu absolvido do pedido formulado, devendo o autor ser condenado como litigante de má fé.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e em consequência:
- Declarou nulo o contrato de mútuo celebrado entre autor e réu em data situada entre o dia 19 de Fevereiro e meados de Março de 2016, no valor de €25.000,00;
- Condenou consequentemente o réu a restituir ao autor aquela quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros calculados à taxa legal, devidos desde a citação (19/05/2017) até integral e efetivo pagamento;
- Absolveu quanto ao mais o réu dos pedidos deduzidos.
- Condenou o autor a título de litigância de má fé no pagamento de multa equivalente a cinco UC.s;
- Absolveu o autor do pedido de pagamento de indemnização ao réu a título de litigância de má fé.
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Inconformados com a sentença vieram autor e réu interpor recurso.
O autor termina as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
1ª O tribunal “a quo” errou no julgamento do facto relativo ao mútuo pelo A. ao R. da quantia de €98.250,00, em fevereiro de 2016, que considerou não provado na sentença revidenda.
2ª O tribunal “a quo” errou no julgamento do facto que considerou provado na sentença revidenda, relativo quer à data da restituição pelo R. ao A. do montante mutuado em 2014 e 2015, quer relativamente a este montante, factos estes constantes do ponto 2.35 dos factos provados.
3ª Porém, o processo contém provas, por depoimento de testemunhas inquiridas em julgamento, que impõem a modificação/alteração da decisão de facto proferida sobre aqueles factos.
4ª A reapreciação da prova gravada, mormente o depoimento de parte do A., o depoimento da testemunha N. M. e, sobretudo, os depoimentos das testemunhas C. M. e G. S., tudo conjugado com as mensagens trocadas entre as partes e a carta corporizada no doc. 23 da p.i., tal qual detalhado nas alegações supra que aqui se dão por integralmente reproduzidas, impõe, ao abrigo das regras da experiência comum e do normal devir das coisas e do comportamento humano, a modificação/alteração da decisão de facto proferida sobre aqueles factos, que deverão passar a ter a seguinte redacção:
“2.35. Por conseguinte, em 16 de Fevereiro de 2016, conforme foi prometendo ao autor ao longo dos anos de 2014 e 2015, o réu restituiu-lhe na sua residência o valor total dos empréstimos que o autor lhe havia feito durante aqueles anos, por entrega em dinheiro da quantia de €72.150,00.”
“2.60. Em data que não foi possível apurar, mas situada em Fevereiro de 2016, o réu pediu emprestado ao autor a quantia de €98.250,00 (noventa e oito mil, duzentos e cinquenta euros), que o autor entregou ao réu em dinheiro, ficando acordado entre autor e réu que o réu lhe restituiria esta quantia.”
5ª De acordo com a imperiosa modificação/alteração da decisão de facto, como concluído supra, e aplicando-se ao caso o mesmo direito que o tribunal “a quo” aplicou, porque é o aplicável e correcto, impõe-se, por consequência óbvia da factualidade apurada, a revogação parcial da sentença recorrida declarando-se nulos, por vício formal, os contratos de mútuo celebrados entre o A. e o Réu entre fevereiro e março de 2016 no valor global de €123.250,00, e condenando-se o Réu a restituir ao A. aquela quantia de €123.250,00, acrescida de juros calculados à taxa legal, devidos desde a citação (19/05/2017) até integral e efectivo pagamento.
6ª Deve, ainda, revogar-se a sentença na parte em que condenou o A. como litigante de má fé, absolvendo-o de tal condenação, por a mesma decorrer igualmente de erro de julgamento do tribunal “a quo”, como evidenciado nas alegações supra aqui dadas por reproduzidas.
Pugna o recorrente pela procedência do recurso e, por via disso, deve revogar-se parcialmente a sentença revidenda e proferir-se Acórdão que (1) declare nulos, por vício formal, os contratos de mútuo celebrados entre o autor e o réu entre fevereiro e março de 2016 no valor global de €123.250,00, (2) condene o réu a restituir ao autor aquela quantia de €123.250,00, acrescida de juros calculados à taxa legal, devidos desde a citação (19/05/2017) até integral e efetivo pagamento e (3) absolva o autor da condenação de litigância de má fé.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Por sua vez, o réu no seu recurso formula as seguintes conclusões:
1.ª O demandante pedia a condenação do demandante em restituir-lhe as quantias de 72.150,00€; 26.100,00€ e; de 25.000,00€.
2.ª Para tanto, alegou que emprestou as referidas quantias ao demandado, em diferentes datas, e que este ultimo se obrigou a restituir-lhe as quantias mutuadas.
3.º O demandado/ora recorrente, citado para contestar os factos alegados na referida petição inicial, impugnou-os, por seresm falsos, pedindo a improcedência total do pedido formulado na p.i.
4.ª Proferido despacho saneador, procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento.
5.ª Produzida toda a prova, foi proferida Sentença, no âmbito da qual o Mm. Juiz a quo, considerou a ação parcialmente procedente, condenando o demandado no pagamento ao demandante da quantia de 25.000,00€, absolvendo-o do restante pedido formulado.
6.ª Sendo que, o recorrente entende que quanto a esta matéria o tribunal a quo não andou bem e, consequentemente quanto à condenação do demandado como litigante de má fé.
7.ª Pois, também quanto a esta matéria, não foi feita qualquer prova testemunhal ou documental, ao longo das várias sessões de audiência de discussão e julgamento.
8.ª Pelo que a decisão final teria obrigatoriamente de ter sido outra, a da improcedência total da acção.
9:ª Acontece que, o tribunal recorrido, fundamenta a sua decisão nos factos que deu como provados, e que constam da douta sentença em análise sob os números 2.40; 2.41; 2.42; 2.43; 2.44 ; 2.45; 2.46; 2.47; 2.48; 2.49; 2.50; 2.51; 2.52; 2.53; 2.54; 2.55; 2.56; 2.57; 2.58 e, 2.59.
10.ª Por força de tais fatos e de ter considerado nulo o contrato de mútuo celebrado, o réu o tribunal recorrido entendeu que o demandado se encontra obrigado a restituir ao autor a quantia que lhe foi entregue de €25.000,00.
11.ª Acontece porém que, quer de acordo com os factos provados, quer de acordo com a prova testemunhal e com as declarações de parte, o demandado entende que não pode ser condenado no pagamento de tal quantia.
12.ª Tanto mais quando o próprio tribunal recorrido reconhece que obteve tal prova, que conduziu à condenação do demandado, por recurso a presunções, dando como provados factos desconhecidos.
13.ª O demandado entende que no caso em discussão nos autos, tal presunção não é susceptível de ser feita.
14.ª Pois, se os ditos factos conhecidos, os restantes em discussão, não mereceram a credibilidade do tribunal de que se recorre, é caso para se perguntar, como pode basear-se o tribunal a quo em factos conhecidos para chegar a tal presunção de condenação?
15.ª Como pode ler-se na sentença recorrida e, constitui fato provado, nenhuma das testemunhas inquiridas assistiu a entregas de dinheiro.
16.ª Não obstante essa afirmação, posteriormente, alega que, formou uma convicção positiva quanto ao referido empréstimo de 25000,00€. Tanto mais quando, no parágrafo imediatamente seguinte refere: - “ Na verdade, as declarações do autor, na parte em que o mesmo refere ter emprestado ao réu a quantia que este lhe devolvera no dia anterior são inverosímeis, contrárias às regras da vida”.
17.ª Como se não bastasse todas estas incongruências ainda refere que em data que não foi possível apurar, mas situada entre 19 de Fevereiro e meados de Março de 2016, o réu pediu emprestada ao autor a quantia de 25.000,00€ que o autor entregou ao réu em dinheiro, ficando acordado entre autor e réu, que o réu lhe restituiria esta quantia.
18.ª Isto quando o próprio autor refere que: - “..em Março de 2016 também entregou em sua casa ao réu a quantia de 25.000,00€, que para o efeito levantou do Banco, tendo sido a sua gestora quem lhe foi levar tal quantia ao seu local de trabalho.” (sublinhado nosso).
19.ª Teses estas que não foram firmadas por nenhuma das testemunhas inquiridas e, além disso, foram perentoriamente negadas pelo demandado, tudo conforme consta da transcrição das declarações prestadas pelo mesmo em sede de julgamento.
20.ª Sendo o próprio tribunal a quo que escreveu na sentença em análise que: - “Analisados tais depoimentos, desde logo se conclui que nenhuma das testemunhas assistiu a qualquer entrega de dinheiro do autor ao réu”.
