CRIME CONTINUADO
PLURALIDADE DE CRIMES ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA PLURIOCASIONALIDADE
Sumário

De acordo com a disposição do nº 2 do art. 30º do CP agora transcrito, a figura do crime continuado está pensada em função de condutas empiricamente distintas, que são, por via de uma operação jurídica, reunidas num único crime, pela razão de terem ocorrido no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Ora, a situação factual apurada nos autos constitui, a bem dizer, o contrário da hipótese figurada, pois temos uma conduta empiricamente única que é juridicamente desdobrada numa pluralidade de crimes, tantos quantos os ofendidos.
De todo modo, mesmo que se entenda que a figura do crime continuado pode ainda assim aplicada, em abstracto, a condutas empiricamente únicas, desdobradas numa pluralidade de crimes, sempre faltaria, no caso concreto, a diminuição considerável da culpa do agente, que é a razão de ser do instituto penal, a quer nos vimos reportando.
Assim sendo, terá de improceder a pretensão do recorrente, no sentido de responder por um crime continuado, mantendo-se o decidido pelo Tribunal «a quo», relativamente à pluralidade de infracções.
A atenuação especial da pena visa acorrer às situações em que, por força da diminuição do grau de ilicitude, da culpa do agente ou da necessidade da pena, a moldura penal abstracta correspondente a determinado crime se torne manifestamente excessiva e reclame a imposição de um quadro punitivo menos gravoso.
O recorrente foi condenado pela prática de um crime simples de roubo, a que é cominada uma penalidade abstracta de 1 a 8 anos, pelo nº 1 do art. 210º do CP, e de um crime de roubo agravado, a que corresponde uma moldura punitiva de 3 a 15 anos de prisão, por força do nº 2 do mesmo artigo.
Confrontada a factualidade provada, não vislumbramos qualquer elemento, que, por si mesmo ou conjugado com outros, pudesse exercer sobre a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena um efeito justificativo do aligeiramento do quadro punitivo.
No presente processo, estão em causa dois crimes de roubo praticados na mesma ocasião, num único episódio delituoso, e o arguido não possui antecedentes criminais.
Como tal, encontramo-nos seguramente no domínio da pluriocasionalidade e muito longe de qualquer tendência para a prática de crimes, o que é favorável ao arguido.

Texto Integral

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório

No Processo Comum nº 126/15.6GBTVR, que correu termos no Juízo Central Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, por acórdão do Tribunal Colectivo proferido em 18/10/2019, foi decidido:

1. Absolver o arguido C… do crime de roubo agravado previsto e punível pelo artigo 210º, nº 1 e 2, alínea a) do Código Penal, mas, procedendo à alteração da qualificação jurídica dos factos:

1.1. Condená-lo como coautor material de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b), 204º, nº 2, alínea e) e 202º, alínea c) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão [caso de E…];

1.2. Condená-lo como coautor material de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão [caso de C…];

2. Procedendo ao cúmulo jurídico das penas acima aplicadas, condenar o arguido C… na pena de 6 (seis) anos de prisão;

Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:

1. No dia 20 de março de 2015, cerca das 05:00 horas, o arguido C…, em conjugação de esforços e de forma concertada com mais três indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, mediante um plano previamente delineado entre eles, dirigiram-se à residência de C… (nascida no dia …), de M… (nascido no dia …) e do filho de ambos, E… (nascido no dia …), sita no Sítio da …, caixa postal nº …, …, com o propósito de retirarem quantias monetárias e quaisquer outros objetos de valor que estivessem na posse destes;

2. Ali chegados, o arguido C… ou um dos seus acompanhantes desferiu uma pancada na porta de entrada da habitação (que estava fechada à chave), quebrando-a na zona da fechadura;

3. De imediato, o arguido C… e os seus acompanhantes entraram na casa;

4. Uma vez no interior da residência, o arguido ou um dos seus acompanhantes dirigiu-se ao quarto de M…, onde este estava acamado e começou a remexer os móveis à procura de dinheiro ou outras coisas de valor;

5. Entretanto, C… dirigiu-se à sala onde se deparou com o arguido ou um dos seus acompanhantes que a agarrou pelos antebraços;

6. Enquanto decorriam os factos descritos em 4 e 5 supra, o arguido e outro dos indivíduos que o acompanhava ou duas das pessoas que acompanhavam o arguido dirigiram-se ao quarto de E…, agarraram-no e prenderam-lhe as mãos e os pés com panos e sentaram-no no chão, tendo um dos dois indivíduos desferido vários socos no corpo de E…. Após, um dos dois indivíduos que estava no quarto de E… saiu de tal divisão da casa, tendo ali permanecido o outro indivíduo que lhe perguntou onde estava o dinheiro. O E… respondeu que o dinheiro estava debaixo do colchão, tendo o indivíduo retirado de tal local a quantia de pelo menos € 300,00 (que pertenciam a E…). De seguida, o mesmo indivíduo começou a remexer o quarto e, quando estava a remexer a mesinha de cabeceira verificou que E… estava a olhar para ele. Nessa altura, o indivíduo desferiu dois pontapés na cara (lado direito) de E…. Após, o mesmo indivíduo detetou e retirou cerca de 200 moedas de € 2,00 cada que estavam guardadas num cabaz no quarto de E… e que a este pertenciam;

7. Posteriormente, os demais três indivíduos, depois de remexerem os móveis da sala em busca de dinheiro, levaram C… para o quarto de E… e, nesse local, amarraram as mãos de C… atrás das costas com um pano;

8. Depois, o arguido e os três indivíduos saíram daquele quarto, levando com eles C…, a quem, na sala, amarraram os pés com panos ou peças de roupa e, um deles, retirou a C… os brincos em ouro que esta usava nas orelhas (cujo valor não foi possível apurar, mas não superior a € 102,00);

9. Após, o arguido e os três indivíduos que o acompanhavam saíram da casa levando com eles o dinheiro e os brincos referidos supra;

10. Em consequência do descrito comportamento do arguido e dos seus três acompanhantes E… sofreu dor à compressão da grelha costal, traumatismo crânio maxilo-facial, com fraturas das paredes externa, interna e anterior do seio maxilar direito com hemossinus e fratura da arcada zigomática homolateral, volumosos hematomas periorbitario e maxilar direito com efisema subcutâneo, múltiplas fraturas dos ossos próprios do nariz, tendo sido sujeito a cirurgia com implantação de material de osteossíntese (com placas e parafusos);

11. Em consequência do descrito comportamento do arguido e dos seus três acompanhantes C… sofreu vários hematomas e edemas na cabeça e contusões nos braços e pernas, vários hematomas na face (um hematoma na hemiface direita que mede 2x1,5 cm; um outro hematoma que mede 5x4 cm na região mentoniana; um terceiro hematoma no dorso do nariz; um hematoma na hemiface esquerda que mede 1,5x1 cm) e dor à compressão torácica. Tais lesões demandaram 15 dias para cura sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional;

12. O arguido C… agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, atuando com o propósito de se apropriar da quantia monetária e brincos pertencentes, respetivamente, a E… e a C…, bem sabendo que não lhes pertenciam e que utilizava violência sobre as vítimas como forma de facilitar os seus intentos, o que conseguiu;

Outros factos resultantes da discussão:

13. C… é recluso no Centro Peneticiário de …, onde se encontra em prisão preventiva;

14. C…, natural da Roménia, há cerca de 18 anos (quando ainda era menor de idade), passou a residir, junto com a sua família (composta pelos pais, atualmente com 52 anos de idade, e 5 filhos), no Reino de Espanha;

15. C… é o segundo da fratria de cinco (sendo que dois dos irmãos se encontram autonomizados e os outros dois residem ainda com os pais);

16. Mantém, desde há 14 anos, uma relação marital com N…, de 28 anos de idade (sua esposa). Deste relacionamento nasceram três filhos: F…, de 12 anos, A…, de 10 anos e S…, de 4 anos;

17. Existem fortes laços entre C… e os seus familiares. Durante a sua permanência no estabelecimento prisional, o arguido tem recebido de praticamente de todos os seus familiares dinheiro e todas as atenções que as regras da instituição permitem;

18. O agregado familiar de C… vivia numa casa arrendada, situada em …;

19. Entretanto, o arrendamento cessou, tendo o agregado familiar se instalado – enquanto perdurar a situação de reclusão do arguido – numa casa de familiares de C…, sita em …, muito perto da casa onde residem os sogros e cunhados do arguido:

20. O meio familiar tem as características próprias da população imigrante, sem estar referenciado com aspetos de conflitualidade e antecedentes criminais e de dependência de drogas;

21. Praticamente todos os familiares maiores de idade, incluindo a esposa do arguido, trabalham com regularidade em tarefas agrícolas, constituindo esta atividade a fonte de rendimento dos respetivos agregados familiares;

22. O arguido frequentou a escolaridade até aos 14 anos de idade. O seu percurso escolar não foi satisfatório, tendo abandonado o ensino sem obter qualquer título académico;

23. O arguido, à semelhança dos seus familiares, trabalhava com certa regularidade em tarefas agrícolas: durante praticamente todo o ano trabalham na colheita de morangos, azeitonas e uvas, consoante a respetiva época. O arguido trabalhou durante um largo período no abate de árvores de floresta e manipulação da madeira assim obtida;

24. O arguido tem cotizações do sistema de segurança social espanhol;

25. No estabelecimento prisional onde é recluso, o arguido não regista quaisquer sanções e tem averbadas 10 recompensas por participação em atividades;

26. Atualmente e desde 18/08/2016, C… desempenha (com carácter remunerado) no setor do economato central (cargas e descargas) e frequenta os módulos de resposta obrigatória com plena adaptação ao respetivo programa;

27. C… está preso desde 15/06/2015. Desde que ingressou no centro penitenciário que se mostra adaptado ao regime institucional e recetivo ao tratamento. É colaborador e participativo. O relacionamento do arguido com reclusos com características semelhantes é feito sem quaisquer problemas.

28. No ano de 2015/2016 frequentou, a pedido do Serviço de Estrangeiros, um curso escolar de espanhol para estrageiros;

29. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

O mesmo acórdão julgou os seguintes factos não provados:

I. À casa de C…, M… e E… corresponde a caixa postal nº …;

II. Foi o arguido C… conjuntamente com os três indivíduos que o acompanhavam a quebrar a porta da entrada da residência, tendo-se demonstrado o que está descrito em 2 dos factos provados;

III. A pancada referida em 2 dos factos provados destruiu a fechadura da porta de entrada, tendo-se demonstrado apenas o que está descrito no aludido pondo dos factos provados;

IV. Logo que entraram na residência, o arguido C… conjuntamente com os três indivíduos que o acompanhavam dirigiram-se a C…;

V. O arguido ou algum dos seus três acompanhantes tenha desferido murros em C… ou lhe tenha afirmado que a matavam e ao seu marido se não lhes entregasse dinheiro e ouro;

VI. O arguido e seus acompanhantes tenham vasculhado toda a residência, tendo-se demonstrado apenas o que está descrito nos factos julgados provados;

VII. O arguido C… e os três indivíduos que o acompanhavam rasgaram uma camisa de dormir de C… e foi com ela (rasgada) que lhe ataram as mãos às suas pernas, tendo-se apenas demonstrado o que está descrito em 7 e 8 dos factos julgados provados;

VIII. O arguido e os três indivíduos que o acompanhavam amarraram o pescoço de C… com um cinto, tendo-se apenas demonstrado o que está descrito em 7 e 8;

IX. Só após terem atado as mãos e pés de C… é que o arguido e/ou os seus acompanhantes se dirigiram ao quarto de E…;

X. Foram o arguido e os seus três acompanhantes a desferirem socos e pontapés no E… e bem assim a amarrá-lo, tendo-se antes demonstrado o que está descrito em 6 dos factos provados;

XI. Foram o arguido e os seus três acompanhantes a dizerem a E… para este revelar onde estava o dinheiro e o ouro, tendo-se demonstrado apenas – no que se refere ao dinheiro – o que está descrito em 6 dos factos provados;

XII. O arguido ou algum dos três indivíduos que o acompanhavam disse a E… para dizer onde estava o ouro;

XIII. O arguido e seus três acompanhantes exibiram a C… e a E…, no quarto deste, uma faca;

XIV. O arguido e os três acompanhantes, no quarto do E…, disseram a este e a sua mãe para lhes entregarem quantias monetárias e ouro que tivessem na sua posse, tendo-se apenas demonstrado o que está descrito em 6 dos factos julgados provados;

XV. O arguido C… e os três indivíduos que o acompanhavam encontraram a quantia monetária de € 1 200,00 pertencentes a C…;

XVI. O arguido e os três indivíduos que o acompanhavam arrancaram os brincos de ouro ostentados por C…, tendo-se antes demonstrado o que está descrito em 8 dos factos provados;

XVII. O arguido e os três indivíduos que o acompanhavam saíram do local levando com eles a quantia de € 1 200,00 referidos supra;

Do acórdão proferido o arguido C… veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:

1. O Recorrente foi condenado pela prática de Dois crimes de roubo em coautoria em (02) Crimes de Ofensa à Integridade Física Simples, previsto e punido pelo.

2. O presente Recurso tem por Objecto a Matéria de Direito, circunscrevendo-se neste aspecto à Escolha da Pena, à Atenuação Especial da Pena e à Medida Concreta da Pena aplicada, pelo Distinto Tribunal a quo, em 1.ª Instância ao Recorrente.

3. O Recorrente chegou a Julgamento acusado de crimes diferentes pelos quais foi condenado

4. Efectuado o Julgamento e produzida a Prova que suportava a querela do Ministério Público, e também a que abonava o seu carácter, optou o Recorrente por não comparecer atendendo a que esta detido em Huelva

5. Mas isso não quer dizer que não tem a Consciência da sua eventual ilicitude da sua conduta

6. Estamos perante um crime a existir continuado e não dois crimes

7. Alias a qualificação jurídica esta errada, estamos perante crime de integridade física qualificada e não de roubo

8. No que respeita à Escolha da Pena aplicada, do teor da Douta Sentença Recorrida, decorre que o Tribunal a quo entendeu que pese embora a circunstância do caso permitisse censurar a conduta do Recorrente com uma pena efectiva, esta deveria ser bastante diferente

9. No entanto, conforme decorre do Artigo 210º do Código Penal e do Artigo 70.º do Código Penal resulta que se ao Crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, já o Artigo 40.º do Código Penal preceitua que a aplicação de penas e de medidas de segurança visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

10. Por conseguinte, no caso dos Autos havia pois que fazer um juízo de prognose em ordem a concluir pela suficiência ou insuficiência de aplicação da pena suspensa permite aplicar em alternativa à pena privativa da liberdade. Sucede que, em entender o Recorrente, tal juízo foi feito mas de forma incorrecta.

11. Ademais foram feitos dois juízos de prognose, completamente contraditórios: o primeiro favorável ao arguido quando se tratou de optar entre a pena privativa ou não privativa da liberdade; o segundo desfavorável, quando se tratou de substituir a pena de prisão aplicada por pena prisao suspensa. É caso então para perguntar porque é que se fez um juízo de prognose favorável ao arguido quando se tratou de substituir a pena de prisão efectiva pela sua suspensão da sua execução, e não se fez o mesmo juízo de prognose favorável quando se tratou de escolher entre a pena de multa e a pena de prisão, sendo certo que se veio a considerar que a substituição da prisão suspensa na sua execução não respondia cabalmente às exigências de prevenção que o caso convoca.

12. O arguido não tem qualquer antecedente criminal .

13. Deste modo, nada impede que se opte por condenar o Recorrente numa pena de suspensa relativamente a este Ilícitos pelos quais foi condenado pelo Tribunal a quo, o que a ser desse modo, ficariam assim satisfeitas as necessidades de retribuição e prevenção que o caso impunha, não havendo necessidade de ter optado pela pena de prisão. Até porque, como se conclui, o Recorrente está familiar, social e profissionalmente integrado.

14. Razão pela qual, se entende que a pena aplicada nos presentes Autos é excessiva e violadora dos princípios da proporcionalidade, da necessidade e da subsidiariedade, assim como desajustada das exigências de prevenção geral e especial que in casu se fazem sentir, sendo que com aplicação de uma pena menos gravosa (a pena de multa), sempre resultariam perfeitamente prosseguidas tais exigências de prevenção, realizando-se, por este meio, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Assim, entende o Recorrente que, no enquadramento que foi feito dos factos, não se teve em linha de conta o estatuído nos Artigos 40º e seguintes, 70.º e 71.º, ambos do Código Penal, que se mostram assim violados.

15. No que respeita à Atenuação Especial da Pena, refira-se que, analisado o teor da Douta Sentença Recorrida, e a Prova produzida em Audiência, junta aos Autos e vertida nos factos dados por provados, constata-se, com elevado e respeitoso reparo, existirem elementos especialmente Atenuadores da Pena aplicada ao Recorrente que não foram levados em conta na Decisão final. Efectivamente, existiram circunstâncias Prévias, Contemporâneas e Posteriores que, com o merecido respeito, não se vislumbram terem sido consideradas.

16. Desde logo resulta, quer das Declarações do Recorrente, que a força motriz da decisão criminosa do Recorrente adveio dos problemas familiares que à data atravessava com o seu processo de divórcio, álcool, bem assim, como do estado depressivo que vivenciava, hoje já tudo ultrapassado.

17. De igual modo, não pode deixar de ser atendido o facto de que as agressões perpetradas contra os ofendidos não terem resultado lesões permanentes e sequer duradouras e não tem sido realizadas por si - quando comparado com outros Autos em que as agressões são muito mais graves com lesões permanentes e duradouras.

18. Deste modo, bem vistas e consideradas estas circunstâncias, não será difícil a V/Ex.ªs alcançarem, no Vosso Douto entendimento, que o Recorrente praticou o crime pelo qual foi condenado, não por mero capricho criminoso, mas porque atravessava à data problemas pessoais e familiares e álcool que o desestabilizaram de tal modo que naquele dia, local e hora não se conteve na discussão do trânsito e agrediu os ofendidos. Por conseguinte, tidas por preenchidas as exigências da Atenuação Especial da Pena deveria o Tribunal a quo, em sede de Sentença, não optando pela pena de multa, ter atenuado o quantum condenatório dos Crimes em que o condenou.

19. No que respeita à Medida Concreta da Pena, refira-se seis anos de prisão, aplicada em cúmulo jurídico pelo Distinto Tribunal a quo se preconiza como excessiva, peticionando-se outra mais benévola a V/Ex.ªs, sem todavia se ter a pretensão de Vos indicar qual.

20. Com efeito, quanto a este ponto, impõe-se afirmar que a Pena é naturalmente desproporcional e desadequada perante as necessidades de justiça que o caso de per si reclama, Sobretudo se se estabelecer uma comparação e analogia com outros Autos, similares e idênticos, em que as Penas aplicadas não raras vezes, por agressões bem mais graves, senão em pena de multa, são manifestamente inferiores àquela que lhe foi aplicada.

21. O Direito não é matemática nem ciência exacta, é certo, porém a Justiça impõe e a Sociedade reclama que casos idênticos, senão iguais, sejam censurados em sede de Culpa e Medida da Pena em quantuns senão iguais pelo menos aproximados. O que bem vistas as coisas não ocorreu na Sentença Recorrida, para mais quando são conhecidos - e V/Ex.ªs sabê-lo-ão melhor que o Recorrente - outros Autos em que as Penas aplicadas em iguais circunstâncias por maiores e mais graves agressões foram, e ainda que não se compreenda e aceite hão-de continuar a ser, inferiores à que foi aplicada ao Recorrente pelo Tribunal a quo.

22. É pois este o ponto em que assenta a pretensão do Recorrente: Não lhe sendo aplicada uma Pena Suspensa na sua Execução, será necessário para a tutela da Prevenção Geral, aplicar Pena tão elevada a este homem, aqui Recorrente da Vossa Justiça, quando em outros Autos de iguais circunstâncias e por maiores e mais graves agressões são aplicadas Penas inferiores àquela que lhe foi aplicada?

23. Deste modo acredita-se que outra Pena, em concreto mais benévola e sob a espécie de Pena Suspensa na sua Execução logo mais Justa, será a adequada a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica, não se frustrando a Justiça com isso, antes pelo contrário, será ela sem qualquer dúvida a sua grande vencedora!

24. Razão pela qual o Recorrente discorda, para lá da espécie, da dosimetria da Pena que lhe foi aplicada, e pugna, no essencial, por outra mais adequada aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama, nomeadamente uma Pena Suspensa na sua Execução ou caso assim não se entenda, uma Pena de Prisão inferior à que lhe foi aplicada pelo Tribunal a quo.

Em suma, nos presentes Autos, não só ficou cabalmente provado que o Recorrente praticou os Crimes pelos quais foi condenado como foi demonstrado que a circunstância em que o praticou, não sendo nobre, comporta factos que lhe permitem aplicar uma Pena Suspensa na sua Execução assim não se entendendo, atenuar e alterar a Pena de Prisão que lhe vier a ser aplicada para um quantum inferior àquele que lhe foi aplicado pelo Tribunal a quo.

Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que os Venerandos Desembargadores da Relação de Lisboa suprirão, deve o presente Recurso do Recorrente obter Provimento e, em consequência, ser aplicada uma Pena Suspensa na sua Execução por conta das factualidades dadas por provadas na Sentença Recorrida;

Ou caso assim não se entenda, o que só mera hipótese académica se concede, Atenuada Especialmente a Pena que lhe foi aplicada e, em conformidade, Alterada a Medida da Pena, diminuindo-se a mesma para um quantum inferior àquele que lhe foi aplicado pelo Tribunal a quo.

Desse modo, farão V/Ex.ªs a Costumada Justiça que Vos rotula!

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.

O MP respondeu à motivação do recorrente, formulando as seguintes conclusões:

1 – Por Acórdão de 18/10/2019, proferido a fls. 1059 a 1080 dos autos à margem supra referenciados, foi decidido pelo Tribunal Coletivo condenar o arguido C…:

- pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º n.º 1 e 2 al. b) do Código Penal, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão;

- pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

2 – E, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares de prisão, foi decidido pelo Tribunal Coletivo condenar o mesmo arguido na pena única de 6 anos de prisão.

3 – A matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo – nomeadamente pontos n.º 1 a 9 e 12 – integra, relativamente à conduta do arguido ora recorrente C…, os elementos objetivos e subjetivos do crime de roubo previsto no artigo 210º, n.º 1 do Código Penal.

4 – Por outro lado, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 30º do Código Penal, o arguido incorreu na prática, em concurso efetivo, de dois crimes de roubo – já que estamos em presença de dois ofendidos.

5 – Sendo que levando em linha de conta que o crime de roubo visa também tutelar bens eminentemente pessoais, nunca a conduta do recorrente, que preenche por duas vezes o mesmo tipo de crime, poderia ser “unificada” por via da figura do crime continuado, atento o disposto no artigo 30º, n.º 3 do Código Penal.

6 – Pelo que o douto Acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura quando considerou que a conduta do arguido ora recorrente C…, preenchia por duas vezes os elementos típicos do crime previsto no artigo 210º, n.º 1, do Código Penal – roubo – sendo um deles agravado por força do disposto nos artigos 210º, n.ºs 1 e 2 al. b) e 204º, n.º 2 al. e), ambos do Código Penal.

7 – Além disso, na determinação daquela pena conjunta o Tribunal Coletivo valorou corretamente e no seu conjunto os factos e a personalidade do agente.

8 – Por seu turno, na determinação das penas parcelares o Tribunal Coletivo valorou todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor ou contra o arguido.

9 – Nomeadamente, o acentuado grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido, a elevada intensidade do dolo, a sua presente situação familiar e pessoal, a ausência de antecedentes criminais da sua parte, bem como as prementes exigências de prevenção de futuros crimes.

10 – Por outro lado, quanto à determinação da pena conjunta, considerou-se no douto Acórdão objeto de recurso a circunstância dos crimes terem sido praticados de forma simultânea, a natureza dos mesmos, os antecedentes criminais do arguido, bem como a sua personalidade e situação familiar e pessoal.

11 – Pelo que o douto Acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura na apreciação que fez das circunstâncias relevantes para a determinação de cada uma das penas parcelares e da pena conjunta de 6 anos de prisão que aplicou ao recorrente.

Nestes termos deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido C…, confirmando-se o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos.

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V.Exªs farão, como sempre, JUSTIÇA!

O Digno Magistrado do MP junto desta Relação emitiu parecer sobre o recurso em presença, no sentido da respectiva improcedência.

O parecer emitido foi notificado ao recorrente, a fim de se pronunciar, tendo exercido o seu direito de resposta, no sentido de reafirmar a posição assumida na motivação.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação

Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância do acórdão recorrido, expressa pelo recorrente nas suas conclusões, versa apenas sobre matéria de direito e desdobra-se nas seguintes questões:

a) Impugnação do enquadramento jurídico-criminal dos factos, quanto ao número de crimes preenchidos;

b) Atenuação especial da pena;

c) Diminuição da medida da pena;

d) Suspensão da execução da pena de prisão.

Iremos conhecer das questões suscitadas pelo recorrente, pela ordem em que as enunciámos, que se nos afigura ser a da propriedade lógica da sua cognição.

Quanto ao número de infracções, pretende o recorrente ser punido por um único crime continuado, ao invés de dois crimes de roubo, sendo um deles agravado, conforme se decidiu no acórdão sob recurso.

Em matéria de unidade e pluralidade de infracções, o art. 30º do CP dispõe:

1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.

O tipo criminal fundamental do roubo é assim definido pelo nº 1 do art. 210º do CP:

Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

De acordo com a disposição do nº 2 do art. 30º do CP agora transcrito, a figura do crime continuado está pensada em função de condutas empiricamente distintas, que são, por via de uma operação jurídica, reunidas num único crime, pela razão de terem ocorrido no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

Ora, a situação factual apurada nos autos constitui, a bem dizer, o contrário da hipótese figurada, pois temos uma conduta empiricamente única que é juridicamente desdobrada numa pluralidade de crimes, tantos quantos os ofendidos.

De todo modo, mesmo que se entenda que a figura do crime continuado pode ainda assim aplicada, em abstracto, a condutas empiricamente únicas, desdobradas numa pluralidade de crimes, sempre faltaria, no caso concreto, a diminuição considerável da culpa do agente, que é a razão de ser do instituto penal, a quer nos vimos reportando.

Assim sendo, terá de improceder a pretensão do recorrente, no sentido de responder por um crime continuado, mantendo-se o decidido pelo Tribunal «a quo», relativamente à pluralidade de infracções.

Os pressupostos da atenuação especial da pena vêm previstos no art. 72º do CP:

1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:

a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;

b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;

c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;

d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.

3 - Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.

A atenuação especial da pena visa acorrer às situações em que, por força da diminuição do grau de ilicitude, da culpa do agente ou da necessidade da pena, a moldura penal abstracta correspondente a determinado crime se torne manifestamente excessiva e reclame a imposição de um quadro punitivo menos gravoso.

O recorrente foi condenado pela prática de um crime simples de roubo, a que é cominada uma penalidade abstracta de 1 a 8 anos, pelo nº 1 do art. 210º do CP, e de um crime de roubo agravado, a que corresponde uma moldura punitiva de 3 a 15 anos de prisão, por força do nº 2 do mesmo artigo.

Confrontada a factualidade provada, não vislumbramos qualquer elemento, que, por si mesmo ou conjugado com outros, pudesse exercer sobre a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena um efeito justificativo do aligeiramento do quadro punitivo.

Nesta conformidade, inexiste fundamento legal para a pretendida atenuação especial de pena, improcedendo o recurso também nesta parte.

Passemos agora à medida das penas.

O acórdão em crise condenou o arguido C…, pela prática de:

- Um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º nº 1 do CP, em detrimento de C…., na pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão;

- Um crime de roubo agravado p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 210º nºs 1 e 2 al. b), 204º nº 2 al. e) e 202º al. c) do CP, na pessoa de E…, na pena parcelar de 4 anos e 9 meses de prisão;

- Em sede de cúmulo jurídico, na pena global de 6 anos de prisão.

Os critérios, que devem presidir à quantificação da pena concreta, são os estabelecidos pelo art. 71º do CP, o qual, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estatui:

1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

O nº 1 do art. 40º do CP estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e o nº 2 do mesmo normativo prescreve que em caso algum a pena ultrapasse a medida da culpa.

Os termos da punição do concurso de crimes são definidos pelo art. 77º do CP:

1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 – A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Para fundamentação do juízo de escolha e determinação da medida das penas, parcelares e única, em que foi condenado o arguido, o acórdão recorrido expende (transcrição com diferente tipo de letra):

Da determinação da espécie e medida da pena:

O enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, assim efetuado, permite encontrar a moldura penal a partir da qual se estabelecerão as penas concretas, que deverão corresponder à culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes (artigo 71º do Código Penal).

Na fixação da pena concreta, ter-se-á em conta, para além da culpa, o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo e a situação pessoal e a anterior conduta do arguido.

O crime de roubo é punível com pena de prisão de 1 a 8 anos.

O crime de roubo agravado é punível com pena de prisão de 3 a 15 anos.

As exigências de prevenção de futuros crimes são prementes, tendo em conta o número de crimes destes tipos que diariamente são cometidos em Portugal.

Os antecedentes criminais do arguido (inexistentes) não revelam especiais exigências de prevenção especial.

A ilicitude do facto, em ambos os casos, mostra-se muito acentuada.

A culpa revela-se igualmente muito intensa quando perspetivada do ponto de vista da vontade.

Na determinação da pena o Tribunal ponderará a circunstância de o crime ter sido cometido:

a) De forma planeada;

b) Durante a madrugada;

c) Com o concurso de quatro agentes;

d) A natureza do espaço onde o crime foi cometido [sendo certo que a circunstância prevista na alínea e) do nº e do artigo 204º do Código Penal já foi considerada para qualificar co crime como roubo agravado, não é menos certo que, na determinação da espécie e medida da pena não é indiferente a natureza do espaço: uma habitação (como é o caso), um espaço comercial ou industrial];

e) O valor das coisas subtraídas;

f) O modo de execução dos meios hostis e as lesões causadas nas vítimas;

g) A idade de C….

Em todos os casos, o Tribunal não deixará de ponderar os factos atinentes ao modo de vida pessoal e familiar do arguido, salientando-se o facto de o mesmo estar familiarmente integrado e ter hábitos de trabalho.

Por tudo quanto se vem expondo, entende-se que as penas adequadas à culpa do arguido e às faladas exigências de prevenção deverão ter, em todos os casos, a natureza de prisão e serem fixadas nos seguintes termos:

1. Caso C…: 3 anos e 6 meses de prisão;

2. Caso E…: 4 anos e 9 meses de prisão.

Cúmulo jurídico de penas

Sempre que uma pessoa comete vários crimes antes de ser condenado por qualquer deles, como é o caso dos autos, deve-lhe ser aplicada uma pena conjunta, tendo em conta os factos e a personalidade do agente (artigo 77º do Código Penal).

Importa, pois, determinar a espécie e a medida da pena conjunta a aplicar, o que deverá ser feito considerando todos os critérios que a lei penal fornece para o efeito.

Como resulta claramente do preceito supra citado, na realização do cúmulo jurídico, o Tribunal deve partir das penas parcelares a que o arguido foi condenado.

Flui expressamente do artigo 77º, nº 2 do Código Penal revisto pelo Decreto-lei nº 148/95, de 15 de março e era prática uniforme dos nossos Tribunais no domínio da vigência do Código Penal de 1982, na sua versão originária, com o apoio incontestado da doutrina nacional, a pena concreta a aplicar ao arguido deverá ter como limite mínimo a pena mais grave dos crimes em concurso.

O seu limite máximo corresponde à soma de todas as penas parcelares até ao limite de 25 anos de prisão.

Como nos demais casos, a pena há de corresponder à medida da culpa, a qual constitui a sua medida e o seu fundamento. Neste enfoque e atento o preceituado no artigo 77º, nº 1 do Código Penal, o Tribunal valorará na sua globalidade os factos que integram a conduta criminosa e a personalidade do arguido.

A moldura penal relevante para o efeito do cúmulo jurídico é a pena de prisão de 4 anos e 9 meses a 8 anos e 3 meses.

Na determinação da pena única, o Tribunal ponderará, para além dos factos atinentes ao modo de vida pessoal e familiar do arguido, a circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais, a circunstância de os dois crimes terem sido cometidos simultaneamente e de ambos terem a mesma natureza.

Atendendo aos critérios supra referidos, entende-se que a pena adequada à culpa do arguido para os crimes em concurso pelos quais o mesmo será condenado, considerando no seu conjunto os factos e a personalidade, deverá ser fixada mais próximo do limite mínimo da moldura penal correspondente do que do seu limite máximo, mas relevantemente acima daquele, fixando-se em 6 anos de prisão.

No trecho agora reproduzido, o Tribunal «a quo» discute de forma que se nos afigura correcta os parâmetros a que deve obedecer a quantificação das penas parcelares, nos termos do nº 2 do art. 71º do CP.

Todavia, nota-se algum exacerbamento da avaliação do grau de ilicitude do crime de roubo simples de que foi vítima C…, em virtude do escasso significado económico do seu objecto material (não superior a € 102).

Tudo visto, somos de entender que se mostra acertadamente quantificada pena parcelar aplicada ao crime de roubo agravado praticado em detrimento de E…, podendo a medida da pena cominada ao crime de foi ofendida C… ser ainda objecto de alguma compressão, sem prejuízo da sua eficácia preventiva, geral e especial, concretamente, concretamente para 3 anos de prisão, o que se decide.

Uma vez alterada a medida de uma das penas parcelares, impõe-se refazer o cúmulo jurídico.

Como é sabido, o cúmulo jurídico de penas não se reconduz a uma operação aritmética, mas antes pressupõe a emissão pelo Tribunal de um juízo de valor, com base na reapreciação conjunta dos factos e da personalidade do arguido.

De acordo com o disposto no nº 2 do art. 77º do CP, a pena única resultante do cúmulo jurídicos a efectuar terá de observar os limites mínimo e máximo, respectivamente, de 4 anos e 9 meses de prisão e de 7 anos e 9 meses de prisão.

Na determinação da pena global emergente do cúmulo jurídico são observados, no essencial, os mesmos critérios que presidem à quantificação das penas parcelares.

No caso concreto, deverá ainda ter-se em consideração se a pluralidade de crimes por que o arguido agora responde corresponde a uma mera pluriocasionalidade ou se, pelo contrário, é reveladora de uma tendência para delinquir.

No presente processo, estão em causa dois crimes de roubo praticados na mesma ocasião, num único episódio delituoso, e o arguido não possui antecedentes criminais.

Como tal, encontramo-nos seguramente no domínio da pluriocasionalidade e muito longe de qualquer tendência para a prática de crimes, o que é favorável ao arguido.

Nesta conformidade, julgamos justo e equilibrado fixar em 5 anos e 6 meses de prisão a medida da pena única emergente do cúmulo jurídico.

Peticionou o recorrente a suspensão da execução da pena de prisão em que viesse a ser condenado, estando os pressupostos dessa pena substitutiva previstos no nº 1 do art. 50º do CP:

O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Em razão da medida em que foi fixada, não pode a pena única ser objecto de suspensão da sua execução, fracassando a pretensão recursiva nessa parte.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

a) Conceder provimento parcial ao recurso interposto do acórdão pelo arguido e, em consequência, revogar a decisão recorrida nos termos das alíneas seguintes:

b) Condenar o arguido pela prática, como co-autor material de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º nº 1 CP, em detrimento de C…, reduzindo a medida da pena para 3 anos de prisão;

c) Operar o cúmulo jurídico da pena agora quantificada com aquela, em que o arguido foi condenado em primeira instância e que não foi objecto de alteração, e condená-lo na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão;

d) Negar provimento ao recurso, quanto ao mais e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.

Notifique.

Évora 12/1/21 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)