NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CASO JULGADO
ANATOCISMO
Sumário

Sumário - artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (doravante CPC) – da responsabilidade da relatora)
I - Não vigora no ordenamento jurídico português um regime de inadmissibilidade geral do anatocismo.
II - O artigo 560.º do Código Civil, despojado de um segmento proibitivo, não oferece argumentos que afastem a capitalização dos juros moratórios.
III - As normas sobre anatocismo atuam a montante das normas sobre a usura das taxas de juro (artigos 559.º-A e 1146.º do Código Civil) ou dos negócios jurídicos em geral (artigo 282.º do Código Civil).
IV - Quer nos juros remuneratórios, quer nos juros moratórios se podem retirar consequências do facto de o credor abdicar de certo montante pecuniário, que fica na disponibilidade do devedor.
V - A capitalização de juros moratórios corresponde à compensação de um dano autónomo e distinto, que é o dano da privação das importâncias correspondentes aos juros já vencidos e não pagos, que de outra forma ficaria por compensar – cf. artigo 561.º do Código Civil, que caracteriza a obrigação de juros como autónoma.
VI - É permitida a capitalização sucessiva de juros de mora mediante o anatocismo potestativo, em geral e na pendência de uma ação.
VII - Tendo em consideração a autonomia da obrigação dos juros por um lado, e os efeitos da capitalização dos juros, por outro, os juros transformados em capital não continuam sujeitos ao prazo curto de prescrição de 5 anos, previsto no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, devendo o crédito resultante da capitalização, também para efeitos prescricionais, passar a sujeitar-se ao prazo ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º do mesmo diploma.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
1. NOS - Telecomunicações, S.A. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra MEO - Serviços de comunicações e multimédia, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento à Autora da quantia de 4 856 983,93 €, acrescido de juros vencidos e vincendos, às taxas legais máximas relativas a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, sucessivamente em vigor desde 3.7.2018 até integral pagamento, liquidando-se os juros já vencidos à presente data em 142 515,88 €.
Alega, para tanto e em síntese que:
- Em 5.3.2010, intentou contra a Ré ação declarativa de condenação em que pediu a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 24 355 040,21 €, referente a um conjunto de créditos relativo a prestação de serviços de interligação de redes públicas acrescida de juros;
- Nessa ação, a pedido da Autora, foi a Ré notificada em 7.4.2010 para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização;
- Por sentença de 15.7.2015, a ação foi julgada procedente e a MEO foi condenada a pagar à NOS a quantia de 25 355 040,21 €, acrescida de juros sobre o montante de 13 561 485,00 €, às taxas legais máximas de juros sucessivamente em vigor entre 5.3.2010 e a data da notificação para capitalização de juros (7.4.2010) sobre o montante de 13 561 485,21 €, adicionado do montante de juros capitalizados, às taxas máximas sucessivamente em vigor entre a data da referida notificação para capitalização e a do efetivo pagamento;
- A sentença transitou em julgado a 23.5.2018;
- No período que mediou entre a notificação para pagamento ou capitalização efetuada em 7.4.2010 e a presente data, a NOS interpelou a MEO por mais seis vezes através de notificações judiciais avulsas, para pagamento ou capitalização de juros;
- Por carta datada de 8.5.2018, a MEO, invocando o trânsito em julgado daquela sentença, comunicou à NOS que, no seu entender, nos termos daquela decisão, era devedora de 40 817,753,02 €, não aceitando ser devedora dos valores decorrentes dos seis pedidos de capitalização que não se encontravam abrangidos pela sentença;
- A NOS respondeu por carta datada de 11.5.2018, na qual se dispôs a receber a quantia indicada pela MEO e a emitir declaração de quitação, ressalvando que tal quantia só correspondia ao pagamento integral dos créditos exigidos na ação que correu termos sob o n.º 524/10.1TVLSB, no pressuposto de que a decisão proferida não cobre os juros sobre juros capitalizados por força de seis notificações judiciais avulsas;
- A 18.5.2018, a MEO suscitou incidente de consignação em depósito naqueles autos, pedindo que a Ré fosse notificada para receber a quantia de 40 879 084,61 € que alegava ser a quantia devida até tal data nos termos da sentença;
- A NOS recusou-se a receber a quantia e que tenha incorrido em mora do credor, ressalvando entender ser credora de maior quantia fruto das capitalizações posteriormente feitas;
- A 4.7.2018, foi lavrado naqueles autos termo de recebimento pelo qual a NOS declarou ter recebido a quantia acima referida com as reservas constantes da «declaração ao abrigo do disposto no art.º 924º, n.º 1 do Código de Processo Civil), inexistindo mora do credor por não ter que dar quitação se não considera completamente cumprida a obrigação»;
- Verifica-se uma situação de caso julgado já que a decisão condenatória contida na sentença abrange os juros capitalizados em resultado das seis notificações judiciais avulsas realizadas após 7.4.2010;
- Admitindo, sem conceder, que o direito à capitalização dos juros não ficou definido na anterior ação, requer tal reconhecimento nesta ação, nos termos do artigo 560.º do Código Civil.
2. A Ré apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação e deduziu as exceções do caso julgado e da prescrição do eventual direito aos juros capitalizados desde 7.2.2012.
Sem prescindir, invocou:
- A ausência de caso julgado sobre o alegado direito aos juros capitalizados;
- A inadmissibilidade de capitalização sucessiva de juros;
- A inadmissibilidade de capitalização de juros sobre um crédito incerto;
- A proibição de juros usurários;
- A extinção do crédito da NOS na data da apresentação do requerimento de consignação em depósito.
3. Notificada para o efeito, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, n.º 3, e 547.º do CPC, a Autora respondeu às exceções, nos termos vertidos a fls. 830 a 855.
4. A fls. 868 a 908, a Autora juntou aos autos parecer jurídico sobre a capitalização de juros moratórios e a prescrição.
5. Procedeu-se à realização de audiência prévia, na qual se admitiu o parecer referido e se concedeu à Ré um prazo de pronúncia, tendo as partes acordado que inexistem nos autos factos controvertidos e que as questões a decidir são unicamente de direito.
6. A Ré pronunciou-se sobre o parecer junto pela Autora, nos termos constantes do requerimento de fls. 912 a 919.
7. Na continuação da audiência prévia, as partes alegaram de facto e de direito.
8. Por requerimento de fls. 921 a 959, a Ré juntou aos autos parecer sobre «A impossibilidade da capitalização sucessiva de juros moratórios na pendência da ação judicial».
9. A Autora pronunciou-se sobre tal parecer por requerimento de fls. 961 a 983.
10. O Tribunal recorrido proferiu saneador-sentença, no qual se pronunciou sobre a exceção do caso julgado e, conhecendo do mérito da causa, julgou improcedente a ação e absolveu a Ré do pedido.
11. Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, com as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Rectificação de lapsos e omissão na fundamentação de facto da sentença
1.ª - Em correcção de lapso de escrita, no ponto 22 dos fundamentos de facto da sentença, onde se diz "A MEO respondeu por carta datada de 11 de Maio de 2018 ( ...)", deve dizer-se "A NOS respondeu por carta datada de 11 de Maio de 2018 ( ...)"
2.ª - Também em correcção de lapso de escrita, no ponto 28 dos factos provados, segundo parágrafo, deve dizer-se o seguinte, acrescentando a parte sublinhada: "A referida quantia é também insuficiente pelo facto de o pagamento dever incluir os juros moratórios vencidos até à data em que for integralmente realizado, e não somente até 18 de Maio de 2018, uma vez que não existe mora da NOS como credora".
3.ª - Caso se entenda não se tratar de meros lapsos materiais, sempre deverá, em face da prova documental não impugnada constante dos autos, ser a matéria de facto referida modificada pela Relação, ao abrigo dos seus poderes de revisão da matéria de facto, nos termos acima propugnados.
4.ª - Deve incluir-se na lista dos factos provados o facto alegado no art. 40.º da petição inicial, de que a quantia referida pela NOS na sua carta de 11 de Maio de 2018, de 40.859.558,92, excedia em € 41.805,90 aquela indicada na carta da MEO de 8 de Maio de 2018, uma vez que esta se havia enganado no cálculo dos juros (e isto mesmo nos pressupostos, que a NOS considera errados, de que partiu para fazer esse cálculo), e que isso foi depois reconhecido pela MEO.
2. Nulidade da sentença
5.ª - O pedido deduzido pela NOS na acção, de que a MEO seja condenada a pagar o remanescente do crédito que foi reconhecido à NOS pela sentença proferida no proc. n.º 524/10.1TVLSB, assenta também no facto de a quantia paga pela MEO ter sido calculada contando juros somente até 18 de Maio de 2018, por alegadamente a NOS ter incorrido em mora do credor, quando a verdade é que não há razão para suspender a contagem dos juros moratórios nessa data ou em qualquer outra data anterior ao pagamento integral da quantia em dívida.
6.ª - Ora, relativamente a esta questão, invocada no art. 49.º da petição inicial e, desenvolvidamente, nos arts. 59.º a 81.º do mesmo articulado, a sentença omite por completo pronúncia.
7.ª - Por conseguinte, tendo-se deixado de pronunciar sobre uma das causas de pedir da acção, a sentença incorre na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do C. P. C., que aqui expressamente se invoca e que determina a anulação da sentença recorrida e a necessidade de prolação de nova sentença, que conheça também do fundamento da acção relativamente ao qual se omitiu pronúncia.
3. Erros de julgamento e razões da procedência do recurso
8.ª - A decisão condenatória contida proferida no proc. n.º 524/10.1TVLSB, transitada em julgado, afirmando o direito da NOS de proceder à capitalização dos juros vencidos por todo o período que mediasse entre 7.4.2010 e a data do efectivo pagamento, abrange os juros capitalizados em resultado de todas as 6 notificações judiciais avulsas realizadas após 7.4.2010.
9.ª - Ainda que não se interprete com esta abrangência o teor decisório da sentença em causa, a autoridade do caso julgado material sobre ela formado estende-se também às capitalizações de juros subsequentes à realizada na sequência da notificação de 7.4.2010.
10.ª - A questão do direito da NOS à capitalização dos juros moratórios devidos pela MEO pelo atraso no pagamento da dívida já foi discutida, apreciada e decidida no proc. n.º 524/10.1TVLSB - sem oposição da MEO, aliás, pelo que essa questão não pode ser objecto, em nova acção entre as mesmas partes, de decisão contraditória com a anteriormente proferida.
11.ª - Mesmo que se tome o pedido deduzido na acção n.º 524/10TVLSB relativamente aos juros capitalizados como meramente parcial (ou seja, circunscrito à primeira capitalização), o caso julgado nela formado sempre vincularia o Tribunal a respeitar o ali decidido e a retirar idêntico efeito jurídico das restantes capitalizações efectuadas pela NOS.
12.ª - Por conseguinte, impõe-se que as questões, que são as mesmas, não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão desta acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.
13.ª - A douta sentença recorrida, ao negar provimento ao pedido deduzido pela NOS na presente acção por entender que não é admissível a capitalização de juros moratórios, desconsiderando o decidido na acção n.º 524/10TVLSB, levaria, caso se tornasse definitiva, à produção de efeitos que seriam lógica e juridicamente incompatíveis com a sentença transitada, que é justamente o resultado que o dever de respeito pela autoridade do caso julgado visa evitar.
14.ª - A sentença recorrida errou ao não admitir a capitalização de juros moratórios nos termos efectuados pela NOS.
15.ª - Do ponto de vista económico, a capitalização dos juros visa, apenas e só, compensar o credor da privação das quantias correspondentes aos juros que eram devidos mas que não foram tempestivamente pagos, que constitui um dano autónomo e distinto do dano do atraso no pagamento da dívida de capital.
16.ª - Verifica-se, portanto, que a capitalização de juros moratórios tem uma racionalidade económica inequívoca, ligada ao ressarcimento do prejuízo que o incumprimento causa ao credor tal como a própria lei o concebe, ou seja, através da liquidação de juros calculados sobre a quantia pecuniária em dívida, e que a prossecução dessa finalidade supõe que tanto possa vencer juros a obrigação pecuniária inicial como aquela que resulte do vencimento de juros pelo período mínimo de 1 ano que a lei impõe. Isto sob pena de um injustificado locupletamento do devedor a expensas do credor.
17.ª - Na verdade, não se admitindo o anatocismo de juros moratórios, o devedor, à luz do próprio critério da lei, lucra sempre que a mora se prolongue por mais de um ano, e tanto mais quanto mais ela perdurar.
18.ª - O anatocismo tem um rationale económico indesmentível, e aquilo que o nosso ordenamento jurídico faz não é proibi-lo, nem admiti-lo só excepcionalmente, mas antes o autoriza desde que se preencham as condições postas no art. 560.º do Código Civil, com vista à protecção do devedor, que são somente as seguintes: por um lado, exige-se ao credor um acto posterior ao vencimento - nova convenção ou intimação judicial para o efeito-, pelo qual o devedor possa tomar consciência das consequências de persistir no não pagamento dos montantes vencidos; por outro lado, reclama-se um período de carência de pelo menos 1 ano antes de começarem a correr juros sobre o montante de juros vencido e não pago.
19.ª - Ora, não cabem dúvidas de que, na situação em apreço, os requisitos estabelecidos no art. 560.º do Código Civil estão preenchidos - a própria sentença o reconhece, aliás -, tendo as interpelações para capitalização ou pagamento sob pena de capitalização respeitado a períodos de vencimento de juros de pelo menos 1 ano e sido feitas através de notificação judicial avulsa.
20.ª - O art. 560.º do Código Civil não acolheu a proposta de Vaz Serra desfavorável à capitalização de juros moratórios.
21.ª - A restrição estabelecida no n.º 3 do art. 806.º do Código Civil não prejudica a capitalização de juros moratórios porque esta se situa antes no domínio de aplicação dos n.ºs 1 e 2 desse preceito, ou seja, do que se trata é de calcular, em abstracto, através da taxa de juros, o dano decorrente da falta de pagamento de uma obrigação pecuniária correspondente aos juros vencidos.
22.ª - Contrariamente ao que se sustenta na sentença recorrida, nem na jurisprudência nem na doutrina é dominante o entendimento contrário à admissão da capitalização de juros moratórios.
23.ª - A sentença errou ao negar a capitalização sucessiva de juros moratórios por considerar que ela conduziria à aplicação de uma taxa de juro usurária.
24.ª - Por força da capitalização passam a ser devidos juros moratórios não apenas sobre a obrigação principal como sobre a própria obrigação de pagar os juros moratórios entretanto capitalizados, pelo que é uma impossibilidade lógica que, em consequência da capitalização, os juros excedam a taxa legal aplicável — pois que eles são precisamente calculados a essa taxa.
25.ª - Na situação dos autos, mesmo que, num exercício aritmético incorrecto, se ficcionasse que os juros apurados por aplicação da taxa legal ao crédito decorrente das capitalizações teriam incidido sobre uma base fixa de 25.453.128,76 € (desconsiderando assim, para estes efeitos, o facto de o juro composto ter passado a ser calculado sobre uma base diferente, que considera os juros entretanto vencidos), verificar-se-ia que a taxa de juros efectiva seria sempre inferior a 10% — o que significava que estávamos ainda dentro da margem prevista no art. 1146.º do Código Civil, não se colocando qualquer problema de usura.
26.ª - De todo o modo, e ainda que assim não fosse, a verdade é que não estaríamos nunca perante um problema de usura ilícita, porque a capitalização dos juros é permitida pela norma do art. 560.º do Código Civil - o que, evidentemente, sempre excluiria a ilicitude e constituiria fundamento bastante para a sua cobrança.
27.ª - Respeitados os requisitos estabelecidos no art. 560.º do Código Civil e, na situação dos autos, foram-no relativamente a todas as capitalizações efectuadas, como bem se admite na sentença recorrida -, nenhuma razão existe para entender que a capitalização sucessiva de juros gera uma situação de desequilíbrio entre as partes em prejuízo do devedor.
28.ª - Nenhuma similitude existe entre o anatocismo e um sistema de justiça privada. Quando interpela o devedor para capitalizar os juros vencidos há mais de um ano ou para pagar sob pena de capitalização, o credor está apenas a acautelar o seu direito ao ressarcimento dos danos que o não pagamento tempestivo da dívida lhe causa, direito esse que terá depois de exercer pelas vias que a ordem jurídica lhe faculta, recorrendo à competente acção judicial para procurar obter a sua satisfação - como acontece com a NOS, na presente acção.
29.ª - O regime do Dec.-Lei n.º 58/2013, de 8 de Maio, não só não contém qualquer argumento contrário à capitalização sucessiva de juros moratórios como constitui um forte indício de que o regime geral da lei - fora, portanto, do específico domínio do cálculo dos juros nas operações de crédito bancárias deve ser de permissão da capitalização de juros moratórios pelas vezes necessárias para acautelar a indemnização causada pelo atraso no pagamento.
30.ª - A capitalização de juros devidos e não pagos, por um lado, e a aplicação de uma taxa de juros moratórios agravada face à taxa geral (ou, acrescente-se, face à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação), por outro lado, são remédios alternativos.
31.ª - No quadro do Dec.-Lei n.º 58/2013, concede-se aos bancos a possibilidade de calcular os juros de mora nos termos de uma taxa especialmente gravosa, calculada por aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3% sobre a taxa de juros remuneratórios aplicável à operação em causa.
32.ª - Fora desse âmbito, porém, isso não sucede, pelo que o credor está limitado ao sucedâneo que é a capitalização de juros devidos e não pagos, e a ela terá de lançar mão tantas vezes quantas as necessárias para assegurar o ressarcimento dos danos causados pela mora do devedor.
33.ª - O resultado a que conduziria a aplicação da doutrina contida na sentença recorrida seria totalmente irrazoável: não dispondo o credor de obrigações pecuniárias em geral desta possibilidade de que os bancos gozam de aplicar uma taxa mais gravosa, ficaria também privado do remédio alternativo que está na capitalização dos juros moratórios, em nome de uma pretensa protecção do interesse do devedor inadimplente.
34.ª - Prevenindo a eventualidade de não se atender à nulidade da sentença por omissão de pronúncia acima invocada, ou de a Relação entender fazer uso do seu poder de substituição ao Tribunal recorrido, nos termos do art. 665.º, n.º 2, do C.P.C., alegam-se também as razões pelas quais, no entender da NOS, a acção deve proceder também na parte em que se sustenta que o pagamento que foi efectuado pela MEO é insuficiente para solver integralmente a dívida em que foi condenada na acção n.º 524/10.1TVLSB porque a quantia paga pela MEO foi calculada contando juros somente até 18 de Maio de 2018, com base em alegada mora do credor.
35.ª - Desde logo, não há recusa ilícita de recebimento pelo credor quando este chama a atenção do devedor para o facto de o montante devido ser superior ao que este se dispõe a pagar e não recebe do devedor qualquer resposta como aconteceu na situação dos autos.
36.ª - Depois, a NOS nunca se recusou a receber a quantia que a MEO se propôs pagar, nem se recusou a dar quitação, pelo que não incorreu em mora do credor alguma.
37.ª - Contrariamente ao que a MEO pretende, esta não podia exigir que a NOS reconhecesse que o montante pago correspondia à totalidade do que era devido por força da condenação judicial de que a MEO foi objecto, nem que correspondia aos montantes de capital e de juros especificados pela MEO, e também não podia exigir que a NOS, enquanto credora, se abstivesse de inserir na declaração de quitação as reservas que entendesse dever fazer quanto ao seu direito a maior quantia, nomeadamente por força das capitalizações de juros entretanto efectuadas.
38.ª - Em suma, ao enviar à MEO a carta de 11 de Maio de 2018, corrigindo o montante que a MEO se propunha pagar e mostrando-se disponível para emitir a declaração de quitação com o teor dela constante, a NOS não recusou receber nem formulou qualquer reserva que a lei não admita.
39.ª - À data em que a MEO entregou à NOS a quantia de € 40.879.084,61, como à data de hoje, nada obsta a que a dívida da MEO vencesse e continue a vencer juros moratórios, pelo que o pagamento feito pela MEO a 3.7.2018, mesmo nos errados pressupostos de que esta partiu, era insuficiente para solver a totalidade da dívida, já que nenhuma razão existia para fazer cessar a contagem dos juros moratórios à data de 18.5.2018.
40.ª - A excepção da prescrição do crédito de juros invocada pela MEO é improcedente.
41.ª - Se, por efeito da capitalização dos juros, estes passam a ser tratados como dívida de capital, então não há razões para que continuem sujeitos ao prazo curto de prescrição, devendo o crédito respectivo, também para efeitos prescricionais, cair antes no âmbito de aplicação do regime aplicável ao crédito de capital correspondente - no caso, passando a sujeitar-se ao prazo regra de 20 anos do art. 309.º do Código Civil -, o que por si só determina a improcedência da referida excepção da prescrição.
42.ª - Não parece de acolher a interpretação restritiva da norma do art. 323.º do Código Civil, de que a notificação judicial, enquanto meio de interromper a prescrição, só opera uma única vez, não podendo por esse meio operar-se sucessivas interrupções do prazo prescricional.
43.ª - Como quer que seja, a verdade é que a doutrina contida em tal interpretação restritiva da norma do art. 323.º não tem aplicação na situação dos autos, porque os pressupostos de facto não são coincidentes.
44.ª - Na situação em apreço, não está em causa um qualquer efeito multiplicador do prazo prescricional através de sucessivas notificações, mas apenas e só o efeito interruptivo da prescrição que decorre de uma notificação judicial avulsa realizada na pendência do (primeiro) prazo prescricional.
45.ª - A única solução razoável, numa situação como esta, é de considerar que, tendo o credor interpelado o devedor por várias vezes no decurso do prazo, deve poder beneficiar do maior prazo para o exercício do seu direito por efeito da interrupção da prescrição, para o que se deverá associar esse efeito interruptivo da prescrição à última notificação efectuada.
46.ª - Caso se entendesse que, sendo efectuadas várias notificações judiciais avulsas dentro do mesmo prazo prescricional, só a primeira relevaria para efeitos de interrupção da prescrição, estar-se-ia a aplicar a norma do art. 323.º do Código Civil com um sentido inconstitucional por violação do princípio constitucional da confiança e da garantia do acesso à tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20.º da Constituição.
47.ª - Ainda que se pudesse entender que o direito aos juros capitalizados mais antigos - isto é, aqueles que se tivessem vencido há mais de 5 anos à data da propositura da presente acção - tivesse já prescrito (no que obviamente não se concede), daí não decorreria a preclusão do direito a todos os juros capitalizados, já que o efeito de uma putativa prescrição do direito aos juros capitalizados mais antigos seria unicamente deixar de se poder exigir em juízo o pagamento de tais juros -, sem que daí resultasse que a NOS perdesse também a possibilidade de cobrar à MEO os demais juros capitalizados vencidos há menos de 5 anos.
48.ª - A pendência de uma acção judicial na qual é reclamado o pagamento da dívida não contende em nada com a certeza da mesma - a obrigação pedida em juízo pela NOS era certa seja quanto ao capital seja quanto aos juros e a sentença que a reconheceu não teve qualquer efeito de determinação dessa mesma obrigação.
49.ª - O crédito invocado no proc. n.º 524/10.1TVLSB tinha o seu quantitativo inteiramente apurado, pelo que não dependia de qualquer acto de liquidação para fixar esse seu quantum - sendo certo que a liquidez de uma dívida não é posta em causa pelo facto de a sua exigibilidade ser contestada pelo credor.
50.ª - Sendo líquida a obrigação principal, líquidos serão também, em consequência, os juros de mora, já que o montante destes se apura por mera aplicação das taxas legais.
51.ª - A sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, as normas do art. 581.º do Código de Processo Civil, no modo corno aplicou ao caso as regras do caso julgado, e dos arts. 560.º e 806.º, n.º 3, do Código Civil, ao julgar que delas decorre a inadmissibilidade da capitalização sucessiva de juros moratórios.»
Propugna, por isso, a Apelante a procedência dos fundamentos do recurso, revogando-se a sentença recorrida e concluindo-se pela condenação da Ré no pedido.
12. A Ré apresentou alegação de resposta, com as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Dos alegados vícios da Sentença: lapsos e omissão de pronúncia
A. A MEO nada tem a opor à correção dos lapsos apontados pela NOS ao texto da Sentença nos pontos 10 a 14 das alegações.
B. Não deverá ser aditado à matéria de facto o facto alegado pela NOS no artigo 40.º da sua petição inicial de que a quantia referida pela NOS na sua carta de 11.05.2018, de € 40.859.558,92 excedia em € 41.805,90 aquela indicada na carta de 08.05.2018, por a MEO se ter enganado no cálculo dos juros.
C. Por um lado, a diferença aritmética entre as quantias referidas nas cartas juntas à petição inicial como documentos n.º 21 e 22 resulta da análise do conteúdo das mesmas, e, por outro, o que a MEO veio dizer sobre esta matéria na contestação foi que os advogados das partes admitiram a retificação da divergência de valores, não tendo sido esta divergência que fundou a recusa da NOS em dar quitação à MEO.
D. Não procede a alegada omissão de pronúncia da Sentença recorrida por o Tribunal a quo não ter conhecido de um pedido alegadamente deduzido pela NOS de que a MEO fosse condenada a pagar o remanescente do crédito que foi reconhecido à NOS pela sentença proferida na Ação de 2010, por a quantia paga pela MEO ter sido calculada contando juros somente até 18.05.2018 e não até à data do efetivo pagamento, em 03.07.2018.
E. A NOS formulou um único pedido de condenação da MEO no pagamento do montante de € 4.856.983,93, acrescido de juros vencidos e vincendos, fundando-o nas seis capitalizações de juros que efetuou.
F. A NOS não formulou qualquer pedido subsidiário ou alternativo de condenação da MEO no pagamento do montante de juros alegadamente vencidos entre 18.05.2018 e 03.07.2018, limitando-se a afirmar no corpo da petição inicial que mesmo no pressuposto de não serem válidas, nem eficazes as seis notificações para capitalização de juros após 07.04.2010, o montante devido pela MEO era insuficiente.
G. Não fundando tais afirmações um pedido concreta e expressamente deduzido pela MEO, essas afirmações não configuram causa de pedir, pelo que a Sentença não enferma de qualquer nulidade, tendo conhecido do único pedido formulado pela Autora e das causas de pedir que serviram de fundamento a esse pedido.
2. A não verificação da autoridade do caso julgado quanto à possibilidade de capitalizar sucessivamente
H. O caso julgado formado na Ação de 2010 não abrange as seis notificações judiciais avulsas requeridas pela NOS na pendência da Ação de 2010, dirigidas à capitalização sucessiva de juros moratórios (e juros já capitalizados) vencidos sobre o crédito em discussão nessa ação.
I. O Tribunal que proferiu a sentença na Ação de 2010 apenas considerou os pedidos aí formulados pela NOS, a saber: a condenação da MEO no pagamento do capital resultante das faturas em dívida, dos juros moratórios vencidos sobre aquele e do montante devido por efeito de uma capitalização (única) de juros ocorrida em 07.04.2010, data da citação da MEO para a Ação de 2010.
J. Nunca a NOS carreou para o processo as referidas seis notificações judiciais avulsas, nem tão-pouco alterou a causa de pedir ou os pedidos aí deduzidos.
K. A sentença proferida na Ação de 2010 não tomou, pois, posição quanto a capitalizações operadas em datas posteriores, pelo que não existe qualquer autoridade de caso julgado que possa abranger o peticionado nesta ação.
L. Por outro lado, não decorre da decisão condenatória proferida na Ação de 2010, que a NOS tem um direito abstrato a capitalizar sucessivamente juros moratórios vencidos sobre a quantia ali peticionada, não tendo sido formulado um pedido nesse sentido.
3. A inadmissibilidade da capitalização sucessiva de juros
M. A capitalização sucessiva de juros moratórios não é admitida pelo nosso ordenamento.
N. O nosso ordenamento jurídico prevê uma fórmula de compensação do credor pela demora no cumprimento das obrigações pecuniárias que corresponde ao vencimento de juros de mora, nos termos do artigo 806.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, sendo a prova de dano superior, para efeitos do n.º 3 da norma, admitida apenas no âmbito da responsabilidade civil extracontratual ou pelo risco.
O. O anatocismo, tal como previsto pelo artigo 560.º do Código Civil, não pode constituir mecanismo para obviar a esse regime, tornando-se um mecanismo desproporcionado de punição do devedor inadimplente, desde logo considerando que o nosso sistema jurídico estabeleceu um princípio geral de proibição absoluta do mesmo.
P. O anatocismo – i.e., o vencimento de juros sobre juros - apenas é admitido como ato único quando verificados os pressupostos do artigo 560.º do Código Civil e dentro dos restantes limites impostos pelo sistema.
Q. Considerando a excecionalidade associada à previsão do anatocismo (juros de juros) por aquela norma, assim como a proibição de princípio com que o próprio sistema o encara, por maioria de razão, não deverá ser admitida a capitalização sucessiva de juros.
R. Não existe qualquer racionalidade económica juridicamente atendível subjacente à capitalização sucessiva de juros moratórios, porquanto esta não é admitida no nosso ordenamento jurídico.
S. O regime previsto para a compensação do credor pela mora do devedor no cumprimento de obrigações pecuniárias não encontra na sua razão de ser a rentabilização do capital em dívida – não se está, pois, perante juros remuneratórios mas sim perante juros de mora.
T. A proibição da usura, em geral, bem como a proibição de juros usurários plasmada no artigo 559.º-A, em conjugação com o artigo 1146.º do Código Civil, impede que o anatocismo possa implicar a sujeição do devedor a taxas de juro usurárias.
U. In casu, a pretensão da NOS reconduz-se a pedir que ao capital inicial resultante de faturas em dívida no montante de € 13.561.485,00 seja aplicada uma taxa de juro anual de 18% entre 05.03.2010 e 03.07.2018.
V. Considerando que no período em causa, a taxa de máxima de juros aplicáveis a créditos que são titulares empresas comerciais foi fixada em 8,25%, as taxas resultantes dos montantes que a NOS pede são claramente usurárias, e, portanto, ilegais, ultrapassando em bem mais do que 5% a taxa legalmente fixada.
W. Termos em que o reconhecimento à NOS do direito que peticiona às seis capitalizações sucessivas implicaria (i) o desvirtuar do regime da mora previsto para as obrigações pecuniárias;
(ii) a violação da excecionalidade subjacente à previsão do anatocismo pelo artigo 560.º do Código Civil e, adicionalmente, (iii) a aplicação de uma taxa de juro usurária.
X. Adicionalmente, a capitalização sucessiva de juros constitui um mecanismo inadmissível de justiça privada, na medida em que, ao não encontrar previsão legislativa enquanto meio de autotutela (como é o caso do anatocismo, previsto pelo artigo 560.º do Código Civil), não se encontra coberta pela exceção do artigo 1.º do CPC.
Y. Ademais, o regime do anatocismo bancário, em particular do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio, não constitui argumento favorável à capitalização sucessiva de juros moratórios – antes pelo contrário.
Z. Resulta do referido diploma que a capitalização de juros moratórios só pode ocorrer em casos muito específicos – no âmbito de reestruturação ou consolidação de contratos de crédito – e mediante acordo das partes (cf. o artigo 7.º, n.º 5), e que se encontra vedada a possibilidade de capitalizar sucessivamente juros e de vencer juros moratórios sobre juros capitalizados sucessivamente (cf. o artigo 7.º, n.º 3).
AA. Resulta ainda do diploma que o legislador procurou, claramente impor limites aos montantes que poderão ser cobrados a título de juros moratórios (cf. o artigo 8.º, n.º 1) – definindo uma taxa francamente inferior à taxa de juro comercial que serve de base às capitalizações efetuadas pela NOS e que se situa entre os 7% e os 8,25%.
4. A inadmissibilidade de capitalização de juros na pendência de uma ação judicial sobre um crédito incerto.
BB. A NOS não apenas pretende que lhe seja reconhecido o direito a capitalizar sucessivamente juros moratórios vencidos e já capitalizados como, adicionalmente, pretende que lhe seja reconhecido fazê-lo enquanto se discutia numa ação judicial se o crédito sobre o qual se venciam juros era, ou não devido, sendo, consequentemente, incerto.
CC. Tal pretensão não encontra acolhimento porquanto desvirtuaria o modo de cobrança de créditos em toda e qualquer ação judicial, na medida em que abriria as portas à possibilidade de, em prejuízo do devedor, a dívida de capital (e bem assim de juros vencidos sobre os juros em discussão na ação) ser desmesuradamente incrementada – o risco do processo jamais pode correr duplamente pelo réu.
DD. Acresce que a obrigação de juros pressupõe a dívida de capital, sendo necessário que esta se encontre vencida, seja certa e exigível, para que possa vencer juros.
EE. Da mesma forma, a obrigação de juros de juros – o anatocismo – deverá pressupor a dívida de juros inicial, a qual não poderá vencer juros até ser certa.
FF. Por outro lado, dispõe o artigo 805.º, n.º 3 que “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido”.
GG. Ora, considerando que o crédito de juros de mora se encontrava em discussão na Ação de 2010, tal crédito era incerto e ilíquido, não podendo, assim, vencer juros.
5. A alegada inexistência de mora do credor
HH. Não podia o Tribunal a quo, nem pode o Tribunal ad quem conhecer de um pedido que a NOS não formulou, pelo que no âmbito dos presentes autos e no caso de se entender que as seis capitalizações de juros efetuadas não são válidas, nem eficazes, não se pode conhecer de uma alegada dívida da MEO resultante do vencimento de juros entre 18.05.2019 e 03.07.2018.
II. Ainda que assim não se entendesse e que tal dívida pudesse ser conhecida – o que apenas por cautela de patrocínio se concebe sem conceder - ter-se-á de concluir que a MEO extinguiu o crédito da NOS no momento em que deduziu o incidente de consignação em depósito, em 18.05.2018.
JJ. Ao recusar-se a dar quitação à MEO quando esta se dispôs a entregar-lhe o montante resultante da sentença proferida na Ação de 2010, incorreu em mora (cf. o artigo 813.º do Código Civil).
6. A exceção perentória de prescrição
KK. Ainda que se entendesse que assiste à NOS o direito a capitalizar sucessivamente juros moratórios e já capitalizados vencidos sobre o crédito em discussão na Ação de 2010 e na pendência desta, esse crédito decorrente dessa capitalização sucessiva sempre estaria prescrito.
LL. Como resulta da Ação de 2010, o capital emergente das faturas em dívida é apenas um e ascende a € 13.561.485.
MM. O direito que a NOS pretende ver reconhecido ao pagamento de uma quantia para lá daquele montante, sempre resultará do alegado vencimento de juros e do alegado vencimento de juros sobre juros a partir da capitalização de juros efetuada em 07.02.2012.
NN. Emergindo o remanescente da dívida de capital peticionado pela NOS de capitalizações de juros, sempre se terá de concluir que esse remanescente resulta de um crédito de juros.
OO. Sucede que, nos termos do artigo 310.º, al. d) do Código Civil, os créditos de juros prescrevem no prazo de cinco anos e, nos termos do artigo 306.º do Código Civil, o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido.
PP. Ora, à data da instauração da presente ação, em 03.12.2018, já tinham decorrido mais de cinco anos desde 07.02.2012, data em que a NOS, através de notificação judicial avulsa, pretendeu capitalizar os juros vencidos até então e que constituem o pressuposto das capitalizações posteriores, pelo que o alegado direito da NOS aos juros capitalizados em 07.02.2012 – se existisse -, encontrar-se-ia inteiramente prescrito.
QQ. Estando prescrito o referido direito, inexiste o direito a juros de juros emergente das capitalizações de juros efetuadas após 07.02.2012, porquanto as capitalizações subsequentes partem do pressuposto que os juros capitalizados a 07.02.2012 seriam devidos.
RR. Das notificações judiciais avulsas requeridas pela NOS com vista à capitalização, apenas a primeira é apta a interromper o decurso do prazo de prescrição – isso mesmo resulta do artigo 323.º do Código Civil e da circunstância de o único interesse juridicamente atendível do credor ser o interesse no cumprimento.
7. A ampliação do objeto do recurso: a exceção dilatória de caso julgado
SS. Caso o Tribunal ad quem não confirme a Sentença recorrida, a MEO requer a ampliação do objeto do recurso, nos termos do artigo 636.º, n.º 1 do CPC, para que o Tribunal ad quem possa conhecer da exceção dilatória de caso julgado que suscitou na sua contestação e considerada improcedente pelo Tribunal a quo.
TT. O caso julgado que se formou na Ação de 2010 obsta a que o crédito que se encontrava em discussão naquela ação possa ser novamente conhecido.
UU. Considera a NOS que os montantes devidos a título de capital e de indemnização pelo não pagamento das faturas na data do seu vencimento e pelo decurso do tempo até efetivo pagamento são diferentes, superiores aos peticionados na Ação de 2010, tendo o capital inicial evoluído por força daquelas seis capitalizações de juros efetuadas fora daquele processo, as quais seriam possíveis como forma de compensação – adicional àquela que já resultava do vencimento de juros de mora e da capitalização ocorrida em 07.04.2010 - pelo atraso no pagamento dos juros moratórios.
VV. Assim, o que a NOS pretende ver reconhecido nos autos contraria o que decorre da sentença proferida na Ação de 2010, uma vez que de acordo com aquela o montante devido à data do trânsito em julgado da mesma era diferente daquele que decorre do entendimento agora explanado pela NOS.
WW. Encontra-se verificada a tríplice identidade (subjetiva e objetiva) necessária à verificação do caso julgado enquanto exceção dilatória (cf. os artigos 580.º e 581.º do CPC).
XX. Tal como reconhecido pela Sentença recorrida, existe identidade subjetiva, sendo os mesmos os sujeitos processuais na presente ação e na Ação de 2010.
YY. Quanto à identidade objetiva, de pedido e causa de pedir, esta deve ser analisada com base na delimitação que a NOS fez do objeto do litígio (pedido e causa de pedir) (cf. o artigo 5.º, n.º 1 do CPC).
ZZ. Considerando a NOS que os montantes peticionados na presente ação são devidos por força do vencimento de juros sobre o crédito objeto da Ação de 2010, sendo que à data do trânsito em julgado da sentença aí proferida eram devidos montantes superiores aos aí fixados, quer a título de capital, quer a título de juros, existe identidade objetiva entre esta ação e a Ação de 2010.
AAA. Verifica-se, assim, nos autos exceção dilatória de caso julgado (cf. a alínea i), do artigo 577.º do CPC), determinando a absolvição da MEO da instância
13. A Autora respondeu à ampliação de recurso apresentada pela Ré, com as seguintes CONCLUSÕES:
«1.ª - A ampliação do recurso requerida pela MEO está condenada a improceder, porque efectivamente não se verifica a excepção do caso julgado por ela invocada — ainda que por razões que, no entender da NOS, não são inteiramente coincidentes com as da decisão recorrida.
2.ª - Conforme a NOS sustenta na acção, e também no presente recurso, deve entender-se que o caso julgado formado no proc. n.º 524/10.1TVLSB abrange as capitalizações de juros promovidas após a citação da MEO para essa acção, uma vez que a sentença afirma o direito da NOS de proceder à capitalização dos juros vencidos por todo o período entre a data da sentença e a do efectivo pagamento.
3.ª - E mesmo que não se interprete desse modo o teor decisório da sentença proferida no proc. n.º 524/10.1TVLSB, a autoridade do caso julgado material  sobre ela formado estende-se também às capitalizações de juros subsequentes à realizada na sequência da notificação de 7.4.2010.
4.ª - Por uma ou por outra via, é manifesto que a excepção oposta pela MEO tem de improceder, porque o que resulta do caso julgado formado na anterior acção é, bem ao contrário do pretendido pela MEO, o reconhecimento do crédito da NOS peticionado nestes autos.
5.ª - Ainda que se entenda que da decisão proferida no primeiro processo decorre apenas que a NOS tem direito à capitalização de juros até 7.4.2010, e não aos juros decorrentes das capitalizações subsequentes, isso não leva, em hipótese alguma, à procedência da excepção do caso julgado.
6.ª - Contrariamente ao que a MEO alega, as capitalizações de juros efectuadas na sequência das notificações judiciais avulsas de 18.9.2015, 15.12.2016 e 12.1.2018, porque realizadas depois de encerrada a discussão em Primeira Instância no proc. n.º 524/10.1TVLSB, nunca poderiam ter sido nele consideradas.
7.ª - Quanto a essas capitalizações e ao efeito delas resultante, portanto, nunca seria oponível a excepção do caso julgado mesmo que tivesse fundamento o alegado pela MEO.
8.ª - Contrariamente ao que alega a MEO, o facto de o pedido formulado na acção n.º 524/10.1TVLSB não esgotar o direito da NOS, por alegadamente não abranger os juros capitalizados vencidos antes do encerramento da discussão em Primeira Instância nessa acção, não impede a NOS de vir, pela presente acção, pedir a parcela remanescente, que resulta da capitalização desses juros.
9.ª - Não existe, da parte do autor na acção declarativa, nenhum dever de concentração ou de esgotamento das suas pretensões numa mesma acção, podendo ele deduzir um pedido meramente parcial, que não esgota o seu direito ou pretensão, sem com isso ficar precludida a possibilidade de, querendo, demandar subsequentemente o mesmo réu relativamente à parte restante do seu direito ou pretensão - assim acontece, pelo menos, em caso de procedência da primeira acção, como acontece na situação em apreço.
10.ª - Caso não se entenda que a condenação proferida na primeira acção abrange todas as capitalizações, o que dela resultou foi uma decisão que julgou válida e eficaz a primeira dessas capitalizações, que não obsta a que se peça agora a condenação da MEO no pagamento do remanescente da dívida de capital que ficou por pagar por a quantia entregue pela MEO ser insuficiente para satisfazer o crédito de capital e juros da NOS, atentas as demais capitalizações entretanto efectuadas.
11.ª - Por todas as razões apontadas, improcede a excepção de caso julgado deduzida pela MEO.»
Termina pedindo que se julgue improcedente a exceção de caso julgado deduzida pela MEO em ampliação do recurso e, consequentemente, se decida conforme requerido na apelação interposta pela NOS.
14. Por despacho de 11.11.2020, o recurso de apelação foi admitido, com subida de imediato, nos próprios autos e efeito devolutivo.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade da sentença, afirmando que a matéria invocada pela NOS não era objeto do pedido formulado nestes autos, não fundando qualquer pretensão.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
A – Objeto do recurso:
1. Da retificação de lapsos e omissão na fundamentação de facto da sentença;
2. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
3. Do erro de julgamento na apreciação do fundamento da autoridade do caso julgado, no sentido da abrangência das seis capitalizações de juros de mora operadas extrajudicialmente pela NOS;
4. Do erro de julgamento na não admissão da capitalização de juros:
. dos juros de mora sobre juros de mora;
. da capitalização sucessiva de juros;
. da capitalização de juros na pendência de uma ação.
5. Da verificação da prescrição dos créditos de juros e suas consequências no capital reclamado [questão precludida, mas que pode relevar no caso da procedência das demais alegações de recurso]
B – Ampliação do objeto do recurso [artigo 636.º do CPC]:
Do erro de julgamento quanto à verificação da exceção dilatória do caso julgado, indagando-se se a Ré/Recorrida MEO deveria ter sido absolvida da instância, ao abrigo dos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea i), do CPC.
*
III - Fundamentação
Fundamentação de facto
Os factos considerados provados na sentença recorrida são os seguintes [corrigimos os lapsos de escrita, acrescentámos o ponto 22.A e aditámos a fundamentação da sentença e do acórdão nos pontos 3. e 4., ao abrigo dos artigos 574.º, n.º 2, 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC]:
1. Correu termos na 2.ª secção da 4.ª Vara Cível de Lisboa (posteriormente J13 da Instância Central cível de Lisboa), sob o n.º 524/10.1TVLSB, entrado em juízo em 6.3.2010, ação declarativa na qual a Autora (à data designada SONAECOM – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES, S.A. e depois também designada OPTIMUS COMUNICAÇÕES, S.A.) demandou a Ré (à data designada PT COMUNICAÇÕES, S.A.) peticionando, entre o mais, a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de 25 355 040,21 €, acrescida de juros sobre o montante de 13 561 485 €, às taxas máximas sucessivamente em vigor entre 5.3.2010 e a data da notificação para capitalização de juros também requerida na petição inicial, e juros sobre o montante de 13 561 485 €, adicionado o montante dos juros capitalizados, às taxas legais máximas sucessivamente em vigor, entre a data de tal notificação e a do efetivo pagamento (conforme doc. 1 junto com a p.i.).
2. Na petição inicial dessa ação, a Autora requereu a notificação da Ré nos termos do artigo 560.º do Código Civil, para capitalizar os juros vencidos ou proceder a tal pagamento, notificação que ocorreu a 7.4.2010.
3. Com data de 15.7.2015, foi proferida sentença naqueles autos tendo-se decidido condenar a Ré «a pagar à A. a quantia de €25.355.040,21 acrescida de juros sobre o montante de €13.561.485,00 às taxas legais máximas de juros sucessivamente em vigor entre 5 de março de 2010 e a data da notificação para capitalização de juros (07/04/2010) sobre o montante de €13.561.485,00, adicionado do montante de juros capitalizados, às taxas legais máximas sucessivamente em vigor, entre a data da referida notificação (07/04/2010) e a do efectivo pagamento» – cf. doc. 3 junto com a p.i. que aqui se dá por reproduzido.
Consta da fundamentação da sentença, a respeito da matéria da capitalização de juros, que:
«Por outro lado, dispõe o art.º 560 do C.C. que "pode haver também juros de juros a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização."
A R. foi notificada para este efeito (por nova carta de citação) em 07/04/2010.
Não tendo na sequência desta notificação a R. capitalizado os juros vencidos ou procedido ao seu pagamento, tem a A. direito à sua capitalização».
4. Interposto recurso desta sentença, foi proferido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em 20.9.2016, a que se referem as cópias de fls. 190 a 208, que julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.
Consta da fundamentação do acórdão, a respeito da matéria da capitalização de juros, que:
«Quanto ao vencimento de juros sobre juros, dispõe o n.º 1 do art. 560º do C. Civil que para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
Conforme resulta dos autos, logo na petição inicial, a autora requereu que a ré fosse notificada nos termos do art. 560º, n.º 1 do Código Civil, para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
Sucede que a Ré foi notificada para tal em 7-4-2010.
Nada tendo feito a ré em conformidade terá a autora direito à requerida capitalização».
5. A Ré interpôs recurso de revista excecional para o STJ que, em 9.3.2017 proferiu acórdão, cuja cópia consta de fls. 210 a 218, que não admitiu a revista.
6. A Ré interpôs recurso para o Tribunal Constitucional que decidiu não tomar conhecimento do objeto do mesmo, cf. decisão junta a fls. 220 a 239.
7. A decisão transitou em julgado em 19.4.2018 – cf. certidão de fls. 537.
8. A 2.2.2012, a NOS requereu a notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos sobre a quantia de 25 453 128,76 € desde 8.4.2010 até à data em que ocorresse tal notificação, ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a Ré sido notificada em 7.2.2012 - cf. doc. de fls. 241 a 257.
9. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 8.4.2010 até 7.2.2012, no valor total de 3 775 431,21 €.
10. A 19.4.2013, a NOS requereu nova notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos desde 8.2.2012 até à data em que ocorresse tal notificação, ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a notificação ocorrido a 24.4.2013 – cf. doc. de fls. 258 a 279.
11. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 8.2.2012 até 24.4.2013, no valor total de 2 808 744,50 €.
12. A 11.7.2014, a NOS requereu novamente a notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos desde 25.4.2013 até à data em que ocorresse essa notificação ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a notificação ocorrido a 1.8.2014 – cf. doc. de fls. 280 a 313.
13. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 25.4.2013 até 1.8.2014, no valor total de 3 019 669,55 €.
14. A 4.9.2015, a NOS requereu novamente a notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos desde 2.8.2014 até à data em que ocorresse essa notificação ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a notificação ocorrido a 18.9.2015 – cf. doc. de fls. 314 a 394.
15. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 2.8.2014 até 18.9.2015, no valor total de 2 811 137,11 €.
16. A 30.9.2016, a NOS requereu novamente a notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos desde 19.9.2015 até à data em que ocorresse essa notificação ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a notificação ocorrido a 15.12.2016 – cf. doc. de fls. 398 a 441.
17. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 19.9.2015 até 15.12.2016, no valor total de 3 311 955,37 €.
18. A 2.1.2018, a NOS requereu novamente a notificação judicial avulsa da MEO para que esta capitalizasse os juros vencidos desde 16 de dezembro de 2016 até à data em que ocorresse essa notificação ou para que procedesse ao pagamento da quantia total em dívida sob pena de capitalização, tendo a notificação ocorrido a 12.1.2018 – cf. doc. de fls. 442 a 482.
19. No requerimento de notificação judicial avulsa constava do artigo 23.º que «A requerente adverte a requerida de que é seu firme propósito exercer contra a requerida o direito ao recebimento da quantia devida por força das sucessivas capitalizações de juros efectuadas desde a entrada em juízo da petição inicial no proc. n.º 524/10.1TVLSB» – cfr. fls. 447.
20. Não tendo sido realizado o pagamento, a NOS considerou capitalizados os juros vencidos desde 16.12.2016 até 12.1.2018, no valor total de 3 103 735,97 €.
21. Por carta datada de 8.5.2018, cuja cópia se encontra junta a fls. 484 e ss, a MEO comunicou à NOS que «Tendo a MEO presente que transitou em julgado a decisão proferida nos autos supra referenciados, e na sequência dos contactos mantidos entre os mandatários da NOS COMUNICAÇÕES, S.A. e da MEO- SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MUTIMÉDIA, S.A., sobre o processo em epígrafe, vimos pela presente expor perante V.exas o infra. (...) Entende a MEO que, nos termos da sentença, a quantia global devida à NOS ascenderá a 15 de Maio de 2018, ao valor de €40.817.753,02, equivalente à somadas seguintes rubricas:
i. €25.355.040,21 correspondente ao montante do capital em dívida (I.e. €13.561.485,00) acrescido do montante de juros vencidos até 5 de Março de 2010 (i.e. €11.793.555,21);
ii. €98.088,55 correspondente ao montante de juros vencidos entre 5 de março de 2010 e a data da notificação para capitalização de juros, ou seja, 7 de Abril de 2010;
iii. €8.186.306,81 correspondente ao montante de juros vencidos entre 7 de Abril de 2010 e 15 de Maio de 2018; e
iv. €7.178.317,45 correspondente aos juros vencidos até à data da notificação para capitalização de juros, ou seja, 7 de Abril de 2010 (€11.891.643,76) capitalizados desde essa data até ao dia 15 de Maio de 2018.
Tem a Meo presente que, para além do peticionado na acção referida, a NOS veio a  requerer através de 6 notificações judiciais avulsas realizadas em 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2018, que a MEO capitalize sucessivamente os juros vencidos sobre o montante em dívida na acção, englobando nestes últimos, tanto juros moratórios como juros capitalizados. Contudo, estes sucessivos pedidos de capitalização não foram conhecidos no processo em epígrafe, pelo que a sentença proferida não conheceu dos mesmos, nem condenou a MEO no seu pagamento.
(...) Assim a MEO vem pela presente reiterar a sua intenção de proceder ao pagamento da quantia de €40.817.753,02, (...) solicitamos que no prazo de 72 horas a contar da recepção da presente carta a NOS:
i) Manifeste a sua concordância quanto ao montante que, segundo os cálculos feitos pela MEO, decorre dos termos da decisão proferida nos autos em epígrafe, bem como quanto ao texto do recibo de quitação constante da minuta em anexo; (...)» - negrito e sublinhado nossos.
22. A NOS [lapso de escrita corrigido – artigo 613.º, n.º 2, do CPC] respondeu por carta datada de 11.5.2018, cuja cópia consta de fls. 486 e ss e aqui se dá por reproduzida, comunicando que:
«(...) a NOS está disponível para emitir uma declaração de quitação nos seguintes termos, assumindo 15 de Maio de 2018 como data do pagamento:
«NOS COMUNICAÇÕES, S.A. confirma ter recebido da MEO - SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA S.A., a quantia de €40.859.558,92.
No pressuposto de que:
a) A decisão proferida no âmbito do processo n.º 524/10.1TVLSB que correu os seus termos perante o Tribunal judicial da comarca de Lisboa, juízo central cível de lisboa – Juiz 13, transitada em julgado, não cobre juros sobre os juros capitalizados por força de seis notificações judiciais avulsas realizadas em 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2018, e de que
b) Tais juros não são devidos, A NOS COMUNICAÇÕES, S.A., declara estarem integralmente pagos os créditos referidos no art.º 36º da petição inicial apresentada no âmbito do referido processo, bem como os juros respectivos. A NOS, porém, não aceita a correcção de pressuposto referido em a) e rejeita expressamente não só a correcção do pressuposto referido em (b) como que o pagamento efectuado pela MEO seja imputado no capital, em toda a medida do necessário para assegurar a liquidação integral dos juros vencidos». - negrito e subl. nossos.
22.A A quantia referida pela NOS na sua carta referida no ponto 22., de 40 859 558,92 €, excedia em 41 805,90 € aquela indicada na carta da MEO mencionada no ponto 21., tendo os advogados das partes admitido a retificação da divergência de valores. [acrescentado]
23. A 18.5.2018, a MEO apresentou em juízo, na ação n.º 524/10.1 TVLSB um requerimento pelo qual suscitou um incidente de consignação em depósito, pedindo que a NOS fosse notificada para receber a quantia de 40 879 084,61 €, que alegava ser a que resulta da sentença ali proferida com juros calculados até à referida data de 18.5.2018 (cf. doc. de fls. 488 a 500).
24. A NOS foi notificada desse articulado e de despacho para «receber, por termo, no dia 4 de Julho de 2018, pelas 11h, a quantia que resulta da sentença proferida nos autos de que estes constituem apenso, em conformidade com o requerido».
25. A NOS pronunciou-se, por requerimento de 13.6.2018 (cf. fls. 520 a 525).
26. A MEO entregou à NOS, por transferência bancária datada de 3.7.2018, a quantia de 40 879 084,61 €.
27. A 4.7.2018, foi lavrado nos autos do proc. n.º 524/10.1 TVLSB termo de recebimento do qual ficou a constar «... A requerente declara pagar a quantia de €40.879.084,61 (quarenta milhões oitocentos e setenta e nove mil e oitenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos) por transferência bancária da qual junta comprovativo.
A requerida declara ter recebido a quantia supra referida, com as reservas constantes de documento, denominado Declaração ao Abrigo do Disposto no art.º 924º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que se anexa, junta ainda comprovativo bancário de recebimento da referida quantia» (cf. doc. de fls. 525 v.º).
28. Nessa declaração, cuja cópia consta a fls. 526, a NOS afirma que «... a quantia em causa, de €40.879.084,61, que a MEO se dispôs a pagar à NOS, é insuficiente para solver a totalidade da dívida da MEO porque esta não está a considerar os juros sobre os juros capitalizados por força das 6 notificações judiciais avulsas promovidas pela NOS após a citação da MEO para a acção, realizadas em 07.02.2012, 24.04.2013, 1.08.2014, 18.09.2015, 15.12.2016 e 12.1.2018 (independentemente de os juros sobre juros capitalizados estarem ou não abrangidos pelo caso julgado formado na presente acção), devendo o pagamento efectuado ser imputado, nos termos da lei, primeiro a juros e só depois a capital;
A referida quantia é também insuficiente pelo facto de o pagamento dever incluir os juros moratórios vencidos até à data em que for integralmente realizado, e não somente até 18 de Maio de 2018, uma vez que não existe mora da NOS como credora». [omissão de escrita corrigida – artigo 613.º, n.º 2, do CPC]
Apreciação do recurso
Recurso interposto pela NOS:
Da retificação de lapsos e omissão na fundamentação de facto da sentença
A Apelante invoca a existência de lapsos materiais na decisão da matéria de facto.
Alega que, no ponto 22. dos fundamentos de facto da sentença, reproduz-se o teor da carta de 11.5.2018, de fls. 486 e ss., dizendo-se que «A MEO respondeu por carta datada de 11 de Maio de 2018 (...)», o que configura um lapso de escrita, uma vez que a carta foi emitida pela NOS.
Sustenta que no ponto 28. dos factos provados, ao transcrever-se o segundo parágrafo da declaração da NOS de 4.7.2018, a fls. 526, a afirmação ficou incompleta, sendo que a omissão manifesta pela supressão de parte do texto dessa declaração prejudica a sua legibilidade.
Sugere que, em correção desse lapso de escrita, passe a constar desse segundo parágrafo do ponto 28. o seguinte texto (com o acrescento da parte sublinhada):
«A referida quantia é também insuficiente pelo facto de o pagamento dever incluir os juros moratórios vencidos até à data em que for integralmente realizado, e não somente até 18 de Maio de 2018, uma vez que não existe mora da NOS como credora».
Por fim, argui que alegou no artigo 40.º da petição inicial que «a quantia referida pela NOS na sua carta, de € 40.859.558,92, excedia em 41.805,90 aquela indicada na carta da MEO, uma vez que esta se havia enganado no cálculo dos juros (e isto mesmo nos pressupostos errados de que partiu para fazer esse cálculo), como veio depois a reconhecer» e que esta matéria não foi impugnada pela MEO na contestação (veja-se os artigos 307.º e 308.º e ainda os artigos 283.º e 284.º desse articulado).
Conclui que esta matéria releva para efeitos da apreciação da questão da alegada mora do credor em que supostamente terá incorrido a NOS, atento o facto de, como se afirma nos artigos 62.º e 63.º da petição inicial, não haver recusa ilícita de recebimento pelo credor quando este alerta o devedor que o montante que este se dispõe a pagar é inferior ao devido, sem dele obter resposta.
Na sua alegação de resposta, a MEO não se opõe à correção dos lapsos no texto da sentença, o mesmo não sucedendo com o alegado pela Recorrente nos pontos 15. a 18. das alegações, nos quais a Recorrente requer que seja dado como provado que «a quantia referida pela NOS na sua carta, de € 40.859.558,92, excedia em € 41.805,90 aquela indicada na carta da MEO, uma vez que esta se havia enganado no cálculo dos juros (e isto mesmo nos pressupostos errados de que partiu para fazer esse cálculo), como veio depois a reconhecer
Considera que, estando ambos os documentos juntos aos autos – docs. n.ºs 20 e 21 juntos à petição inicial -, a diferença entre as referidas quantias resulta de simples cálculo aritmético, pelo que não se vê qualquer necessidade de serem daí retiradas ilações.
De qualquer modo, a Apelada discorda das conclusões que a Apelante retira dessa diferença aritmética, defendendo que a mesma releva para se concluir pela inexistência de mora do credor.
Caso assim não se entenda, a Apelada sugere o aditamento do seguinte facto «a quantia referida pela NOS na sua carta, de €40.859.558,92 excedia em €41.805,90 aquela indicada na carta da MEO, tendo os advogados das partes admitido a retificação da divergência de valores».
Apreciando.
Os princípios da segurança jurídica e da imparcialidade determinam a regra do esgotamento do poder jurisdicional uma vez proferida sentença, segundo o artigo 613.º, n.º 1, do CPC.
Esta regra conhece exceções no n.º 2 do citado preceito.
Nele se preveem meios de reclamação lato sensu, com regulamentação própria nos artigos 614.º e ss. do CPC: a retificação por erros materiais, o suprimento de nulidades e a reforma da sentença.
Os erros materiais a que se reporta o artigo 614.º do CPC podem consistir em erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.
É manifesto o erro material que se revele no contexto do teor ou estrutura da decisão, à semelhança dos «erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada» pela parte, conforme resulta do artigo 146.º, n.º 1, do CPC (cf. ainda o artigo 249.º do Código Civil).
O seu objeto não é, pois, o conteúdo do ato decisório, mas a sua expressão material – o corpus por que se exterioriza a vontade do juiz.
No caso em apreço, estamos perante dois lapsos materiais nos pontos 22. e 28. dos fundamentos de facto da sentença, sendo que no ponto 22., onde se lê «MEO» deverá ler-se «NOS» e no ponto 28. deverá reproduzir-se o segundo parágrafo sem a omissão manifesta.
Já no que concerne às conclusões 15 a 18 das alegações, nos quais a Recorrente alega que deve ser dado como provado o que consta do artigo 40.º da petição inicial, não se trata obviamente de um lapso da decisão.
Porém, tendo presente que a Autora alegou no artigo 40.º da petição inicial que «(…) a quantia referida pela NOS na sua carta, de € 40.859.558,92, excedia em € 41.805,90 aquela indicada na carta da MEO, uma vez que esta se havia enganado no cálculo dos juros (e isto mesmo nos pressupostos errados de que partiu para fazer esse cálculo), como veio depois a reconhecer» e a Ré reconhece tal lapso no artigo 284.º da contestação, ao afirmar que «Ora, como resulta, aliás, evidente da referida carta da NOS aquilo que opunha as partes não era uma divergência de valores de € 41.805,90, tendo os advogados das partes admitido a retificação dos mesmos», não repugna acrescentar-se à factualidade da sentença, para melhor esclarecimento da diferença de valores que resulta da leitura dos pontos 21. e 22. da factualidade provada [destacados na factualidade provada a negrito e sublinhados nossos] o seguinte:
22.A A quantia referida pela NOS na sua carta referida no ponto 22., de 40 859 558,92 €, excedia em 41 805,90 € aquela indicada na carta da MEO mencionada no ponto 21., tendo os advogados das partes admitido a retificação da divergência de valores.
Tal matéria encontra-se provada por acordo, pelo que é adicionada ao abrigo do disposto nos artigos 574.º, n.º 2, 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC.
Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
A Apelante invoca a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Sustenta que a leitura da petição inicial revela que o pedido deduzido pela NOS na ação, de que a MEO seja condenada a pagar o remanescente do crédito que foi reconhecido à NOS pela sentença proferida no proc. n.º 524/10.1TVLSB, não assenta somente na consideração dos efeitos das capitalizações de juros resultantes das notificações judiciais avulsas realizadas em 7.2.2012, 24.4.2013, 1.8.2014, 18.9.2015, 15.12.2016 e 12.1.2018. Decorre ainda do facto de a quantia paga pela MEO ter sido calculada contando juros somente até 18.5.2018, por alegadamente a NOS ter incorrido em mora do credor. Argui que não há razão para suspender a contagem dos juros moratórios nessa data ou em qualquer outra data anterior ao pagamento integral da quantia em dívida, ocorrido a 3.7.2018.
Conclui que, mesmo no errado pressuposto de que não são válidas nem eficazes as seis notificações para capitalização de juros efetuadas após 7.4.2010, a quantia devida pela MEO à data de 3.7.2010 não seria de 40 879 084,61 €, mas sim de 41 098 748,60 €, pelo que, quanto a esta segunda questão do cálculo de juros moratórios invocada no artigo 49.º da petição inicial, e desenvolvida nos artigos 59.º a 81.º do mesmo articulado, a sentença é completamente omissa.
Em alegação de resposta, a MEO sustenta que tais alegações não constituem uma causa de pedir, porquanto não fundam qualquer pretensão formulada, nem subsidiária nem alternativamente, no sentido de a MEO ser condenada a pagar o montante correspondente ao capital e juros vencidos até à data de 3.7.2018 e não 18.5.2018.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade da sentença, declarando que a matéria invocada pela NOS não funda qualquer pretensão formulado nestes autos.
Cumpre apreciar.
Preceitua o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade.
A omissão de pronúncia está relacionada com os normativos que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certas questões que foram submetidas pelas partes à sua apreciação - artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC - ou são de conhecimento oficioso - por ex., os artigos 578.º, 579.º e 734.º do referido Código.
Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Conforme ensinava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, V Vol., p. 143), «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão
Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado. 
Ora, as questões a que se reporta a MEO não fundam qualquer pretensão formulada, nem subsidiária nem alternativamente, pelo que se concorda com a pronúncia do Tribunal a quo no sentido de não se verificar qualquer nulidade.
Termos em que improcede esta alegação.
Do erro de julgamento na apreciação do fundamento da autoridade do caso julgado
A Apelante discorda da sentença recorrida no segmento em que considera que a sentença proferida no proc. n.º 524/10.1TVLSB admitiu a capitalização de juros até 7.4.2010 e desconsidera que tenha tomado posição sobre as capitalizações operadas em datas posteriores.
Assinala que se vê defendido que o direito aos juros moratórios capitalizados nem sequer depende do seu reconhecimento na sentença condenatória no pagamento de dívida pecuniária, podendo eles ser incluídos no pedido deduzido em execução fundada nessa mesma sentença, à semelhança do que se prevê para a dívida de juros no artigo 703.º, n.º 2, do CPC, e já se defendia anteriormente mesmo na falta de solução legal expressa.
Sustenta que a extensão da autoridade do caso julgado material decorre do facto de a questão do direito da NOS à capitalização dos juros moratórios devidos pela MEO pelo atraso no pagamento da dívida já ter sido discutida, apreciada e decidida na anterior ação.
Remata que a sentença proferida no proc. n.º 524/10.1TVLSB surge, por isso, como antecedente lógico-jurídico necessário relativamente ao objeto da presente ação, e a autoridade do caso julgado material formado nessa ação impõe-se neste litígio.
Sem conceder, a Apelante defende que ficou decidido nessa ação que a NOS tinha o direito de capitalizar juros moratórios e que o poderia fazer, não obstante estar pendente uma ação na qual se discutia o crédito de juros.
Conclui que a autoridade do caso julgado formado na ação n.º 524/10TVLSB, mesmo que se tome o pedido nela deduzido relativamente aos juros capitalizados como meramente parcial (ou seja, circunscrito à primeira capitalização), sempre vincularia o Tribunal a respeitar o ali decidido e a retirar idêntico efeito jurídico das restantes capitalizações efetuadas pela NOS.
Avança ainda com o argumento da preclusão da defesa da MEO que teve oportunidade de deduzir a defesa que entendeu relativamente ao pedido de condenação no pagamento de juros moratórios capitalizados na ação n.º 524/10TVLSB e não o fez - artigo 573.º, n.º 1, do CPC.
Na sua alegação de resposta, a Apelada refuta a argumentação da Apelante.
Sustenta que a NOS nunca requereu na ação n.º 524/10TVLSB que o Tribunal se pronunciasse sobre as capitalizações sucessivas.
Argumenta que, ainda que, na pendência da referida ação, a NOS tenha requerido por seis vezes a notificação judicial da MEO para capitalizar juros, não deu disso conhecimento às instâncias que foram chamadas a decidir sobre a mesma, não requereu a alteração do pedido ou da causa de pedir, não juntou aos autos essas notificações, nem apresentou articulados supervenientes que as referissem.
Por fim, extrai das decisões judiciais que conheceram do mérito da ação de 2010 que apenas estabeleceram o crédito emergente das faturas em dívida tendo em conta a capitalização requerida a 7.4.2010, definindo-o sem nada dizer sobre capitalizações realizadas posteriormente a essa data.
Quanto à preclusão da defesa da Ré, a Apelada rebate o argumento da NOS, afirmando que, não tendo esta, deliberadamente, levado aos autos a conduta que se encontrava a encetar, não se vê por que a MEO deveria suscitar tal defesa naquela ação.
Apreciando.
A Autora peticiona na presente ação a condenação da Ré no pagamento da quantia de 4 856 983,93 €, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Alicerça o seu pedido, entre outros fundamentos, na autoridade de caso julgado, alegando que, por força da decisão proferida na ação n.º 524/10.1TVLSB, tem ainda direito a haver da Ré tal quantia, fruto das capitalizações efetuadas em 7.2.2012, 24.4.2013, 1.8.2014, 18.9.2015, 15.12.2016 e 12.1.2018.
No âmbito do proc. n.º 524/10.1TVLSB, foi proferida sentença, transitada em julgado, que julgou procedente a ação, reconheceu a capitalização de juros moratórios até 7.4.2010 e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 25 355 040,21 €, acrescida de juros sobre o montante de 13 561 485,00 €, às taxas legais máximas de juros sucessivamente em vigor entre 5.3.2010 e a data da notificação para capitalização de juros (7.4.2010) sobre o montante de 13 561 485,00 €, adicionado do montante de juros capitalizados, às taxas legais máximas sucessivamente em vigor, entre a data da referida notificação (7.4.2010) e a do efetivo pagamento.
Poderá concluir-se que desse reconhecimento de capitalização de juros até 7.4.2010 emerge uma autoridade de caso julgado que se impõe a este tribunal como pressuposto necessário da decisão de mérito?
A decisão considera-se transitada em julgada logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação, nos termos do artigo 628.º do CPC.
Com o trânsito em julgado, «a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º» - artigo 619.º, n.º 1, do CPC.
De referir ainda o disposto na primeira parte do artigo 621.º do CPC, segundo o qual «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)».
A força de caso julgado da sentença é um fenómeno essencial à garantia dos valores constitucionais da confiança e da segurança jurídica, bem como à prossecução da finalidade da pacificação social.
Espraia-se sob diferentes prismas ou modalidades.
Pode ocorrer por força da exceção do caso julgado, a qual reflete a denominada função negativa do caso julgado.
Assim, segundo o disposto no artigo 580.º, n.º 1, do CPC, as exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa. Repete-se uma causa quando se propõe uma ação idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – artigo 581.º, n.º 1, do mesmo Código (tríplice identidade).
Já a figura da autoridade do caso julgado não se prende com a ideia de identidade jurídica, mas de prejudicialidade entre objetos processuais. Julgada em termos definitivos certa matéria, numa ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objeto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe‑se necessariamente em todas as outras ações que venham a correr termos entre as mesmas partes, incidindo sobre um objeto diverso, mas cuja apreciação depende decisivamente do objeto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda ação (cf. acórdão do STJ de 24.4.2015, p. 7770/07.3TBVFR.P1.S1, in www.dgsi.pt).
Nas palavras de Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora: Coimbra, 1979, p. 305), o caso julgado material «consiste em a definição dada à relação jurídica controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão».
A força obrigatória reconhecida ao caso julgado material, segundo o mesmo Autor (obra citada, p. 306), encontra arrimo na necessidade de garantir o prestígio dos tribunais, que ficaria seriamente comprometido «se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente».
Impõe-se por razões de «certeza ou segurança jurídica», pois, sem a força do caso julgado, cairíamos «numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das relações jurídicas) verdadeiramente desastrosa - fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas».
A finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objetivo ou a atuação dos direitos subjetivos privados correspondentes – mas também a segurança e a paz social.
Miguel Teixeira de Sousa (in Objecto da Sentença e Caso Julgado Material, BMJ n.º 325, pp. 171 a 179) observa que, «quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão antecedente».
Numa breve explicação, Rui Pinto sintetiza desta forma a noção de caso julgado:
«O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem.
O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior.
Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur.
Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.
(…) Explicado de outro modo, enquanto com o efeito negativo um ato processual decisório anterior obsta a um ato processual decisório posterior, com o efeito positivo um ato processual decisório anterior determina (ou pode determinar) o sentido de um ato processual decisório posterior. («Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias», Julgar Online, novembro de 2018, pp. 6-7).
Tem sido discutida a problemática da extensão do caso julgado material.
A jurisprudência maioritária tem sufragado o entendimento de que não é apenas a conclusão ou o dispositivo da sentença que têm força de caso julgado, alcançando-se um critério mais eclético que, sem estender a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença, atribua essa autoridade à decisão das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado - cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 27.4.2004 (p. 04A1060), de 20.5.2004 (p. 04B281), de 13.1.2005 (p. 05A008), de 22.2.2018 (p. 3747/13.8T2SNT.L1.S11) e de 8.9.2018 (p. 3316/11.7TBSTB-A.E1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Nesta linha de entendimento, escreveu-se no acórdão do STJ de 20.6.2012 (p. 241/07.0TTLSB.L1.S1, www.dgsi.pt), que «Quanto ao âmbito objectivo do caso julgado – seus limites objectivos – e que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “ (...) em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas” (Acórdão do S.T.J. de 10/7/97 in C.J. S.T.J., V, II, 165)».
Sem embargo, nunca se deve perder de vista que não é possível retirar apenas da fundamentação (de facto e/ou de direito) de uma sentença um qualquer efeito negativo ou positivo. O caso julgado só se verifica em relação a questões suscitadas e apreciadas numa ação e que devam considerar-se abrangidas, ainda que de forma não expressa, nos precisos limites e termos em que julga.
Na busca de contornos mais nítidos para a figura da autoridade do caso julgado é emblemático o acórdão do STJ de 7.3.2017 (p. 740/10.6TBPRG.G1.S1, sumário disponível em www.stj.pt), no qual se decidiu o seguinte:
«I - Em tese geral, o caso julgado forma-se sobre a decisão proferida na acção e não sobre os fundamentos de facto da decisão. 
II - Os fundamentos de facto, isto é, as decisões proferidas sobre as concretas questões de facto colocadas numa acção não valem por si mesmas, não são vinculativas quando desligadas da respectiva decisão; valem apenas enquanto fundamentos dessa decisão e em conjunto com ela. 
III - Se a decisão proferida numa acção não constitui caso julgado impeditivo da decisão de outra, a eventual contradição entre factos provados (e não provados) numa e noutra será irrelevante e, como tal, nunca legitimará a anulação do julgamento posterior para eliminação dessa incompatibilidade factual constatada entre processos diferentes
Em analogia com o caso julgado, surge ainda a figura do efeito preclusivo, decorrente das normas constantes dos artigos 564.º, alínea c), e 573.º do CPC, impondo ao demandado o ónus da oportuna dedução de todos os meios de defesa que considere ter ao seu dispor no confronto da pretensão do autor, sob pena de lhe ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações futuras que corram entre as mesmas partes (cf. acórdão do STJ de 10.10.2012, p. 1999/11.7TBGMR.G1.S1, in www.dgsi.pt). A este respeito, é incontornável a referência aos estudos de Miguel Teixeira de Sousa, «Preclusão e contrário contraditório», em anotação ao acórdão do STJ de 10.10.2012, no processo n.º 1999/11, publicado na revista Direito Privado, n.º 41, Janeiro/Março 2013, pp. 18-28 e «Preclusão e caso julgado», disponível online em https://www.academia.edu.
Também Rui Pinto se pronuncia sobre esta problemática:
«Mas, simetricamente e em plena e justa igualdade com o que sucede com o autor vencedor, em caso de caso julgado positivo, para o réu vencido a condenação no pedido determina a preclusão de alegabilidade futura tanto dos fundamentos de defesa deduzidos, como dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido. E, também quanto ao réu, essa “preclusão” resulta de dois mecanismos processuais distintos.
Efetivamente, o princípio da concentração da defesa na contestação (cf. artigo 573.º), incluindo na defesa superveniente (como se deduz da conjugação dos artigos 588.º, n.º 1, e 729.º, al. g)), determina a preclusão de toda a defesa que não haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada pelo autor. Assim, o réu que perdeu não pode, depois, na oposição à execução (cf. artigos 729.º, al. g), a contrario, e 860.º, n.º 3.º) invocar as exceções que não usara, como, por ex., a nulidade do contrato invocado pelo autor, para se negar ao pagamento.
