AUDIÊNCIA PRÉVIA
NÃO CONVOCAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DA DECISÃO
Sumário


I- A audiência prévia não pode ser dispensada quando o juiz tencione conhecer imediatamente do mérito da causa, e deve ser convocada quando o juiz pretenda apreciar uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que não tenha sido suscitada e discutida pelas partes nos articulados, evitando uma decisão-surpresa, ou para assegurar o contraditório, quando a exceção dilatória for invocada no último articulado admitido no processo.
II- A não convocação da audiência prévia, influindo no exame ou decisão da causa, configura uma nulidade processual, que inquina a própria decisão proferida (saneador sentença) e que pode ser arguida em sede de recurso a interpor da mesma
III- No caso da exceção dilatória ter sido suscitada no último articulado e havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência da mesma, pode a outra parte ser notificada para se pronunciar por escrito, ao abrigo do princípio da adequação formal. Neste caso, estando a exceção já debatida nos articulados, não haveria, então, lugar à audiência prévia, conforme resulta do disposto no artigo 592.º, n.º 1, alínea b) do CPC.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

M. P. e marido A. S. deduziram ação declarativa contra M. M. e marido J. M. pedindo que se declare que o prédio identificado em 1) da petição inicial é propriedade da autora e que o prédio descrito em 2) é propriedade dos réus e que seja reconhecida a existência de direito de servidão imposta no prédio dos réus em proveito do dos autores, sobre a parcela que integra o prédio dos réus identificada em 12 da petição, durante todo o tempo dos anos, para uso, passagem e vistas, nos termos definidos na causa de pedir alegada na petição inicial, concretamente, para paragem e estacionamento de veículos, passagem de pessoas, acesso à habitação e respetivas traseiras, passeio e lazer, manutenção do jardim e canídeo, conservação e reparação do prédio, limpeza de lixos e caleiros, acesso à fachada da sua habitação voltada à rua …, nomeadamente do jardim e bancos de lazer, limpeza e asseio da parcela, como sempre fizeram, sem prejuízo da normal passagem dos réus para o seu prédio. Pedem que os réus sejam condenados a respeitar as ditas servidões em toda a sua plenitude e a abster-se da prática de qualquer acto que impeça, negue, perturbe ou por qualquer modo ponha em causa a identificada servidão.
Os réus contestaram por impugnação e excecionando a autoridade de caso julgado, em função da sentença proferida no processo 72/09.2TBCBT, que reconheceu o direito de propriedade dos réus sobre a parcela em causa.
Os autores pronunciaram-se sobre os documentos juntos.
Teve lugar uma primeira audiência prévia onde, após a frustração da conciliação, foram os autores convidados a apresentar nova petição inicial com a “concretização da porção de terreno sobre a qual pretendem ver reconhecida a servidão de passagem e bem assim dos sinais visíveis e permanentes que revelam a sua existência”.
Os autores apresentaram nova petição e os réus ofereceram a contestação respetiva.
Os autores apresentaram requerimento onde declararam reservar para momento oportuno a pronúncia quanto à matéria de exceção.
Em nova audiência prévia, foi solicitado aos autores que indicassem os valores a atribuir aos pedidos das alíneas c) e d) da petição inicial e concedido prazo para o efeito.
Os autores indicaram os valores em causa, impugnados pelos réus.
Foi proferido despacho que fixou o valor da causa em € 80.162,37 e, em consequência, declarada a incompetência relativa do tribunal em razão do valor e expedido o processo ao juízo central cível de Guimarães.

Foi proferido saneador-sentença que julgou procedente a invocada exceção de autoridade de caso julgado, por via do efeito preclusivo da decisão proferida na ação n.º 72/09.2TBCBT e, em consequência, absolveu os réus da instância.

A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

A. Por sentença de 11/09/2020, o tribunal recorrido decidiu pôr termo aos presentes autos, julgando procedente a invocada exceção de autoridade de caso julgado, por via do efeito preclusivo da decisão proferida na ação n.º 72/09.2TBCBT, sem que antes tivesse convidado a recorrente a pronunciar-se sobre tal questão, em violação do disposto no artigo 591.º, n.º 1, alínea c) e artigo 3.º, n.ºs 3 e 4 do CPC e do princípio do contraditório.
B. O tribunal recorrido não realizou audiência prévia com o fim de facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando tencionava conhecer imediatamente, no todo, do mérito da causa, proferindo uma verdadeira decisão-surpresa.
C. Tanto mais que, da conjugação dos artigos 591.º, n.º 1, alínea b) e 593.º, n.º 1 do CPC a contrario, resulta que a dispensa de audiência prévia não pode ocorrer quando o juiz se proponha conhecer do mérito na fase do saneador.
D. A prolação do saneador-sentença sem a realização de audiência prévia, consubstancia-se assim na omissão de um acto que a lei impõe, com influência na decisão da causa, enquadrável na previsão do artigo 195.º, n.º 1 do CPC, o que configura nulidade que deve ser declarada, com as legais consequências.

Quando assim não se entenda, sem prescindir, por mera cautela:

E. O tribunal a quo entendeu que a recorrente não pode peticionar nestes autos, o reconhecimento das servidões, por ter sido declarada, no processo n.º 72/09.2TBCBT, a propriedade da parcela em questão.
F. Como se refere na sentença recorrida, a questão ora suscitada não o foi na predita ação, nem foi conhecido qualquer facto relacionado com as servidões cujo reconhecimento ora se pretende ver declarado.
G. Naquela ação discutiu-se, apenas e só, a propriedade de uma concreta parcela e a recorrente, lá ré, contestou a ação, fundada exclusivamente no direito de propriedade.
H. Os direitos ora reclamados, de servidão, não são os mesmos que lá se discutiram nem, de forma alguma, incompatíveis e, verificando-se que naquela ação nada ficou decidido quanto à eventual existência da servidão de passagem e de vistas, que se analisa e discute nestes autos, não se encontra o menor fundamento para a invocada autoridade de caso julgado.
I. Pelo que o tribunal errou na interpretação que fez do artigo 580.º, 620.º e 621.º do CPC, bem como dos artigos 1150.º, 1362.º e 1302.º e ss. do CC.

Termos em que, V. Exas., Venerandos Desembargadores, acolhendo a motivação e conclusões que antecedem, sempre com o mui douto suprimento, revogando a decisão recorrida, farão a costumada e sã JUSTIÇA!

Os réus contra alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, tendo o Sr. juiz considerado que não existe a invocada nulidade.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a apreciação da invocada nulidade por violação do contraditório e ausência de audiência prévia, bem como a averiguação sobre a existência da autoridade do caso julgado.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na decisão proferida, entendeu-se que era possível, desde logo, conhecer da “excecionada autoridade do caso julgado, com base na seguinte factualidade documentalmente assente:

1 - Os aqui Réus intentaram contra os agora Autores acção declarativa, sob a forma de processo sumário, que correu termos sob o nº. 72709.2TBCBT e na qual foi formulado o seguinte pedido: A) Ser declarado e reconhecido que as aludidas heranças são donas e legítimas possuidoras do prédio supra identificado no artigo 7º; B) Ser declarado e reconhecido que a parcela de terreno supra descrita no artº. 14º faz parte integrante daquele prédio das aludidas heranças; C) Serem os Réus condenados a reconhecer os direitos da heranças descritos nas alíneas anteriores; D) Serem os Réus condenado a taparem a vala supra descrita no artº. 29º; Serem os Réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade das heranças sobre aquele seu prédio e parcela de terreno dele parte integrante.
2 - Os aqui Autores (ali Réus) contestaram alegando, além do mais, que tal parcela pertencia ao logradouro do prédio dos Réus, que ajardinaram esse espaço e aí colocaram um cão rafeiro e a respectiva casota.
3 - Nesse processo foi proferida sentença, já transitada em julgado, que julgou procedente a acção nos seguintes termos: “a). declarar e reconhecer que as heranças abertas por óbito de R. S. e L. C. são donas e legítimas possuidoras do prédio Casa de Habitação, de rés do chão, sita no lugar da …, daquela freguesia de …, com a área coberta de 90 m2 a confrontar do sul e nascente com os Réus M. P. e A. S., do poente com o caminho e do norte com Dr. J. P.; b). declarar e reconhecer que a parcela de terreno que se situa entre a rua e a casa dos réus, com o comprimento de 10,00 metros e a largura variável entre 7,50 e 6,70 metros, a confrontar do sul com a EN, do norte com o próprio, do nascente com os réus (…) e do poente com caminho público é parte integrante daquele prédio das aludidas heranças; c). condenar os réus a reconhecerem o descrito nas alíneas a). e b).; d). condenar os réus a taparem a vala descrita em 24) dos factos provados, que atravessa aquela parcela de terreno descrita em b). no sentido horizontal, atravessando-a de nascente para poente; e). condenar os réus a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade das heranças sobre aquele seu prédio referido em a). e a parcela de terreno dele parte integrante referida em b).”
4 - A aquisição do prédio referido em 3 a). está registada a favor da Ré por sucessão hereditária e partilha.
5 - Contíguo a esse prédio situa-se o prédio inscrito na matriz urbana sob o artº. …, propriedade da Autora, com registo de aquisição a seu favor por partilha extrajudicial.
6 - Nos presentes autos, os aqui Autores formularam o seguinte pedido: a) Ser declarado que o prédio identificado em 1) da presente p.i. é propriedade da A.. b) Ser reconhecido que o prédio descrito em 2) é propriedade dos RR. c) Ser reconhecida a existência da servidão imposta no prédio dos RR. em proveito do dos AA., sobre a parcela que integra o prédio dos réus, identificada em 12 supra, durante todo o tempo dos anos, para uso e passagem, nos termos definidos na causa de pedir alegada supra, concretamente para paragem e estacionamento de veículos próprios ou de terceiros que os visitem, passagem e passeio permanente de pessoas, acesso à habitação e respectivas traseiras, passeio e lazer, manutenção do jardim e do canídeo, conservação e reparação do prédio, cultura e arranjo da japoneira lá existente que a A. plantou, limpeza de lixos e caleiros designadamente nas traseiras da habitação da A. e voltadas à parcela, acesso à fachada da sua habitação voltada à rua …, nomeadamente para gozo e cultivo do jardim e bancos de lazer, limpeza e asseio da parcela, como sempre fizeram, sem prejuízo da normal passagem dos RR. para o seu prédio; d) Ser reconhecida a existência da servidão de vistas imposta no prédio dos RR. em proveito do dos AA., derivada da construção que fizeram da sua habitação e exercida através das aludidas porta, janelas e varanda que deitam directamente para a parcela, com as consequências legais que desse reconhecimento resultam. e) Serem os RR. condenados a respeitar as ditas servidões, em toda a sua plenitude e a abster-se da prática de qualquer acto que impeça, negue, perturbe ou por qualquer modo as ponha em causa; f) Serem os RR. condenados em custas nos termos legais”.
7 - A parcela referida em 6. é a mesma parcela a que se alude em 3 b).

A apelante sustenta o seu recurso na violação, pelo tribunal recorrido, do princípio do contraditório.
Entende que não podia ter sido dispensada a audiência prévia quando o Sr. Juiz se preparava para decidir do mérito na fase do saneador, não tendo sido dada à recorrente a possibilidade de se pronunciar quanto à matéria de exceção.

Vejamos.

Dispõe o artigo 591.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que:

“Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:

a) Realizar tentativa de conciliação;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias, ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou agilização processual;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas”

A audiência prévia não se realiza, nos termos do disposto no artigo 592.º do CPC, nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º e, quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
Para além destes casos, nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC.

Da conjugação dos normativos acabados de referir, logo resulta que a audiência prévia não pode ser dispensada quando o juiz tencione conhecer imediatamente do mérito da causa, e deve ser convocada quando o juiz pretenda apreciar uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que não tenha sido suscitada e discutida pelas partes nos articulados, evitando uma decisão-surpresa, ou para assegurar o contraditório, quando a exceção dilatória for invocada no último articulado admitido no processo (ou, até, quando o juiz considerar útil o aprofundamento da discussão – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 686).
Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 685: “Do confronto dos artigos 591.º, n.º 1, 592.º, n.º 1, 593.º, n.º 1, 593.º, n.º 3 e 597.º resulta claro que a tramitação de uma ação declarativa comum de valor superior a metade da alçada da Relação (€ 15.000,00) incluirá, em curso normal, a realização de uma audiência prévia, regra que apenas comporta duas exceções tipificadas: quando a lei assim o estabeleça, o que sucede nos casos indicados no artigo 592.º, n.º 1, e quando o juiz dispense a realização da audiência, ao abrigo do artigo 593.º, n.º 1. Com tais ressalvas, a audiência prévia é obrigatória, decorrendo da sua dispensa uma nulidade”. “O cotejo destes artigos mostra bem o relevo que o legislador atribui à audiência prévia enquanto espaço privilegiado para a garantia das partes em função da natureza (formal ou material) das decisões a tomar no despacho-saneador e do impacto dessas decisões na própria causa” (autores e obra citada, pág. 691)
Trata-se, aqui, de uma nulidade da própria decisão (e não apenas uma nulidade processual, a arguir perante o próprio juiz que a cometeu). “Se a nulidade está coberta por decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou o respetivo acto ou omissão, em tal caso, o meio próprio para a arguir, não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo” – Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 183 e, neste sentido, Acórdãos da Relação de Guimarães de 23/06/2016, da Relação de Lisboa de 15/05/2014 e da Relação de Évora de 26/10/2017, e Teixeira de Sousa em https://blogippc.blogspot.pt, em comentário ao acórdão da Relação de Lisboa de 15/05/2014 e, ainda, Abrantes Geraldes em Recursos no NCPC, 5.ª edição, pág. 25-30 e Acórdãos do STJ de 17/03/2016, 23/06/2016 e de 22/02/2017, todos em www.dgsi.pt.
Neste caso, a omissão da audiência prévia que se destinaria a proporcionar às partes a discussão de facto e de direito em virtude de o juiz ir apreciar uma exceção dilatória, determina a nulidade da sentença que apreciou aquela exceção.
É certo que a exceção em causa havia sido invocada pelos réus na sua contestação e, portanto, o seu conhecimento não constitui uma verdadeira decisão-surpresa.
Contudo, os autores, após a contestação, apresentaram requerimento em que declararam, expressamente, que reservavam para momento oportuno a pronúncia quanto à matéria de exceção. É sabido que esse momento oportuno é, exatamente, a audiência prévia – artigo 3.º, n.º 4 do Código de Processo Civil – uma vez que, não tendo sido deduzida reconvenção, não é admissível a réplica (artigo 584.º, n.º 1 do CPC).
É certo, também, que nos autos houve dois momentos que se designaram “Audiência Prévia”. Contudo, nenhum deles se destinou a “facultar às partes a discussão de facto e de direito nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias”. O primeiro desses momentos foi utilizado para convidar os autores a apresentar nova petição inicial com concretização de factos relativos à causa de pedir, cuja alegação se considerou deficiente. O segundo, destinou-se a conceder prazo aos autores para indicarem os valores a atribuir aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) da petição inicial.
Foi na sequência da indicação desses valores, que o processo foi remetido aos juízos centrais cíveis onde foi, de imediato, proferido o saneador-sentença em causa.
Ou seja, para o que aqui nos interessa, não foi convocada nem realizada audiência prévia em que fosse facultado às partes a discussão de facto e de direito relativa à exceção dilatória que o juiz iria apreciar.
Poderia o Sr. Juiz ter decidido, por despacho anterior, ouvir os autores sobre a exceção invocada pelos réus na contestação, concedendo-lhes prazo para o efeito e admitindo a sua pronúncia por escrito, o que poderia ter feito ao abrigo do disposto no artigo 547.º do CPC, tanto mais que os autores já haviam declarado reservar tal pronúncia para momento oportuno. Neste caso, estando a exceção já debatida nos articulados e havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência da mesma, não haveria, então, lugar à audiência prévia, conforme resulta do disposto no artigo 592.º, n.º 1, alínea b) do CPC.

No caso dos autos, como já vimos, os autores não tiveram oportunidade de se pronunciar, após a segunda contestação, sobre a exceção aí invocada, aguardando o momento oportuno para tal. Ao não lhes ter sido dada tal oportunidade, claramente que se incorreu na violação do princípio do contraditório – artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e outro, na obra citada, pág. 687: “Está em jogo o respeito pelo princípio do contraditório, garantindo às partes pronúncia sobre as questões que o juiz irá decidir numa fase intermédia do processo, de modo a evitar decisões-surpresa – artigo 3.º, n.º 3 do CPC”.
Este vem sendo, aliás, o entendimento da generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais - além de outros, vd. os Acs. do TRP de 27-09-2017 no processo 136/16.6T8MAI-A.P1 (“Podemos, contudo, aceitar que em casos limite, quando as questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre as mesmas for pacífica na jurisprudência e na doutrina, essa preocupação do legislador possa não fazer sentido e o juiz possa, no uso do seu poder de simplificação e agilização processual e adequação formal proferir a decisão por escrito sem realizar a audiência prévia. Mesmo nesses casos, entendemos que a decisão de prescindir desse acto processual prescrito na lei deve ser fundamentada e precedida não da manifestação da intenção de o fazer, mas, sobretudo, do convite prévio às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de o fazer e da permissão às partes de alegar por escrito o que iriam sustentar oralmente na audiência se esta tivesse lugar”), do TRL de 19/10/2017 no processo 155421-14.5YIPRT.L1-8, do TRP de 24/09/2015 no processo 128/14.0T8PVZ.P1, do TRL de 08/02/2018 no processo 3054/17.7T8LSB-A.L1-6, do TRL de 05/05/2015 no processo 1386/13.2TBALQ.L1-7, do TRE de 30/06/2016 no processo 309/15.9T8PTG-A.E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt -, citados no Acórdão deste Tribunal da Relação, de 17/01/2019, processo n.º 4833/15.5T8GMR-A.G3 (José Cravo), e, ainda os Acórdãos desta Relação de Guimarães de 01/03/2018 (Eugénia Cunha), de 10/07/2018 (António Sobrinho) e de 06/12/2018 (Eva Almeida).
Assim, a preterição da audiência prévia, formalidade processual que se reputa de essencial, gera para além de nulidade processual a nulidade do saneador-sentença e implica a anulação do processado a fim da tramitação processual regressar ao momento anterior ao saneador-sentença, de forma a possibilitar a efectiva audição das partes, seja em sede de audiência prévia (devendo no despacho que a designar esclarecer, em concreto, os fins a que se destina), seja concedendo aos autores a possibilidade de se pronunciarem por escrito, em articulado próprio, sobre a invocada exceção.

Assim, a apelação procede nesta parte, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas.

II. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, anulando-se a decisão recorrida e determinando-se a audição das partes sobre a invocada exceção, seja pela convocação de audiência prévia com identificação, no despacho respetivo, dos fins a que se destina, seja pela concessão aos autores de prazo para se pronunciarem por escrito.
Custas pela parte vencida a final.

***
Guimarães, 14 de janeiro de 2021

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho