CONFISSÃO FICTA
FALTA DE RÉPLICA
FACTOS EM OPOSIÇÃO COM O ALEGADO NA PETIÇÃO
Sumário


Factos novos, para os termos e efeitos do disposto no artigo 587 do CPC, são aqueles que não foram alegados na ação principal – petição inicial e contestação.

Texto Integral


Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães (1)

Após notificação do despacho saneador proferido a 25/05/2019 (fls. 174 e 175), na ação acima identificada, em que é autora M. M., vieram os RR. A. T. e M. T. reclamar do mesmo, requerendo que fosse proferido despacho saneador que conhecesse de imediato do mérito da causa, nos termos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 595º do CPC – com a consequente absolvição dos RR. dos pedidos contra si deduzidos e a consequente condenação da A. reconvinda nos pedidos reconvencionais que tais factos, com suficiência, fundamentam.

Para o efeito, alegaram, em síntese, que a A., ao não ter deduzido réplica, admitiu por acordo todos os factos alegados pelos RR. na reconvenção. Por outro lado, ao não responder às exceções perentórias alegadas pelos RR., deveriam ser julgados provados também todos os factos, por si alegados na sua contestação passíveis de o serem por acordo. Por seu turno, a A. ao não ter replicado nem respondido às exceções admitiu também o teor declarativo dos documentos juntos pelos RR., desde logo porque foram dados como reproduzidos onde referenciados, razão pela qual constituem não só meios de prova como matéria de alegação.

Deste modo, entendem os RR. que deveria ter sido proferido despacho saneador que conhecesse e julgasse provadas quer a reconvenção quer as exceções alegadas pelos RR – o que inevitavelmente impediria a procedência da ação, com a consequente a absolvição dos RR dos pedidos, determinando, por outro lado, a procedência da reconvenção e a correspondente condenação da A reconvinda. Mais manifestaram os RR. propósito de reclamar sobre o objeto do litígio e temas da prova, requerendo que fosse realizada a audiência prévia para o efeito.

Por seu turno, veio a A. responder à reclamação apresentada pelos RR., alegando, em suma, que inexiste qualquer reconvenção, a defesa consubstanciou matéria de impugnação por defesa direta ou por exceção e que a A. está em tempo, dada a inexistência da audiência prévia, de se pronunciar quanto às exceções perentórias que eventualmente não tenha respondido anteriormente. Concretiza fundamentando que só após a prolação do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e notificação do Juiz do Tribunal de Alijó estaria obrigada a responder as exceções. Mais entende que a reconvenção deve conter uma exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito, o que não se verifica no caso em apreço, pois, além de reproduzir os artigos na contestação, trata-se de matéria de defesa por impugnação direta.

Por outro lado, perante os pedidos formulados pelos RR. de 1) a 4) da douta Contestação verifica-se que estes sempre souberam que estavam a desenvolver defesa por impugnação e na restante defesa por exceção. Daí, quanto aos factos alegados na matéria de exceção, não necessitava a A. de replicar, se a petição, com os seus factos, importa a negação dos factos da exceção.

Foi realizada a audiência prévia, onde foram as partes convidadas para se pronunciar quanto às suas posições, nomeadamente quanto à reclamação deduzida pelos RR. ao despacho saneador e resposta por parte da A. àquela, com vista à delimitação dos termos do litígio. Ambas as partes mantiveram a posição por si manifestada nos respetivos articulados.

O tribunal, conhecendo da reclamação suscitada pelos RR. ao despacho saneador, julgou-a improcedente porque considerou que a matéria de facto alegada na reconvenção está em oposição com a alegada na petição inicial, não se verificando confissão tácita ou ficta dos mesmos, apesar de não haver réplica, mantendo-se controvertidos.

Inconformados com o decidido, os RR. interpuseram recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

“1ª – Porque: “A força probatória plena equivalente à confissão acompanha também os factos relativamente aos quais exista acordo expresso ou tácito das partes, nos termos dos arts. 574º, nºs 2 e 3, e 587ª, nº 1, do NCPC, sem embargo das limitações aí previstas” (António Santos Abrantes Geraldes, Exmo. Juiz Conselheiro, in “Sentença Cível”, Janeiro de 2014, disponível no site https://www.stj.pt, a páginas 8 e 9) e, nesses “casos, os factos que encontrem em tais meios de prova força plena terão de ser obrigatoriamente assumidos pelo juiz, sem que possam ser infirmados por outro género de provas (v.g. testemunhas, perícias ou presunções judiciais)” – a decisão que recuse julgar provados, como recusou a douta decisão recorrida, os factos objeto de confissão ficta ou acordo tácito estará a rejeitar meio de prova previsto na lei, sendo a via de impugnação que lhe corresponde a apelação autónoma, nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 644º do CPC, a aplicar diretamente ou por identidade de razões.