Mas, por outro lado, tampouco o pode fazer em (i) ação autónoma ou em (ii) reconvenção, porque lhe vai ser oposta a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no artigo 619.º, em sede de objetos em relação de prejudicialidade» (obra citada, p. 42).
Na jurisprudência, destacamos o acórdão do STJ de 6.12.2016 (p. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, disponível em www.dgsi.pt), onde se sumariou que:
«(…) III - A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação (preclusão) estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado e com o dever de lealdade e de litigar de boa-fé (processual).  
IV - Não faria sentido que alguém, reagindo a um acto que considera ofensivo da posse que exerce sobre uma coisa, dispondo de factos idóneos a paralisar esse acto ofensivo, não concentrasse nessa defesa todos os argumentos de facto e de direito de que dispusesse; deverá por razões de litigância transparente, invocá-los de uma só vez, cooperando para a resolução definitiva do litígio.  (…) »
É objeto do recurso da NOS apreciar se a força de caso julgado da sentença proferida na ação n.º 524/10.1TVLSB se apura na veste de autoridade do caso julgado, o que apela à complexa problemática da eficácia do caso julgado material, em especial no que respeita à sua extensão a ações posteriores (não em causa a sua extensão a terceiros). Foi ainda invocada a preclusão da defesa da Ré, por não ter invocado todos os meios de defesa na referida ação.
Na sentença proferida no proc. n.º 524/10.1TVLSN, o Tribunal decidiu admitir a capitalização dos juros moratórios até 7.4.2010, data em que a Ré foi notificada nos termos e para os efeitos do artigo 560.º do Código Civil.
No que concerne à capitalização de juros, consta da sentença proferida nessa ação apenas que:
«Por outro lado, dispõe o art.º 560 do C.C. que "pode haver também juros de juros a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização."
A R. foi notificada para este efeito (por nova carta de citação) em 07/04/2010.
Não tendo na sequência desta notificação a R. capitalizado os juros vencidos ou procedido ao seu pagamento, tem a A. direito à sua capitalização».
Relativamente ao acórdão do TRL que confirmou a sentença, a respeito da matéria da capitalização de juros, pronunciou-se nos seguintes termos:
«Quanto ao vencimento de juros sobre juros, dispõe o n.º 1 do art. 560º do C. Civil que para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
Conforme resulta dos autos, logo na petição inicial, a autora requereu que a ré fosse notificada nos termos do art. 560º, n.º 1 do Código Civil, para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
Sucede que a Ré foi notificada para tal em 7-4-2010.
Nada tendo feito a ré em conformidade terá a autora direito à requerida capitalização».
Ora, neste particular, concordamos inteiramente com o Tribunal a quo, designadamente quando assevera que:
«Nem do dispositivo da sentença nem da fundamentação da mesma se consegue, de algum modo, extrair qualquer apreciação da possibilidade de capitalizações sucessivas, nem qualquer extensão da capitalização ali admitida, para além da data na sentença considerada.
Efectivamente, nem expressa nem implicitamente a sentença tomou posição quanto a capitalizações operadas em datas posteriores pelo que não existe qualquer autoridade de caso julgado que possa abranger o peticionado nesta acção.
Nem se diga que o caso julgado que ali se formou obsta, como pretende a ré, a que possa ser conhecido o pedido aqui formulado, por este pretender definir a dívida em termos diversos dos que ali foram definidos. É que, ali apenas se apreciou a dívida existente até 7/04/2010, não podendo retirar-se qualquer consequência quanto a valores que, a tal data, não eram devidos, porque, quanto a esses, a sentença nada disse.»
Nem se objete que a autoridade do caso julgado veste aqui a roupagem do efeito preclusivo, em homenagem ao princípio da concentração da defesa, previsto no artigo 573.º do CPC.
Afinal, na pendência da ação n.º 524/10.1TVLSB, a NOS requereu por seis vezes a notificação judicial da MEO para capitalizar juros e não deu disso conhecimento às instâncias chamadas a decidir o pleito.
A Ré não tinha pois de se defender do que não estava inscrito no processo em articulados ou simples requerimentos de junção das notificações judiciais avulsas.
Termos em que cai por terra esta alegação da Recorrente, não merecendo qualquer reparo o decidido.
Do erro de julgamento na não admissão da capitalização de juros
a) A Apelante alega que a sentença recorrida errou ao não admitir a capitalização de juros moratórios nos termos efetuados pela NOS.
Argui que a capitalização de juros moratórios tem uma racionalidade económica inequívoca, ligada ao ressarcimento do prejuízo que o incumprimento causa ao credor tal como a própria lei o concebe, ou seja, através da liquidação de juros calculados sobre a quantia pecuniária em dívida.
Invoca o preenchimento in casu de todos os requisitos do artigo 560.º do Código Civil e salienta que o preceito não acolheu a proposta de Vaz Serra, desfavorável à capitalização de juros moratórios.
Argumenta que a restrição estabelecida no n.º 3 do artigo 806.º do Código Civil não prejudica a capitalização de juros moratórios, porque esta se situa antes no domínio de aplicação dos n.ºs 1 e 2 desse preceito, ou seja, do que se trata é de calcular, em abstrato, através da taxa de juros, o dano decorrente da falta de pagamento de uma obrigação pecuniária correspondente aos juros vencidos.
Na sua alegação de resposta, a Apelada não aborda diretamente esta questão, tecendo antes argumentos no sentido da inadmissibilidade da capitalização sucessiva de juros e da inadmissibilidade da capitalização de juros na pendência de uma ação.
b) A sentença recorrida pronunciou-se sobre a capitalização dos juros em toda a sua dimensão, não se limitando a apreciar a questão das capitalizações sucessivas dos juros na pendência de uma ação.
Assim, considerou que a interpretação do artigo 560.º do Código Civil não permite, antes de mais, concluir pela capitalização de juros de mora, concluindo por interpretação restritiva do preceito, ou seja, limitando o seu âmbito aos juros remuneratórios.
Sob os artigos 13.º a 15.º e 155.º a 237.º da contestação, a MEO veio defender que é «muito discutível» que os juros de mora possam ser objeto de capitalização.
No artigo 165.º da contestação, a MEO esclarece que não irá defender nesta ação que os juros de mora não podem ser objeto de uma capitalização, porquanto sobre esta questão a sentença já se pronunciou.
No artigo 166.º da contestação, a MEO afirma que, o que não resulta da referida sentença e entende que não é admissível, é capitalizar juros moratórios de forma sucessiva, ilimitada e unilateral, sobre uma dívida em discussão numa ação judicial, a partir de notificações judiciais avulsas efetuadas à margem dessa ação, mas na pendência dela.
Se analisarmos o parecer jurídico junto pela MEO, constatamos que não individualiza e destaca a questão da capitalização de juros moratórios.
Ainda assim, o Tribunal recorrido qualificou juridicamente os factos, de forma diversa.
Atuou livremente, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC?
Ou não observou a autoridade do caso julgado da sentença proferida na ação n.º 524/10.1TVLSB, no segmento em que decidiu a primeira capitalização, ao abrigo do disposto no artigo 560.º do Código Civil?
Aqui enfatizamos o que dissemos supra: não se pode destacar apenas da fundamentação (de facto e/ou de direito) de uma sentença um qualquer efeito negativo ou positivo.
O caso julgado só se verifica em relação a questões suscitadas e apreciadas numa ação nos precisos limites e termos em que julga.
O que significa que a fundamentação ancorada no artigo 560.º do Código Civil da ação n.º 524/10.1TVLSB valeu para os precisos limites e termos em que se julgou o pleito, ou seja, apenas quanto à primeira capitalização de juros.
No que respeita à capitalização de juros de mora, o Tribunal recorrido fundamentou a decisão nos seguintes termos:
«O nosso sistema jurídico rodeou de especiais limitações a possibilidade de capitalização de juros. Efectivamente, o direito civil tem como princípio genérico a proibição do anatocismo, porquanto este, permitindo juros sobre juros, pode ser encarado como uma forma de usura, na medida em que permitiria contornar os limites legais das taxas de juro, fenómeno que o direito tem, desde sempre, repudiado e combatido.
Como se referiu no acórdão RL de 17/02/2011 o anatocismo permite multiplicar a taxa de juro devida e, portanto, pode redundar num expediente sofisticado de usura, tanto mais perigoso quanto é certo que, na generalidade dos casos, o devedor dificilmente pode calcular ex ante as suas consequências.
A proibição de juros sobre juros não é, no entanto, absoluta. A título excepcional o n.º 1 do art.º 560º do Código Civil prevê duas situações em que a capitalização é permitida:
- quando exista “convenção posterior ao vencimento (anatocismo convencional); ou
-de forma unilateral (anatocismo potestativo), quando exista uma notificação judicial feita ao devedor, no sentido de lhe dar a conhecer a intenção de aumentar o quantum da obrigação pecuniária.
Em ambos os casos, apenas podem ser capitalizados os juros correspondentes a um ano ou mais, como decorre do n.º 2 do referido artigo.
É justamente a interpretação desta segunda hipótese, que muita tinta tem feito correr na jurisprudência e na doutrina, que nos ocupa por forma a aquilatar da possibilidade/legitimidade/validade das notificações judiciais avulsas requeridas pela NOS.
A lei exige, efectivamente, uma notificação judicial, remetendo-nos ara os mecanismos da notificação judicial avulsa, previstos no artº 256º do CC. Têm entendido os nossos tribunais que não basta a mera citação do devedor no âmbito de uma acção proposta pelo credor, sublinhado que o credor deve peticionar expressamente a capitalização dos juros (vide AC. STJ de 3/03/2007, 23/11/2012 e 12/04/2012, in www.dgsi.pt).
Notificado judicialmente, com expressa menção da intenção de proceder à capitalização o devedor tem que pagar a obrigação vencida (sob pena de capitalização); se não pagar produz-se o efeito pretendido pelo credor e os juros “transformam-se” em capital. Com tal notificação o credor visa compelir o devedor ao pagamento agravando o valor da dívida principal e incentivando o cumprimento voluntário das obrigações vencidas.
No caso dos autos, face aos factos que se consideraram provados, a A., cumpriu o estatuído neste artigo procedendo a seis notificações judiciais avulsas. Em todas elas refere expressamente a capitalização de juros vencidos no período de tempo indicado e, em face do não pagamento, considera capitalizados os juros.
Porém, entendemos, de acordo com o entendimento (crê-se maioritário) da nossa jurisprudência e também da doutrina que o art.º 560° apenas cobre os juros remuneratórios, não prevendo a capitalização de juros de mora. Neste sentido veja-se o Acórdão da RL de 28/02/2013, www.dgsi.pt.
Embora esta ideia não resulte expressamente das normas do Código civil, ela constava da proposta de Vaz Serra, em 1955, (art. 13, pág. 303 do BMJ 48), que inserira no artigo um número do qual constava que “o atraso no pagamento dos juros moratórias não pode dar lugar a novos juros.”
Sem pretender fazer, nesta decisão, dissertação sobre a evolução da norma, remete-se para o texto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/02/2013 (www.dgsi.pt) (cuja transcrição se dispensa já que quer A. quer a ré lhe fazem referência), que faz tal descrição referindo ainda o direito comparado.
Não se desconhecendo as posições contrárias, também ali descritas, entende-se, no sentido preconizado naquele acórdão que a posição defendida por Vaz Serra é a que melhor se coaduna com o espírito do nosso código civil, afigurando-se que só não ficou a constar do art.º 560º do actual Código de Processo Civil que “o atraso no pagamento dos juros moratórias não pode dar lugar a novos juros”, por a mesma ser desnecessária.
Efectivamente, o nosso regime jurídico é manifestamente contrário ao anatocismo e à usura, prevendo, porém, a cobrança de juros moratórios como forma de indemnização pelos danos causados ao credor.
Como refere Antunes Varela (Das obrigações em geral, Vol. II, Almedina 1997, pg. 121/122) a lei cria uma espécie de indemnização “a forfait” para as obrigações pecuniárias, fixando no código normas próprias de indemnização.
Efectivamente, os juros de mora são a forma legalmente consagrada de indemnizar os danos causados com a mora, dispensando-se o credor do ónus da prova dos danos concretamente sofridos com tal atraso. E, embora não lhe esteja vedada a prova dos danos concretamente sofridos, caso sejam superiores, tal apenas ocorre, como decorre do art.º 806º, n.º 3 do Código Civil, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco. Esta ressalva, permite concluir, a contrario, que no caso de responsabilidade contratual está vedada ao credor a possibilidade de prova de dano superior aos juros legais moratórios e, consequentemente, de pedir uma indemnização suplementar correspondente.
Ora, a concessão de juros de mora sobre juros de mora traduzir-se-ia numa violação ao disposto neste artigo, deixando “entrar pela janela o que não se deixou entrar pela porta”.
Por outro lado, a consagração legal dos juros moratórios tem, ainda, a função de dar a conhecer ao devedor o quantum que lhe poderá ser imputável por tal atraso no cumprimento.
Conforme se concluiu no citado acórdão de 28/02/2013 “O art. 560º do CC trata dos juros que são remuneração de um capital e permite, em dadas condições, a capitalização destes. Os juros de mora, previstos no art. 806 do CC, são já uma indemnização pelo atraso no cumprimento de uma obrigação pecuniária, não fazendo sentido que sobre eles recaia uma outra indemnização, sobre a qual poderia, a seguir, recair outra indemnização, e assim por diante, sem fim (...).”
Vejam-se também neste sentido os acórdãos STJ 3/05/2007 e o Ac. RL 17/02/2011, Vítor Hugo Ventura em comentário ao art.º 560º in “comentário ao código civil”, Universidade Católica Editora, fls. 545, Estudos de leite e Campos, Anatocismo – regras particulares do comércio, ROA, 48, 1988, p. 37 a 62.
Em conclusão, afigura-se que o art.º 560º do Código civil apenas permite a capitalização de juros remuneratórios e não moratórios, pelo que teria que improceder a pretensão da A.»
Cumpre indagar da bondade do decidido quanto a esta problemática.
c) Preceitua o artigo 560.º do Código Civil, sob a epígrafe «Anatocismo», que:
«1. Para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
2. Só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.
3.Não são aplicáveis as restrições dos números anteriores, se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio». (sublinhado nosso)
A capitalização de juros corresponde a uma operação, de coloração predominantemente económica, através da qual os juros, ao invés de serem pagos pelo devedor, passam a integrar-se no capital por este devido - cf. Miguel Brito Bastos, in Capitalização de juros em contratos de concessão de crédito bancário, III Congresso de Direito Bancário, 2018, L. Miguel Pestana de Vasconcelos (Coord.), p. 260.
Como escreveu o Autor, «este incremento do capital traduz-se, por sua vez, no aumento do valor da obrigação de reembolso» (ibidem).
«Ora, este aumento - continua - pode assentar diferentes tipos de efeitos jurídicos. Nomeadamente, o aumento do capital devido, operado pela capitalização de juros, pode traduzir-se numa novação objetiva da obrigação de reembolso ou na modificação da respetiva prestação» - ibidem.
Também Marco di Pietropaolo, citado pelo Autor, elucida que a capitalização de juros não corresponde a mais do que uma produção articulada de efeitos que se encontram genericamente no âmbito da autonomia privada (a remissão de dívidas, a novação ou a modificação de obrigações anteriormente constituídas) – cf. Osservazioni in tema di anatocismo, in Nuova giurisprudenza civile commentata, 2001, II, 96-119,101 ss., apud Miguel Brito Bastos, in Capitalização de juros em contratos de concessão de crédito bancário, obra e p. citadas, nota 1.
A capitalização de juros reconduz-se à figura mais ampla do anatocismo.
María Medina Alcoz, num estudo de referência nesta matéria - «Anatocismo, Derecho español y Draft Common Frame of Reference», InDret Revista para el análisis del derecho, 4, Barcelona, 2011, pp. 2-59 - distingue, quanto à fórmula de cálculo, o anatocismo complexo (anatocismus conjunctus) do anatocismo simples (anatocismus separatus), correspondentes aos dois significados que tem a palavra «capitalizar», empregue para definir o anatocismo quando se diz que os juros anatocísticos implicam capitalizar os juros simples (cf. pp. 16 e 17).
Daqui parte para a definição de três fórmulas anatocísticas.
O anatocismo complexo ou de cúmulo sucessivo (anatocismus conjunctus), corresponde ao que financeiramente se denomina de «juro composto». De acordo com a sua fórmula de cálculo, os juros simples vencidos adicionam-se ao capital originariamente devido e esta soma global (capital + juros) gera novos juros que se voltam a somar e acumulam juros e assim sucessivamente até ser paga a dívida.
No anatocismo simples com cúmulo único (anatocismus separatus), a fórmula consiste em o conjunto formado pelo capital originário e primeiros juros simples vencidos formarem uma quantia que inclui o juro simples e o juro anatocístico, mantendo-se sempre a mesma quantia, que não se vai adicionando ao capital, como na fórmula anterior. Esta técnica só tem cabimento se o tipo de juros simples e anatocístico for o mesmo.
O anatocismo simples puro ou sem cúmulo (outra via do anatocismus separatus) implica, precisamente, separar os juros vencidos não pagos, formando eles mesmos um capital que gera, por sua vez, juros. Aqui, capitalizar os juros não significa incorporá-los no capital, mas sim formar com eles um capital autónomo. Este sistema implica realizar duas contas de capital: uma, a do capital originário (principal) que segue vencendo os juros simples de forma linear; e outra, a do capital constituído pelos juros simples vencidos, que dá lugar a novos juros (os anatocísticos).
No seu estudo, a Autora efetua cálculos segundo as três fórmulas enunciadas, para concluir que a diferença entre a primeira fórmula e as segunda e terceira fórmulas (estas duas equivalem-se) é tão residual que oferece pouco relevo prático. - ibidem, p. 17.
A decomposição dos diferentes efeitos em que a capitalização de juros assenta permite afastar a mistificação em que é envolta.
Em traços largos, do regime do artigo 560.º do Código Civil decorrem quatro normas.
A primeira estabelece como condição de validade das convenções de anatocismo que sejam celebradas após o vencimento dos juros aos quais essas convenções se reportam (n.º 1, primeira parte).
A segunda regula a possibilidade de um anatocismo de fonte não negocial: as obrigações de juros vencem também juros quando o devedor seja notificado judicialmente para capitalizar os juros vencidos ou para proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização (n.º 1, segunda parte).
Em terceiro lugar, só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano (n.º 2).
Por fim, determina-se a não aplicabilidade dos limites ao anatocismo decorrentes dos n.ºs 1 e 2 do mesmo preceito, quando existirem «regras ou usos particulares do comércio», que a eles sejam contrários (n.º 3).
Na sua configuração, o artigo 560.º do Código Civil insere-se na tradição de regulação do anatocismo que descende da linha do Código Civil francês.
A linha de pensamento do Código Civil francês, «conjuga a permissão do anatocismo com a sua sujeição a requisitos temporais, relativos ao ritmo da capitalização, e procedimentais, relativos à forma pela qual esta se pode tornar efetiva.» (cf. o estudo «Capitalização de Juros Moratórios», de Paulo Mota Pinto e Maria Inês de Oliveira Martins, Rev. Leg. Jur. 148, Maio/Junho de 2019, p. 273, nota 1).
Seguimos de perto nesta análise histórica o referido estudo «Capitalização de Juros Moratórios», bem como o desenvolvimento da evolução da norma descrito no acórdão do TRL de 28.2.2013 (p. 265565/09.3YIPRT.L2-2, em www.dgsi.pt).
Na redação original do preceito francês, constante então do artigo 1154.º do Code Civil dispunha-se que «[l]es intérêts échus des capitaux peuvent produire des intérêts, ou par une demande judiciaire, ou par une convention spéciale, pourvu que, soit dans la demande, soit dans la convention, il s' agisse d'intérêts dus au moins pour une année entière»; na atual, constante do artigo 1343.º-2, introduzida pela reforma do direito das obrigações, dispõe-se, de forma similar, que «[l]es intérêts échus, dus au moins pour une année entière, produisent intérêt si le contrat l'a prévu ou si une décision de justice le precise».
O Código Civil belga mantém, no artigo 1154.º, quase intacto, o preceito originariamente francês, tendo apenas substituído, por lei de 1913, a referência a uma «dommande» pela referência a uma intimação («sommation»).
Similitude guarda também o regime presente no artigo 1283.º do Código Civil italiano (na senda aliás do seu antecessor, do Código de 1865), que determina que «i] n mancanza di usi contrari, gli interessi scaduti possono produrre interessi solo dal giorno della domanda giudiziale o per effetto di convenzione posteriore alia loro scadenza, e sempre che si tratti di interessi dovuti almeno per sei mesi».
A norma espanhola, por sua vez, tem por inspiração mais direta o regime do Código Civil italiano de 1865, ao dispor o artigo 1109.º do Código Civil espanhol que «[l]os intereses vencidos devengan el interés legal desde que son judicialmente reclamados, aunque la obligación haya guardado silencio sobre este punto./ En los negocios comerciales se estará a lo que dispone el Código de Comercio./ Los Montes de Piedad y Cajas de Ahorro se regirán por sus reglamentos especiales». Em matéria comercial vale, porém, o artigo 317.º do Código de Comércio que, literalmente, determina que «[l]os intereses vencidos y no pagados no devengarán intereses. Los contratantes podrán, sin embargo, capitalizar los intereses líquidos y no satisfechos, que, como aumento del capital, devengarán nuevos réditos». O preceito mercantil causa perplexidade na doutrina por ser mais protetivo do devedor do que o seu congénere civil, determinando que, na ausência de convenção específica, não há lugar ao anatocismo.
d) A figura do anatocismo é associada frequentemente à usura.
Em anotação ao artigo 559.º-A do Código Civil, sobre juros usurários, in Código Civil Anotado, coord. por Ana Prata, Coimbra: Almedina, 2017, p. 755), Margarida Lima Rego começa por escrever:
«Quando Jesus chegou a Jerusalém para a celebração da Páscoa e viu o Templo de Herodes repleto de banquinhas de comerciantes e cambistas, Jesus expulsou-os do templo (João 2:13-17 e Mateus 21:12-13).»
No nosso ordenamento jurídico, bem como nos restantes ordenamentos de influência católica, já são ténues os vestígios do juízo de dcsvalor que em tempos justificara a qualificação de toda a cobrança de juros como usurária, e sua consequente proibição (pecunia non potest pecuniam parere), que atualmente ainda encontramos, designadamente, nos sistemas de direito islâmico (cf. Margarida Lima Rego, obra e p. citadas).
Há que analisar a figura do anatocismo sem o anátema de proibição antiga e a unilateralidade da visão exclusiva do princípio favor debitoris.
Deve ser colocada no outro prato da balança a perda simétrica que a mora dos juros gera na esfera do credor.
Na verdade, como observam Paulo Mota Pinto e Maria Inês de Oliveira Martins, as normas sobre anatocismo atuam a montante das normas sobre usura de taxa de juro (artigos 559.º-A e 1146.º do Código Civil) ou dos negócios jurídicos em geral (artigo 282.º do Código Civil) (obra citada, p. 275.)
A problemática do anatocismo tem merecido pouco enfoque da doutrina e dos tribunais, sendo, por isso, parcas as pronúncias sobre a questão do enquadramento dos juros de mora no artigo 560.º do Código Civil.
Margarida Lima Rego, em comentário ao artigo 560.º, in Código Civil Anotado, obra citada, pp. 720-721 e, na sua esteira, Victor Hugo Ventura, também anotando o referido preceito, em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, coord. por José Carlos Brandão Proença, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2018, pp. 546-547, alinham aparentemente pelo diapasão da proibição da capitalização de juros de mora.
Consideram estes Autores que o regime não se aplica quando estejam em causa diferentes modalidades de juros, no sentido de não reger as condições de exigibilidade de juros moratórios sobre juros remuneratórios vencidos.
Ora, como bem observa a Apelante, estes Autores abordam mais a problemática do vencimento de juros moratórios simples face a juros remuneratórios vencidos, o que está à margem do regime do anatocismo, que trata algo diverso: as condições para a capitalização de juros, que respeitam ao vencimento de juros compostos.
A preocupação dos Autores parece ser esta última - a de assegurar que também em caso de não cumprimento de uma obrigação de pagar juros remuneratórios haja lugar ao vencimento de juros moratórios, já que os primeiros «são uma contraprestação como qualquer outra» (Margarida Lima Rego, ibidem, p. 720), sendo a obrigação de os pagar «uma obrigação de os prestar [...] podendo o atraso no seu cumprimento redundar no pagamento de juros de mora, nos termos gerais» (Victor Hugo Ventura, ibidem, p. 546).
No plano da jurisprudência, podem consultar-se inúmeros arestos que analisam pedidos de capitalização de juros de mora à luz do citado preceito, debruçando-se antes sob a falência de alguns dos seus pressupostos, designadamente a notificação judicial ou convenção posterior ao vencimento, não confundível com a mera citação para a ação ou execução.
Assim:
Nos acórdãos do STJ de 12.4.2012 (p. 176/1998.L1.S1) e de 21.11.2012 (p. 3365/04.1TTLSB.L1.S1), ambos consultáveis em www.dgsi.pt, considera-se que a mera citação para a ação em que o credor pede a condenação do devedor no pagamento de juros capitalizados não supriria a exigência de notificação judicial para o efeito.
No acórdão do TRL de 15.12.2016 (p. 2139/12.OTVLSB.L1-1, em www.dgsi.pt) escreveu-se que, face à qualidade do credor, considera-se ainda que não se tinha provado a existência de uso bancário que previsse a capitalização de juros de mora noutras condições procedimentais.
No acórdão do TRP de 25.3.2013 (p. 144/09.3TBVLP.P1, em www.dgsi.pt) defendeu-se que o artigo 5.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 344/78, de 17.11 (entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8.5) enquadrava, para efeitos do artigo 560.º, n.º 3, do Código Civil, um uso bancário que permitia a capitalização de juros não só remuneratórios, mas também moratórios.
Merece ainda referência o acórdão do STJ de 3.5.2007 (p. 07B1165, www.dgsi.pt), no qual se procura dar resposta à questão de saber se incidem juros moratórios sobre juros remuneratórios em atraso, e, no caso afirmativo, se é o artigo 560.º do Código Civil a sede de regulação da matéria. O que o aresto determina é que o regime em análise não põe em causa a cobrança de juros moratórios quando haja atraso no pagamento de juros remuneratórios. Considera-se que aquele regime apenas é convocado quando se pretenda a capitalização de juros.
Destacam-se, porém, dois arestos que trouxeram um foco especial a esta questão.
Na decisão singular do TRL de 6.7.2011 (p. 1584/07.8TTLSB.L1-4, www.dgsi.pt), entendeu‑se que o artigo 560.º do Código Civil regula as hipóteses em que há lugar a capitalização de juros, abrangendo-se aqui os juros de mora.
Segundo essa decisão, «No pensamento da lei, até um ano de mora os riscos e perigos que o anatocismo envolve, sobrelevam o prejuízo do credor representado pelo não percebimento dos juros. Ultrapassado esse prazo, considera, porém, desproporcional e inexigível o sacrifício do credor e, por isso, abre-lhe a porta do anatocismo, através da notificação judicial do devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização».
Porém, no caso não havia lugar à capitalização de juros, dado que a quantia sobre a qual os juros de mora «de primeiro grau» incidiriam não se havia ainda tornado líquida.
Em sentido oposto, o supra citado acórdão do TRL de 28.2.2013 pronunciou‑se no sentido de o artigo 560.º do Código Civil não contemplar, nem ser admitida no ordenamento jurídico português a capitalização de juros de mora.
O Tribunal recorrido adotou a linha de entendimento deste aresto.
O acórdão ancora o decidido no estudo de Vaz Serra («Mora do devedor», BMJ, 48, 1955, pp. 5-317, pp. 203 e ss.), designadamente no seguinte trecho:
«O Código suíço (art. 105, alínea 3) declara que não podem contar-se juros por causa de atraso no pagamento dos juros moratórios.
Visto que os juros moratórios são indemnização pela mora, parece que o credor não deve poder exigir do devedor juros desses juros. Se, por exemplo, se convenciona que, não pagando o devedor em tempo, ficará a dever o juro de 7 % sobre o capital, e não paga este juro em tempo, deverá poder capitalizar-se tal juro, por convenção, ou mediante interpelação, acção ou execução?
Poderia dizer-se que o juro moratório deve sujeitar-se às mesmas soluções, que se aplicam ao juro contratual, por também ele ser uma prestação, a que o credor tem direito, e cujo não pagamento em tempo lhe pode causar prejuízo. As restrições propostas evitariam que se produzissem juros de juros moratórios fora dos casos, em que os juros parecessem aceitáveis.
No entanto, esta doutrina poderia conduzir a uma excessiva multiplicação de juros (v. g., o devedor não paga o juro moratório, é interpelado e o juro moratório passa a vencer juro, que o devedor não paga; este é de novo interpelado, começando também a vencer juro o juro do juro moratório; e assim por diante). Além disso, o credor tem, em princípio, direito apenas ao capital e ao juro estipulado, não ao juro moratório, que se destina somente a reparar o dano causado pela mora; donde resulta que, se o devedor se constitui em mora, a indemnização do credor é representada pelo juro moratório.» - p. 212.
O aresto esteia ainda a sua fundamentação na análise comparativa da capitalização de juros do artigo 560.º do Código Civil, com a indemnização pela mora do artigo 806.º do mesmo diploma.
Neste ponto, pode ler-se na fundamentação do acórdão do TRL de 28.2.2013 que:
«Os juros de mora, previstos no art. 806 do CC, são já uma indemnização pelo atraso no cumprimento de uma obrigação pecuniária, não fazendo sentido que sobre eles recaia uma outra indemnização, sobre a qual poderia, a seguir, recair outra indemnização, e assim por diante, sem fim.
E ainda se pode acrescentar que, a contrario, o n.º 3 do art. 806 do CC não permite – no caso de responsabilidade contratual – que o credor prove um dano superior aos juros legais moratórios e peça uma indemnização suplementar correspondente. Ora, seria nisso que se traduziria a concessão de juros de mora sobre juros de mora
E - mais adiante - conclui que, na nossa ordem jurídica, «não estão previstos juros de mora de juros de mora, ou seja, a capitalização de juros de mora vencidos, sendo que a norma do art. 560 do CC, na sequência da posição de Vaz Serra, deve ser lida como dizendo respeito à capitalização dos juros remuneratórios».
O acórdão debruça-se também sobre a doutrina em sentido contrário e procura rebater os seus argumentos.
Assim, escreveu a propósito, Francisco Correia das Neves:
«E os juros moratórios poderão dar lugar a novos juros?
Tome-se este exemplo simples: A empresta, gratuitamente, a B cinquenta contos, para serem restituídos decorrido um ano; vencido o prazo, B não restitui o capital; a partir daí começam a cair juros de mora à taxa legal a favor do credor A: poderão estes juros produzir outros juros?
É curioso notar que no anteprojecto do actual Código Civil - art. 791, Livro II, Direito das Obrigações, 1ª revisão ministerial - se dispunha que «o atraso no pagamento dos juros moratórios não dá lugar a novos juros».
Tal disposição não foi consagrada no art. 560 e, portanto, afastada foi do texto definitivo da nova lei. Quererá isso dizer que o legislador não aceitou a sua doutrina ou, antes, que considerou desnecessário fazer tal ressalva?
Vamos mais pela primeira tese, mas vejamos em que medida: o atraso não dá lugar, por si só, a novos juros; mas nada impede uma convenção posterior ou a notificação judicial para a capitalização, se relativos a período não inferior a um ano, nos termos gerais já analisados.
É que se decorrido um ano de juros de mora o devedor se apresenta a entregá-los, e, nesse mesmo acto e momento, solicita ao credor que lhos empreste a certo juro, ninguém ousará defender que tal é proibido pelo dito art. 560. Ora, que diferença atendível existe entre esta hipótese e a de, por convenção posterior a esse ano, devedor e credor acordarem na capitalização dos juros, que possa justificar ou exigir um tratamento diverso?» - cf. Manual dos Juros, Estudo jurídico de utilidade prática, 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 1969, pp. 92 e 93.
Seguindo esta linha de pensamento, María Medina Alcoz escreveu nas pp. 21 e 22 do seu estudo supra citado [também citado no acórdão do TRL] que:
«Los intereses susceptibles de generar intereses (anatocísticos) pueden ser tanto los moratorios (legales o convencionales) como los remuneratorios (retributivos, correspectivos o compensatorios).
Si bien los moratorios responden a la necesidad de reparar el daño causado por el retraso en el cumplimiento imputable al deudor (mora debitoris); los remuneratorios, retributivos, restauratorios, correspectivos o compensatorios cumplen la función de remunerar, retribuir o restaurar al acreedor la falta de disponibilidad de su numerario, precisamente, como correspectivo (correspondencia) o compensación de la misma. Pueden ser también lucrativos o lucratorios cuando – se dice – ocasionan para el acreedor un beneficio adicional (lucro) al del interés compensatorio. Pero, como ha dicho JIMÉNEZ MUÑOZ, “en realidad todos los intereses responden a una misma y única función y fundamento: el resarcimiento por la privación que el acreedor sufre de su capital y que le determina una pérdida de su productividad, privación que concurre en todo tipo de intereses, tanto moratorios como compensatorios”. Es decir, concluye MEDINA CRESPO, los intereses retributivos expresan el pretium de una disponibilidad dineraria desprendida y los moratorios el pretium de esa mima disponibilidad pero no obtenida.
La doctrina acepta generalmente que los intereses anatocísticos se generan no sólo por los intereses retributivos (generalmente, usuræ ex pacto o ex stipulatione derivados de un contrato de préstamo) impagados, sino también por los intereses moratorios (usuræ ex mora) insatisfechos» [em nota referencia: José Manuel RUIZ-RICO RUIZ, «Cien años (y algo más) de jurisprudencia sobre interese moratórios», en Centenario del Código Civil (1889-1989), T. II, Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, Madrid, 1990, pp. 1917; e (1989), «Comentario al artículo 1109 CC», en Manuel ALBALADEJO GARCÍA (Dir.), Comentarios al Código Civil y Compilaciones Forales, T. XV, Vol. 1 (arts. 1088-1124), 1989, pp. 863-868; Luis MUÑOZ DE DIOS SÁEZ, Sobre el anatocismo, Revista Jurídica del Notariado, núm. 16, 1995, p. 352; Marta ORDÁS ALONSO, El interés de demora, Thomson-Aranzadi, Cizur Menor, 2004, p. 168; Pilar ÁLVAREZ OLALLA, Comentario al artículo 1109 CC, en Rodrigo BERCOVITZ RODRÍGUEZ-CANO (Coord.), Comentarios al Código Civil, 2ª ed., Thomson-Aranzadi, Cizur Menor, 2006, p. 1336; Francisco Javier JIMÉNEZ MUÑOZ, La deuda de intereses, Universidad Nacional de Educación a Distancia, Madrid, 2008, p. 405, y Ángel CARRASCO PERERA, Derecho de Contratos, Aranzadi, Cizur Menor, 2010, p. 1223)]. – negrito e sublinhado nossos.
Mais adiante, a Autora referencia os defensores da tese contrária:
«Sin embargo, algunos autores [Virginia MÚRTULA LAFUENTE, La prestación de intereses, McGraw Hill, Madrid, 1999, pp. 460-464; Carlos VILLAGRASA ALCAIDE, La deuda de intereses, EUB, Barcelona, 2002, pp. 269, 273 y 277; Luis MUÑOZ DE DIOS SÁEZ, obra citada, p. 355, y Vicente L. MONTÉS PENADÉS, Observaciones sobre la capitalización de intereses en los préstamos mercantiles, en Antonio POLO DIEZ (Coord.), Estudios de Derecho Bancario y Bursátil, Homenaje a Evelio Verdera y Tulles, T. II, La Ley, Madrid, 1994, p. 1889, aunque sólo por lo que respecta al anatocismo mercantil del artículo 317 CdC] sostienen que los intereses anatocísticos sólo pueden proyectarse sobre los intereses retributivos o compensatorios y no, por tanto, sobre los moratorios. Esta postura se funda en que los intereses moratorios están ya regulados en el artículo 1108 CC como cuantía a indemnizar en caso de mora y cubren de forma completa el daño efectivamente sufrido por el retraso en el pago del capital. Entienden que aplicar el artículo 1109 CC a los intereses moratorios implica incrementar sin fundamento el quantum de un daño (el moratorio) que ya determina el artículo 1108 CC (y desconocer su naturaleza y significado como precepto aplicable a la falta de pago puntual en el cumplimiento de todas las obligaciones dinerarias); y que este aumento de la cuantía del crédito de intereses provoca un enriquecimiento injustificado en el acreedor. Consideran que el artículo 1108 CC es aplicable a la obligación principal de restitución de un capital cuya falta de pago puntual genera intereses moratorios; y que el artículo 1109 CC es aplicable a la obligación específica de pagar intereses compensatorios no pagados, originando una deuda de intereses moratorios sobre ellos. Dice VILLAGRASA que “si no hay intereses compensatorios en la obligación pecuniaria no habrá en ningún caso anatocismo.”»
E analisa criticamente a posição destes Autores:
«Pero tal planteamiento es refutable por varias razones. En primer lugar, el artículo 1108 CC está regulando la indemnización debida por el daño causado por el impago de un capital, mientras que el artículo 1109 CC se refiere al resarcimiento del daño producido por el impago de intereses, sin distinguir de qué tipo (ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus), y tanto daño moratorio genera el impago de los intereses retributivos pactados como el impago de los intereses moratorios debidos por impago del principal. La generación de intereses anatocísticos derivados de intereses moratorios no produce, en absoluto, un enriquecimiento injustificado en el acreedor, sino todo lo contrario: corresponden al justo resarcimiento de un daño injusto y por ello no generan un estricto lucro. Sólo mediante su abono se indemniza al acreedor insatisfecho el perjuicio ocasionado por la indisponibilidad de los intereses moratorios debidos y no pagados (lucro cesante) y, por tanto, sólo mediante su abono se cumple el principio institucional que obliga a la reparación íntegra del daño. Afirmar que los intereses moratorios no devengan intereses anatocísticos implica desconocer su función como resarcimiento moratorio.» - negrito e subl. nossos.
No mesmo sentido, acrescentamos a posição mais recente [claramente posterior ao acórdão do TRL de 28.2.2013] de Paulo Mota Pinto e Maria Inês de Oliveira Martins, defendendo que o anatocismo assenta na racionalidade e na justiça da cobrança de juros sobre os juros e que «(…) cada montante devido a título de juros que o credor deixa de obter é um montante que ele poderia também aplicar produtivamente, gerando novos proventos, ou cuja ausência o forçará a buscar um empréstimo e suportar os respetivos custos. E, por sua vez, ao furtar-se a pagar as prestações em dívida, escusando-se a devolver esses montantes, o devedor beneficia no fundo de uma nova disponibilização de tais capitais - pela qual deverá pagar o respectivo preço. Pois se devolvesse tais montantes no tempo devido, e se voltasse para um outro credor, teria também que pagar o juro respetivo.
A compreensão-chave deve aqui ser, em suma, a do valor económico da disponibilização de somas de dinheiro, já que estas têm aptidão aquisitiva e reditícia. Cada atraso no pagamento de somas devidas representa, em suma, do mesmo passo, um prolongamento da sua disponibilização ao devedor, com os efeitos económicos de uma nova concessão de crédito; e representa um dano na esfera do credor, que não só não recebe os montantes a que teria direito, como deixa de obter os resultados da sua aplicação produtiva.
Assim, percebe-se que, do ponto de vista económico, cada novo montante de juros vencido deva receber tratamento idêntico ao do capital a partir do qual é calculado, e integrar a base para o cálculo da nova prestação de juros (…)» (obra citada, pp. 273-275)
No acórdão do TRL em apreço, conclui-se pela «preferência» pela posição defendida por Vaz Serra, que só não terá sido consagrada no Código Civil de 1966 por desnecessária [posição seguida na sentença recorrida].
Discordamos e propendemos para seguir o entendimento de Francisco Correia das Neves e María Medina Alcoz que o acórdão afastou.
Ainda que esta se reporte a outro ordenamento jurídico, quiçá menos restritivo por não estabelecer o prazo mínimo de um ano, não deixamos de detetar um paralelismo entre os artigos 1108.º e 1109.º do Código Civil espanhol e os artigos 806.º e 560.º do Código Civil português.
No que concerne à norma sobre anatocismo proposta por Vaz Serra, o artigo 13.º do anteprojeto dispunha no seu n.º 4 que «O atraso no pagamento dos juros moratórios não pode dar lugar a novos juros» («Mora do devedor», obra citada, pp. 212 e 303).
A norma foi reproduzida em anteprojeto posterior, relativo ao Direito das Obrigações («Direito das obrigações», BMJ, 98, 1960, pp. 13-128, artigo 86.º, n.º 3).
Porém, consideramos forçada a conclusão de que a norma «não passou» por ser despicienda ou desnecessária, daí se concluindo que o preceito se reporta apenas à capitalização dos juros remuneratórios.
Atente-se na anotação de Pires de Lima e de Antunes Varela ao artigo 560.º do Código Civil (Código Civil Anotado, 2.ª ed., 1, Tomo I, p. 499).
Nenhuma destrinça se vislumbra quanto aos juros.
Assim, anotaram estes Autores que:
«1. A proibição do anatocismo não é absoluta. Só o é em relação aos juros devidos por prazo inferior a um ano, pois quanto a outros pode o credor notificar judicialmente o devedor para os pagar ou capitalizar, passando, neste caso, os juros capitalizados a vencer juros (n.ºs 1 e 2).
A proibição do anatocismo admite, além disso, duas excepções: uma é a do acordo posterior ao vencimento dos juros. Não se admitem convenções de anatocismo anteriores ao vencimento, porque elas corresponderiam a um aumento da taxa de juro, ou seja, presumivelmente, a um acto usurário (cfr. art. 282.º).
Esta proibição não implica, porém, a impossibilidade de estabelecer cláusulas penais, como a de o capital passar a vencer, pela mora do devedor, juros mais elevados (cfr. arts. 810.º e 1146.º, n.º 2).
Também é inaplicável a proibição se se trata, não de juros, mas de outras prestações periódicas, como rendas, ou da restituição de juros percebidos por terceiro e que este deva entregar ao credor.
2. A segunda excepção contém-se no n.º 3 que prevê a existência de regras ou usos particulares do comércio. Entre essas regras ou usos estão os relativos aos depósitos bancários. A capitalização dos juros é feita sempre em certos dias do ano, independentemente de convenção, sem se atender à data em que o depósito foi feito. Pode tratar-se, portanto, de juros correspondentes a um período inferior a um ano. (…)»
Ressalta logo do artigo 560.º do Código Civil que a lei se refere simplesmente aos juros vencidos, sem os qualificar, e, portanto, sem limitar a sua aplicação aos juros remuneratórios.
Ora, como intérpretes da lei, devemos reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).
O texto ou a letra da lei são ponto de partida e simultâneo limite da interpretação (artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), postergando soluções que amarrem o intérprete.
O legislador procura esclarecer o sentido último da interação dos vários elementos interpretativos, mas não deixa de precisar que o intérprete deve presumir que o legislador manifestou de forma adequada do seu pensamento (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Regressando ao preceito, não há, do ponto de vista do texto qualquer argumento que afaste da sua aplicação os juros moratórios.
Esta primeira compreensão é reforçada, no plano histórico, pelo referido abandono da norma proposta no anteprojeto de Vaz Serra, que excluía o anatocismo de juros moratórios.
Aliás, uma análise mais detalhada do estudo «Mora do devedor» (obra citada) permite-nos constatar que Vaz Serra desenvolveu a temática do anatocismo sem grandes perplexidades quanto à possibilidade da capitalização dos juros de mora, parecendo até defender a sua justeza, pelo menos no caso da propositura de ação ou de execução contra o devedor.
Assim, a propósito do artigo 1642.º do Código Civil anterior, escreveu:
«d) Se a obrigação vencer juros, em que consistirá a indemnização pela mora?
Segundo o art.º 1.642.º do nosso Código, «não são exigíveis os interesses vencidos de mais de cinco anos, nem interesses de interesses, mas podem os pactuantes capitalizar por novo contrato os interesses vencidos».
Destina-se este artigo a proibir o anatocismo (juros de juro).
G. Moreira (404) entende que, por força do art.º 1.642.º, os juros vencidos e não pagos não vencem novos juros, pelo simples facto de se vencerem e não serem pagos, mas que o credor tem à sua disposição um meio de fazer com que os juros passem a vencer, por sua vez, juros, e esse meio é a interpelação (art.º 732.º).
De contrário, não haveria indemnização no caso de obrigação com juro contratual igual ou superior ao legal, pois ela continuaria, depois da mora, a vencer o mesmo juro que vencia antes. Com a solução de G. Moreira, deixando o devedor de pagar juros, pode o credor, interpelando-o, fazer com que os juros devidos passem a vencer novos juros.
Pelo art.º 732.º, na redacção que o Decreto n.º 19.126 lhe deu, os juros vencidos poderiam vencer logo novo juro, porque devem ser pagos em prazo certo. Mas o art.º 1.642.º declara não poderem exigir-se interesses de interesses, parecendo que só por novo contrato autoriza a capitalização dos juros vencidos (405).
Outra solução seria a de que o credor teria direito a novos juros depois de intentada por ele «a competente acção ou execução»: é que a inevitável demora do processo não deve prejudicar o litigante, que tem razão, o qual deve ser colocado na situação em que estaria se o processo acabasse na altura em que se inicia (406).» (p. 195-196)
E escreveu na p. 207:
«Se o credor intentar acção ou execução contra o devedor, a atenção deste é solicitada energicamente para as consequências da capitalização; e, por outro lado, não parece razoável que o credor seja prejudicado com a demora no andamento do processo (427), devendo, por isso, reconhecer-se-lhe direito aos juros sobre as quantias em dívida, ainda que sejam juros. Agora o direito aos juros de juros não tem graves inconvenientes, pois o devedor, se pagar a dívida vencida, como lhe é exigido, pode afastá-lo e só existe tal direito como compensação do dano, que o credor é de presumir sofra com a demora no andamento do processo (dano que não teria, se o devedor pagasse logo que a acção ou execução é proposta).
Não pareceria de exigir que na acção se reclamasse a capitalização dos juros (428), dado o fundamento, que acabamos de expor, bastando que se pedisse o pagamento deles. Mas, por outro lado, o devedor, a quem o credor exige apenas os juros, pode contar com que se não dê a capitalização, que o próprio credor pode não querer: exigir-se-ia, pois, um pedido a reclamar a capitalização
Anotou ainda na mesma página, nota (427), que:
«Já hoje, como vimos, Manuel de Andrade parece inclinar-se para a solução de que o credor tem direito a novos juros depois de intentada por ele a competente acção ou execução, o que se justifica pela ideia de que o litigante que tem razão não deve ser prejudicado pela inevitável demora do processo
Verificamos, pois, que o preceito, despojado de um segmento proibitivo, não oferece argumentos formais que afastem os juros moratórios.
Ademais, argumentos teleológicos ou sistemáticos pugnam por esta aplicação.
Por um lado, como vimos, quer nos juros remuneratórios, quer nos juros moratórios se podem retirar consequências do facto de o credor abdicar de certo montante pecuniário, que fica na disponibilidade do devedor.
A mora no pagamento de montantes pecuniários pode, na verdade, ter o efeito económico de disponibilizar tais montantes ao devedor por um período acrescido, retirando-os ao mesmo tempo da disponibilidade do credor, e produzindo na sua esfera um potencial dano emergente - pela necessidade de contração de um empréstimo - ou um lucro cessante.
Na verdade, estes juros de juros não representam um agravamento da indemnização devida ao credor pelo atraso no pagamento.
Correspondem, antes, à compensação de um dano autónomo e distinto, que é o dano da privação das importâncias correspondentes aos juros já vencidos e não pagos, que de outra forma ficará por compensar – cf. artigo 561.º do Código Civil que caracteriza a obrigação de juros como autónoma.
Por outro lado, o confronto com o regime especial previsto para as entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8.5, não nos alumia na direção oposta.
Logo no artigo 1.º, este diploma diz que «estabelece as normas aplicáveis à classificação e contagem do prazo das operações de crédito, aos juros remuneratórios, à capitalização de juros e à mora do devedor».
A capitalização de juros é objeto de um regime especial aplicável quando estejam em causa juros decorrentes de operações de concessão de crédito bancário, estabelecendo o artigo 7.º do citado Decreto-Lei n.º 58/2013 que:
«1- A capitalização de juros remuneratórios, vencidos e não pagos, depende de convenção das partes, reduzida a escrito, não podendo os mesmos ser capitalizados por períodos inferiores a um mês.
2 - A eficácia da capitalização de juros remuneratórios não depende de notificação ao devedor.
3 - Para efeitos de aplicação de juros moratórios, os juros remuneratórios que integram cada prestação vencida e não paga só podem ser capitalizados uma única vez.
4 - Nos contratos em que tenha sido estipulada carência de pagamento de juros, não pode haver capitalização de juros remuneratórios correspondentes a períodos inferiores a três meses.
5 - Só é admissível a capitalização de juros moratórios mediante acordo das partes, reduzido a escrito, e no âmbito de reestruturação ou consolidação de contratos de crédito.» (sublinhado nosso)
Tratando-se de um regime especial face ao regime geral do anatocismo, havendo conflitos entre as normas, prevalecerão as primeiras.
Miguel Brito Bastos, no estudo Capitalização de juros em contratos de concessão de crédito bancário (obra citada, pp. 299 a 307) explica que os pressupostos da capitalização de juros remuneratórios concentram-se nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 7.º e que os pressupostos da capitalização de juros moratórios são os estabelecidos no n.º 5 do artigo 7.º do diploma citado.
O artigo 7.º, n.º 5, deste diploma pode ser decomposto em três fragmentos normativos.
O primeiro determina que apenas é admissível a capitalização convencional de juros moratórios. A possibilidade de a instituição de crédito recorrer ao mecanismo de capitalização judicial, estabelecido no artigo 560.º, n.º 1, parte final, do Código Civil, resulta, assim, excluída.
Em segundo lugar, as convenções através das quais os juros moratórios sejam capitalizados são sujeitas a forma escrita, com o que se visa - tal como com a exigência semelhante estabelecida no artigo 7.º, n.º 1 - promover a ponderação da decisão do devedor.
Por fim, determina-se que a capitalização de juros moratórios apenas é válida se for integrada em operações de reestruturação ou de consolidação de contratos de crédito.
Trata-se de um regime assinalavelmente restritivo, no qual se manifesta a preocupação, de certo modo transversal ao diploma, de proteção do tomador de crédito em mora, através da mitigação das consequências da mora.
Considera o Autor que a justificação de um regime que estabelece, por regra, a inadmissibilidade da capitalização de juros de mora, procurando, com isso, proteger o devedor deve, porém, ser olhada com ceticismo. Isto porque não se pode afirmar, em abstrato, que a capitalização de juros moratórios seja um fenómeno objetivamente prejudicial ao devedor (obra citada, p. 299).
Porém, logo remete para a occasio legis do diploma, escrevendo que:
«Para além dos artigos 8.º, n.º 2, e 7.º, n.º 4, a preocupação do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio, com a proteção dos tomadores de crédito em mora verifica-se também nas normas que estabelecem limites máximos à definição convencional da taxa de juros moratórios (artigo 8.º, n.º 1), à indemnização pelos custos suportados com a cobrança dos valores em dívida (9.º, n.ºs 2 a 5) e com o estabelecimento da inadmissibilidade da estipulação de cláusulas penais moratórias, fora do estrito âmbito admito pela lei (artigo 9º, n.º 1).
Esta preocupação com a mitigação das consequências da mora do devedor resulta acentuada quando perspetivada à luz da occasio legis do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio, e da articulação deste com outros diplomas aprovados no mesmo contexto. Importa, em particular, recordar que o Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio, foi aprovado durante o período da crise económica e financeira que assolou Portugal entre 2007 e 2014. Mais precisamente, este diploma foi aprovado durante a vigência do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, celebrado entre o Estado português, o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central (o "Memorando da Troika"). O contexto histórico que viu surgir este diploma foi, pois, um contexto de grande fragilidade das contas públicas, com repercussão, por várias vias, na situação económica das empresas e dos particulares. Conforme resulta documentado no Relatório de Estabilidade Financeira do BANCO DE PORTUGAL, de maio de 2013, o contexto em que o Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 maio, foi aprovado, foi marcado pela verificação de “níveis sucessivamente mais elevados» relativamente ao «crédito em incumprimento e em risco [...], com destaque para os empréstimos às empresas e aos particulares com fim distinto da aquisição de habitação”.
Perante esses circunstancialismos, houve uma preocupação legislativa em evitar que as dificuldades circunstanciais causadas pela crise tivessem consequências irreversíveis na situação patrimonial das empresas e dos particulares — numa lógica de continuidade com as medidas indicadas nos pontos 2.17 a 2.22 do Memorando da Troika. O desiderato legislativo de mitigar as consequências da mora do devedor no âmbito das operações de concessão de crédito bancário enfileira-se nestas preocupações. Essa finalidade encontra-se mesmo expressa no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio, quando este justifica os “afastamentos face ao regime geral da mora no cumprimento das obrigações” apelando às “especificidades [dos contratos de concessão de crédito]” e às “consequências associadas ao seu incumprimento, que podem afetar de modo particular o cliente bancário.
Justamente a mesma razão se encontra ainda subjacente à norma resultante do artigo 9.º, n.º 7, segundo o qual as quantias devidas a título de comissão pela recuperação de valores em dívida que não forem pagas pelos clientes bancários só podem acrescer ao montante do capital em dívida em caso de reestruturação ou consolidação de contratos de crédito.» (obra e p. citadas, nota 53)
Perspetivando o artigo 7.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 58/2003, segundo estas coordenadas sistemáticas, o Autor conclui que o preceito visa impedir o aproveitamento pelas instituições de crédito de uma situação de necessidade do tomador de crédito em dificuldades financeiras, levando-o a aceitar capitalizações de juros que não aceitaria numa situação em que a sua capacidade de autodeterminação não estivesse perturbada, ou que o tomador de crédito aceite precipitadamente a capitalização dos juros moratórios (v.g. no contrato de concessão de crédito), sem que essa decisão leve em conta a sua concreta situação no momento da mora.
Na sua análise crítica, considera o Autor, porém, que não se pode olvidar que o devedor em mora se encontra numa situação de incumprimento e que essa situação pode desencadear situações muito mais gravosas do que a sua adstrição ao pagamento de juros moratórios, dando os exemplos da execução de garantias, a resolução do contrato pelo dador de crédito, com a consequente antecipação do reembolso da totalidade do capital em dívida, ou mesmo o vencimento antecipado de obrigações de reembolso decorrentes de outros contratos, em virtude da eventual estipulação de cláusulas de cross-defáultibidem, p. 302.
No estudo dos requisitos relativamente estreitos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 58/2003, há que ponderar ainda a contrapartida à limitação da capitalização de juros.
Na verdade, a lei atribui ao credor um meio de tutela alternativo à verdadeira capitalização de juros: permite-lhe calcular os juros de mora nos termos de uma taxa especialmente gravosa, calculada por aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3% sobre a taxa de juros remuneratórios aplicável à operação em causa (artigo 8.º, n.º 1).
O regime civilístico geral não oferece esta via de tutela ao credor cujo devedor se encontre em mora.
Oferece-lhe, sim, a tutela tradicionalmente alternativa, assente no regime do anatocismo.
Ainda no círculo do elemento sistemático da interpretação, atentemos no artigo 806.º do Código Civil, amiúde invocado como fundamento da proibição da capitalização de juros de mora, como no acórdão do TRL de 28.2.2013.
Preceitua o artigo 806.º do Código Civil que:
«1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
3. Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco
A primeira parte do n.º 2 estabelece o princípio geral em matéria de fixação do quantum indemnizatório neste domínio, dispondo que os juros devidos correspondem aos juros legais, fixados por portaria ministerial, cuja taxa varia consoante estejam em causa créditos civis - artigo 599.º do Código Civil - ou créditos subsumíveis ao artigo 102.º do Código Comercial.
Esta solução de que a indemnização corresponde à aplicação de juros legais desde a constituição em mora cede, em primeiro lugar, nos termos da segunda parte do n.º 2, se antes da mora for devido um juro mais elevado ou se as partes houveram estipulado um juro moratório diferente do legal (cf. cláusula penal - artigo 810.º do Código Civil), e, em segundo lugar, caso o credor, no âmbito da responsabilidade por facto ilícito e pelo risco, prove que a mora lhe provocou danos superiores aos juros devidos (n.º 3).
A norma do artigo 806.º, n.º 3, do Código Civil, no segmento em que admite a prova do dano excedente, teve um papel fulcral na argumentação do acórdão do TRL de 28.2.2013, no sentido do afastamento da possibilidade de capitalização de juros de mora.
Contudo, esta argumentação não procede.
Este preceito não constava da redação original do Código Civil, em que o artigo 806.º do Código Civil era composto apenas pelos dois primeiros números.
Por via do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16.6, consagrou-se no n.º 3 do artigo 806.º do Código Civil a tese preconizada em termos gerais por Vaz Serra, em sede de trabalhos preparatórios.
O Autor defendia o abandono da doutrina tradicional e da solução adotada pelo Código Civil de 1867, configurando os juros como limite mínimo, mas não como limite máximo.
Em boa verdade, Vaz Serra argumentava que o credor pode ter sofrido danos em montante muito superior ao dos juros, não se afigurando razoável que lhe seja vedada a possibilidade de exigir a reparação integral do dano («Mora do devedor», obra citada, p.p. 105-106), que admite para algumas hipóteses a prova de dano excedente.
Porém, o legislador de 1983 circunscreveu o âmbito de aplicabilidade desta nova solução à esfera da responsabilidade aquiliana, resultando excluídas do seu âmbito as obrigações pecuniárias que encontram a sua fonte na responsabilidade obrigacional, o que resulta, de modo inultrapassável, do n.º 3, a contrario, em conjugação com o n.º 1.
Ainda que parte da doutrina se mostre crítica relativamente ao regime atual, o que bem se compreende, na medida em que determina a exclusão da possibilidade de o credor obter a ressarcibilidade do dano efetivo no âmbito contratual, certo é que só de iure condendo se poderá consagrar a extensão do regime.
O argumento retirado do artigo 806.º, n.º 3, do Código Civil, bem como o raciocínio colhido da análise do Decreto-Lei n.º 58/2003, não convencem, pelo que se conclui que a interpretação do artigo 560.º do Código Civil não permita excluir a capitalização de juros de mora.
e) Corrobora esta asserção o panorama do direito comparado, que tem assistido a recentes tentativas de uniformização do direito privado europeu, que se destacam pela abordagem permissiva da capitalização de juros moratórios, em paridade com os juros remuneratórios (cf. Paulo Mota Pinto e Maria Inês de Oliveira Martins, in «Capitalização de juros moratórios», pp. 292 a 294).
Assim, no Draft Common Frame of Reference (DCFR) do direito privado europeu, o regime supletivo geral da mora das obrigações pecuniárias prevê que, a cada doze meses, haja lugar à capitalização automática justamente dos juros moratórios que se encontrem vencidos (artigo III. 3:709, em articulação com o artigo III. 3:708).
Como se pode ver, nesta proposta de regime não é sequer necessário haver qualquer pacto expresso, anterior ou posterior ao vencimento da dívida de juros, ou mesmo interpelação do devedor, para que haja lugar à capitalização.
O regime especial da mora nos contratos comerciais no citado DCFR, por sua vez, não contém regra específica quanto à capitalização do juro moratório (III. 3:710). Da norma não decorre, porém, o carácter imperativo do regime, podendo as partes pré‑estabelecer no contrato a capitalização dos juros moratórios, ao abrigo da sua autonomia privada. A regra que vale para a capitalização dos juros remuneratórios vencidos, estabelecida em sede de mútuo, é semelhante, determinando que o juro vencido é capitalizado a cada doze meses (IV.F.-1:104 do DCFR).
Norma de teor rigorosamente idêntico ao artigo III. 3:709 do DCFR existia já no regime dos Princípios de Direito Europeu dos Contratos (artigo 17:101). E também o Código Europeu dos Contratos, elaborado pelo chamado «Grupo de Pavia», previa supletivamente, quando não valesse regra contrária em matéria comercial ou de prestação de garantias, a capitalização de juros moratórios, sem sequer estabelecer um período mínimo de acumulação de juros a esse respeito (artigo 169.º, n.ºs 1, 5 e 6).
Dentro dos trabalhos de codificação recente, deve ser aproximado deste regime o direito civil holandês.
Nos termos do artigo 6:119 do Código Civil, n.º 2, no final de cada ano são automaticamente adicionados ao capital os juros moratórios em dívida, calculados à taxa legal, integrando a base de cálculo do juro subsequente. Esta provisão vale para todas as hipóteses de aplicação dos juros moratórios legais, mesmo que estes sejam determinados pelas regras especiais fixadas para as transações comerciais (artigo 6:119a) ou para os negócios com entidades públicas (artigo 6:119b).
Este sistema é particularmente permissivo na atribuição da reparação por juro de mora composto, com uma norma central praticamente idêntica à constante do citado DCFR, ainda que no ordenamento neerlandês não haja lugar à reparação de outros danos que transcendam a atribuição do juro.
f) Em face da argumentação que precede, urge concluir pela procedência da alegação da Apelante no sentido da possibilidade de capitalização de juros moratórios.
Da impossibilidade de capitalização sucessiva de juros moratórios na pendência da ação judicial
a) Uma vez observados os requisitos estabelecidos no artigo 560.º do Código Civil relativamente a todas as capitalizações efetuadas pela NOS, como se admite na sentença recorrida, cumpre apreciar a questão da capitalização sucessiva de juros.
A sentença recorrida nega a sua permissão legal.
A Apelante argumenta que quando interpela o devedor para capitalizar os juros vencidos há mais de um ano ou para pagar sob pena de capitalização, o credor está apenas a acautelar o seu direito ao ressarcimento dos danos que o não pagamento tempestivo da dívida lhe causa, direito esse que terá depois de exercer pelas vias que a ordem jurídica lhe faculta, recorrendo à competente ação judicial para procurar obter a sua satisfação - como aconteceu com a NOS, na presente ação.
Defende que o regime do Decreto-Lei n.º 58/2013 não só não contém qualquer argumento a contrario relativamente à capitalização sucessiva de juros moratórios, como constitui um forte indício de que o regime geral da lei, deve ser de permissão da capitalização de juros moratórios pelas vezes necessárias para acautelar a indemnização causada pelo atraso no pagamento.
Alega que, no quadro do Decreto-Lei n.º 58/2013, concede-se aos bancos a possibilidade de calcular os juros de mora nos termos de uma taxa especialmente gravosa, calculada por aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3% sobre a taxa de juros remuneratórios aplicável à operação em causa.
Acrescenta que, fora desse âmbito, isso não sucede, pelo que o credor está limitado ao sucedâneo que é a capitalização de juros devidos e não pagos, e a ela terá de lançar mão tantas vezes quantas as necessárias para assegurar o ressarcimento dos danos causados pela mora do devedor.
Sustenta que, contrariamente ao que alega a Apelada, nenhuma similitude existe entre o anatocismo e um sistema de justiça privada.
Conclui que o resultado a que conduziria a aplicação da doutrina contida na sentença recorrida seria totalmente irrazoável, pois não dispondo o credor de obrigações pecuniárias em geral desta possibilidade de que os bancos gozam de aplicar uma taxa mais gravosa, ficaria também privado do remédio alternativo que está na capitalização dos juros moratórios, em nome de uma pretensa proteção do interesse do devedor inadimplente.
Na sua alegação de resposta, a Apelada argumenta que existe, de facto, no nosso sistema jurídico um princípio geral de proibição absoluta do anatocismo, sendo que a lei apenas admite o anatocismo em duas situações excecionais:
i. Quando exista convenção posterior ao vencimento que determine que estes passem a vencer juros; e
ii. A partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
Escorada no parecer jurídico sobre a «Impossibilidade da capitalização sucessiva de juros moratórios na pendência de ação judidical», de Diogo Costa Gonçalves, com a colaboração de Diogo Tapada dos Santos, a Apelada destaca que «O princípio geral do nosso ordenamento é o da proibição genérica do anatocismo. Tal princípio não oferece contestação, e surge como a tela de fundo normativa sobre a qual se desenrolam as diversas especificidades do caso sub judice. Vigora, portanto, entre nós o antigo princípio “nullo modo usurae usurarum a debitoribus exigantur”, já previsto no Codex Justiniani, IV, 33 (de usuris).» e apoia-se na jurisprudência e na doutrina que defende tal asserção.
Na sentença recorrida, a fundamentação relativa à capitalização sucessiva de juros é a seguinte:
«Mas, ainda que assim não se entendesse, (à semelhança com o que ocorreu com a decisão proferida no processo n.º 524/10.1TVLSB) e se aceitasse a possibilidade de capitalização de juros moratórios, ao abrigo do art.º 560º do Código Civil, sempre a pretensão da A. teria que soçobrar porquanto se afigura impossível, face ao regime vigente, a capitalização sucessiva de juros.
Vejamos:
Como base temos que ter sempre presente que o nosso ordenamento jurídico visa um sistema de justiça material, onde exista equilíbrio nas prestações, proibindo a usura.
O anatocismo, previsto no artigo 560º do Código Civil constitui uma excepção, só permitida nas situações ali previstas e, ainda assim, tendo como limite as regras e usos particulares do comércio.
Este caracter de excepção contraria a possibilidade de capitalização sucessiva, indicando que o seu uso deve ser limitado a uma unia capitalização.
Por outro lado, tendo já referido que o anatocismo funciona como meio de autotutela, no sentido em que compele/pressiona o devedor ao cumprimento, não pode admitir-se que sucessivamente, o credor exerça tal pressão o que se assemelharia a um sistema de justiça privada que o direito também repele.
Acresce que a possibilidade de capitalização sucessiva leva, necessariamente, a um aumento do quantum indemnizatório que corresponde, na prática, a uma taxa de juro (por referência ao capital inicial) manifestamente superior à taxa legal aplicável, logo, usurária, o que se entende ser de banir face ao disposto no art.º 559º-A, 1146º e 282º do Código Civil, tanto mais que poderia levar à situação caricata de o credor preferir por lhe ser benéfico o incumprimento do devedor.
Há ainda que referir o DL 58/2013, de 8 de Maio referente a capitalização de juros no sistema bancário. A A. invoca este diploma de modo a fundamentar a possibilidade de capitalização de juros moratórios referindo que no seu preâmbulo se consigna que “Reconhecendo as especificidades deste tipo de contratos e as consequências associadas ao seu incumprimento, que podem afectar de modo particular o cliente bancário, o regime consignado no presente diploma traduz, nas matérias que regula, um afastamento do regime geral aplicável em caso de mora no cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pelas partes.”
Entende a A., face a este excerto do preâmbulo que a solução restritiva que consagra traduz um afastamento do regime geral da mora do devedor justificada pela necessidade de proteger o cliente bancário.
Porém, afigura-se que do regime constante deste diploma não decorre que o regime geral seja favorável à capitalização de juros moratórios, muito menos de forma sucessiva.
Na verdade, continua o mesmo preâmbulo “O regime agora previsto introduz, assim, diversas alterações em matéria de capitalização de juros, permitindo, mediante convenção das partes, a capitalização de juros remuneratórios, vencidos e não pagos, por períodos iguais ou superiores a um mês. No entanto, os juros remuneratórios que integram as prestações vencidas e não pagas só podem, relativamente a cada prestação, ser capitalizados uma única vez.”
Ora, este regime, no que respeita aos juros remuneratórios é já restritivo relativamente ao regime geral. Apenas admite a capitalização por acordo, e não de forma unilateral; deixando bem claro que os juros remuneratórios só podem ser capitalizados uma única vez.
Quanto aos juros moratórios continua o preâmbulo “Proíbe-se a capitalização de juros moratórios, excepto no âmbito de processos de reestruturação ou consolidação de créditos, casos em que as partes podem, por acordo, adicionar aos valores em dívida o montante de juros moratórios vencidos e não pagos.”
Tais considerações tiveram consagração no art.º 7º do qual não se consegue retirar que o regime geral previsto no art.º 560º permita a capitalização de juros remuneratórios, por um lado, e por outro que permita a capitalização sucessiva.
Assim, entende-se que a pretensão da A. não tem apoio legal, mostrando-se vedada a possibilidade de proceder a capitalizações de juros moratórios e de o fazer sucessivamente
b) Será que a interpretação do artigo 560.º do Código Civil permite afastar a possibilidade da capitalização sucessiva de juros mediante o «anatocismo potestativo»?
O anatocismo acarreta a priori o rótulo do desequilíbrio das prestações?
Ou será que o anátema da proibição do anatocismo prova demais?
Regressemos à usura, principal argumento de que o Tribunal recorrido lançou mão para rebater a possibilidade de capitalização sucessiva de juros.
A aproximação do regime do anatocismo ao regime da usura tem sido dominante na doutrina portuguesa.
Neste sentido, se pronunciou Francisco Correia das Neves, obra citada, p.  91 («as limitações ao anatocismo representam, ao fim e ao cabo, uma aplicação da proibição em geral dos negócios usurários hoje consagrada em termos amplos no n.º 1 do artigo 282.º»), Alberto Luís, O anatocismo bancário, in Revista da Ordem dos Advogados, 61, 2003, p. 1351 (o anatocismo «equivaleria à prática de taxas de juros exorbitantes»), Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 12.ª edição, Coimbra: Almedina, 2016, p. 756 (as normas contidas no artigo 560.º «pretendem obstar a que se chegue indiretamente ao aumento da taxa de juro, inclusive, podendo envolver usura (art. 282.º)», Luís Menezes Leitão, Direito das obrigações, I, 14.ª edição, Coimbra: Almedina, 2017, p. 163 (a cobrança de juros sobre juros «poderia ser uma forma de indiretamente violar a proibição da cobrança de juros usurários»), Diogo Leite de Campos, Anatocismo: regras e usos particulares do comércio, in Revista da Ordem dos Advogados, n.º 48, 1988, p. 39 (que caracteriza o anatocismo como um «expediente sofisticado da usura, tanto mais perigoso quanto a generalidade dos devedores dificilmente poderia calcular, a priori, as suas consequências»).
Em sentido diverso se pronunciou Miguel Brito Bastos, no estudo «Capitalização de juros em contratos de concessão de crédito», obra citada, pp. 276-277, ainda que mais centrado na problemática do anatocismo convencional.
Segundo este Autor, se é certo que o anatocismo tem como implicação o aumento dos juros futuros e que, havendo sucessivos vencimentos de juros sobre juros, o valor dos juros devidos aumenta de forma exponencial, isso nada nos diz quanto ao valor que os juros passam a assumir após esse aumento.
Sendo coerente com a premissa de que o regime do anatocismo representa um prolongamento do regime dos juros usurários, seguir-se-ia que as convenções de anatocismo apenas se afigurariam problemáticas na medida em que conduzissem a que o valor dos juros devidos, em consequência do anatocismo, ultrapassasse os limites do artigo 1146.º, n.º 1, do Código Civil, o que nem sempre acontece.
Acrescenta que o regime do anatocismo, ao delimitar as condições de validade das convenções de anatocismo, não discrimina em função do valor que os juros assumem em consequência do anatocismo.
Secundamos ainda o Autor quando afirma que não vigora no ordenamento jurídico português um regime de inadmissibilidade geral do anatocismo – ibidem, p. 277.
Com efeito, deixando, por ora, de lado os limites referentes ao período mínimo de juros a capitalizar, o artigo 560.º, n.º 1, primeira parte, do Código Civil, apenas determina a inadmissibilidade das convenções de anatocismo que sejam anteriores ao vencimento das obrigações de juros a que se referem.
Este limite prende-se com o momento da celebração negocial e não com as implicações da capitalização no valor que os juros futuros atingem em consequência da mesma.
Por outro lado, não é uma evidência que o nosso ordenamento sindique a validade dos contratos que estipulem obrigações de juros em função do «equilíbrio» do seu conteúdo.
A autodeterminação negocial no nosso ordenamento jurídico é um valor autónomo, justificando o reconhecimento de validade aos negócios jurídicos independentemente da «justiça» da regulação por eles instituída e em que a invalidação negocial por usura pressupõe uma perturbação da formação da vontade negocial (artigo 282.º do Código Civil).
Na verdade, face ao requisito da convenção posterior ao vencimento, o devedor está em condições de se autotutelar, por via do consentimento.
E perante a eventual inclusão de condições que possam ser desproporcionadas, sempre contará com vários conjuntos normativos de proteção (cf. Paulo Mota Pinto e Maria Inês de Oliveira Martins, obra citada, pp. 305 e 306).
Assim, quando o clausulado tenha sido apresentado unilateralmente pelo credor, sem possibilidade de negociação pelo devedor, está disponível o regime dos contratos de adesão, constante do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, que institui o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
Sendo ou não essa a técnica contratual utilizada, vale ainda a norma geral sobre negócios usurários, constante do artigo 282.º do Código Civil, podendo fundar o pedido de anulação ou modificação do acordo, uma vez que o devedor prove que o credor explorou a sua situação de necessidade para obter benefícios excessivos ou in-justificados.
Por sua vez, a taxa de juro eventualmente convencionada está sujeita aos limites quantitativos previstos para a usura, no artigo 1146.º do Código Civil, para o qual remete o artigo 559.º-A do mesmo diploma, não podendo exceder a taxa legal em 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real.
E se este raciocínio é válido para o anatocismo convencional, sobre o qual incide, não deixa de ser pertinente quanto ao anatocismo legal ou potestativo, que pode não partir de base convencional.
Neste caso, a exigência de uma notificação judicial, por sua vez, desempenhará uma dupla função, pois servirá o desiderato da transparência, conferindo ao devedor um dado decisivo para poder computar as consequências da persistência em incumprimento e constituirá um filtro, retirando da incidência de capitalização as dívidas com montantes mais baixos.
Por seu turno, a identificação da teleologia objetiva do limite à autonomia privada estabelecido no artigo 560.º, n.º 2, do Código Civil envolve especiais dificuldades.
Como esclarece Miguel Brito Bastos, ambas as conceções que têm sido avançadas para justificar este regime se revelam improcedentes.
Explica-nos o Autor (obra citada, pp. 284-285) que a primeira alicerça estes requisitos no pensamento da usura, tendo por base a premissa de que quanto mais frequente for a capitalização de juros, maior é o incremento do valor de juros que essa capitalização acarreta, pelo que as exigências de que os juros capitalizados correspondam a um período mínimo visam mitigar o acréscimo do valor dos juros devidos que a operação de capitalização acarreta.
A segunda tese - continua o Autor - concebe estes requisitos como obstáculos a que o credor multiplique as suas despesas, formulando diferentes pedidos judiciários de capitalização com uma curta periodicidade.
Por fim, entende o Autor que se prefigura uma terceira conceção que vê nestes requisitos instrumentos de proteção do devedor de juros contra a frequente importunação, pelo credor, através de propostas de capitalização convencional ou da propositura de sucessivas ações judiciais para capitalização dos juros.
Todavia, nenhuma destas finalidades pode ser atribuída ao artigo 560.º, n.º 2, do Código Civil.
Desde logo, a conceção da exigência referente ao período mínimo de juros a capitalizar como um instrumento de mitigação do acréscimo dos juros.
Como explica o Autor, «Para o exemplificar, tome-se por referência um crédito de €1M, com a duração de dez anos e a taxa de juros de 5% ao ano. Não havendo lugar a qualquer capitalização de juros, o valor total dos juros devidos durante a duração total do contrato seria de € 500.000. Sendo estipulada a capitalização anual de juros, o valor total de juros passaria a ascender a € 628.894,63. Optando, diferentemente as partes por capitalizar os juros mensalmente, o valor total dos juros suportados pelo tomador de crédito por toda a duração do contrato ascende, passando estes a totalizar € 647.009,50. E caso, no limite, as partes estipulassem a capitalização diária dos juros, o valor total destes ascenderia a € 648.664,81. Assim, a diferença entre a capitalização anual ou diária de juros, durante dez anos, num contrato com o capital de €1M e com a taxa de juros de 5% seria apenas de €19.770,18, ou seja, menos de metade do valor da primeira obrigação de juros (num total de 120 prestações mensais) suportada pelo devedor. Comparando as taxas de juro efetivas correspondentes a cada uma dessas estipulações, resulta que a diferença a esse nível, entre a capitalização anual e a capitalização diária de juros, se traduz num intervalo de apenas 0,198% de taxa de juro. Retém-se, assim, que a relevância que o aumento da frequência da capitalização de juros tem nos valores a que o devedor de juros fica adstrito é, em termos proporcionais, muito pouco expressiva.» - ibidem, p. 285.
Finalmente, esclarece o Autor que os trabalhos preparatórios relativos ao artigo 560.º, n.º 2, do Código Civil fornecem argumentos interpretativos que possibilitam a determinação do preciso significado do requisito constante desse preceito - ibidem, p. 286.
Com efeito, através deste requisito, segundo o qual a capitalização de juros apenas é admissível se os juros corresponderem ao período mínimo de um ano, pretendeu o legislador histórico «evita[r] que o credor faça constantes exigências de capitalização ao devedor, quer propondo-lhe uma convenção nesse sentido, quer interpelando-o ou reclamando-lhe judicialmente o pagamento dos juros vencidos, ou a capitalização» (Vaz Serra, «Mora do devedor», obra citada, pp. 209-210).
O mesmo vale – esclarece o Autor – relativamente aos pedidos de capitalização judicial: «não existem no ordenamento limites a que o mesmo autor proponha, contra o mesmo réu, sucessivas ações com diferentes pedidos (aqui, a capitalização de diferentes obrigações de juros) e com diferentes causas de pedir (aqui, os factos constitutivos das diferentes obrigações de juros).» - ibidem pp. 287 e 288, nota 33).
Embora a sentença o não explicite, supõe-se que o raciocínio que lhe está subjacente no que concerne à proibição das capitalizações sucessivas é o de que, ao tratar os juros como capital, o anatocismo levaria a um aumento do juro aplicado sobre esse mesmo capital, correspondendo assim à incidência de uma taxa de juro superior à declarada, que poderia ultrapassar os limites da lei e tornar-se usurária.
Como refere a NOS nas conclusões de recurso n.ºs 147 a 152, a MEO defende na sua contestação que estaria em causa a aplicação de uma taxa de juro anual de 18%, cerca de 10 pontos percentuais acima da taxa de juros anual aplicável a créditos de que são titulares empresas comerciais.
Para chegar a essa conclusão, a MEO comparou a cifra dos juros devidos desde a data da propositura da ação n.º 524/10.1TVLSB (5.3.2010) até à data em que foi feito o pagamento parcial pela MEO (3.7.2018) com o valor do capital inicial resultante das faturas emitidas pela NOS, para daí extrair que, se um capital de 13 561 485,00 € vencesse juros de 20 381 028,33 € entre 5.3.2010 e 3.7.2018, isso significaria que tais juros estariam a ser calculados a uma taxa de 18%.
Porém, como refere a Apelante, o montante de juros vencidos, ao não ser pago, configura nova colocação de capitais à disposição do devedor, pela qual é devida remuneração.
Incorrendo o devedor em mora, surge para ele uma nova obrigação, a de pagar ao credor os juros moratórios, a qual, como vimos, é dotada de autonomia (artigo 561.º do Código Civil).
Como qualquer outra, também a obrigação de pagar juros moratórios deve ser pontualmente cumprida, em conformidade com o disposto nos artigos 406.º e 798.º do Código Civil.
Se o devedor passou a ter de arcar com um montante superior de juros, não é porque a taxa se tenha agravado, mas sim porque aumentou a base de incidência dos juros moratórios: há agora juros sobre a dívida de capital e juros sobre a dívida de juros (capitalizados), uns e outros computados à taxa legal.
De qualquer modo, ainda que assim não fosse, a verdade é que não estaríamos nunca perante um problema de usura ilícita, porque a capitalização dos juros é permitida pela norma do artigo 560.º do Código Civil, o que, evidentemente, sempre excluiria a ilicitude e constituiria fundamento bastante para a sua cobrança.
Ademais, o regime constante do referido Decreto-Lei n.º 58/2013, designadamente o artigo 7.º, n.º 3, que estipula que «para efeitos de aplicação de juros moratórios, os juros remuneratórios que integram cada prestação vencida e não paga só podem ser capitalizados uma única vez» tem de ser equacionado, mais uma vez, em conjugação com o artigo 8.º, n.º 1, do mesmo diploma, segundo a qual «em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver, as instituições podem cobrar juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação».
A capitalização de juros devidos e não pagos, por um lado, e a aplicação de uma taxa de juros moratórios agravada face à taxa geral (ou, acrescente-se, face à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação), por outro lado, são remédios alternativos.
A proibição de capitalização no referido diploma é expressa e acompanhada pela atribuição ao credor de um remédio alternativo, o que impede o intérprete de daí retirar uma ilação no sentido da proibição da capitalização fora do comércio bancário.
Reitera-se, portanto, que o regime do Decreto-Lei n.º 58/2013 não contém qualquer argumento contrário à capitalização sucessiva de juros moratórios.
E mais uma vez consideramos que, respeitados os requisitos estabelecidos no artigo 560.º do Código Civil, como sucedeu no caso concreto, nenhuma razão existe para entender que a capitalização sucessiva de juros gera uma situação de desequilíbrio inadmissível entre as partes em prejuízo do devedor.
c) No que concerne à capitalização sucessiva dos juros moratórios na pendência da ação judicial., não se vislumbra por que razão a natureza e finalidade do anatocismo potestativo deve aí ganhar uma compleição radicalmente distinta.
Não estando pendente uma ação judicial, alguma coisa se altera relativamente à possibilidade de o devedor pagar sem essa mesma «ablação ou renúncia a meios de defesa processuais e substantivos do processo» [expressão da Ré]?
É ao devedor que incumbe decidir se não lhe vale mais cumprir voluntariamente a prestação que lhe seja pedida, no quadro de um processo ou fora dele.
Se opta pela recusa, pode sofrer naturalmente as consequências de uma eventual improcedência da impugnação da dívida.
Ora, caso o argumento da Ré quanto à natureza compulsória da capitalização de juros vingasse, o raciocínio seria igualmente aplicável aos juros moratórios simples.
Também a respeito destes se poderia então dizer que o meio de defesa conferido ao devedor para evitar que incorra no dever de pagar juros moratórios - o pagamento voluntário - não pode ser juridicamente exercido «sem a ablação ou renúncia a meios de defesa processuais e substantivos» [expressão da Ré].
Na verdade, quando a lei na mora debitoris pré-fixa o dano em abstrato, determinando que seja aplicada ao montante em mora a taxa de juros moratórios legais (artigo 806.º do Código Civil), fá-lo atendendo aos prejuízos plausíveis para o credor da falta de disponibilidade da soma em causa; sendo esse o valor dessa disponibilidade para o credor, há-de ser também esse o valor dela para o devedor (é a outra face da mesma moeda) – cf. resposta da NOS ao parecer jurídico da MEO.
Como vimos, Vaz Serra, já a propósito do artigo 1642.º do Código Civil anterior, afirmava, com apoio na tese de Manuel de Andrade, que a inevitável demora do processo não devia prejudicar o litigante que tem razão, o qual deve ser colocado na situação em que estaria se o processo acabasse na altura em que se inicia («Mora do devedor», obra citada, pp. 195-196).
E foi mais longe quando afirmou que «Se o credor intentar acção ou execução contra o devedor, a atenção deste é solicitada energicamente para as consequências da capitalização; e, por outro lado, não parece razoável que o credor seja prejudicado com a demora no andamento do processo (427), devendo, por isso, reconhecer-se-lhe direito aos juros sobre as quantias em dívida, ainda que sejam juros. Agora o direito aos juros de juros não tem graves inconvenientes, pois o devedor, se pagar a dívida vencida, como lhe é exigido, pode afastá-lo e só existe tal direito como compensação do dano, que o credor é de presumir sofra com a demora no andamento do processo (dano que não teria, se o devedor pagasse logo que a acção ou execução é proposta).» - ibidem, p. 207.
Será que, em face da lei substantiva e processual, a Autora teria de formular os pedidos de capitalização dos juros na ação n.º 524/10.1TVLSB, sendo esse o campo próprio de defesa da Ré?
Vejamos.
Segundo o disposto no artigo 257.º, n.º 1, do CPC, as notificações avulsas não admitem oposição, devendo os direitos respetivos ser exercidos nas ações próprias.
Nos termos dos artigos 3.º e 5.º do CPC, é atribuído ao autor o papel principal na conformação do objeto processual, numa clara manifestação normativa do princípio do dispositivo.
Por seu turno, preceitua o artigo 611.º, n.º 1, do CPC que, «Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão».
Estabelecendo-se que o conteúdo possível da sentença deve ser definido pelo estado dos autos no momento do encerramento da discussão, trata-se de levar o mais longe possível o intuito de assegurar a atualidade da sentença, no sentido da sua adequação à realidade existente na situação submetida a juízo, sem descurar, contudo, a necessidade de isso ser feito segundo um critério objetivo, previsível e controlável pelas partes (o encerramento da discussão).
O modo privilegiado de o tribunal aceder a tais factos é o de as partes os alegarem. O momento normal de alegação dos factos é o da apresentação dos articulados.
Porém, pode suceder que determinados factos constitutivos do direito ocorram (ou cheguem ao conhecimento do autor) depois de apresentada a petição. É igualmente possível que ocorram (ou cheguem ao conhecimento do réu) factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito depois do oferecimento da contestação.
Estes são os chamados factos (objetiva ou subjetivamente) supervenientes.
No caso concreto, a ora Autora não apresentou qualquer articulado superveniente na ação n.º 524/10.1TVLSB.
Sem embargo, face ao prescrito nos artigos 588.º e 611.º, n.º 1, do CPC nada aponta para a obrigatoriedade de o fazer.
E se fosse obrigatório, o que fazer com os inúmeros anos que decorreram desde a data do encerramento da discussão da causa?
Podemos até «dar de barato» que ainda é possível o conhecimento de factos supervenientes relativos ao mérito da causa pelo tribunal da relação, como é defendido no estudo de Nuno Andrade Pissarra, in «O conhecimento de factos supervenientes relativos ao mérito da causa pelo tribunal de recurso em processo civil» (consultado em www.oa.pt).
Assim, sustenta este Autor que, cumpridas determinadas condições, «nenhum obstáculo se põe ao conhecimento dos factos constitutivos supervenientes alegados pelo autor e, bem assim, dos factos impeditivos, modificativos e extintivos supervenientes alegados pelo réu.
Os factos supervenientes devem ser invocados até ao termo do prazo para apresentar as alegações de recurso.» (p. 3)
A sentença proferida na ação n.º 524/10.1TVLSB o Tribunal não se pronunciou sobre as capitalizações de juros efetuadas pela NOS, como é óbvio porque esta desencadeou as várias fases do «anatocismo potestativo» à margem do processo.
Ora, caso as capitalizações tivessem de operar intra-processo, com o seu conhecimento carreado pela Autora para os autos, haveria um hiato de tempo sem «cobertura processual» - o tempo decorrido desde a interposição de recurso para o Tribunal da Relação até ao trânsito em julgado da sentença, o que representa mais de dois anos. Tal significaria que ficariam de fora da possibilidade do conhecimento superveniente dos Tribunais das Instâncias as últimas duas capitalizações de juros efetuadas em 2017 e 2018.
Argumenta-se na sentença recorrida que a capitalização sucessiva de juros funcionaria como um meio inadmissível de exercer pressão sobre o devedor, como um sistema de justiça privada que o direito repele.
A Recorrente alega que não se pode comparar a capitalização sucessiva na pendência de uma ação com um meio de justiça privada e socorre-se do artigo 1.º do CPC para afastar tal raciocínio.
Assiste razão à Apelante.
Entendemos que o credor quando interpela para capitalizar os juros vencidos há mais de um ano ou para pagar sob pena de capitalização, está apenas a acautelar o seu direito ao ressarcimento dos danos que o não pagamento tempestivo da dívida lhe causa, direito esse que terá depois de exercer pelas vias que a ordem jurídica lhe faculta.
O que sucede quer o credor exerça o direito à capitalização dos juros por uma única vez seja quando recorra a mais do que uma capitalização, em face da perpetuação do incumprimento pelo devedor.
Na verdade, ressalvando o artigo 1.º do Código Civil da proibição da autotutela as exceções previstas na lei, não há dúvida que o anatocismo é um comportamento lícito, quando exercido em conformidade com o disposto no artigo 560.º do mesmo diploma.
Divergimos também da Recorrida quando afirma que, ao tempo das notificações judiciais avulsas, a obrigação pecuniária principal era incerta e ilíquida.
Com efeito, a liquidez de uma dívida não é posta em causa pelo mero facto de a sua exigibilidade ser contestada pelo devedor.
De igual modo, o facto de existir controvérsia sobre se são devidas as quantias pedidas não pode beneficiar o devedor relativamente ao pagamento de juros quando se conclui que efetivamente deve.
A obrigação é ilíquida quando é incerto o seu quantitativo ou quando não estiver fixada pré-determinadamente nem houver critérios rígidos ou facilmente contabilizáveis para a sua determinação, o que não sucede no caso.
d) Aqui chegados, discordamos da argumentação da Apelada quando acentua a natureza excecional do instituto do anatocismo e, nessa sequência, aponta para um uso limitado da possibilidade de capitalização potestativa.
Também refutamos o argumento de que o intérprete-aplicador deve partir, para a resolução do caso concreto, da admissibilidade de uma única capitalização potestativa concluindo, in dubio, pela «natureza consumptiva do exercício do direito em causa».
Não estamos perante um direito potestativo de exercício consuntivo, ou seja, que se extingue com o próprio exercício, como defende a Apelada, ancorada no parecer jurídico que juntou aos autos.
Não se pode olvidar ainda outra norma do sistema.
Sob a epígrafe «Sanção Pecuniária Compulsória», no artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil prevê-se a aplicação automática de uma taxa de juro de 5%, desde a data do trânsito em julgado, sempre que o devedor não cumpra uma sentença de condenação de «qualquer pagamento em dinheiro corrente», ou seja, de qualquer obrigação pecuniárias de soma ou quantidade, contratual ou extracontratual.
É uma sanção legal, automática, independente de qualquer decisão do juiz e sem necessidade de requerimento por parte do credor numa ação declarativa.
A ratio desta aplicação automática da taxa de juro de 5% ao ano, desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, nada tem que ver com a ausência de fase executiva, mas com a necessidade de as decisões judiciais serem acatadas, e a sua origem está relacionada com um estudo sobre correção monetária dos pedidos deduzidos sem juízo.
A única semelhança que a sanção legal do n.º 4 tem com a sanção judical do n.º 1 consiste em ter por objetivo pressionar o devedor a cumprir as decisões judiciais.
Ora, em primeiro lugar, consideramos que o juro anatocístico ainda tem, como vimos, natureza moratória (sem omitir toda a compulsão que o aglomerar de uma dívida acarreta).
Ainda que não revestisse natureza moratória, mas sim compulsória, quem defenderá que os 5% que acrescem aos juros moratórios legais representem juros usurários?
Em face do exposto, consideramos que as alegações da Recorrente, no sentido da possibilidade de poderem operar capitalizações sucessivas de juros de mora na pendência de uma ação são procedentes.
Deste modo, a sentença recorrida deve ser revogada e a Ré deve ser condenada a pagar à Autora o valor das capitalizações de juros, acrescido dos juros de mora à taxa de juros aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, nos termos das disposições combinadas dos artigos 805.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 806.º e 102.º, § 3.º do Código Comercial, em conformidade com o peticionado.
5. Da verificação da prescrição dos créditos de juros e suas consequências no capital reclamado
a) Analisado o regime da capitalização de juros moratórios, importa passar agora à questão atinente ao regime de prescrição dos juros capitalizados.
O tema da prescrição dos créditos de juros foi considerado uma questão precludida na sentença recorrida.
Porém, foi devidamente abordado pelas partes nas suas alegações de recurso, pelo que está assegurado o princípio do contraditório.
Em sede de contestação, a Ré invocou a exceção da prescrição de juros, alegando, em suma, que:
- Emergindo o remanescente da dívida de capital peticionado pela NOS de capitalizações de juros, sempre se terá de concluir que esse remanescente resulta de um crédito de juros;
- Sucede que, nos termos do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, os créditos de juros prescrevem no prazo de cinco anos e, nos termos do artigo 306.º do mesmo diploma, o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido;
- À data da instauração da presente ação, em 3.12.2018, já tinham decorrido mais de cinco anos desde 7.2.2012, data em que a Autora, através de notificação judicial avulsa, pretendeu capitalizar os juros vencidos até então e que constituem o pressuposto das capitalizações posteriores;
- Por conseguinte, o alegado direito da Autora aos juros capitalizados em 7.2.2012 - se existisse -, encontrar-se-ia prescrito na sua integralidade;
- Estando prescrito o referido direito, inexiste o direito a juros de juros emergente das capitalizações de juros efetuadas após 7.2.2012, porquanto as capitalizações subsequentes partem do pressuposto de que os juros capitalizados a 7.2.2012 seriam devidos;
- Nem se diga que as notificações judiciais avulsas subsequentes teriam interrompido sucessivamente o prazo de prescrição, porquanto é entendimento uniforme na jurisprudência que a notificação judicial avulsa, enquanto meio adequado à interrupção da prescrição do direito de indemnização, apenas releva uma única vez, «não sendo admissível o uso de sucessivas notificações judiciais avulsas para interrupção da prescrição do mesmo direito.» (acórdão do TRP de 7.11.2002, p. 0231393 e o acórdão do STJ de 5.11.2013, p. 7624/12.1TBMAI.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/);
- De outro modo, seria permitido a uma parte eternizar a possibilidade de exercer o seu direito - qualquer que ele fosse - através de notificações judiciais avulsas, algo que o instituto da prescrição consagrado no nosso ordenamento jurídico quis de forma clara impedir;
- Assim, quando muito, a notificação judicial avulsa efetuada a 23.4.2013 teria interrompido, por uma única vez, o prazo prescricional do direito aos juros alegadamente vencidos desde 7.2.2012;
- Contudo, à data da instauração da presente ação também já tinham decorrido cinco anos desde essa notificação judicial avulsa, pelo que sempre se teria de concluir igualmente pela prescrição do alegado direito da Autora aos montantes resultantes das capitalizações subsequentes;
- Estando prescrito o direito aos juros capitalizados em 7.2.2012, sempre se terá de concluir que não subsiste o direito aos juros vencidos sobre aqueles, nada devendo a MEO por força das capitalizações efetuadas, quer naquela data, quer posteriormente à mesma;
- Por conseguinte, não sendo devidos os referidos juros por força da prescrição acima descrita, não existe um remanescente de dívida por pagar como alegado pela NOS nos presentes autos;
- Na medida em que a prescrição do direito aos juros capitalizados extingue o efeito jurídico dos factos invocados pela NOS, a MEO deve ser totalmente absolvida do pedido (cf. artigos 576.º, n.º 3, e 571.º, n.º 2, in fine, do CPC).
A Autora respondeu a esta exceção com os seguintes argumentos:
- Primeiramente, não é certo que ao crédito resultante da capitalização de juros se deva continuar a aplicar o prazo mais curto de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil;
- Se, por efeito da capitalização dos juros, estes passam a ser tratados como dívida de capital («capitalizar» = «juntar ao capital», «transformar em capital»), então não há razões para que continuem sujeitos ao prazo curto de prescrição, devendo o crédito respetivo, também para efeitos prescricionais, cair antes no âmbito de aplicação do regime aplicável ao crédito de capital correspondente - no caso, passando a sujeitar-se ao prazo regra de 20 anos do artigo 309.º do Código Civil;
- Ainda que assim não se entenda, não ocorre a prescrição pois, após a citação da MEO para a ação n.º 524/10.1TVLSB, a NOS promoveu seis notificações judiciais avulsas, que foram efectuadas em 7.2.2012, 24.4.2013, 1.8.2014, 18.9.2015, 15.12.2016 e 12.1.2018, para que a MEO capitalizasse os juros vencidos ou pagasse a quantia total em dívida sob pena de capitalização;
- Em todas estas notificações judiciais avulsas é feita uma interpelação para a capitalização ou pagamento sob pena de capitalização que é expressão inequívoca do propósito da NOS de exercício do direito e que é apta a interromper a prescrição - o que, aliás, não é posto em causa pela Ré;
- A ideia de um alegado entendimento unânime da jurisprudência de que a notificação judicial, enquanto meio de interromper a prescrição só opera uma única vez, não podendo por esse meio operar-se sucessivas interrupções do prazo prescricional, olvida que só são apenas os dois acórdãos citados pela MEO as decisões dos tribunais superiores que se pronunciam no sentido por ela defendido;
- As razões de certeza e segurança jurídica que são invocadas para justificar essa interpretação restritiva da norma do artigo 323.º do Código Civil, aliás não favorecida pela respetiva letra, não convencem quando se tenha presente que o devedor, objeto de tais interpelações sucessivas, não pode ignorar que o credor pretende exercer o seu direito e não pode contar, assim, que este não venha mais a ser exercido - pelo que não são merecedoras de tutela as supostas expectativas que ele possa depositar no decurso do prazo de prescrição;
- Acresce que a doutrina contida em tal interpretação restritiva da norma do artigo 323.º do Código Civil não tem aplicação na situação dos autos, porque os pressupostos de facto não são coincidentes;
- O que se considera não autorizado pela referida norma, na interpretação invocada pela MEO, é que através de notificações judiciais sucessivas se vá também sucessivamente dando início a novos prazos prescricionais;
- Na tese da MEO, a transposição da doutrina dos acórdãos que cita levaria a que só a primeira notificação (feita a 24.4.2013) contasse para interromper a prescrição, o que implicava que o prazo prescricional já tivesse decorrido quando a presente ação foi proposta;
- Mas é um erro, porque essa doutrina, que visa evitar a multiplicação de prazos por efeito de notificações sucessivas, não pretende aplicar-se numa situação, como a presente, em que está em causa somente uma interrupção do prazo e a contagem de um novo e único prazo de prescrição;
- A dúvida que resta, na situação em apreço, é apenas uma: tendo a NOS, dentro do prazo de prescrição, notificado a MEO por 4 vezes, a primeira em 24.4.2013 e a última em 15.12.2016, deverá a primeira notificação inutilizar as restantes e levar a que o novo prazo prescricional tenha começado a correr logo em 25.4.2013?;
- É manifesto que não, e que a única solução razoável, numa situação como esta, é de considerar que, tendo o credor interpelado o devedor por várias vezes no decurso do prazo, deve poder beneficiar do maior prazo para o exercício do seu direito por efeito da interrupção da prescrição, para o que se deverá associar esse efeito interruptivo da prescrição à última notificação efetuada;
- Aliás, entender que, sendo efectuadas várias notificações judiciais avulsas dentro do mesmo prazo prescricional, só a primeira relevaria para efeitos de interrupção da prescrição, será aplicar a norma do artigo 323.º do Código Civil com um sentido inconstitucional por violação do princípio constitucional da confiança e da garantia do acesso à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da Constituição;
- Refira-se por último, obviamente que sem conceder, que ainda que se pudesse entender que o direito aos juros capitalizados mais antigos - isto é, aqueles que se tivessem vencido há mais de 5 anos à data da propositura da presente ação - tivesse já prescrito, daí não decorreria a preclusão do direito a todos os juros capitalizados;
- Contrariamente ao que pretende a MEO, o efeito de uma putativa prescrição do direito aos juros capitalizados mais antigos seria unicamente deixar de poder exigir em juízo o pagamento de tais juros —, sem que daí resultasse que a NOS perdesse também a possibilidade de cobrar à MEO os demais juros capitalizados vencidos há menos de 5 anos.
b) A prescrição constitui umas das figuras de extinção de direitos, fundada no decurso do tempo.
Consiste na possibilidade de alguém se opor ao exercício de um direito em virtude de este não ter sido exercido durante um certo lapso de tempo, de acordo com o previsto no artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil.
Tal como consagrada nos artigos 300.º a 327.º do Código Civil, tem o antecedente legislativo próximo no Código Civil de 1867, onde era designada prescrição extintiva ou negativa, figura que traduzia o fenómeno da extinção de um direito e da correspetiva obrigação pelo seu não exercício, durante um certo tempo.
Trata-se de uma causa de extinção de obrigações civis, com efeito paralisador de direitos, que decorre da inércia do credor que não exerça o seu direito dentro do lapso de tempo fixado na lei (artigo 304.º, n.º 1 do Código Civil).
Tem a natureza de exceção perentória, ao abrigo da qual o devedor, não negando especificamente que a obrigação existe ou existiu, pode recusar-se legitimamente ao seu cumprimento, extinguindo desta forma o efeito jurídico pretendido pelo credor - cf. artigo 576.º, n.º 3, do CPC - e conduzindo a uma decisão de absolvição do pedido.
Está na disponibilidade do demandado a sua invocação, dela não conhecendo o juiz oficiosamente; pelo que o devedor que cumpriu a obrigação prescrita - que se torna, pela prescrição, uma obrigação natural - não goza do direito ao arrependimento ou ao resgate da quantia paga (artigo 304.º, n.º 2, do Código Civil).
A razão de ser deste instituto jurídico assenta, nas palavras de Manuel de Andrade, na «negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)» - Teoria Geral da Relação Jurídica, II, Almedina, 7.ª reimpressão, 1987, p. 445.
A ratio do instituto é a segurança jurídica, a certeza do direito e correlativo direito de reação do devedor à inércia ou desinteresse do credor.
Ana Filipa Morais Antunes, em «Algumas questões sobre prescrição e caducidade», em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Vol. III, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010, p. 38, enuncia os três elementos essenciais ao instituto:
i) o efeito paralisador dos direitos;
ii) o não exercício do direito, pela inércia do respetivo titular;
iii) o decurso de um certo lapso de tempo.
A prevalência dada àquele primeiro fundamento permite, contudo, salientar como marca fisionómica da prescrição a sua sensibilidade particular a razões de justiça, determinando soluções de regime que a demarcam da caducidade.
O prazo ordinário de prescrição é de 20 anos - artigo 309.º do Código Civil -, prevendo a lei outros prazos mais curtos, atendendo às obrigações específicas a que se reportam.
Preceitua o artigo 310.º, alínea d), do Código Civil que prescrevem no prazo de cinco anos «Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades».
O prazo prescricional apenas começa a correr quando o direito puder ser exercido (artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil).
Nos termos do Código Civil, a prescrição interrompe-se através de atos judiciais promovidos pelo credor (artigo 323.º), do reconhecimento da dívida por parte do devedor (artigo 325.º), bem como pelo compromisso arbitral firmado por ambos, para resolução de litígio concernente ao direito a efetivar (artigo 324.º).
De um modo amplo, a interrupção da prescrição tende pois, a ser ditada por factos que demonstram, afinal, a vitalidade do direito.
Segundo o artigo 323.º do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (n.º 1). É equiparado à citação ou notificação qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido (n.º 4).
Suscitou-se na jurisprudência a questão de saber se os termos deste preceito acolheriam a notificação judicial avulsa entre os atos interruptivos da prescrição.
O acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/98, de 26.3.1998 (publicado no DR de 12.5.1998), seguiu aquela que era já então a corrente jurisprudencial majoritária. Em abono da posição adotada, o acórdão serviu-se de argumentos históricos (o acolhimento de uma noção ampla de processo nos trabalhos de Vaz Serra e nas revisões ministeriais que atuaram sobre a sua proposta), bem como de argumentos sistemático‑racionais (considerando que a notificação judicial também dava lugar a um procedimento para efeitos da lei processual civil, compreendido enquanto «sucessão de atos jurídicos praticados em juízo, para realização desse negócio jurídico unilateral que é a interrupção da prescrição»). Devia, pois, considerar-se que este ato pelo qual se manifestava a intenção do exercício do direito (n.º 4) era ainda integrante de um processo, para efeitos do n.º 1 do artigo.
Segundo o artigo 326.º do Código Civil, verificando-se um facto interruptivo, fica inutilizado todo o tempo anterior, podendo iniciar-se nova prescrição.
Nos termos do disposto no artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão, que puser termo ao processo».
A ratio deste último preceito radica na circunstância de o direito estar a ser judicialmente exercido durante todo o tempo de duração do processo.
Na situação em apreço, os preceitos relativos à prescrição, designadamente sobre a sua interrupção, não devem ser analisados sem a perspetiva da capitalização dos juros a que se reporta, devendo privilegiar-se uma interpretação prudente das normas que consagram causas de interrupção do prazo prescricional.
Como resulta do disposto no artigo 561.º do Código Civil, «desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro». Esta autonomia está também subjacente a outros preceitos, como os artigos 785.º, 661.º, n.º 2, 672.º, n.º 1, do Código Civil.
Os juros vencidos continuam, pois, a ser devidos, ainda que esteja extinta a dívida de capital.
E é assim também para efeitos de prescrição.
O prazo de cinco anos para as dívidas de juros é um prazo especial previsto para a generalidade das dívidas periodicamente renováveis, o qual começa a correr, para cada uma das dívidas de juros, no momento em que o respetivo direito se torna exigível. Conforme a solução proposta por Vaz Serra, tal prazo prescricional corre autonomamente, não sendo afetado pelo decurso do prazo da dívida de base (cf. «Prescrição e caducidade», BMJ, 105, 1961, pp. 172 e 173).
A dívida de base e a dívida de juros servem interesses diferentes do credor, permanecendo as dívidas de juros ainda que a dívida de base se encontre prescrita, e a prescrição tenha sido invocada.
Neste sentido se pronunciou o acórdão do STJ de 27.4.2004 (p. JSTJ000, in www.dgsi.pt), segundo o qual «a dívida de juros, tal como sucede com todas as prestações que constituem o correspetivo do gozo de coisas fungíveis (situação que igualmente ocorre durante a mora) é autónoma da dívida de capital, que corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado. Em consequência, cada uma dessas dívidas, até certo ponto independentes, está sujeita à sua prescrição própria».
Na mesma linha de entendimento, escreveu-se no acórdão do TRC de 10.12.2013 (p. 229191/11.0YIPRT.C1, in www.dgsi.pt) que:
«iv. A obrigação de juros, num primeiro momento - antes da sua constituição - depende da obrigação pecuniária principal, podendo, uma vez constituído autonomizar‑se, nos casos previstos na lei. Desde que a obrigação de juros se constitui, lê-se no artigo 561º do Código Civil, “o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”. O legislador permite que, depois de nascido, o crédito de juros possa vir a ter vida autónoma. Por isso, o artigo 310º, al. d), do Código Civil, contém uma das imposições legais que consagra a autonomia da obrigação de juros em relação à obrigação principal, no que toca aos prazos de prescrição que estabelece para uma e outra».
Tendo em consideração esta autonomia da obrigação dos juros por um lado, e os efeitos da capitalização dos juros, por outro, não vislumbramos que os juros transformados em capital possam continuar sujeitos ao prazo curto de prescrição, devendo o crédito resultante da capitalização, também para efeitos prescricionais, cair antes no âmbito de aplicação do regime-regra, passando a sujeitar-se ao prazo de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.
Ainda que assim não se entendesse, a tese da MEO, no sentido de só se poder verificar a eficácia interruptiva da primeira notificação judicial avulsa, quando aplicada ao caso concreto, não merece acolhimento.
Senão, vejamos.
É certo que, num momento prévio a uma ação judicial, o credor ainda não levou a situação de incumprimento a um nível contencioso, procurando levar o devedor a cumprir sem que tal lhe seja imposto por um ato de autoridade.
Antes de se decidir a litigar, o credor poderá, pois, insistir múltiplas vezes junto do credor para que este cumpra.
Ora, se todos estes eventuais sucessivos atos de notificação para o cumprimento tivessem o efeito de interromper a prescrição, criar-se-ia o risco de deixar a indefinida extensão do prazo na disponibilidade do credor, depondo nas suas mãos a possibilidade de sucessivamente interromper o prazo prescricional mediante repetidas notificações.
No parecer da NOS, considera-se que este resultado sempre poderá ser travado em sede corretiva, através do instituto do abuso do direito, de modo paralelo às hipóteses mais conhecidas de não exercício abusivo do direito por tempo prolongado (p. 62).
A MEO defende, com apoio na jurisprudência que cita, que a notificação judicial avulsa, enquanto meio adequado à interrupção da prescrição do direito de indemnização, apenas releva uma única vez, «não sendo admissível o uso de sucessivas notificações judiciais avulsas para interrupção da prescrição do mesmo direito» (acórdão do TRP de 7.11.2002, p. 0231393 e o acórdão do STJ de 5.11.2013, p. 7624/12.1TBMAI.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Mas seguindo esta tese da Ré, ainda restaria a questão de saber se, estando em causa uma dívida de juros, qual dos atos de notificação intervindos nos cinco anos que se sucedem à sua exigibilidade é que deveria conduzir à interrupção e consequente renascimento do prazo.
Sustenta a NOS que deve relevar a última notificação realizada, dentro do prazo originário, e não a primeira notificação, como defende a MEO.
Concordamos com a Autora neste ponto, pois a seguir-se a tese da primeira notificação, tal implicaria que o credor que mais cedo advertisse o devedor para o cumprimento, seria exatamente o que mais cedo desencadearia o seu reinício e, portanto, aquele que ficaria perante um prazo de prescrição mais encurtado.
Por sua vez, o credor menos diligente, que apenas perto do final do prazo prescricional se manifestasse junto do devedor, seria o mais beneficiado, contando com um prazo mais prolongado para se decidir a exercer o seu direito.
Acresce que este entendimento, segundo o qual a primeira notificação seria a relevante para interromper a prescrição e reiniciar novo prazo curto de prescrição não se articula com o regime do anatocismo, o qual pode assentar, como vimos, em sucessivos atos de notificação do devedor, necessários para que os juros sucessivamente vencidos e não pagos se adicionem à base de cálculo de novos juros.
Seguimos de perto o parecer jurídico junto pela Autora, designadamente no seu ponto 11 (pp. 73 a 75), por dele resultarem bem evidenciadas as especificidades do funcionamento do regime do anatocismo que impõe lógica diversa.
Assim, a cada um dos créditos de juros sucessivamente nascidos após a capitalização dos juros aplica-se o prazo independente de prescrição de cinco anos, sendo que o prazo de prescrição começa a correr no momento em que cada dívida de juros se torna exigível (períodos de pelo menos um ano).
Estes juros sucessivamente vencidos, corridos por um período de pelo menos um ano, poderão então ser capitalizados através de notificação judicial avulsa.
Os juros acumulados durante pelo menos um novo ano, poderão, ao fim deste segundo ano, ser por sua vez capitalizados através de nova notificação judicial avulsa, e assim sucessivamente.
Estas várias notificações, que poderão seguir-se com intervalos de pelo menos um ano, nos termos do artigo 560.º, n.º 2, do Código Civil, têm a potencialidade de produzir a interrupção do prazo prescricional de todos os juros entretanto vencidos.
Acresce, por último, que ainda que se considerasse prescrito o direito aos juros capitalizados que se tivessem vencido há mais de cinco anos à data da propositura da presente ação, daí não decorreria obviamente a preclusão do direito a todos os juros capitalizados. O efeito de uma putativa prescrição do direito aos juros capitalizados mais antigos seria unicamente deixar de se poder exigir em juízo o pagamento de tais juros, sem que daí resultasse que a NOS perdesse também a possibilidade de cobrar à MEO os demais juros capitalizados vencidos há menos de cinco anos.
c) Em face do exposto, por toda a argumentação expendida, julga-se improcedente a exceção da prescrição dos juros invocada pela Ré.
Da ampliação do objeto do recurso pela Recorrida MEO
A Ré/Recorrida requereu a ampliação do objeto do recurso, para o caso de a sentença não obter confirmação, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, para que o Tribunal ad quem conheça da exceção dilatória de caso julgado que aquela suscitou na sua contestação.
Decidiu o Tribunal recorrido que «não pode concluir-se que, no caso em apreço, se verifica a excepção do caso julgado, uma vez que não ocorre a tríplice identidade a que alude o art.º 581º, do Cód. Proc. Civil. Pelo exposto, julgo não verificada a invocada excepção de caso julgado, improcedendo, nesta parte a pretensão da ré
A MEO argumenta, em suma, que, não obstante as capitalizações sucessivas não terem sido conhecidas na ação de 2010, o alegado remanescente de capital aqui discutido, incrementado em consequência daquelas integra o mesmo crédito peticionado naquela ação.
Alega que a própria NOS o reconhece, porquanto na tabela que sintetiza a evolução do crédito que integrou no ponto 2. das suas alegações refere «Novo valor do capital em dívida, por efeito da capitalização».
Considera que a NOS peticiona o remanescente de um montante que resulta da inadmissível evolução quantitativa de um direito de crédito que já foi conhecido e definitivamente definido pela sentença proferida na ação de 2010.
Argui que a procedência desta ação determinaria a alteração do conteúdo da sentença aí proferida sobre a mesma pretensão, a saber: os montantes devidos por força das faturas em dívida, seja a título de capital, seja a título de juros de mora pelo não pagamento das mesmas durante um mesmo período de tempo.
Sustenta que o que a NOS pretende ver reconhecido na presente ação contraria o que decorre da sentença proferida na ação de 2010 — assim é, porquanto sustenta que o montante devido à data do trânsito em julgado desta é, afinal distinto, daquele que era efetivamente devido, considerando as capitalizações sucessivas efetuadas na sua pendência.
Considera que a NOS poderia ter suscitado na ação de 2010 a questão de saber se tinha direito aos montantes resultantes das capitalizações efetuadas após a de 7.4.2010 e se as mesmas implicavam uma determinada evolução da dívida que se discutia naquela ação.
Alega que, não o tendo feito, fica precludido o seu direito de, em nova ação, alterar os montantes que entende serem devidos por força do vencimento das faturas que se encontravam em dívida e da alegada mora da MEO no pagamento das mesmas e durante o período de tempo que se encontra abrangido pela ação de 2010, tendo-se formado caso julgado sobre a definição daqueles montantes nesta.
Cita Manuel de Andrade para afirmar que o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível», o que determina que fica precludida a possibilidade de o autor, «em novo processo, invocar outros factos instrumentais, ou outras razões (argumentos) de direito não produzidas nem consideradas oficiosamente no processo anterior».
Em resposta a esta alegação, a Recorrente sustenta que, ainda que se entenda que da decisão proferida no primeiro processo decorre apenas que a NOS tem direito à capitalização de juros até 7.4.2010, e não aos juros decorrentes das capitalizações subsequentes, isso não leva, em hipótese alguma, à procedência da exceção do caso julgado.
Objeta que, contrariamente ao que alega a Ré, o facto de o pedido formulado na ação n.º 524/10.1TVLSB não esgotar o direito da Autora, por alegadamente não abranger os juros capitalizados vencidos antes do encerramento da discussão em Primeira Instância nessa ação, não impede a NOS de vir, pela presente ação, pedir a parcela remanescente, que resulta da capitalização desses juros.
Argui, por fim, que não existe da parte do autor na ação declarativa nenhum dever de concentração ou de esgotamento das suas pretensões numa mesma ação, podendo ele deduzir um pedido meramente parcial, que não esgota o seu direito ou pretensão, sem com isso ficar precludida a possibilidade de, querendo, demandar subsequentemente o mesmo réu relativamente à parte restante do seu direito ou pretensão - assim acontece, pelo menos, em caso de procedência da primeira ação, como acontece na situação em apreço.
Apreciando.
Invoca a Ré a exceção de caso julgado pugnando pela sua absolvição da instância.
O caso julgado material só exerce a sua obrigatoriedade fora do processo nos limites delineados no artigo 580.º do CPC.
Como vimos, o efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, alínea i), segunda parte, 580.º e 581.º do CPC.
Cumpre indagar se intercede entre a presente ação e a ação n.º 524/10.1TVLSB a tríplice identidade conducente à exceção dilatória do caso julgado.
Nos termos do disposto no artigo 580.º, n.º 1, do CPC, as exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa.
Repete-se uma causa quando se propõe uma ação idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – artigo 581.º, n.º 1, do mesmo Código.
A existência desta tríplice identidade fixa os limites subjetivos e objetivos do caso julgado.
Os limites subjetivos prendem-se com a identidade dos sujeitos, sendo que, para efeito da exceção de caso julgado é relevante não tanto a identidade física dos sujeitos, mas sim a sua identidade jurídica, i.e., a qualidade jurídica em que aqueles intervieram no processo (cf. artigo 581.º, n.º 2, do CPC).
Os limites objetivos respeitam à identidade do pedido e da causa de pedir.
A identidade de pedidos é estruturada com base na obtenção pelo autor do mesmo efeito jurídico que se tentara alcançar com a propositura da primeira ação, tenha ou não esse objetivo sido alcançado - artigo 581.º, n.º 3, do CPC.
A lei exige ainda que se verifique a identidade de causas de pedir, isto é, os factos em que se fundamenta o direito alegado pelo autor têm de ser os mesmos nas várias ações em causa - artigo 581.º, n.º 4, do CPC.
Caso esta coincidência fática não se verifique, não é possível afirmar a existência da exceção de caso julgado.
Como se escreveu na sentença recorrida, «A questão da identidade da causa de pedir entre a acção já definitivamente julgada e a posteriormente proposta entre as mesmas partes, suscita-se sempre que nesta nova acção ocorre alguma inovação fáctica, configurável, todavia, como insuficiente para se poder afirmar que estamos confrontados com uma inovatória causa petendi. Não releva para este efeito uma inovação que apenas se circunscreva ao plano da qualificação jurídico-normativa do elenco dos factos concretos que, em ambas as acções, integram, sem qualquer alteração ou modificação, a causa de pedir invocada pelo demandante, na medida em que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, pelo que, as várias possíveis qualificações jurídico-normativas dos factos concretos alegados não podem suportar a propositura de uma nova acção, em que se pretendesse inflectir o sentido do julgamento através da construção de uma subsunção normativa ou enquadramento jurídico desses mesmos factos, diverso do invocado na primeira acção, já definitivamente julgada.
Tais possíveis qualificações jurídicas alternativas terão de se ter por irremediavelmente precludidas, ainda que na acção já definitivamente julgada não tivesse sido explicitamente abordada e decidida a questão das possíveis e concorrentes qualificações jurídicas de determinada factualidade concreta.
Do mesmo modo, é também evidente que não contende com a identidade da causa de pedir a inovação que consista em vir invocar factos meramente instrumentais ou probatórios, não alegados, nem processualmente adquiridos, na acção já definitivamente julgada.
Em suma, a identidade e individualidade da causa de pedir não é afectada por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções, podendo, consequentemente, verificar-se alguma alteração ou ampliação destes factos constitutivos, continuando, porém, a causa petendi a ser a mesma e única
Concordamos com o decidido, quando conclui pela verificação apenas de uma identidade de sujeitos.
Com efeito, na ação n.º 524/10.1TVLSB, a Autora peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 25 355 040,21 €, acrescida de juros sobre o montante de 13 561 485 €, às taxas máximas sucessivamente em vigor entre 5.3.2010 e a data da notificação para capitalização de juros também requerida na petição inicial e juros sobre o montante de 13 561 485 €, adicionado o montante dos juros capitalizados, às taxas legais máximas sucessivamente em vigor, entre a data de tal notificação e a do efetivo pagamento.
A causa de pedir na ação n.º 524/10.1TVLSB reporta-se à prestação de serviços pela Autora à Ré que deu origem às faturas ali descritas.
Nesta ação, peticiona a Autora a condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de 4 856 983,93 €, acrescida de juros vencidos e vincendos, às taxas legais máximas relativas a créditos de que sejam titulares empresas comerciais sucessivamente em vigor desde 3.7.2018 até integral pagamento, liquidando-se os juros já vencidos em 142 515,88 €, sendo a causa de pedir formada pelo não pagamento dos juros vencidos e as capitalizações de juros operadas por notificações judicias sucessivas.
As seis capitalizações de juros a que se reporta a presente ação não foram objeto da ação n.º 524/10.1 TVLSB e reportam-se a períodos temporais diversos dos que foram equacionados quanto à 1.ª capitalização de juros.
Pedidos e causas de pedir são claramente diversos.
Nem se diga que a ora Autora poderia ter deduzido os seis pedidos de capitalização na ação n.º 524/10.1TVLSB e não o fez, o que significa que o caso julgado abrande o «deduzido» e o «deduzível».
Preceitua o artigo 573.º, n.º 1 do CPC que toda a defesa deve ser deduzida na contestação.
Nos termos do artigo 564.º, alínea c), do CPC, a citação inibe o réu de propor contra o autor ação destinada à apreciação da mesma questão suscitada.
Como vemos, o conteúdo desta preclusão não se resume aos meios de defesa que o réu deduziu, mas mesmo aos que ele não chegou a deduzir e até aos que ele poderia ter deduzido com base num direito seu.
Neste sentido, pelo menos vale a máxima, segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debet
A abrangência da preclusão relativamente aos meios de defesa que o réu «poderia ter deduzido» é válida, quer se pense em defesa por exceção, quer em defesa reconvencional (assim, Luís Mesquita, Reconvenção e Excepção em Processo Civil, Coimbra: Almedina, julho de 2012, pp. 446 e seguintes, em especial, 451).
Diferentemente, o autor pode levar a juízo uma fundamentação relativamente à sua pretensão e, se a ação naufragar, ir de novo a juízo com uma fundamentação diferente, sem que contra ela se possa validamente invocar o caso julgado por preclusão.
A figura do caso julgado tem proteção constitucional alicerçada, quer no artigo 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º do mesmo diploma - cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 15/2013, de 17.6, com texto disponível no sítio do próprio Tribunal.
No caso não está em causa a violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, ou o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, do mesmo diploma.
Como escreveu Teixeira de Sousa, a propósito do princípio da igualdade de armas, «a posição processual das partes é, em muitos dos seus aspectos, substancialmente distinta. Por exemplo: o autor escolhe, normalmente segundo o seu arbítrio, o momento da propositura da acção e o réu tem sempre um prazo limitado para a apresentação da sua defesa… o que origina uma desigualdade substancial entre as partes» (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex Editora: Lisboa, 1987, p. 42).
No caso da extensão da fundamentação, a diferença tem de ter lugar: enquanto a posição do autor define o objeto da ação, determinando o campo onde se situa o conflito, o réu já encontra esse campo, em grande parte, definido e é, por isso que nele deve jogar todos os argumentos.  Neste sentido, vide o acórdão do STJ de 29.4.2014, p. 1722/12.9TBBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, que exemplifica da seguinte forma: «Basta pensar-se o que seria, se, em cada ação de reivindicação em que o autor se funda na usucapião, os intervenientes processuais encarassem a causa como integrando todos os meios possíveis de aquisição da propriedade. A defesa teria de se reportar a todos eles, o que guindaria os processos a complicações sem limite».
Esta diferença, necessariamente existente, atenta a posição de autor e de réu, determina que a diferença de tratamento que referimos não viole o princípio da igualdade ou, corolariamente, o direito a um processo equitativo.
Assim, dúvidas não restam de que a decisão recorrida não merece qualquer reparo no segmento em que julgou improcedente a exceção do caso julgado deduzida pela MEO.
Termos em que se julga improcedente a argumentação expendida pela Ré/Recorrida em sede de ampliação do recurso, ao abrigo do artigo 636.º do CPC.
Do sentido do recurso e da responsabilidade quanto a custas
Perante as considerações de facto e de direito expendidas, o recurso interposto pela Autora deve proceder, pelo que o saneador-sentença deve ser revogado e substituído por decisão que condene a Ré a pagar o valor peticionado, acrescido dos respetivos juros de mora.
Uma vez que a Ré/Apelada ficou vencida, é responsável pelo pagamento das custas do recurso e da ação – cf. artigos 527.º, 529.º e 607.º, n.º 6, do CPC.
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IV - Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Julgar o recurso interposto pela Autora NOS - Telecomunicações, S.A. procedente e, em consequência,
i. revogar o saneador-sentença proferido;
ii. substitui-lo por outra decisão que condena a Ré MEO - Serviços de comunicações e multimédia, S.A. a pagar à Autora as seguintes quantias:
- 4 856 983,93 € (quatro milhões, oitocentos e cinquenta e seis mil, novecentos e oitenta e três euros e noventa e três cêntimos), a título de capital;
- 142 515,88 € (cento e quarenta e dois mil, quinhentos e quinze euros e oitenta e oito cêntimos), a título de juros vencidos desde 3.7.2018 até à data da propositura da ação, às taxas legais sucessivas, relativas a crédito de que é titular empresa comercial;
- os juros vencidos desde a propositura da ação e os juros vincendos, às referidas taxas em vigor, até integral pagamento.
b) Julgar a ampliação do recurso requerida pela Ré MEO improcedente e, em consequência, confirmar o saneador-sentença no que concerne à declarada improcedência da exceção do caso julgado;
c) Condenar a Ré/Apelada no pagamento das custas do recurso e da ação.
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Lisboa, 14 de janeiro de 2021

Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira