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PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO LABORAL
FALTA DE INSCRIÇÃO NA SEGURANÇA SOCIAL
DESCONTO DA TSU
RETENÇÃO DE IRS PELO ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
Sumário
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)
I. Tendo sido por sentença reconhecido um crédito laboral, qualificado como privilegiado e graduado para ser pago em primeiro lugar na insolvência, nada se dispôs então quanto à realização de quaisquer prévios descontos a que o seu pagamento devesse ser sujeito; e consubstanciando este (nomeadamente, quando efectuado por meio de rateio) uma mera operação matemática, a realizar pela secretaria, terá esta que proceder ao mesmo considerando o dito crédito na sua totalidade.
II. Não tendo o insolvente inscrito um seu trabalhador dependente na Segurança Social, não é aquele beneficiário desta; e, por isso, não está obrigado ao pagamento das quantias que seriam contraprestação de um regime previdencial de que não beneficia.
III. Estando sujeitos a IRS os créditos laborais reclamados em sede de insolvência (sendo o trabalhador dependente seu exclusivo e respectivo sujeito passivo), a lei não prevê que o administrador da insolvência proceda à retenção da importância correspondente à aplicação da taxa do dito imposto: essa possibilidade/obrigação está apenas consagrada para a entidade empregadora, enquanto o seja (o que já não sucede com o insolvente, substituído entretanto por um património autónomo, constituído pela massa insolvente).
Texto Integral
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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ACÓRDÃO
I – RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. Nos autos de insolvência pertinentes a X, Mediação Imobiliária, Limitada (de que estes são apenso), foi declarada a insolvência respectiva por sentença de 22 de Junho de 2011; e foram reconhecidos créditos laborais (retribuições, subsídios de férias e de natal, e juros moratórios vencidos) a S. M., no valor global de € 53.325,84, por sentença proferida em 11 de Abril de 2013, sendo ainda qualificados como privilegiados e graduados para serem pagos em primeiro lugar (embora conjuntamente com demais créditos laborais de terceiros).
1.1.2. Apresentada pelo Administrador da Insolvência a proposta de distribuição e de rateio final, nos termos do art. 182.º, n.º 3, do CIRE, da mesma consta o referido crédito laboral de S. M., no valor global de € 53.325,84,; mas propõe-se que se desconte, previamente ao seu pagamento, a quantia de € 5.370,84, a título de pagamento de TSU (à taxa e 11%), e a quantia de € 5.859,10, a título de retensão de IRS (à taxa de 12%), recebendo por isso aquela a quantia líquida de € 42.095,90.
1.1.3. A Credora laboral (S. M.) veio reclamar do mapa de rateio, pedindo nomeadamente que dele fosse excluído qualquer desconto no pagamento do seu crédito (nomeadamente, a título de TSU e de IRS).
Alegou para o efeito, em síntese, nunca a ter a Insolvente inscrito na Segurança Social, não podendo agora proceder-se retroactivamente a essa inscrição, face ao disposto no art. 65.º, n.º 3 do CIRE (que determina a extinção das obrigações declarativas e fiscais, com a deliberação de encerramento da actividade do insolvente).
Acresceria ainda o facto de no seu crédito global reconhecido estarem incluídos juros moratórios (no valor de € 2.430,10) e subsídios de refeição (no valor de € 275,60), uns e outros isentos quer de TSU, quer de IRS.
1.1.4. Foi proferido despacho, indeferindo a reclamação da Credora laboral (S. M.), lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Já relativamente ao mais, não assiste qualquer razão à reclamante, na medida em que os créditos que reclamou e lhe foram reconhecidos dizem respeito a créditos laborais e, por isso, foram verificados como privilegiados, nos termos do artigo 377.º, n.º1, alíneas a) e b), do Cód. do Trabalho – cfr. sentença proferida a fls.120-121 do apenso C. Ora, como créditos laborais estão sujeitos a TSU e IRS, tal como considerado pelo Sr. AI no mapa de rateio. Assim sendo, pelos fundamentos expostos e sem necessidade de outros considerandos, por inúteis, deferindo-se parcialmente procedente a reclamação apresentada, determina-se a retificação do mapa de rateio final, na medida em que ao crédito da ora reclamante não deve ser efetuado o desconto, a favor do Fundo de Garantia Salarial, do valor de €52,60; indeferindo-se, no mais, a reclamação apresentada. Notifique. Oportunamente, deverá o Sr. AI juntar aos autos novo mapa de rateio final devidamente retificado em conformidade com o acima exposto. (…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Credora laboral (S. M.)interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a decisão recorrida e se substituísse por outra, determinando a rectificação do mapa de rateio final, no sentido de não se proceder a qualquer desconto no seu crédito laboral global, a título de TSU e de IRS; e, subsidiariamente, isentar destes os valores respeitantes a subsídios de alimentação/refeição e juros moratórios.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
1 - Encontrando-se verificados e graduados créditos laborais à recorrente, no valor de 53.325,84 €, deve ele ser pago na totalidade, conforme sentença transitada em julgado, não podendo, no mapa de rateio final proceder-se ao desconto de qualquer valor a título de quotizações e/ou imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, sob pena de violação do caso julgado da sentença de verificação e graduação de créditos proferida e transitada em julgado.
2 - Descontar, aquando da elaboração do mapa de rateio final, aos créditos laborais verificados e graduados, quantias a título de IRS e TSU, ou conduzirá ao pagamento de créditos em duplicado, na medida em que podem já estar contemplados nos créditos reconhecidos à Segurança Social e à AT, ou constituirá pagamento de créditos que não foram reclamados.
3 - Ao contrário do que se encontra previsto quanto aos créditos laborais pagos pelo Fundo de Garantia Salarial aos credores laborais, não existe qualquer disposição legal que determine a retenção de quotizações para a Segurança Social e de IRS sobre os créditos laborais a pagar no âmbito do processo de insolvência em resultado da distribuição das verbas resultantes da liquidação de sociedade insolvente.
4 - O Código do IRS, nos seus art.ºs 98.º e 99.º, prevê que “a entidade devedora dos rendimentos” deve proceder à retenção na fonte respeitante aos rendimentos de trabalho dependente. Ora, a entidade devedora, neste caso, era a entidade empregadora, a sociedade insolvente, pelo que era sobre ela que recairia a obrigação de proceder à retenção, mas como o facto tributário – pagamento- que subjaz à dita obrigação se deu na pendência da insolvência, tal obrigação tributária não é da insolvente, sendo certo que, também não é ela quem, na sua veste de entidade empregadora, procederá à disponibilização de rendimentos de trabalho dependente, mas um património autónomo, a massa insolvente, que não é a devedora dos rendimentos.
5 - O RCSPSS (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social) estabelece que o pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço é da responsabilidade das entidades empregadoras, que as devem entregar à Segurança Social até 20.º dia do mês seguinte a que respeitem, pelo que é indubitável que a presente obrigação tributária era da insolvente, que não a cumpriu, e, por isso, constituiria uma dívida da insolvente, que teria de ser reclamada pelo Instituto da Segurança Social, o que nem terá sido o caso (art.ºs 39.º, 42.º e 43.º do citado diploma).
6 - Sem prejuízo, encontram-se prescritos, nesta data, quaisquer valores a incidir a título de TSU sobre as remunerações devidas à recorrente pela insolvente, pelo que, também por essa razão, não pode o Sr. AI proceder ao seu pagamento junto do ISS.
7 - Mais, uma vez que a insolvente não inscreveu a recorrente na Segurança Social, ou melhor, não declarou a sua admissão à Segurança Social, ela não se encontra enquadrada em qualquer regime de segurança social e, por isso, também não tem a qualidade de beneficiária, não sendo possível ao Sr. AI agora proceder a tal declaração e ao pagamento retroactivo das respectivas quotizações devidas pela insolvente, tanto porque tal não é permitido pelo RCSPSS, tanto porque se encontra extinta a obrigação declarativa (art.º 65.º, n.º 3 do CIRE), motivo pelo qual tais valores não devem ser descontados dos créditos a pagar à recorrente.
8 - Ainda que houvesse a possibilidade de o ISS oficiosamente proceder ao seu enquadramento e registo de remunerações, o que não se encontra previsto no RCSPSS, o certo é que também já se encontra caducado o direito do ISS a liquidar as referidas quotizações, outra razão para que não possa ser descontado qualquer valor a título de TSU aos créditos laborais verificados e graduados como privilegiados da recorrente.
9 - De qualquer forma, o crédito verificado e reconhecido à recorrente, no valor de 53.325,84 €, contempla valores que não se encontram sujeitos a pagamento de quotizações para a Segurança Social e IRS, como sejam os juros moratórios, no valor de 2.430,10 €, bem como os valores pagos a título de Subsídio de alimentação dos meses de Fevereiro a Abril de 2008, no valor total de 275,60 €, valores sobre os quais nunca poderia proceder-se a qualquer desconto para pagamento de IRS e TSU.
10 - A decisão em crise violou, entre outras, as seguintes disposições legais: Artº 182º, 173º, 175.º, n.º 1 e 90.º do CIRE; art.º 2.º, n.º 3, al. 2 a contrario, 98.º e 99.º do CIRS; 8.º, 9.º, 29.º, 39.º, 42.º, 46, n.º 3 e n.º 2, al. l) do RCSPS.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações nos autos.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto do despacho que decidiu a reclamação da Recorrente, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:
· Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação da lei (nomeadamente, ao considerar sujeito a prévios descontos, a título de TSU e de IRS, o pagamento do concreto crédito laboral global da Recorrente), devendo ser alterada a decisão proferida (nomeadamente, rectificando-se o mapa de rateio, por forma a que o crédito laboral global que lhe foi reconhecido seja pago na sua totalidade, isto é, sem dedução de quaisquer quantias a título de TSU e de IRS) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Mapa de rateio - Créditos laborais 4.1.1. Mapa de rateio
Lê-se no art. 182.º, n.º 1 do CIRE que, encerrada «a liquidação da massa insolvente, a distribuição e o rateio final são efectuados pela secretaria do tribunal quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta; o encerramento da liquidação não é prejudicado pela circunstância de a atividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa».
Mais se lê, no n.º 3 do art. 182.º citado, que o «administrador da insolvência pode apresentar no processo proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respectiva documentação de suporte, sendo tal informação apreciada pela secretaria».
Logo, nem o administrador fica obrigado a apresentar proposta de rateio nem, fazendo-o, a secretaria fica vinculada a cumpri-la.
Mas, estando em causa a tutela dos interesses dos credores, a secretaria só deve agir em desconformidade com o que lhe for proposto tendo motivos para assim proceder» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 671).
Precisa-se, porém, que a distribuição e o rateio final (dos valores apurados após a liquidação, para pagamento dos créditos reconhecidos e demais encargos legais) far-se-á de acordo com a prévia sentença de verificação e graduação de créditos, proferida nos termos do art. 130.º, n.º 3 do CIRE (isto é, em que, salvo erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, e se graduam os créditos face às características que lhes são próprias e aos critérios legais aplicáveis).
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4.1.2. Créditos laborais - TSU e IRS 4.1.2.1. Taxa Social Única
Pretendendo-se que os trabalhadores por conta de outrem beneficiem de um sistema previdencial, com diversas modalidades, assegurado pela Segurança Social, impõe-se às respectivas entidades empregadoras a sua obrigatória inscrição no mesmo, de forma contemporânea ao início de vigência dos seus contratos de trabalho (arts. 1.º, 5.º, 8.º, 9.º, 24.º e 29.º, todos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social - CRCSPSS -, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro).
Uma vez ocorrida a inscrição, opera-se a vinculação do trabalhador ao sistema previdencial da segurança social; e torna-se beneficiário de um concreto regime/modalidade de protecção social desde que sejam regularmente cumpridas as obrigações contributivas (contribuições e quotizações), que dele constituem contraprestação e que o oneram, bem como à respectiva entidade empregadora (arts. 6.º, 11,º, 12.º e 18.º, todos do CRCSPSS).
Cabe, porém, à entidade empregadora (considerada «entidade contribuinte», para efeitos de segurança social) a responsabilidade pelo pagamento das contribuições e quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, devendo descontar nas remunerações destes as quotizações por eles devidas e remetê-las à Instituição da Segurança Social competente, juntamente com o valor da sua própria contribuição, até ao 20.º dia do mês seguinte a que respeitem (arts. 39.º, 42.º e 43.º, todos do CRCSPSS).
Vindo, porém, a ser declarada a insolvente (a entidade empregadora), e a ser deliberado, pela sua assembleia de credores, o enceramento da sua actividade, extinguir-se-ão nesse momento essas obrigações contributivas.
Com efeito, lê-se no art. 65.º, n.º 3 do CIRE que, com «a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 156.º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da actividade».
«Naturalmente que este regime se justifica somente a partir do encerramento da totalidade da actividade empresarial do devedor. Por isso, quando a lei se refere ao encerramento do estabelecimento, abrange todos os que realmente existam».
Contudo, uma vez verificada a declaração de encerramento com esta amplitude, «extinguem-se todas as obrigações fiscais e declarativas inerentes à atividade do devedor, que, evidentemente, cessa» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, págs. 364 e 365).
Por fim, dir-se-á que, não tendo sido antes reclamadas/exigidas pela Segurança Social as quotizações e contribuições legalmente devidas, a obrigação de pagamento respectivo prescreverá decorridos que sejam cinco anos a contar da data em que deveria ter sido cumprida (art. 63.º, n.º 2, da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto - que aprovou as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social).
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4.1.2.2. Imposto Sobre o Rendimento das Pessoal Singulares - IRS
O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide, nomeadamente, sobre o valor anual dos rendimentos do trabalho dependente; e estão a ele sujeitos as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos (arts. 1.º e 13.º, ambos do CIRS).
Prevê ainda a lei a obrigação de retenção de importâncias correspondentes à aplicação das taxas previstas por conta do imposto sobre o rendimento singular, adstringindo à mesma a entidade devedora dos rendimentos a ele sujeitos, nomeadamente a entidade empregadora de trabalhador por sua conta (arts. 98.º e 99.º, ambos do CIRE).
É o que vulgarmente se denomina de «retenção [do imposto] na fonte [do rendimento a ele sujeito]».
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4.1.2.3. Fundo de Garantia Salarial
Lê-se no art. 336.º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro) que o «pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica».
A mesma corresponde actualmente ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, que aprova o Fundo de Garantia Salarial, transpondo a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.
Lê-se no art. 1.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, que o «Fundo de Garantia Salarial (…) assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja» proferida «sentença de declaração de insolvência do empregador».
Mais se lê, no art. 2.º, do mesmo diploma, que os «créditos referidos no n.º 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação» (n.º 1); mas aos mesmos deduzem-se os «montantes de quotizações para a segurança social, da responsabilidade do trabalhador», e os «valores devidos pelo trabalhador correspondentes à retenção na fonte do imposto sobre o rendimento» (n.º 2).
Assim, e uma vez que nada se estabelece a propósito desta concreta retenção (no pagamento de créditos laborais, no âmbito da insolvência) - quer no CRCSPSS (a propósito das quotizações para a segurança social), quer no CIRS (a propósito do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares) -, tornou-se necessário prevê-la quanto ao pagamento a realizar de tais créditos pelo Fundo de Garantia Salarial.
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Concretizando, verifica-se que, tendo sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, foi reconhecido o crédito laboral global de € 53.325,84 à aqui Recorrente, sendo o mesmo qualificado como privilegiado e graduado para ser pago em primeiro lugar (conjuntamente com outros de idêntica natureza); e nada se dispôs então quanto à realização de quaisquer prévios descontos a que o seu pagamento devesse ser sujeito.
Logo, e consubstanciando esse pagamento - nomeadamente, quando efectuado por meio de rateio - uma mera operação matemática, a realizar pela secretaria, inexistindo qualquer disposição legal que disponha de forma contrária, terá esta que proceder àquele considerando-o na sua totalidade, isto é, € 53.325,84.
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4.2.2. Concretizando novamente, não tendo a Insolvente inscrito a Recorrente, sua trabalhadora dependente, na Segurança Social, não é aquela beneficiária desta; e, por isso, não está obrigada ao pagamento das quantias que seriam contraprestação de um regime previdencial que não se lhe aplica.
Dir-se-á ainda que, recaindo aquela obrigação de inscrição sobre a Insolvente, cabendo-lhe igualmente assegurar o pagamento das contribuições e quotizações referidas (descontando da remuneração da Recorrente o quantitativo que lhe caberia), apenasela é responsável pelo incumprimento da respectiva obrigação tributária.
Assim, pretendendo a Segurança Social reaver estes seus créditos (repete-se, sobre a Insolvente), teria que os ter reclamado no âmbito da insolvência, sendo certo que neste momento a referida obrigação de pagamento já se encontra prescrita.
Dir-se-á, por fim, que estando há muito encerrada a actividade da Insolvente, e extintas as suas obrigações declarativas e fiscais, também não poderia agora o Administrador da Insolvência proceder à retroactiva inscrição da Recorrente.
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4.2.3. Concretizando uma derradeira vez, e estando indubitavelmente sujeitos a IRS os créditos laborais da Recorrente (sendo ela própria exclusivo e respectivo sujeito passivo), certo é que a lei não prevê/autoriza que o administrador da insolvência proceda à retenção da importância correspondente à aplicação da taxa própria (a título de adiantamento por conta do dito imposto).
Com efeito, essa possibilidade/obrigação está apenas consagrada para a entidade empregadora, enquanto o seja, o que manifestamente já não sucede com a Insolvente, que há muito cesso a sua actividade e que neste momento se mostra substituída por um património autónomo, constituído pela massa insolvente.
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Conclui-se, assim, que importando cumprir a sentença de verificação e graduação de créditos, onde nada se dispõe quanto a eventuais descontos a realizar no pagamento dos créditos laborais (nomeadamente, a título de TSU e de IRS), e não sendo os mesmos impostos - ou sequer autorizados - por lei, terá o crédito laboral global de € € 53.325,84, reconhecido à Recorrente, que lhe ser pago sem eles.
Deverá, por isso, decidir-se em conformidade, julgando procedente a apelação da Credora laboral (S. M.).
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V – DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto por S. M. e, em consequência, em
· Revogar a decisão recorrida, ordenando agora a rectificação do mapa de rateio, por forma a que deixem de constar aí quaisquer descontos, a título de TSU e de IRS, a fazer no pagamento do crédito laboral global de € 53.325,84, previamente reconhecido à Recorrente (S. M.).
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Sem custas (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).
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Guimarães, 21 de Janeiro de 2020.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.