2ª – O despacho recorrido é manifestamente douto, informado, meticuloso e bem intencionadamente dirigido à realização da Justiça – mas resulta de uma incorreta interpretação das normas legais chamadas a regular as questões que decidiu, pois para além do mais desequilibra a favor da A Reconvinda, a distribuição dos ónus impugnatórios e dos efeitos do seu não acatamento, gerando incerteza e margens alargadas e indesejáveis de discricionariedade na aplicação do direito.
3ª – Todos os factos reconvintes são, sempre, ainda que colhidos na contestação, por natureza novos, assumindo uma nova feição no preciso momento que os converte em causa de pedir da reconvenção – contra-acção enxertada, mas ainda assim autónoma que faz impender sobre os novos demandados, um novo ónus de contradição.
4ª – “Dúvidas não restam que a A. não apresentou Réplica. Seria este o momento processual e articulado próprio para a A. responder a toda a matéria deduzida na Reconvenção (artigo 584º, n.º 1 do CPC)” – isto mesmo conclui a douta decisão recorrida e nesta conclusão vão contidas as melhores razões para a procedência do presente recurso.
5ª – Mas quando logo após considera que só podem ser dados “como admitidos por acordo os factos que não estejam em oposição com o conjunto das alegações feitas pela A. na petição inicial” – acaba por incorrer num equívoco interpretativo axial que a abalará juridicamente de cima a baixo, apesar de laboriosa, douta e manifestamente dirigida à realização da Justiça.
6ª – É certo que “o citado artigo 574º preceitua que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto” – mas daqui não decorre (equívoco estruturante) que devam ser considerados como admitidos por acordo apenas “os factos que não estejam em oposição com o conjunto das alegações feitas pela A. na petição inicial.”
7ª – O artigo 587º do CPC confere à “falta de apresentação de réplica” o efeito previsto no artigo 574º – e este efeito, no âmbito de aplicação do artigo 587º, é a admissão por acordo dos factos alegados na reconvenção, não impugnados e que não estejam em oposição com toda a defesa constante da réplica (da réplica!) considerada no seu conjunto (exceções dilatórias, impugnação especificada, impugnação motivada, exceções perentórias).
8ª - Quando um facto não impugnado nem atacado por via indireta está ainda assim em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, não pode ter-se como admitido por acordo por ter sido, ainda assim, objeto de oposição – mas se o articulado de defesa (contestação ou réplica) faltar, provados ficam todos os factos alegados no libelo petitório (petição ou reconvenção) cuja prova não exija documento e admita confissão.
9ª - Convoca a lei para a réplica, no artigo 587º do CPC, o efeito confessório cominado no artigo 574º para a falta de impugnação na contestação – e este efeito funciona, (1) na contestação (artigo 574º), quando os factos alegados na petição inicial não são objeto de impugnação ‘vazia’, nem de impugnação motivada nem de exceções dilatórias nem de exceções perentórias, ou seja, quando não são impugnados nem contraditados pela defesa deduzida na contestação considerada no seu conjunto; e, na réplica (artigo 587º), sendo oferecida!, quando os factos alegados na reconvenção, não são objeto de impugnação ‘vazia’ nem de impugnação motivada nem de exceções dilatórias nem de exceções perentórias, ou seja, quando não são impugnados nem contraditados pela defesa deduzida na réplica considerada no seu conjunto.
10ª – Na réplica, tudo é defesa e, na petição inicial, nada é – razão pela qual não se justifica incluir nos sentidos possíveis da expressão “defesa considerada no seu conjunto”, trazida pelo artigo 587º do CPC ao terreno da réplica, os factos alegados na petição inicial e associados a pretensões ‘ofensivas’ ou de ataque.
11ª - A réplica é defesa que se opõe à reconvenção do mesmo modo que a contestação é defesa que se opõe à petição e a “defesa considerada no seu conjunto” a que se reportam o artigo 587ª do CPC é a defesa constante da réplica e tão só da réplica, não tangendo a expressão, sequer ao de leve, os factos alegados na petição inicial – pois nenhum sentido incluído na letra da norma o consente e nenhuma finalidade legal (pelo contrário) o pede.
12ª – Se a réplica pura e simplesmente não é apresentada, devem ter-se como provados todos os factos, exatamente todos os factos alegados na reconvenção passíveis de confissão e de prova sem dependência de documento escrito.
13ª – E é por efeito daquela errada interpretação da lei que se dedicou a douta decisão recorrida a verificar “se os factos alegados pelos RR. na reconvenção estão em oposição com o conjunto das alegações feitas pela A. na petição inicial” – propósito expressivo do vício que a viria a inquinar (com todo o respeito se diz).
14ª - A interpretação que suporta a douta decisão recorrida quando convoca, para suster o efeito cominatório resultante da falta de réplica, factos alegados na petição inicial, alarga, estende, amplia, objetivamente contra os Reconvintes ora Recorrentes, o conteúdo ou feixe de sentidos possíveis que a literalidade da norma (artigo 587º do CPC) em causa, consente.
15ª – Os articulados predominantemente ativos, ‘ofensivos’, de ataque, impregnados de pretensões, propostas, propugnações dirigidas ao julgamento mas também à aceitação, acordo e confissão da contraparte (e, por tudo, carecidos de defesa a cuja falta atribui a lei os correspetivos efeitos), são petição inicial e a reconvenção – articulados defensivos são a contestação e a réplica, pelo que não tem sentido incluir, no conjunto da defesa a deduzir na réplica contra a reconvenção, a matéria alegada na petição inicial.
16ª – Assenta salvo melhor entendimento a douta decisão recorrida numa interpretação inadequada dos referidos preceitos legais, que bem selecionou, bem como (e por isso) em pressupostos e critérios normativos que a ordem jurídico-processual não pode validar.
17ª – Os factos alegados na reconvenção (ressalvadas as ações de simples apreciação negativa) são sempre novos, acrescentam-se sempre ao original objeto do litígio, são sempre impregnados empiricamente de materialidade, pretensivos e dinamicamente propostos à aprovação do julgador e à aceitação expressa ou tácita da contraparte – pelo que se não forem diretamente impugnados nem estiverem em oposição com a defesa (a defesa!) deduzida na réplica (e só na réplica por de outra não dispor o replicante) considerada no seu conjunto, devem ser tidos como admitidos por acordo e provados!
18º – Para efeitos de interpretação do artigo 587º do CPC (salvo nas referidas ações) “factos novos” são, pois, todos os factos – todos! – que consubstanciem a causa de pedir na reconvenção.
19ª – “Novos factos alegados pelo réu” para efeitos de interpretação do artigo 587º do CPC são então “os factos constitutivos” alegados em contestação (pelo réu) nas ações de simples apreciação negativa (nº2 do artigo 584º) e todos os factos alegados pelo réu na reconvenção que integrem a respetiva causa de pedir – até porque todos se acrescentam ao objeto inicial da lide
20ª – Uma dimensão propugnante e de interpelação para acordo sobre a realidade dos factos subjaz e perpassa a reconvenção – mas a Recorrida e Reconvinda A não replicou, circunstância para a qual comina a lei no artigo 587º do CPC, um efeito cominatório expresso e preciso (previsto no artigo 574º do mesmo diploma), o da admissão tácita dos factos – todos os factos –contra si alegados e propostos.
21ª – Não se está, pois, no presente caso, perante uma situação de mera falta de impugnação, na réplica, de “novos factos” alegados na reconvenção, mas sim perante uma omissão de réplica geradora do efeito previsto no nº 1 do artigo 587º do CPC.
22ª – Na contestação, os RR impugnaram (designadamente) quando negaram a sua responsabilidade na derrocada de muro de separação, mas acrescentaram também, alegando “factos novos”, que a derrocada em questão ficou a dever-se às obras que do outro lado do mesmo a própria A fez – terreno, já, de defesa por exceção.
23ª – Se os RR negam a existência de uma caverna subterrânea para captar água no prédio e do poço ‘da’ A, impugnam – mas se admitem que a dita caverna subterrânea (inativa e tapada) existe, mas (mas!) integralmente dentro do prédio do R, situada aquém do plano vertical de separação dos dois imóveis, avançando (“factos novos”) medidas, localização de plano vertical, etc., então, salvo melhor opinião, estão (pelo menos também) a excecionar, ou seja, a defender-se não diretamente (“não há caverna nenhuma!”) mas indiretamente, alegando factos que, a provarem-se, impedem o efeito visado na petição inicial.
24ª – Alegaram os RR, na contestação, “factos novos”, exceções materiais, mas ainda que não passassem estas, afinal, de factos alegados em impugnação motivada – ainda assim deveriam ser julgados provados na medida em que foram alegados também em reconvenção, que os converteu em causa reconvinte de pedir pura e simplesmente não replicada.
25ª – A douta decisão recorrida deveria ter admitido a prova, por acordo tácito, (1) de toda a matéria da reconvenção, quer onde convoque matéria de exceção alegada na contestação, quer onde convoque matéria de impugnação motivada constante da contestação, quer ainda onde alegue “factos novos” face à factualidade alegada na contestação; (2) e da matéria de exceção não chamada a reconvir, por não impugnada, nem articulado de resposta (suscitado pelo próprio tribunal) nem em audiência prévia.
26ª –Têm as partes o direito e o dever (ónus) de se pronunciar sobre todos os factos causais de pretensões contra si deduzidas e de os contradizer – mas na medida em que é também um dever (ónus), se o não fizerem – sujeitam-se ao efeito cominado por lei para essa omissão.

27ª – A sobredita interpretação do artigo 587º do CPC, feita na douta decisão recorrida, para além de (contra o disposto no nº 2 e no nº 3 do artigo 9º do CC) ultrapassar o âmbito dos sentidos contidos na letra da lei, desarranja a distribuição equilibrada, entre as partes, visada no processo civil, de faculdades, direitos e deveres, sujeições e ónus – pelo que nessa medida é desconforme, também, ao disposto no artigo 4º daquele diploma.

Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas., Venerandos senhores Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deve a douta decisão recorrida ser revogada por outra que atenda aos efeitos processuais nela recusados – assim se fazendo JUSTIÇA!

Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.

Das conclusões do recurso ressalta a questão de saber se há violação da confissão tácita ou ficta ao não dar como provados os factos reproduzidos na reconvenção e alegados na contestação, quando haja omissão de réplica à reconvenção e resposta à contestação no que se refere a exceções deduzidas.

O tribunal considerou que a matéria de facto reproduzida no artigo 97 a 99 da contestação/reconvenção é matéria da contestação que fundamenta o pedido principal e subsidiário, não se revelando matéria de facto nova, pelo que a falta de réplica não implica a admissão de acordo dos factos em causa, uma vez que está em oposição com o alegado, pela autora, na sua petição inicial.

Os RR. insurgem-se contra o decidido argumentando que a reprodução da matéria de facto alegada na contestação, pelo simples facto de ser inserida na reconvenção, como fundamento dos pedidos formulados, se transforma em matéria fáctica nova, pelo que exige a réplica no sentido da sua impugnação, sob pena de funcionar a confissão tácita ou ficta nos termos do artigo 584 n.º 1 conjugado com o artigo 587 n.º 1 do CPC.

A questão a decidir incide sobre o que são “factos novos” previstos no artigo 587 n.º 1 do CPC. Se a reconvenção é uma ação enxertada noutra, com relativa autonomia, uma vez que que tem de ter uma relação de conexão coma ação principal, em princípio abarca factos diferentes da ação principal para fundamentar o ou os pedidos formulados. O certo é que se forem reproduzidos factos alegados na contestação, como integrantes da causa de pedir, estes não poderão ser considerados novos, porque fazem parte da ação e da reconvenção, em que a parte na contestação é ré ou réu e na reconvenção autora ou autor. Os factos são os mesmos com finalidades diferentes. No primeiro caso como meio de defesa e no segundo como causa de pedir. E, se enquanto meio de defesa estiverem em oposição com o alegado na petição inicial, como causa de pedir não deixam de estar em oposição com a ação principal. Daí que, por razões de economia processual, não se justifique que o autor/a ou autores se vejam na necessidade de impugnar a mesma matéria fáctica que já se encontra controvertida, na ação principal. Não se aplica ao caso a confissão tácita ou ficta, porque não se verificam os seus pressupostos, na medida em que os factos da reconvenção estão em oposição com os da petição inicial. Assim julgamos que não se concretizou a violação do disposto no artigo 584 e 587 do CPC. (conferir – Lebre Freitas, CPC. Anotado, Vol. 2º, 3ª edição pag. 610 1 611, anotações 2 e 3; Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol I, Almedina, pag. 669, para além da jurisprudência citada nas contra-alegações).

Concluindo: 1. Factos novos, para os termos e efeitos do disposto no artigo 587 do CPC., são aqueles que não foram alegados na ação principal – petição inicial e contestação.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes.

Guimarães,

1 - Apelação 57.18.8TALJ.G1– 2ª
Proc. Comum
Tribunal Judicial Comarca Vila Real – JCG Alijó
Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Luísa Ramos