CLÍNICA PRIVADA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Sumário

I. Em regra, a relação entre o médico de clínica privada e o doente que o procura configura uma relação contratual, um contrato de prestação de serviços, ou um contrato médico, contudo, pode acontecer que o dano se mostre consequência de um facto que simultaneamente viole uma relação de crédito e um dos chamados direitos absolutos, podendo suceder que exista uma situação susceptível de preencher os requisitos de aplicação dos requisitos da responsabilidade contratual e extracontratual.
II. A responsabilidade médica solidária da clínica onde se prestam os serviços e do médico tinha como pressuposto a demonstração que a ré teria prescrito tratamentos médicos em género, quantidade e duração inadequados, bem como que tenha sido na sequência desta terapêutica delineada pela ré que adveio para a Autora determinadas sequelas, provando-se ainda estas.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6a Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
 
I. Relatório:
A... intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra “E…, Lda ” e M…, pedindo a condenação solidária das Rés a pagar à Autora a quantia de € 450 000, 00 a título de danos não patrimoniais e € 1 234, 71 a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros desde a citação até pagamento, bem como indemnização pelos danos futuros, patrimoniais e não patrimoniais, a liquidar.
Em abono da sua pretensão alega, em suma, que frequentou a R. Clínica “E…”, em consulta da R. M..., sendo que esta lhe prescreveu medicação inadequada ao seu estado clínico, sobrevindo sequelas físicas e psíquicas, assinaladamente nos seus órgãos sexuais e com diminuição da líbido. Mais afirma que esta situação deteriorou o seu modo de vida nas vertentes física, psíquica, social e afectiva.
Citadas, as RR. contestaram, circunstanciando o modo como a A. foi assistida e considerando inexistir causa para o pagamento das indemnizações pretendidas. Foi alegado que tiveram lugar todos os procedimentos médicos adequados e foram impugnados os prejuízos invocados.
Foi elaborado despacho saneador em que se julgaram verificados os pressupostos processuais. Bem assim, foi decidido não existirem outras excepções ou questões prévias de que cumprisse conhecer. Fixados os factos assentes e elaborada base instrutória (face à aplicação, à data, do CPC/95). Teve lugar prova pericial.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se as RR. do pedido.
inconformada veio a Autora recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
«A. o presente recurso versa sobre a responsabilidade em que incorreram as Apeladas, pelos danos sofridos pela Apelante e que resultaram directamente do incumprimento/cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes.
B. As Apeladas incorreram na violação dos deveres contratuais a que estavam sujeitas, a Apelada M..., na qualidade de endocrinologista, e E…, Lda. na qualidade de clínica da qual é proprietária e onde foram realizados/prestados os aludidos serviços.
C. Ficou provado, para além de qualquer dúvida, a falta de cumprimento e/ou cumprimento defeituoso das obrigações profissionais que incumbiam à 2.a Apelada, decorrente da sua qualidade de endocrinologista.
D. A actuação negligente da Apelada M... foi causa directa e exclusiva dos danos morais e patrimoniais de que a Apelante veio a padecer.
E. Afigura-se por demais evidente à ora Apelante que o Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, razão pela qual a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que considere integralmente procedente, por provado, o pedido deduzido pela aqui Apelante.
F. Constata a Apelante que a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal quo se revela incompleta, porque omite da matéria provada factos que ficaram provados por prova pericial, testemunhal e/ou documental, razões pelas quais se impõe o seu aditamento.
G. Deste modo, devem ser aditados aos factos provados os seguintes factos:
a) A 1.a consulta com a 2.a Ré, bem como as restantes foram efetuadas nas instalações da 1.a Ré e sob a direção da 2.a Ré.
Facto que consta da alínea G da matéria assente, definida no despacho saneador (proferido em 08.10.2012) mas que, inexplicavelmente, não consta dos factos provados.
b) A atrofia do clítoris da autora é irreversível.
Facto provado por prova pericial - cfr. Relatório Pericial produzido pelo Senhor Professor N..., datado de 27.02.2018, onde se refere as “alterações atróficas clitorianas e dos pequenos lábios poderão ser de difícil reversão”.
Ademais, o aludido Perito nos esclarecimentos que prestou em 18.02.2020: mas... mas... seria, no caso particular... teria de ser muito bem ponderado!... e neste momento não sou capaz de responder se alguém se atreveria a fazer uma cirurgia desse tipo pensando que iria haver grande sucesso(...)Porque aquilo é um mecanismo, a certa altura, digamos, de quase de irreversibilidade.
H. Por outro lado, REQUER-SE a V.as Ex.as a eliminação dos seguintes factos da lista de factos não provados e respectiva inclusão nos Factos Provados
a) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Em data que não consegue precisar, mas antes de 2003, foram-lhe diagnosticados ovários micropoliquísticos.Este facto deve ser dado como provado, estando provado documentalmente: com veja-se a fls. 312 e ss, o referido pela 2.a Apelada Tinham-lhe dito que tinha ovários micropoliquísticos”. Foi ainda provado testemunhalmente, veja-se que a testemunha MR...endocrinologista arrolado pelas Apeladas, e que acompanhou a Apelante logo na década de 90, afirmou que: Dos exames que nós pedimos, não detectámos, através daquelas técnicas de, de... de diagnóstico, não detetámos nada assim de especial, exceto o ovário poliquístico. (em '96).
b) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Os miomas no útero, os ovários micropoliquísticos e o pequeno fibroadenoma na mama não constituíam problemas de saúde incomuns ou complicados, nem exigiam especiais cuidados, apenas inspirando acompanhamento. Facto confessado pelas Apeladas na contestação no artigo 11.°
c) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): A Autora recorreu aos serviços da 1a ré, com o objectivo de ser avaliada por especialista de Endocrinologia às patologias que lhe haviam sido previamente diagnosticadas (os três pequenos miomas no útero, ovários micropoliquísticos e um pequeno fibroadenoma na mama)
Não só decorre do Processo Clínico junto pela 2.a Apelada, como resultou do depoimento da testemunha MR…, da qual decorre que já em 1996 - muito antes da intervenção das Apeladas -, os ovários micropoliquísticos eram do conhecimento da Apelante.
d) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Analisados os exames cedidos pela Autora e toda a informação prestada oralmente pela mesma, a 2.a Ré prescreveu a administração de “Proscar”, um comprimido de 5mg por dia.
A Apelada reconhece expressamente ter prescrito o aludido fármaco - cfr. Artigos 21.° e 31.° da contestação.
e) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Cerca de dois meses depois a autora passou a tomar, por indicação da 2.a ré, dois comprimidos de “Proscar”, num total de 10 mg por dia.
A Apelada M... reconhece expressamente ter prescrito o aludido fármaco na dosagem de 10mg - ou seja o dobro da dosagem inicialmente prescrita - a partir de Fevereiro de 2004 e até Janeiro de 2005 - cfr. artigo 61.° contestação - embora na verdade isso tenha sucedido logo a partir de Setembro de 2003, ou seja, uns meses antes do que a Apelada alega.
f) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): A posologia de “Proscar” é de apenas um comprimido, sendo desaconselhado o aumento de dose até nos casos de esquecimento da toma pelo doente.
Resulta da bula, junta como DOC. 3 da PI, a qual menciona ainda que o fármaco em questão é usado em homens para reduzir o volume da próstata aumentada.
No caso dos autos a 2.a Apelada cedo dobrou a dose diária do Proscar, passando de 5 para 10 vezes superior à dosagem mais habitual deste fármaco(!!!), querendo fazer passar a ideia que o fez por insistência ou pretexto da própria Apelante, que denotaria insatisfação!!
g) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): A R. M... referiu à A. que, durante o tempo em que o tratamento fosse realizado, iria sofrer uma pequena redução da líbido - que tenha acrescentado que o medicamento receitado - “Proscar” - era normalmente prescrito e administrado a homens, dando-lhe instruções expressas de que, caso na farmácia revelassem estranheza por aquele medicamento lhe ter sido prescrito, não deveria dar importância e trazer o medicamento;
Facto confessado pelas Apeladas na contestação: veja-se o artigo 30.°, segundo o qual «explicou-se ainda à Autora que um dos fármacos era comercializado com indicação masculina».
h) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): A R. M... alertou a A. para o facto de não poder engravidar enquanto o tratamento se realizasse.
Facto confessado pelas Rés na contestação: veja-se o artigo 31.°, segundo o qual: A Autora foi advertida de que não poderia engravidar, visto poder haver teratogenicidade para o feto.
i) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): A autora, de acordo com as indicações da 2a Ré, procedeu à toma de “Proscar” desde o período que decorreu entre Agosto de 2003 e Janeiro de 2005.
Este facto encontra-se igualmente provado por documento - facturas juntas como DOCS. 4 e 5 à PI. Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): A 27 Ré aconselhou a Autora no sentido de que a medicação prescrita fosse acompanhada de várias sessões de depilação a laser que serviriam para minimizar o facto da autora apresentar zonas de pêlos indesejados
Facto reconhecido e confessado pela Ré, no artigo 25.° da contestação: Foi ainda explicado à Autora que o tratamento deste síndrome teria um componente farmacológico e outro cosmético, sendo o primeiro seria composto por anticonceptivos e antiandrogénios, e o segundo por terapêutica ablativa do folículo piloso por Laser ou Luz Pulsada.
j) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): A Autora efetuou várias sessões de depilação a laser nas instalações da 1.a Ré sob a orientação da 2a Ré.
Facto provado documentalmente - cfr. as facturas emitidas pela 1.a Apelada, 1) em datas em que, comprovadamente, a 2.a Apelada não consultou a Apelante em consultas de endocrinologia, e 2) em valores que sabemos não serem os valores habituais das consultas de endocrinologia, a saber: em 07.10.2003, foi facturado pela 17 Apelada o montante de € 300,00; em 31.03.2004, foi facturado pela 1.a Apelada o montante de € 338,00; em 12.01.2005, foi facturado pela 17 Apelada o montante de € 360,10; em 11.10.2005, foi facturado pela 17 Apelada o montante de € 247,60 e em 20.04.2006, foi facturado pela 17 Apelada o montante de € 175,20 - facturas juntas com o requerimento de 12.05.2015.
Por confronto dos ditos documentos juntos aos autos com as facturas emitidas pela 17 Apelada nas datas das consultas de endocrinologia, juntas como DOCS. 2, 8, 9, 21, 25 e 32 da PI, fica escancarada a verdade que o Tribunal a quo não conseguiu ver: a 17 Apelada já em 2003 prestava serviços de estética, ao contrário do que nos tentou convencer!
Assim, as apeladas omitiram intencionalmente este facto do Tribunal, provavelmente porque, como as mesmas reconhecem expressamente no artigo 62.° da contestação, não possuíam (...) competência adicional nestas terapêuticas complementares e, mais à frente, no artigo 65.°, segundo o qual só a partir de 2007 é que as Rés passaram a dispor da disponibilidade de fazer tratamentos de foto depilação, a que, porém, a Autora nas suas instalações nunca foi sujeita
k) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Em 2003, a autora realizou, pelo menos, duas consultas de Endocrinologia com a 27 ré, em 18.06 e em 14.08.
Facto provado pelas facturas emitidas nessas mesmas datas pela 1.a Apelada, com a descrição “consulta de endocrinologia”, no montante, cada uma de € 80,00, juntas como DOCS 2 e 8 da PI.
l) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Em 2004, a autora realizou, pelo menos, duas consultas de Endocrinologia com a 2.a ré, em 10 de fevereiro de 2004 e 10 de dezembro de 2004.
Facto provado pelas facturas emitidas nessas mesmas datas pela 1.a Apelada, com a descrição “consulta de endocrinologia”, no montante de € 85,00 e € 80,00, juntas como DOC. 9 da PI.
m) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Em Janeiro de 2005, por prescrição da 2.a ré, a autora passou a tomar os seguintes medicamentos: Finasterida Farmoz 5 mg e Finasterida Labesfal5 mg
Ficou demonstrado pelas facturas da sua aquisição - juntas como DOCS. 15 a 19 da PI - sendo que, consabidamente, só sob instruções médicas da 2.a Apelada a Apelante poderia ter adquirido o dito fármaco, que é sujeito a receita médica.
n) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Em Dezembro de 2005 a 2.a ré prescreveu ainda à autora a toma de “Flutamida Generis 250 mg”, que a autora tomou até meados de 2008.
Foi expressamente reconhecido pelas Apeladas nos artigos 87.° e 88.° da contestação, segundo os quais aquele fármaco foi receitado em 21.11.2005.
As facturas da aquisição do fármaco comprovam-no igualmente - vejam-se os DOCS. 20, 22, 24, 26, 27, 28 e 29 juntos com a PI.
o) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Em 2005, a autora realizou, sob direcção da 27 Ré, pelo menos, uma consulta de Endocrinologia, em 11 de janeiro de 2005.
Provado por documento: veja-se a factura emitida nessa mesma data pela 17 Apelada, com a descrição “consulta de endocrinologia”, no montante de € 85,00, junta como DOC. 21 da PI.
p) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Em 2006, sob orientação da 27 ré, a autora manteve a toma de Aldactone 100 mg e de Flutamida Generis 250 mg. Provado pelas facturas da aquisição do fármaco juntas como DOCS. 22 e 24 juntos com a PI.
q) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Em 2006, a autora realizou sob direcção da 2.a ré, pelo menos, duas consultas de Endocrinologia, em 7 de janeiro e 12 de Dezembro de 2006.
Facto provado pelas facturas emitidas nessas mesmas datas pela 1.a Apelada, com a descrição “consulta de endocrinologia”, no montante unitário de € 85,00, juntas como DOC. 25 da PI.
r) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Em 2007 a autora continuou a tomar, sob prescrição da 2.a ré, “Flutamida Generis 250 mg” e “Aldactone 100 mg”
Facto provado pelas facturas da aquisição do fármaco - cfr. DOCS. 26, 27 e 28, juntos com a PI.
s) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Seguindo a prescrição indicada pela 27 Ré, na consulta de 18.04.2008 a autora aplicou Vagifem.
Facto reconhecido pelas Apeladas no artigo 96.° da contestação, onde reconhece ter dado o vagifeme.
Note-se que de acordo com a respectiva bula, junta como DOC. 31 da PI, o mesmo é utlizado parar “aliviar os sintomas da menopausa ao nível da vagina, tais como a secura e a irritação. Em termos médicos, isto é conhecido como “atrofia vaginal”
De resto, o próprio Professor Doutor N..., em audiência de discussão e julgamento, relacionou o aludido fármaco como terapêutica indicada para um quadro de atrofia (22'08 ''FRP - O Sr. Professor admite que a administração de Idalone creme e Vagifem possam ser uma resposta a à constatação de um quadro de atrofia, da hipotrofia?;
NMP - “Uma resposta”... um tratamento?; FRP - “Um tratamento”, sim.; NMP - Acho que sim. Não sei se resultaria! ...mas deve ser, pode ser aplicado, sim.)
Ou seja, quando a 27 Apelada fez a observação objectiva dos genitais da Apelante em 18.04.2008 constatou a atrofia dos genitais externos da Apelante!