21.ª Perante tudo isto, o tribunal a quo, limitou-se a basear a condenação do demandado a pagar ao demandante a quantia de 25.000,00€, em três conclusões:
22.ª no não acolhimento da tese apresentada pelo demandado que referiu que o demandante lhe estava a pedir 25.000,00€ emprestados para resolver a questão de um pagamento relacionada com um veículo automóvel;
23.ª no fato do demandado não ter respondido às sms e missivas enviadas pelo demandante a pedir-lhe a devolução do dinheiro, considerando que esse comportamento é contrário ao que é normal e lógico..e;
24.ª na circunstância de na conta do réu no Banco ... surgir um depósito em numerário no valor de 20.000,00€ no dia 7.03.2016, conforme documento de fls.185 verso.
25.ª Critérios estes que, no nosso modesto entendimento, não são suficientes para sustentar a condenação ao pagamento de tão avulutada quantia por parte do demandado ao demandante.
26.ª Tanto mais quando, como se pode verificar nos documentos juntos com a p.i., sob a designação de doc. Nº22 e doc. Nº23, que o demandante enviou duas missivas ao cuidado do demandado, com cerca de 40 dias de diferença entre elas, a pedir a devolução de quantias completamente distintas.
27.ª Logo, o demandado não pode ser condenado a pagar a quantia de 25.000,00€, simplesmente, porque entendeu que não devia dar resposta às ditas missivas, que eram em tudo contraditórias entre si e, contrárias à verdade dos factos.
28.ª Por outro lado, com o devido respeito, entendemos que o tribunal recorrido, também, fez uma errada interpretação da prova produzida em sede de Julgamento.
29.ª Pois, conforme se transcreveu, o demandante, aquando das suas declarações em sede ao de audiência de discussão e julgamento referiu que havia emprestado 25.000,00€ em dinheiro ao demandado em 13 de Março de 2016 e não, entre 19 de Fevereiro e meados de Março, como alega o tribunal recorrido na sentença.
30.ª Além disso, o tribunal a quo, diz que formou a sua convicção para condenar o demandado, também, num depósito efetuado em numerário na sua conta no valor de 20.000,00€, no dia 7.03.2016, o que não corresponde com as declarações prestadas pelo demandado quanto às citadas datas.
31.ª Por tudo isto é caso para dizer que o tribunal fez uma incorreta interpretação da prova produzida.
32.ª Além disso, não pode o tribunal considerar por um lado que as testemunhas nada viram e, por outro, afirmar que foi relevante o depoimento dessas mesmas testemunhas, verificando-se, desta forma, uma contradição notória.
33.ª Contradições que não se ficam por aqui….
34.ª O tribunal a quo, escreve e muito bem na douta sentença o seguinte: - “ Além disso é inequívoco que, decorre da escritura de partilha (referindo-se à partilha por divórcio do demandado) junta aos autos acima mencionada, ao réu coube quantia avultada susceptivel de justificar a situação financeira espelhada naqueles extratos bancários (extratos que o réu, prontamente, deu autorização para que o tribunal os solicitasse junto das instituições bancárias com quem trabalha).
35.ª Relativamente a esta matéria, na sentença em análise, ainda se pode ler que “Aliás, apenas a concretização da partilha explica a circunstância de o réu ter procedido ao reembolso ao autor das quantias que lhe havia emprestado…”
36.ª O que levou a que o demandante em 18 de Fevereiro de 2016 declarasse, através de uma declaração emitida pelo próprio que: “ os valores que outrora se encontraram em dívida, foram totalmente pagos até dia 15 de Julho de 2015, altura em que emitiu o respetivo recibo de quitação ao mencionado F. R.…”
37.ª Fato este que levou o próprio tribunal a quo a dizer que: - “ tais afirmações (referindo-se às declarações do demandante) são infirmadas e contrarias pela declaração emitida pelo próprio…”
38.ª Perante tudo isto não se compreende que, depois, venha dizer tem a convicção que o demandante emprestou a referida quantia ao demandado entre 19 de Fevereiro e meados de Março de 2016, na medida em que é contrário a tudo o demais que vem explanado na sentença em questão.
39.ª Assim é caso para concluir que o recorrente teria de ser absolvido de todos os pedidos contra eles formulados., nomeadamente, da condenação como litigante de má fé.
40.ª Pois, não havendo matéria, como não há, fundamento para condenar o demandado no pagamento da quantia de 25.000,00€ ao demandante, não há qualquer fundamento para o condenar por má fé.
41.ª O demandante limitou-se alegar, quer no seu articulado, quer nas declarações prestadas sob juramento, a verdade dos factos.
Pugna pela procedência do recurso e, nessa conformidade, deve o demandado/recorrente ser absolvido do pagamento da quantia de 25.000,00€ e, consequentemente da sua condenação como litigante de má fé.
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Foram apresentadas contra alegações, defendendo o recorrido que:
1ª - De acordo com o n.º1 do art.º 640.º do CPC, há três requisitos a verificar para que a impugnação da a decisão sobre a matéria de facto seja admitida, nomeadamente:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2ª - Requisitos estes que o Recorrente não observou, na interposição, alegações ou conclusões do recurso de apelação em apreço.
3ª - Assim, o Recorrente não satisfaz o ónus de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto provada na sentença, não podendo, por isso, usufruir do prazo acrescido de 10 dias ao prazo geral da apelação, já que este é um verdadeiro benefício que depende da concretização do objeto daquela impugnação e respetiva fundamentação nas alegações e conclusões apresentadas.
4ª - Portanto, o recurso de apelação interposto pelo Recorrente deve ser declarado deserto por extemporaneidade, uma vez que, não tendo o Recorrente cumprido os ónus impostos pelo art.º 640.º do CPC, está liminarmente excluída a possibilidade de a Relação julgar o objeto do recurso.
5ª - Se assim se não entender, o que se concede por mera cautela e dever de patrocínio, ao contrário do que o Recorrente aduz na apelação no processo foi produzida prova que sustenta e prova a tese do autor, aqui Recorrido, aliás o que o próprio Recorrente confessou no processo, uma vez que confessou que os meios de prova que indicou no requerimento apresentado 06/11/2019 corroboraram e provaram a posição do Recorrido, ou seja, o montante do mútuo efetuado, em dívida, confissão essa que o autor, aqui Recorrido, aceitou e aceita de forma expressa.
6ª - A presunção é o mecanismo judicial adequado para decidir a presente causa, permitindo ao tribunal a quo conhecer um facto desconhecido a partir de um conhecido. Não obstante, a única crítica que se pode dirigir à sentença recorrida quanto ao meio, presunção judicial, usado para decidir a causa é a da medida em que o fez, porque a devida conjugação da prova testemunhal, com a segunda carta (doc. 23 da P.I.) e as mensagens de SMS e de Whatsapp, impunha, como impõe, a conclusão que o Recorrido emprestou ao Recorrente o total de €123.250,00 e não apenas a quantia de €25.000,00.
7ª - A falta de reação ao envio de cartas registadas com aviso de receção a demandar o pagamento de valores muito avultados de acordo com a tese de que nem mereciam resposta, é descabida e contrária às regras de experiência comum, porque qualquer cidadão comum que não deve tais valores reage, mais ou menos agressivamente, negando a dívida se esta não existisse.
Conclui que deve rejeitar-se a apelação, por extemporaneidade, e, se assim se não decidir, deve concluir-se pela improcedência do recurso de apelação em apreço, e pela procedência do recurso interposto pelo Recorrido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos Recorrentes, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões dos recursos interpostos são as seguintes:
- Se deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto;
-Se deve ser alterada a decisão de mérito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos 3.1.1. Factos Provados
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
2.1. O autor nasceu em - de Fevereiro de 1968, contando 49 anos de idade à data da propositura da acção, é professor, tendo desempenhado essa sua profissão no Agrupamento de Escolas …, em Braga.
2.2. Em 31 de Março de 2011, o autor contraiu casamento civil com A. L., à data Juiz de Direito no Tribunal Judicial de Guimarães.
2.3. O réu nasceu em - de Abril de 1987, contando 30 anos de idade à data da propositura da acção.
2.4. O autor e o réu conheceram-se em meados do ano de 2010, quando ambos estudavam na Universidade do …, em …, e o autor frequentava o curso de Direito, curso esse que o réu posteriormente também frequentou.
2.5. Paulatinamente e desde essa data até ao início do ano de 2016, as relações de amizade e de confiança entre ambos aprofundaram-se.
2.6. Durante a frequência do curso universitário referido, autor e réu encontraram-se amiúde para tomar café, estudar e partilhar apontamentos.
2.7. De 2010 em diante autor e réu telefonavam-se e trocavam mensagens escritas através de telemóvel, partilhavam os mesmos interesses e perante todos exteriorizavam gestos e sinais da amizade que os unia.
2.8. Nessa altura, o réu conheceu o marido do autor, A. L..
2.9. Em 13 de Dezembro de 2013 o réu contraiu casamento civil com F. R..
2.10. Em - de Janeiro de 2014 faleceu o marido do autor, A. L., vítima de um trágico acidente de atropelamento por transporte ferroviário.
2.11. Desde essa data o autor foi assolado por sentimentos de profunda dor, revolta e tristeza, vivendo em profundo e recorrente estado depressivo, razão pela qual é, desde então, acompanhado por psicólogo e toma medicação antidepressiva.
2.12. O autor ficou, por isso, extremamente debilitado e incapacitado para o exercício da sua profissão.
2.13. Nesse quadro de fragilidade psíquica de que padecia, pela profunda dor que sentia, e sente, as relações de amizade entre o autor e o réu estreitaram-se.
2.14. O réu começou então a ser visita assídua da sua casa e conheceu, também nessa altura, o então marido do réu, o seu pai, seus irmãos e sobrinhos.
2.15. O réu acompanhou ainda o autor a advogados, notários, bancos e demais serviços e repartições públicas, inteirando-se e conhecendo os assuntos que levaram o autor a esses locais, após a morte do marido deste.
2.16. Para além disso, o réu acompanhou o autor quando este abriu, em 17 de Abril de 2014, conta bancária no Banco ..., e a depositar, neste banco, os montantes de 140.325,99 €, naquela data, e de 125.932,88 €, em 29 de Agosto de 2014, que veio a receber a título de compensação por dois seguros de vida por morte do marido, o que sucedeu.
2.17. No ano de 2014 o réu chegou a pernoitar em casa do autor.
2.18. O réu tomou refeições em casa do autor, e tinha a chave de sua casa.
2.19. O autor depositava toda a confiança no réu, a quem respeitava e considerava pessoa de bem, nutrindo por ele fortes sentimentos de estima e de consideração.
2.20. Nesse mesmo ano, o réu contou ao autor que estava a decorrer o processo de divórcio com o seu marido e que, por tal facto, estava impossibilitado de movimentar o dinheiro depositado nas suas contas bancárias e fazer face às despesas normais do seu dia-a-dia, assim como de cumprir os seus compromissos financeiros.
2.21. À época do divórcio o réu, conforme contou ao autor, estava impossibilitado de pagar as despesas relacionadas com os honorários do advogado que o representava na acção de divórcio, não conseguia comprar alimentos, pagar as despesas com luz, água, telefone, internet de sua casa, bem como, pagar as despesas de combustível e auxiliar o pai.
2.22. Em Junho de 2014, o réu, alegando os motivos descritos em 2.20. e 2.21., pediu ao autor que lhe emprestasse a quantia de €8.900,00 (oito mil e novecentos euros), que o réu prometeu pagar-lhe logo que a sua situação financeira melhorasse, nomeadamente, após as partilhas do seu divórcio.
2.23. O autor, atenta à relação de amizade e de confiança que os unia, assentiu a tal pedido do réu e, em 20 de Junho de 2014, emprestou-lhe a quantia de €8.900,00 (oito mil e novecentos euros), através de transferência da sua conta nº 0171158342000, de que é titular no Banco Caixa …, para a conta de que é titular o réu
2.24. No início de Dezembro de 2014, o réu pediu emprestado ao autor a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), para, conforme disse, fazer face às várias despesas que alegava ter, a qual o réu prometeu devolver-lhe logo que a sua situação financeira estabilizasse, nomeadamente, após partilhas do seu divórcio.
2.25. O autor assentiu a tal pedido do réu e, em 9 de Dezembro de 2014, através da sua conta bancária, junto do Banco ..., com o IBAN PT 50 ................3, fez uma transferência bancária para a conta bancária nº ………12, em nome do réu, no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros).
2.26. Em Janeiro de 2015, o réu pediu ao autor que lhe emprestasse mais a quantia de €10.500,00 (dez mil e quinhentos euros), para fazer face aos seus compromissos financeiros, a qual o réu, conforme se comprometeu anteriormente, prometeu devolver ao autor quando a sua situação financeira melhorasse.
2.27. O autor, pela confiança e estima que depositava no réu, assentiu ao seu pedido e, em 16 de Janeiro de 2015, através da sua gestora bancária, levantou da sua conta bancária aberta junto do Banco ... com o IBAN PT 50 ................3, a quantia de € 10.500,00 (dez mil e quinhentos euros) e, na sua residência, entregou-a ao réu em dinheiro.
2.28. Em Março de 2015, o réu pediu emprestado ao autor a quantia de €7.000,00 (sete mil euros), alegando para o efeito, pelo menos, ter gastos com a sua alimentação e com despesas na universidade.
2.29. O réu, mais uma vez, assim como já havia prometido nos empréstimos anteriores, prometeu devolver-lhe aquele valor quando a sua situação pessoal estabilizasse e o processo de divórcio e de partilhas subsequente terminasse.
2.30. O autor, pela confiança, e estima que depositava no réu, assentiu ao seu pedido e, em 01 de Abril de 2015, emitiu à ordem deste o cheque nº …….9, sacado sobre a sua conta bancária aberta junto do Banco ... com o IBAN PT 50 ………….2, no valor de €7.000,00 (sete mil euros).
2.31. Naquela mesma data, em 01 de Abril de 2015, e na sua residência, o autor entregou ao réu, em mão, aquele cheque no valor de €7.000,00, (sete mil euros) e, apresentado a pagamento, foi o mesmo pago, tendo o réu recebido tal valor.
2.32. Em 04 Maio de 2015, o réu pediu emprestado ao autor mais a quantia de € 15.500,00 (quinze mil e quinhentos euros), afirmando que lhe entregaria todo o dinheiro que o autor lhe emprestou quando a sua situação financeira melhorasse, após partilhas do seu divórcio e, nesse mesmo dia, o autor entregou essa quantia em dinheiro ao réu.
2.33. As partilhas do divórcio do réu concretizaram-se por escritura de partilha outorgada no dia 17 de Junho de 2015, no Cartório Notarial do Doutor C. T., conforme doc. nº1 de fls. 102 a 113, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2.34. Em virtude da partilha efectuada, o demandado, assim que toda a tramitação legal que se seguiu à elaboração de escritura pública se mostrou resolvida, ficou com possibilidades financeiras de proceder ao pagamento do valor que o demandante lhe tinha entregue a título de empréstimo.
2.35. Por conseguinte, em 15 de Julho de 2015, conforme foi prometendo ao autor ao longo dos anos de 2014 e 2015, o réu restituiu-lhe na sua residência o valor total dos empréstimos que o autor lhe havia feito durante aqueles anos, por entrega em dinheiro da quantia de pelo menos €71.900,00.
2.36. Nessa altura, o réu pediu ao autor que lhe emitisse recibo de quitação desse valor, ao que este anuiu.
2.37. Em 18 de Fevereiro de 2016, no Cartório Notarial da Dra. T. C., em Braga, o autor emitiu recibo de quitação de todos os valores por si entregues ao réu até ao dia 15 de Julho de 2015, conforme documento nº 10 junto a fls. 28 verso e que se dá por reproduzido, no qual o autor declarou, além do mais que: os valores que outrora se encontraram em dívida, foram totalmente pagos até ao dia 15 de Julho de 2015, altura em que emitiu o respectivo recibo de quitação ao mencionado F. R., embora sem reconhecimento presencial da assinatura do declarante e sem autenticação notarial do documento em causa, o que agora será feito para que não restem quaisquer dúvidas de que o declarante já não é credor, a qualquer título, do citado F. R..
2.38. O autor, através da sua gestora bancária, em 19 de Fevereiro de 2016 levantou da sua conta bancária, junto do Banco ..., com o IBAN PT 50 ................3, o valor de €27.000,00, conforme documento 11, junto em audiência a fls. 154 a fls. 158, que aqui se dá por reproduzido.
2.39. Através da sua gestora bancária, em 17 de Março de 2016 o autor levantou da sua conta bancária junto do Banco ... com o IBAN PT 50 ................3, o valor de €25.000,00, conforme documento nº 12 junto a fls. 30 que aqui se dá por reproduzido.
2.40. Em data não foi possível apurar, mas situada entre o dia 19 de Fevereiro e meados de Março de 2016, o réu pediu emprestada ao autor a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), que o autor entregou ao réu em dinheiro, ficando acordado entre autor e réu, que o réu lhe restituiria esta quantia.
2.41. Várias vezes o autor relatou ao réu, atenta à amizade e intimidade que os unia, pessoalmente, através de telefonemas e de SMS, as dificuldades em pagar as suas despesas.
2.42. Em 16 de Maio de 2016, pelas 21h58, o autor enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel, 9........, para o telemóvel do réu, 9........, com o seguinte teor: “Estou muito triste contigo. Sabes muito bem que tenho sido o teu melhor amigo. Aquele que esteve contigo em todos os momentos…Mesmo quando todos estavam contra ti. Nem acredito no que disseste… pensa e depois falamos. Sabes que a vida dá muitas voltas e acho que ambos sabemos isso. Sempre fomos grandes amigos um para o outro. Nem percebi porque começaste a provocar-me. Sabes que gosto de ti e que nunca faria nada para te prejudicar. Sempre te ajudei. Agora pensa nas ameaças e no que me disseste no momento em que te peço ajuda. F. P. sabes que sou um amigo verdadeiro que tu tens. Mas ao dizeres o que disseste fiquei muito triste. Pensa e depois falamos”, conforme cópia da SMS junta como documento nº 13 que aqui se dá por reproduzida.
2.43. Em 06 de Junho de 2016, pelas 18h25, o autor enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel, 9........, para o telemóvel do réu, 9........, com o seguinte teor: “Com tantas despesas e com os processos com este rumo não sei como lhe irei pagar… (…). A minha prioridade vai ser pagar a Dra E.. Acho que qualquer pessoa compreenderá. A Dra. E. como sabes não trabalha sem dinheiro”, conforme cópia da SMS trocada junta como documento nº 14, que aqui se dá por reproduzido.
2.44. Em 07 de Julho de 2016, pelas 15h51, o autor enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel, 9........, para o telemóvel do réu, 9........, com o seguinte teor: “F. P. não te esqueças daquilo que falamos.
Como te disse vou precisar do dinheiro para pagar o carro e nem sei se vai chegar. A Dra. E. ainda não me disse nada. Hoje fui pagar o imposto de circulação e gastei mais de 218 € e tenho que pagar o IMI e o IRS que são mais de 2 mil euros… Estou mesmo arrasado e cansado”, conforme documento nº 15 junto a fls. 33 verso, que aqui se dá por reproduzido.
2.45. O réu respondeu ao autor, através do envio de uma mensagem escrita com o seguinte teor: “Estás arrasado e cansado, eu também estou. Deixa ver se existe recurso e marco as minhas férias. Foi o que te disse. Entretanto já irei tratar de falar hoje sobre o que tínhamos combinado de baixar alguma coisa”, conforme citado documento nº 15.
2.46. Também em 13 de Julho de 2016, pelas 23h03, o autor enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel, 9........, para o telemóvel do réu, 9........, com o seguinte teor: “F. P. hoje fiquei muito triste pois ajudei-te quando precisaste e agora que preciso do meu dinheiro dizes-me que só vais de férias em Agosto. Já te tinha dito à muito tempo que ia precisar do dinheiro para resolver as minhas situações. Sabes bem que a Dra. Não trabalha sem dinheiro…”, conforme documento nº 16 junto a fls. 34 que aqui se dá por reproduzido.
2.47. Em 14 de Julho de 2016, pelas 01:50, o réu respondeu ao autor, enviando uma mensagem escrita do seu telemóvel número 9........, para o telemóvel do A número 9........, com o seguinte teor: “Só li a sms agora, se ficaste muito triste não sei porquê? Ajudaste me, é uma verdade. Mas o que eu te fiz não fica muito àquem. Eu vou de férias, como te disse quando tiver dinheiro suficiente. Mais não te posso fazer. Já te disse inúmeras vezes, que determinados assuntos falamos pessoalmente, tal como fizemos hoje. Fica bem”, conforme documento nº 17 junto a fls. 34 verso que aqui se dá por reproduzido.
2.48. Em 15 de Agosto de 2016, pelas 23h12, o autor voltou a enviar uma mensagem escrita do seu telemóvel, 9........, para o telemóvel do réu, 9........, com o seguinte teor: “Olá F. P.. Encaminhei-te um e-mail do escritório da Dra. E. em que é mencionado que tenho que resolver rapidamente a situação do carro. Quando me pediste ajuda sempre te ajudei. Todos estão de férias e eu ando aqui preocupado com esta situação quando na realidade podia estar descansado (…)”, conforme documento nº 18 junto a fls. 35 que aqui se dá por reproduzido.
2.49. Em 18 de Agosto de 2016, pelas 21h41, o autor enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel, 9........, para o telemóvel do réu, 9........, com o seguinte teor: “F. P., fico triste com a tua atitude é indiferença em relação a mim. Sempre que precisas-te mim nomeadamente a nível monetário sempre te ajudei em questões de dias tirando inclusive dinheiro que tinha em depósitos. Inclusive quando foi da última vez convidavas para lanchar e falar sempre do mesmo assunto. Agora que preciso que me devolvas o que te emprestei e sabes perfeitamente que preciso de dinheiro pedes para ter calma e não falar alto. Dissestes que me ias devolver o dinheiro em maio, depois passou para Junho…E depois para Setembro. Acontece que tenho compromissos para cumprir. Não posso estar dependente da tua vontade…tens que pensar um pouco em mim e nos assuntos que tenho para resolver. Carro, IRS, advogados para pagar… (…) Acabando preciso mesmo que me devolvas o que te emprestei o mais rápido possível e se me poderes ajudar como te ajudei agradecia. Sabes que não tenho mesmo dinheiro”, conforme documento nº 19 junto a fls. 40 verso a fls. 41, à qual o réu respondeu nos termos que constam do mesmo documento e que aqui se dá por reproduzido.
2.50. Em 28 de Agosto de 2016 o autor enviou uma mensagem escrita do seu telemóvel, 9........, para o telemóvel do réu, 9........, com o seguinte teor: “Ligou-me a Drª E. e perguntou-me se posso pagar o carro. Em breve terei que o fazer…E como te disse, preciso que me devolvas o dinheiro que te emprestei e se possível que me ajudes. Estou exausto e preocupado. (…)”, conforme documento nº 20 junto a fls. 42 que aqui se dá por reproduzido.
2.51. Em 16 de Setembro de 2016, pelas 20h11, o autor enviou a mensagem escrita pelo aplicativo Whatsaap enviadas do seu telemóvel, 9........, para o número de telemóvel do réu, 9........, com o seguinte teor: “F. P. afinal está em Itália. Peço é que me devolvas quando chegares os 25 mil euros que te emprestei já há meses”, conforme documento nº 21 junto a fls. 42 verso a 43, à qual o réu respondeu em 17 de Setembro de 2016 nos termos que constam do mesmo documento, que aqui se dá por reproduzido, referindo o réu além do mais o seguinte: “Eu nem acredito no que escreveste. Eu em Itália? Tenho que ser muito rico para fazer 2 viagens e estar em dois países em simultâneo (…)”.
2.52. Em 17 de Setembro de 2016, pelas 01h29, o autor enviou a mensagem escrita pelo aplicativo Whatsaap para o número de telemóvel do réu, 9........, com o seguinte teor: “(…) Sempre foi teu amigo e te ajudei em todos os momentos. Mas ultimamente apercebo-me sobretudo pelos teus amigos de várias mentiras... Só peço que me devolvas os 25mil euros que te emprestei quando regressares pois preciso como sabes deles e já tinhas dito que mos ias devolver a alguns meses atrás. Já te pedi para não mentiras. Não tens necessidade disso para comigo”, conforme o citado documento nº 21, à qual o réu respondeu em 18 de Setembro de 2016 nos termos que constam do mesmo documento, que aqui se dá por reproduzido. 2.53. Nesta mesma data, pelas 09h37, o autor enviou ao réu, através do aplicativo Whatsaap, a mensagem escrita com o seguinte teor: “F. P. vejo que não entendeste a minha mensagem. Claro que a tua vida só diz respeito a ti. Mas como teu amigo apenas te pedi para não mentires. Acontece que tenho-me apercebido pelos ditos teus amigos que me dizes umas coisas e tu outras. Pedi-te para não mentires porque sabes que não precisas. Não te ameacei. Apenas reafirmo e tu bem sabes que preciso do dinheiro que te emprestei para resolver em parte a situação do carro. Sempre fui teu amigo e te ajudei e aconselhei”, conforme o citado documento nº 21.
2.54. Desde aquela data, o réu deixou de responder às mensagens escritas enviadas pelo autor.
2.55. Em 04 de Novembro de 2016, através de sua mandatária, o autor enviou ao réu a carta, cuja cópia consta como documento nº 22 junto a fls. 37 que aqui se dá por reproduzida, convidando-o para lhe devolver, no prazo de 10 dias, “a quantia mutuada a Vª Exª em 17 de Março de 2016, no valor de 25,000,00 € (vinte e cinco mil euros)”, comunicando-lhe ainda que, caso o réu não o fizesse, recorreria aos competentes meios judiciais “para obter a restituição coerciva da quantia mutuada”.
2.56. O réu recebeu a referida carta em 14 de Novembro de 2016 e, não obstante, o réu não restituiu aquela quantia ao autor.
2.57. Em 22 de Dezembro de 2016, o autor reclamou, através de carta registada com aviso de recepção enviada ao réu, a restituição do valor total do dinheiro que lhe emprestou e fixou-lhe o prazo de 10 dias a contar da recepção daquela carta, tudo conforme cópia da carta enviada junta como documento nº 23, que aqui se dá por reproduzido.
2.58. A referida carta foi recepcionada em 28 de Dezembro de 2016 pelo pai do réu, J. P., conforme assinatura e data apostas no aviso de recepção, conforme documento nº 23 junto a fls. 39 verso.
2.59. o autor apresentou contra o réu e seu pai, J. P., queixa-crime, que sob o número de processo nº 316/17.7T9BRG, correu termos no Juízo de Instrução Criminal de Braga – Juiz 1 – do Tribunal Judicial de Braga, no qual, encerrado o inquérito, foi proferido despacho de arquivamento, nos termos que constam do documento de fls. 231 a 240 que aqui se dá por reproduzido.
3.1.2. Factos Não Provados
Ao invés foi dado como não provado, designadamente,
Da petição:
- que é o autor professor há mais de vinte e dois anos, e que se encontra ainda actualmente a exercer na escola referida em 2.1.;
- que o réu nunca exerceu qualquer profissão;
- que em 2010 o referido em 2.7. acontecia várias vezes ao dia;
- que o autor foi acompanhado por psiquiatra;
- que o autor ficou incapacitado para resolver e lidar com assuntos correntes do seu dia-a-dia;
- que o autor ainda padece do quadro referido em 2.13. e 2.14.;
- que o autor ficou por longos períodos de tempo confinado à sua residência, não saindo, nem se relacionado com ninguém;
- que nas circunstâncias referidas em 2.14., o réu frequentou a casa diariamente, com total liberdade, circulando sozinho por todas as divisões; - que o réu conheceu todas as rotinas do autor, a sua vida íntima, doméstica, sentimental e familiar e os seus estados de maior debilidade emocional, sofrimento e dor;
- que o autor não lhe guardou segredos e confidenciou-lhe todas as suas preocupações, angústias e anseios, assim como lhe pediu, aceitou e acatou os seus conselhos e opiniões;
- que o réu sabia e conhecia os bens móveis e imóveis de que o autor era Proprietário, assim como sabia e conhecia quanto dinheiro o autor tinha guardado em casa e depositado nos bancos;
- que o réu conheceu as joias e dinheiro que o autor havia recebido de uma tia, M. C., e que guardava no cofre de sua casa, assim como as obras de arte que havia adquirido com o seu marido;
- que o réu aconselhou e convenceu o autor a proceder à abertura da conta mencionada em 2.18.;
- que durante o ano de 2014, os dois envolveram-se íntima e emocionalmente e por vários dias partilharam a mesma cama;
- que o réu tinha liberdade para entrar e sair da casa do autor quando lhe aprouvesse;
- que o réu tinha acesso e utilizou o computador pessoal do autor circulou sem estar acompanhado pelo escritório do autor, conhecia e sabia qual o local onde se encontravam guardados os seus documentos pessoais e a correspondência que recebia;
- que o réu tinha uma vida faustosa;
- que o réu contou ao autor que estava impossibilitado de contrair empréstimos junto de entidades bancárias, uma vez que não tinha qualquer garantia de pagamento;
- que o réu estava impossibilitado de pagar as custas judiciais;
- que na altura referida em 2.23. o réu referiu não conseguir pagar outras despesas para além das aí referidas;
- que o réu sempre comprou e vestiu roupas de marca, viajava frequentemente para o estrangeiro, conduzia carros novos e diariamente frequentava restaurantes e cafés, onde tomava as suas refeições;
- que em Julho de 2014, o réu pediu emprestada ao autor a quantia de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros), prometendo-lhe devolvê-la quando a sua situação financeira melhorasse e que nesse mês, o autor retirou do cofre da sua residência a quantia de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros) e entregou-a, em dinheiro, ao réu;
- que a conta mencionada em 2.25. foi aberta por indicação do réu;
- que na ocasião mencionada em 2.28., o réu alegou gastos com a manutenção da sua casa;
- que nas circunstâncias referidas em 2.32., a quantia de € 15.500,00 foi retirada pelo autor do cofre da sua residência;
- que na ocasião referida em 2.35. o réu entregou quantia superior a 71.900,00 € e que essa restituição aconteceu em 16 de Fevereiro de 2016;
- que o autor, de imediato e perante o réu, guardou esse dinheiro no cofre da sua residência;
- que em 19 de Fevereiro de 2016 o réu pediu emprestado ao autor a quantia de 98.250,00 €, para, segundo lhe disse, fazer face a obras de melhoramento que iria levar a cabo na sua residência, nomeadamente, construir duas pequenas casas para o seu pai e irmã, quantia essa que o autor aceitou emprestar-lhe, até porque o réu lhe restituíra todas as quantias entregues anteriormente;
- que ficou então acordado entre autor e réu que este restituiria a referida quantia 98.250,00 €, no prazo de trinta dias a contar daquela data, porquanto, segundo disse ao autor, o processo de divórcio em breve estaria terminado e aguardava apenas a entrega de dinheiro das partilhas;
- que por isso, nessa altura o autor retirou do seu cofre a quantia que havia recebido do réu no dia anterior e naquela data de 19 de Fevereiro de 2016, entregou-a em dinheiro, na sua residência, ao réu;
- que o autor fez o levantamento mencionado em 2.38. para perfazer o montante que o réu lhe pediu e que o autor entregou ao R, naquela mesma data, em sua casa e em dinheiro, a quantia de 26.100,00 €;
- que foi em 13 de Março de 2016 que o autor fez o levantamento referido em 2.39.;
- que foi em 13 de Março de 2016 que o réu fez o pedido mencionado em 2.40. e que seria no prazo de trinta dias a contar daquela data que ficou acordado que o réu restituiria a quantia;
- que em Maio de 2016 o autor começou a ter dificuldades financeiras;
- que foi em Junho de 2016 que a situação financeira do réu melhorou, que foi nesse naquele mês foram realizadas as partilhas do divórcio entre o réu e o seu marido, informação então prestada por este;
- que o réu continuava a viajar para o estrangeiro, a marcar férias, a comprar e a usar roupas de marca, a conduzir carros novos, assim como, a fazer obras de melhoramento em sua casa e a tomar as suas refeições em restaurantes e cafés e que o autor não conseguia fazer face aos seus compromissos financeiros, o que o angustiava cada vez mais;
- que desde Setembro de 2016, o réu deixou de frequentar a casa do autor e de se encontrar com ele, para se eximir à devolução das quantias entregues;
- que a mensagem referida em 2.53. foi enviada no dia 17.
*
3.2. O Direito
3.2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
Autor e réu recorrem da sentença impugnando a decisão da matéria de facto.
Começaremos por apreciar a impugnação do réu, considerando até que o autor contra ela se insurgiu defendendo que o recorrente não observa os ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, os quais, se não observados, conduzem à sua rejeição.
Assim, o artigo 640º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o ónus de:
a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
É hoje indiscutível a inadmissibilidade de recursos que se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto: o recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erroneamente decididos e indicar também com precisão o que entende que se deve dar como provado.
Impõe-se que nas conclusões o recorrente indique concretamente os pontos da matéria de facto que impugna e o que entende que deve ser assente, apresentando a sua pretensão de forma inequívoca, de forma a que se possa, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação da alteração da matéria de facto, e saber claramente em que sentido pretendem que a matéria de facto provada seja alterada.
Com a imposição destas indicações pretende-se impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” - Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, p.153.
Por estes motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem também que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos, evitando-se que sejam apresentados recursos inconsequentes, não motivados, com meras expressões de discordância, sem fundamentação que possa ser percetível, apreciada e analisada.
Quanto a cada um dos factos que pretende que obtenha diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, também discriminada e explicadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada.
Relativamente ao ónus de especificar os concretos meios probatórios, particulariza o nº 2 do artigo 640º, que: “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
A exigência de assinalar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, tem uma triple finalidade: onerar o recorrente com o esforço de se assegurar que existem, na prova gravada em que se pretende fundar, declarações que efetivamente justificam a sua discordância; permitir um mais apurado exercício do contraditório, por conter uma mais concreta explicitação dos fundamentos da pretensão; possibilitar ao tribunal a direta verificação, pelo acesso aos elementos objetivos do processo, apontados pelo recorrente de forma definida e concretizada, da existência de alguns indícios nesse sentido, a exigir posterior análise.
Assim, a lei exige que o recorrente ao impugnar a matéria de facto com base em prova gravada, identifique de forma concreta a sua fonte de discordância, especificando, na gravação, os momentos em que se baseia (seja pela indicação do tempo, seja, mesmo, pela sua transcrição). Não é, pois, suficiente a mera reprodução dos dizeres da ata quanto ao início e final do depoimento de cada testemunha, do nome da testemunha, nem tão pouco a exposição das considerações subjetivas do recorrente sobre o que as mesmas disseram, para se cumprir a exigência prevista na lei.
Tão clara e perentória é a norma e tão importante para a salvaguarda da utilidade da impugnação da matéria de facto, reservando-a para os casos em que a parte tem sustento razoável para o efeito, que se entende que a subjugação a esta alínea não se traduz num desnecessário predomínio da forma sobre a matéria, mas à defesa do nível de exigência a que a impugnação da matéria de facto tem que corresponder (impedindo que o seu uso como simples passaporte para o prazo adicional de recurso traga labor acrescido aos tribunais da Relação, sem qualquer utilidade prática) – neste sentido, Abrantes Geraldes, ob. cit.
No caso em apreço, o Recorrente declarando genericamente que não concorda com os factos não especifica os factos objeto da impugnação.
Das conclusões recursivas e respetivas alegações resulta que o Recorrente não concorda com a decisão da matéria de facto e sua motivação. Porém, ataca-a de forma global, e no percurso de dissensão entremeia considerandos subjetivos, passagens de declarações e depoimentos e critica o recurso a presunções.
Ora, a simples discordância, por exegese diferenciada, da prova produzida não impõe a censura da sua convicção.
Com efeito, não especifica o Recorrente que facto ou factos assentaram em presunções extraídas pelo tribunal e de que factos conhecidos aqueles resultaram.
A abordagem impugnatória realizada pelo Recorrente não cumpre manifestamente os requisitos legais.
Como resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões, o Recorrente:
- não faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados;
- não indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados;
- não refere a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida;
- e não indica as passagens da gravação em que se funda o recurso.
Em suma, o Recorrente só não concorda com a decisão.
E porque assim, reafirma-se que os ónus processuais de impugnação devem ser apreciados à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (Abrantes Geraldes, ob. cit, pag. 161).
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2015 “(…) II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação. III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada” – disponível em www.dgsi.pt.
E ainda no Acórdão do mesmo Tribunal Superior de 05/16/2018, decidiu-se que “Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.” - disponível em www.dgsi.pt.
Termos em que se rejeita o recurso do réu relativo à decisão da matéria de facto.
Apreciando, agora, o recurso do autor.
Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Na sua impugnação o Recorrente deu cumprimento ao disposto no artigo 640º, do Código Processo de Civil.
O Recorrente considera incorretamente julgados os seguintes factos:
a) Dos factos não provados, os quais devem ser julgados como provados: “que em 19 de Fevereiro de 2016 o réu pediu emprestado ao autor a quantia de 98.250,00€”;
b) Dos factos provados, os quais não devem ser julgados provados: os factos relativos à data de “em 15 de Julho de 2015” e ao montante mutuado e restituído pelo Réu ao A. no montante de, pelo menos, €71.900,00, referidos no ponto 2.35 dos factos provados.
Sustenta o Recorrente que por força das relações pessoais criadas e desenvolvidas com o réu lhe emprestou diversas quantias em dinheiro, e dividiu esses empréstimos em dois períodos temporais, um primeiro, de junho de 2014 a maio de 2015, relativamente ao qual lhe emprestou, em diversas tranches, um total de €72.150,00 (setenta e dois mil cento e cinquenta euros), integralmente restituído, e um segundo, de fevereiro de 2016 a março de 2016, relativamente ao qual lhe emprestou, em duas tranches, um total de €123.250,00 (cento e vinte e três mil, duzentos e cinquenta euros), totalmente por restituir.
Quanto aos primeiros empréstimos o tribunal a quo deu por provada a entrega em dinheiro da quantia de pelo menos €71.900,00 situando o momento dessa entrega em 15 de julho de 2015.
Entende o Recorrente que houve erro na apreciação da prova porquanto no artº 1º da contestação, o réu aceita e confessa como sendo efetivamente verdade o que o demandante alega no artº 56º e 58º do seu articulado, pelo que, por confissão do réu tem de considerar-se provado que o valor total dos empréstimos daquele primeiro período e o valor restituído pelo réu ao autor foi de €72.150,00 e que ocorreu em 16 de fevereiro de 2016.
Acrescenta que, mormente do seu depoimento de parte o depoimento da testemunha N. M. e, sobretudo, os depoimentos das testemunhas C. M. e G. S., tudo conjugado com as mensagens trocadas entre as partes e a carta corporizada no doc. 23 da p.i., impõe-se a modificação da decisão de facto proferida sobre aqueles factos, que deverão passar a ter a seguinte redação:
“2.35. Por conseguinte, em 16 de Fevereiro de 2016, conforme foi prometendo ao autor ao longo dos anos de 2014 e 2015, o réu restituiu-lhe na sua residência o valor total dos empréstimos que o autor lhe havia feito durante aqueles anos, por entrega em dinheiro da quantia de €72.150,00.”
“2.60. Em data que não foi possível apurar, mas situada em Fevereiro de 2016, o réu pediu emprestado ao autor a quantia de €98.250,00 (noventa e oito mil, duzentos e cinquenta euros), que o autor entregou ao réu em dinheiro, ficando acordado entre autor e réu que o réu lhe restituiria esta quantia.”
Vejamos se assiste razão ao impugnante.
Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor, considerando-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior (artigo 574º, nº1 e 2, do Código de Processo Civil).
Quanto à alegada confissão do réu, inserta no art. 1º da sua contestação, não é correta a conclusão do Recorrente de que daí resulta o reconhecimento da restituição pelo réu ao autor da quantia de €72.150,00, em 16 de fevereiro de 2016.
O articulado de contestação tem de ser visto no seu todo, e não de forma estanque, pois que o réu não confirma o montante e impugna frontalmente a data de 16 de fevereiro, nos artigos subsequentes.
Donde, o que vem aceite são os empréstimos e sua restituição.
Com base na restante prova, mormente a indicada pelo impugnante, também não é de modificar a decisão de facto.
É que a sentença recorrida numa análise global e critica da prova, fundamenta de forma clara e concisa a factualidade ora impugnada, não aportando o Recorrente argumentos válidos nem provas bastantes que contrariem aquela convicção.
Depois de indicar a razão de ciência e efetuar a sumula das declarações e depoimentos, veja-se a apreciação critica feita a propósito:
«Analisados tais depoimentos, desde logo se conclui que nenhuma das testemunhas inquiridas assistiu a qualquer entrega de dinheiro por parte do autor ao réu, sendo certo, por outro lado, que autor e réu, mantendo a versão contida nos seus articulados, apresentaram declarações antagónicas entre si relativamente aos alegados empréstimos no decurso do ano de 2016.
Contudo, analisadas as provas produzidas, o tribunal formou uma convicção positiva quanto ao empréstimo de €25.000,00 julgado provado em 2.40. supra.
Na verdade, as declarações do autor, na parte em que o mesmo refere ter emprestado ao réu a quantia que este lhe devolvera no dia anterior, são inverosímeis, contrárias às regras da vida e ao que acontece na normalidade, na medida em que, caso o réu necessitasse do dinheiro que iria devolver ao autor, o que seria normal seria não o devolver e pedir uma dilação no pagamento, e não entregar o dinheiro, solicitar um recibo e logo em seguida pedir o mesmo dinheiro de volta.
Além disso, tais declarações são infirmadas e contrariadas pela declaração emitida pelo próprio autor em 18 de Fevereiro de 2016 junta como doc. 10, a fls. 28 verso, no qual o autor declarou, além do mais que: os valores que outrora se encontraram em dívida, foram totalmente pagos até ao dia 15 de Julho de 2015, altura em que emitiu o respectivo recibo de quitação ao mencionado F. R., embora sem reconhecimento presencial da assinatura do declarante e sem autenticação notarial do documento em causa, o que agora será feito para que não restem quaisquer dúvidas de que o declarante já não é credor.
Tal documento junto pelo próprio autor faz prova plena quanto às suas declarações e quanto aos factos compreendidos na declaração, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, por força do disposto no art. 376º/1 e 2 do Código de Processo Civil.
Assim, o Tribunal julgou como provados os factos descritos supra sob os nºs 2.35. e 2.36..
Ora, tendo-se provado que os valores anteriormente emprestados ao réu foram por este pagos até ao dia 15 de Julho de 2015, nos termos que constam em tal declaração, impõe-se concluir que ao declarar que tal quantia foi paga em 18 de Fevereiro de 2016, o autor produziu afirmações não coincidentes com a realidade, conduzindo a sérias dúvidas sobre a veracidade das suas afirmações.
Por seu lado, o réu nas suas declarações, para justificar o conteúdo da sms de 7/07/2016, chegou a afirmar que era o autor quem lhe estava então a pedir emprestado €25.000,00, o que não encontra qualquer sustentação na prova produzida, antes sendo manifestamente infirmado pelo conteúdo das demais sms julgadas provadas supra, e juntas aos autos, designadamente a de 13 de Julho, em que o autor refere “agora que preciso do meu dinheiro”, a de 18 de Agosto, na qual o autor refere “preciso que me devolvas o que te emprestei”, reiterado na sms de 28 de agosto, na mensagem de 17 de Setembro em que o mesmo autor pede “só peço que me devolvas os 25 mil euros que te emprestei”, e na mensagem de 18 de Setembro em que o autor refere “bem sabes que preciso do dinheiro que te emprestei para resolver em parte a situação do carro”.
Acresce que o réu nunca manifestou qualquer contrariedade às insistências no sentido de ser devolvida a quantia que lhe havia sido emprestada nessas mensagens, sendo disso paradigmática a resposta à sms na qual o autor refere: “F. P. afinal está em Itália. Peço é que me devolvas quando chegares os 25 mil euros que te emprestei já há meses”, conforme documento nº 21 junto a fls. 42 verso a 43, à qual o réu respondeu em 17 de Setembro de 2016, referindo além do mais o seguinte: “Eu nem acredito no que escreveste. Eu em Itália? Tenho que ser muito rico para fazer 2 viagens e estar em dois países em simultâneo (…).
Deste modo, a única reacção contrária do réu, foi relativamente à afirmação de que estaria em Itália, e não sobre a existência de um empréstimo de 25 000 euros.
Acresce ainda que se encontra provado que em 04 de Novembro de 2016, através de sua mandatária, o autor enviou ao réu a carta, cuja cópia consta como documento nº 22 junto a fls. 37, convidando-o para lhe devolver, no prazo de 10 dias, “a quantia mutuada a Vª Exª em 17 de Março de 2016, no valor de 25,000,00 €.
De igual modo, nenhuma reacção a tal carta foi alegada ou provada.
Ora, apresenta-se em absoluto contrário ao que é normal e lógico acontecer, às regras da experiência e da vida, a ausência de qualquer reacção por parte do réu quando lhe é solicitada a devolução da quantia de € 25000,00 que havia sido emprestada, porquanto o comportamento expectável de qualquer pessoa que não é devedora quando lhe é imputada uma dívida, é uma reacção imediata de incredulidade, revolta, surpresa, de questionamento sobre o motivo dessa afirmação.
Além disso, o recibo de quitação junto como doc. 10 a fls. 28 verso, com reconhecimento presencial da assinatura, do qual consta a declaração do autor no sentido de que todas as quantias que se encontraram em dívida foram pagas até ao dia 15 de Julho de 2015, altura em que se emitiu o correspondente recibo de quitação, embora sem reconhecimento presencial da assinatura do declarante e sem autenticação notarial do documento em causa, o que agora será feito para que não restem quaisquer dúvidas de que o declarante já não é credor, a qualquer título, foi lavrado em 18 de Fevereiro de 2016, ou seja, sete meses após o pagamento dos empréstimos anteriores.
Tendo havido emissão de recibo de quitação na altura de tal pagamento, o surgimento deste recibo posterior, revestido de maior solenidade pela intervenção notarial, segundo as regras da lógica e da experiência, terá de ter tido uma motivação importante, não sendo crível de que se tratou de mero capricho de formalização solene sem uma causa justificativa relevante, tanto mais que nessa altura a relação de amizade profunda entre as partes se mantinha, motivação essa que poderá estar relacionada com um empréstimo subsequente, determinado o réu a precaver-se relativamente às quantias anteriormente emprestadas e já pagas.
Ora, não havendo qualquer prova directa do empréstimo em questão, a não ser as declarações do próprio autor, interessado na causa, surge como essencial a prova por recurso a presunções.
Como se salienta no Ac. STJ de 13-11-2018, proferido no processo nº 9126/10.1TBCSC.L1.S1 (www.dgsi.pt), quando se trate da prova de facto dificilmente atingível através de meios de prova directa, tenham especial relevo as chamadas presunções judiciais, simples ou de experiência, que, assentando no simples raciocínio de quem julga, se inspiram nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.I, 2ª ed., pág.289).
Como se explicitou igualmente, entre outros, no Ac. STJ de 19-01-2017, proferido no processo nº 841/12.6TBMGR.C1.S1 (disponível no mesmo site): as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos). A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil). Nas palavras do Acórdão do STJ, de 29.09.2016 proferido no processo nº 286/10.2TBLSB.P1.S1 a presunção centra-se, pois, num juízo de indução ou de inferência extraído do facto base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência».
Também no Ac. STJ de 9-04-2019, proferido no processo nº 2296/17.0T8LRA.C2.S1: as presunções judiciais são ilações que o julgador extrai de um facto conhecido – que é um facto sustento da presunção – para firmar um facto desconhecido - facto presumido. O suporte desse raciocínio intelectual são as regras da experiência da vida, o conhecimento da normalidade das coisas e o domínio da lógica, sendo que a afirmação do facto desconhecido deve surgir como «a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido» (Ac. STJ de 6 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 3612/07.0TBLRA.C2.S1).
No Ac. STJ de 9-02-2012, proferido no processo penal 233/08.1PBGDM.P3.S1, mas cujos doutos ensinamentos se nos afiguram aqui igualmente pertinentes e aplicáveis: As regras da experiência, ou regras de vida, como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtêm mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária. (…) O princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. Só este convencimento alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária – quando é este tipo de prova que está em causa – pode alicerçar a convicção do julgador. (…)Os indícios devem estar comprovados e é relevante que esta comprovação resulte de prova directa. Os indícios devem também ser independentes e, consequentemente, não devem considerar-se como diferentes os que constituam momentos, ou partes sucessivas, de um mesmo facto. (…) quando o indício mesmo isolado é veemente, embora único, e eventualmente assente apenas na máxima da experiência o mesmo será suficiente para formar a convicção sobre o facto. (…) Os indícios devem ser concordantes, ou seja, devem conjugar-se entre si, de maneira a produzir um todo coerente e natural, no qual cada facto indiciário tome a sua respectiva colocação quanto ao tempo, ao lugar e demais circunstancias. (…) As inferências devem ser convergentes ou seja não podem conduzir a conclusões diversas. (…) Por igual forma deve estar afastada a existência de contra indícios pois que tal existência cria uma situação de desarmonia que faz perder a clareza e poder de convicção ao quadro global da prova indiciária.
No caso concreto, os aludidos meios de prova, as apontadas sms, e ainda a circunstância de na conta do réu no Banco ... surgir um depósito em numerário no valor de € 20.000,00 no dia 7/03/2016, conforme documento de fls. 185 verso, bem como o facto de as testemunhas acima referidas terem mencionado ter ouvido o autor a reclamar a devolução do empréstimo sem que houvesse negação deste por parte do réu, todos conjugados e entrecruzados entre si, analisados de harmonia com as regras da experiência e da lógica, permitiram ao tribunal formar a sua convicção positiva quanto à realidade da existência do empréstimo nos termos descritos supra sob o nº 2.40..»
A conjugação dos depoimentos de parte com os elementos documentais que foram examinados e os depoimentos testemunhais, após o crivo da análise crítica a que foram submetidos, apontam com segurança no sentido propugnado na sentença.
A interpretação feita pelo autor quanto ao alcance do documento nº 10 junto com a p.i. do qual diz que se percebe facilmente a falsidade material do mesmo, não tem qualquer sustento probatório, à parte as suas declarações tidas como absolutamente irrazoáveis.
A extração de passagens destacadas do depoimento de parte do autor, conjugadas com passagens do depoimento das testemunhas N. M., C. M., G. S., não permitem a conclusão extraída pelo Recorrente de que em Fevereiro de 2016, o réu pediu emprestado ao autor a quantia de €98.250,00 (noventa e oito mil, duzentos e cinquenta euros), que o autor entregou ao réu em dinheiro, ficando acordado entre autor e réu que o réu lhe restituiria esta quantia.”
Sufragamos o evidenciado na decisão sindicanda quanto aos depoimentos prestados por C. M. e de G. S., só fazerem sentido se reportados aos empréstimos anteriores, já pagos pelo réu. Do mesmo modo que o afirmado pela testemunha C. M. ter visto mensagens que falavam em €123.000,00, não se afigura verosímil, porquanto, a terem existido tais mensagens, as mesmas pela sua essencialidade teriam certamente sido juntas aos autos, à semelhança daqueloutras que o foram.
Toda a prova produzida foi valorada, fundamentando-se à saciedade as razões porque se desatendia a determinada parte dos depoimentos quer de parte quer testemunhais.
O critério valorativo foi amplamente justificado e aplicado a toda a prova.
Ora, o Recorrente ao sindicar a decisão de facto omitiu o devido confronto com a decisão impugnada e os seus concretos fundamentos.
Tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento dos depoimentos.
Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova e da sua valoração tendo em conta critérios de bom senso, razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio.
Neste contexto, compreende-se que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.
Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal, apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.
Salvo o devido respeito, o Recorrente não atentou verdadeiramente na completa fundamentação da decisão da primeira instância, o escrutínio da razão de ciência que nela se fez e a clara explicação das razões que estiveram na base da convicção do julgador.
Resulta, pois, do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida no que se refere à factualidade impugnada, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido.
Não assiste, assim, razão ao Recorrente na impugnação da matéria de facto.
*
3.2.3. Da subsunção jurídica
Permanecendo incólume a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto, nenhuma censura há a fazer à decisão sindicanda, onde foi feita, correta e devidamente, a subsunção dos factos provados ao direito.
Na verdade, do quadro fáctico assente resulta que em data situada entre o dia 19 de Fevereiro e meados de Março de 2016, o réu pediu emprestada ao autor a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), que o autor entregou ao réu em dinheiro, ficando acordado entre as partes a restituição desta quantia.
Como decorre da sua regulamentação legal (artigo 1142º e seguintes do Código Civil) o mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. É um contrato real quod constitutionem, que só fica perfeito com a entrega do dinheiro ao mutuário.
Face a tal factualidade, encontram-se preenchidos todos os elementos previstos em tal normativo, pelo que entre autor e réu foi celebrado um contrato de mútuo, tendo por objecto aquela quantia de €25.000,00.
Por outro lado, dispõe o artigo 1143º do Código Civil, na redação introduzida pelo DL n.º 116/2008, de 04 de Julho, em vigor à data dos factos em causa nos autos, que sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário.
No caso em apreço, o valor do montante entregue pelo autor ao réu é de €25.000,00, pelo que o mútuo só seria válido se reduzido a documento escrito assinado pelo mutuário, o que não sucedeu.
Consequentemente, por inobservância da forma legalmente exigida, o contrato em causa é nulo nos temos do artigo 220º do Código Civil.
Por força da nulidade do mútuo celebrado, o réu encontra-se obrigado a restituir ao autor a quantia que lhe foi entregue, em conformidade com o disposto no artigo 289º, nº1 do Código Civil, ficando assim naturalmente prejudicada a apreciação da sua pretensão com base no instituto do enriquecimento sem causa, que tem carácter subsidiário (cfr. artigo 474º do mesmo Código).
Nestes termos, a pretensão do autor procederá quanto à quantia de €25.000,00.
Consequentemente, nesta parte, improcede os termos da apelação quer do autor quer do réu.
Quanto à litigância de má fé:
No que respeita à litigância de má fé por parte do réu, não há ainda decisão definitiva sobre tal questão, na medida em que o tribunal a quo determinou a notificação do réu para se pronunciar sobre a verificação em concreto dos pressupostos da sua condenação como litigante de má fé, em obediência ao princípio do contraditório consagrado no artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil e ao princípio da proibição da indefesa.
Os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria ainda não decidida pelo tribunal a quo.
A litigância de má fé colocada no recurso traduz questão ainda não apreciada pelo tribunal recorrido, estando, portanto, a este tribunal de recurso vedado o seu conhecimento.
Quanto à condenação do autor como litigante de ma fé.
O tribunal a quo condenou o autor como litigante de má fé no pagamento de uma multa equivalente a 5 Uc,s por entender, com base no doc. 10 da p.i., que ao alegar que o réu lhe restituiu em 16 de fevereiro de 2016 o valor total dos empréstimos que lhe havia feito durante os anos de 2014 e 2015, alegou factos falsos e que são do seu conhecimento pessoal, porque tal entrega teria ocorrido até 15 de julho de 2015.
Considera, todavia, o Recorrente que, a factualidade retratada pelo doc. 10 é materialmente falsa, o que, ademais, foi confessado também pelo Réu, quer porque a restituição não ocorreu em 15 de julho de 2015, quer porque inexistiu qualquer outro recibo, apesar de também isso se declarar no doc. 10 da p.i.
Conclui, assim, que ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, o autor alegou exatamente aquilo que se passou entre ele e o réu, independentemente do teor do doc. 10 da p.i. e independentemente da perceção, errada, do tribunal “a quo” quanto aos factos.
O artigo 8º do Código de Processo Civil estabelece que as partes devem agir de boa-fé.
A lei atribui aos sujeitos processuais o direito de solicitar ao Tribunal uma determinada pretensão, todavia esta deve ser apoiada em factos e razões de direito de cuja razão esteja razoavelmente convencido, sob pena de haver lugar à sua responsabilização (princípio da auto-responsabilidade das partes).
É nestes princípios que assenta o instituto da litigância de má-fé, consagrado nos artigos 542.º e seguintes do Código Processo Civil o qual visa sancionar uma conduta processual das partes censurável, por desconforme ao princípio da boa-fé pelo qual as mesmas devem reger a sua conduta.
Corresponde o instituto da litigância de má-fé a uma responsabilidade agravada, que assenta na negligência grave ou dolo do litigante.
Se a parte atuou de boa-fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é lícita e é condenada apenas no pagamento das custas do processo, como risco inerente à sua atuação.
Se a parte procedeu de má-fé, na medida em que sabia que não tinha razão, ou não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume-se como ilícita, configurando um ilícito processual a que corresponde uma sanção, que pode ser penal e/ou civil (multa e indemnização à parte contrária), e cujo pagamento acresce ao pagamento das custas processuais.
Nos termos do disposto no artigo 542.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, tendo uma ou ambas as partes litigado de má-fé, será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária. E nos termos do n.º 2 diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Enquanto as alíneas a) e b) do citado normativo legal se reportam à chamada má fé material ou substancial (direta ou indireta), já as restantes alíneas têm a ver com a má fé processual ou instrumental - Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º., 3ª Ed., p. 457.
Resulta desta disposição legal que não só as condutas dolosas, como também as gravemente negligentes, são sancionáveis
O legislador deixou ainda clara a desnecessidade, quanto à prova, da consciência da ilicitude do comportamento e da intenção de conseguir objetivos ilegítimos (atuação dolosa), bastando que seja possível formular um juízo de censurabilidade - Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., 3ª ed., p. 341.
No entanto, não deve confundir-se litigância de má-fé com:
· a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento;
· a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;
· discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; ou
· com a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr convencer.
Constitui hoje entendimento prevalecente na nossa jurisprudência que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artigo 542º do Código de Processo Civil. Haverá sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, recomendando-se na formulação do juízo sobre essa má fé uma certa prudência e razoabilidade – neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra, de 28.05.2019, disponível em www.dgsi.pt
Conformemente, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave.
No caso, o autor alegou, nomeadamente nos art.s 55º e 56º da petição, que o réu lhe restituiu em 16 de Fevereiro de 2016 o valor total dos empréstimos que lhe havia feito durante os anos de 2014 e 2015. Tal não resultou demonstrado, antes se tendo provado que o pagamento ocorreu até 15 de Julho de 2015. Convicção mantida neste tribunal de recurso.
A alegação deste facto (mormente no que concerne à data), no âmbito do objeto da ação, não configura um facto relevante para a decisão da causa. Ou seja, tal facto não se mostra essencial à verificação dos pressupostos ou requisitos constitutivos do direito invocado.
Por outro lado, decorre de todo o processado a defesa pelo autor da veracidade deste facto, reafirmando a falsidade material do documento onde declarou data diversa. Não cremos, porém, que a circunstância de não ter vingado a afirmação do autor de que a restituição do dinheiro ocorreu em 16 de fevereiro, conduza à conclusão de que alterou, intencionalmente, a verdade dos factos para conseguir, através do recurso à presente ação, obter para si a condenação do réu numa quantia a que sabia não ter direito.
É que a litigância de má-fé exige que quem pleiteia de certa forma tenha a obrigação de saber que não tem razão. Ora, a defesa convicta de uma posição, diversa daquela que a decisão judicial acolheu, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do artigo 542º, do Código de Processo Civil.
Nestes termos, considera-se que o autor não litigou com má fé.
* *
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo réu e parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou o autor como litigante de má fé.
Custas pelos Recorrentes na proporção do decaimento.