Jamais podendo ser verdade que a 27 Apelada tivesse notado uma “observação ginecológica normal” como registou no Processo Clínico, pois caso assim fosse que razão haveria para a prescrição do dito Vagifem??
t) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): No ano de 2008, realizou-se sob direcção da 2.a ré uma consulta de Endocrinologia, em 18 de Abril de 2008
Facto provado pela factura emitida nessa mesma data pela 17 Apelada, com a descrição “consulta de endocrinologia”, no montante de € 85,00, junta como DOC. 32 da PI.
u) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Após notar uma significa redução do volume e tamanho do clitoris, a autora marcou uma consulta na 2a ré que se realizou no dia 18 de Abril de 2008
Provado quer no Processo Clínico, junto a fls. 312 e ss, quer na factura junta como DOC. 32 junto à PI.
v) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Perante a insistência e angústia da autora, a 2.a ré decidiu encaminhá-la para uma sala de observação, onde realizou exame objectivo.
A realização dessa observação foi anotada no processo clínico embora o registo feito não corresponda ao que efectivamente foi verificado pela Apelada. Mais, sendo a 2.a Apelada uma endocrinologista a menos que se tratasse de uma situação urgente e detectada recentemente, a 2.a Apelada jamais teria acedido a fazer essa avaliação objectiva dos genitais externos da Apelante.
w) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): No fim da observação, denotando um semblante apreensivo, a 2.a ré admitiu que, de facto, ocorrera uma diminuição do volume e tamanho do clítoris da autora.
Não se pode concluir outra coisa senão que a Apelada M..., após ter feito a observação objectiva, constatou a atrofia dos genitais externos da Apelante, o que justifica a confessada prescrição do Vagifem ainda nessa consulta (artigo 96.° da contestação), o qual, como já se referiu e resulta da respectiva bula, junta como DOC. 31 da PI, está indicado especificamente para a “atrofia vaginal”.
x) Facto Não Provado (NÃO numerado): E prescreveu à autora a aplicação de Hidalone Creme, cuja substância activa é a hidrocortisona, Vagifem, que são comprimidos vaginais e, novamente, Flutamida Generis 250 mg
Facto provado, desde logo, por confissão da Apelada (artigo 96.° da contestação).
Já a prescrição de Hidalone Creme e Flutamida Generis resultam dos documentos que comprovam a sua aquisição, ainda nesse dia 18.04.2008, data em que a 2.a Apelada consultou, pela última vez, a Apelante.
y) Facto Não Provado (NÃO NUMERADO): Após o referido nos factos acima, a 2.a ré não marcou nenhuma consulta para acompanhamento da situação, nem aconselhou à autora a consulta com outro especialista ou médico de outra área.
Resulta, desde logo e a contrario sensu, do processo clínico junto aos autos, bem como do teor da contestação da 2.a Apelada, que nega ter constatado a atrofia dos genitais externos da Apelante, embora, como ficou demonstrado, lhe tenha prescrito um fármaco indicado especificamente para situações de atrofia
Assim, as Apeladas não marcaram qualquer nova consulta com a Apelante nem, tão pouco, e como os deveres deontológicos impunham, aconselhou a Apelante a consultar um especialista por causa dos inúmeros efeitos vulvares observados (entre os quais a atrofia dos genitais externos), o que é, simplesmente, chocante.
Inclusivamente o Senhor Perito confirmou que a doente deveria ter sido encaminhada para um especialista da área (FRP - 20'24'' Mas no limite, um doente que se apresente com a morfologia da A. deve ser encaminhado para um médico de especialidade... ou não?; NMP - Sim, sim.)
aa) Facto Não Provado (NÃO numerado): A significativa redução no volume e dimensão do clítoris da Apelante ficou a dever-se à medicação prescrita pela 2a Ré.
Facto provado através da prova pericial - veja-se o Relatório Clínico elaborado pelo Perito, datado de 27.02.2018, onde se refere o seguinte: “Considero que é muito provável que as alterações morfológicas e funcionais dos genitais externos se devam às terapêuticas androgenizantes prescritas, particularmente, mas não exclusivamente, à flutamida”
Em sede de audiência de discussão e julgamento, onde o aludido Perito foi peremptório ao afirmar ao minuto 9'55'' “Eu só vi claramente foi consequências de uma terapêutica.”, referindo-se à constatação dos 10:27 “claros sinais de atrofia, ou melhor, hipotrofia, portanto, muito completa, dos genitais externos. Nomeadamente de parte dos lábios, o clítoris muito alterado, (...)”, tendo ainda referido o seguinte: FRP - 11'52'' E no seu entender, é provável que estes efeitos que constatou, estas alterações na morfologia e na funcionalidade, sejam decorrência dos fármacos que foram administrados?;
NMP - Isso sim, acredito que sim, que é uma consequência dos fármacos. E ainda:
31'18'' - NMP mas sabe porque é que eu pus “muito provável”? Porque era indiscutível as lesões de atrofia que existem. É uma atrofia intensa!
Dúvidas não podem existir sobre o nexo de causalidade existente entre a prescrição da terapêutica antiandrogenizante, durante cerca de cinco anos, e as severas alterações morfológicas e funcionais observadas e que delas resultaram directa e necessariamente.
Como explicou o Senhor Perito não se trata de efeitos secundários, mas de efeitos!!:
FRP - 24'34'' (...) eu volto aqui um bocadinho aos efeitos, aos efeitos como secura vaginal, diminuição da libido, dor na relação sexual, redução do volume e também do clitóris, hipotrofia dos lábios... Tudo isto podemos estabelecer uma associação com os fármacos que foram administrados?;
NMP - Tudo o que disse, sim. Talvez não a líbio.
bb) Facto Não Provado (NÃO numerado): Pouco antes do fim das consultas de Endocrinologia com a 2.a ré, a autora começou a aperceber-se do surgimento, algo “intermitente” e faseado de outros sintomas, que surgiram de forma lenta e gradual Facto provado também por prova pericial desde logo uma vez que o Senhor Perito 18'17'' NMP: Isto foi, foram alterações morfológicas que foram se aparecendo lentamente e desenvolvendo lentamente. Não é uma constatação rápida, súbita, de que de repente aconteceu isto. cc) Facto Não Provado (NÃO numerado): A Autora era uma mulher saudável antes de ser consultada pela Ré M....
Facto provado através de prova documental - que se encontra junta nos requerimentos com as ref. 25494191 e 2549413, ambos de 10.02.2020 -, tão pouco se compreendo como o Tribunal a quo o deu como não provado. Vejamos.
Desde logo, do relatório do Dr. V…, médico especialista em Ginecologia/Obstetrícia, decorre que a aqui Apelante foi, pela primeira vez, à sua consulta, em 25.06.1999, tinha então 15 anos de idade, o qual registou por escrito o seguinte: “Após consultar a sua ficha clínica, nada consta de anormal do ponto de vist a ginecológico”.
Em suma: o aludido especialista, que acompanhou a Apelante na década de 90, atesta que a Apelante não sofria então da atrofia extrema dos genitais externos, caso contrário o especialista jamais poderia ter afirmado que nada consta de anormal do ponto de vista Ginecológico.
Nunca é demais relembrar: essa atrofia só se veio a manifestar anos depois, tendo sido detectada em Abril de 2008, após vários anos de uma terapêutica antiandrogenizante intensa e manifestamente prolongada no tempo, instituída pela 2.a Apelada.
Vejamos ainda que, ainda em sede de audiência de discussão e julgamento, o próprio Perito não conseguiu ocultar a sua admiração e estranheza pela quantidade de anos a que a Apelante foi sujeita a uma terapêutica daquele tipo, a qual como o próprio confirmou é usada em alguns países como meio de castração química de pedófilos!!!!! (28'03). Ainda sobre a estranheza manifestada pelo Senhor Perito, veja-se o que o mesmo afirmou:
33:51 “eu estranhei o prolongamento do prazo, porque é que foi tanto tempo”.
Além do mais, a Apelante foi observada por outro especialista em Ginecologia, o Dr. AC…, nesse mesmo mês de Abril de 2008 - mês que a Apelada M... afirmou ter feito a dita “observação ginecológica normal”, e o aludido especialista registou a observação de uma atrofia genital externa!!! (relatório junto em 10.02.2020)
O  aludido especialista interpretou expressamente a atrofia genital externa como sendo consequência da terapêutica com flutamida!!!
Por outro lado, importa realçar que a Apelante tão pouco padecia de inequívoco hirsutismo ou acne, o que resulta com uma evidência gritante das fotografias datadas da década de 90 que se encontram juntas aos autos a fls. 312 e ss., onde se denota uma jovem mulher que de hirsuta nada tem e com uma pele lisa e livre de qualquer acne!
Além das fotografias, a testemunha J…, que manteve um relacionamento amoroso com a Apelante entre 1997 e 2002/2003 negou peremptoriamente que a Apelante apresentasse excesso de pêlos e negou que os tivesse designadamente, nas costas ou na auréola mamária, zona alba, cara e barriga, como a 2.a Apelada tentou defender: (3'11''
JI: Não, não tinha, não tinha. Tinha os pêlos normais que uma pessoa, que uma mulher tem normalmente.; FRP: Tinha as costas cobertas de pêlos?; JI: Nunca. Isso é absurdo, é absurdo. É mentira e é absurdo. Não tinha as costas cobertas de pêlos. ; FRP: A aréola mamária?...; JI: Não, não tinha.
Não tinha.; FRP: Mesmos nos braços tinha...; JI: Tinha os pêlos normais que uma pessoa tem.)
Também NC…, com quem a Apelante teve um encontro íntimo em 2006/2007 foi peremptório em afirmar que não havia nada na genitália da Apelante que a distinguisse das outras mulheres, ou seja, era uma mulher perfeitamente normal (até em termos de penugem): (4'59)
PF… rejeitou também que a Apelante fosse uma jovem que apresentasse zonas com excesso de pêlos, fazendo inclusivamente alusão às fotografias tiradas à Apelante ainda na década de 90 (fls. 312 e ss) (2:27 - Aliás posso lhe dar um exemplo quanto a isso: ah, ela tinha pêlos nos braços, e como tem os pêlos escuros notava-se alguma coisa, mas a Ana em '99, fez um book com um amigo meu que era então fotógrafo profissional, e se olharem para essas fotografias que são de '99, é fácil de ver que essa pilosidade extrema não existia.) dd) Facto Não Provado (NÃO numerado): Após a consulta de 18.04.2008 com a 2.a Ré, a autora recorreu a especialista em Ginecologia, no sentido de procurar informações sobre o que lhe acontecera, e procurar a sua cura?
Provado por documento, pois como já referido ainda em Abril de 2008, e pouco depois da consulta de 18.04.2008 com a 2.a Apelada, a Apelante foi observada pelo Dr. AC..., renomado Ginecologista, o qual veio a produzir o relatório já acima mencionado, que declara expressamente ter observado atrofia genital externa.
ee) Facto Não Provado (não numerado): Tendo feito ainda em 2008 uma outra consulta de Ginecologia.
Não só foi vista em Abril de 2008 pelo Dr. AC..., como foi ainda a nova consulta de Ginecologia em Agosto, o que se prova por documento - veja-se o DOC. 33 junto à P.I.: o recibo n.° 10718, emitido pela M… - Medicina da Mulher, Lda. em 11.08.2008, referente a “Consulta de Ginecologia”.
ff) Facto Não Provado (NÃO numerado): Procurando por uma segunda opinião por parte de Ginecologista, a autora consultou a Dra. C…, especialista em Ginecologia - Obstetrícia, que a acompanha até hoje.
Provado por documentos - vejam-se os DOCS. 35 e 36 juntos à PI: recibos n.° 5595, 6111 e 6341, emitidos pela Dra. CB..., referentes a “Consulta de Ginecologia”, e o Relatório Clínico, da autoria da aludida especialista, datado de 20.12.2011, junto aos autos com o requerimento de 08.05.2012
gg) Facto Não Provado (NÃO numerado): A autora consultou a Drª CB..., em três consultas em 2010: em Fevereiro, Março e Dezembro.
Factos provados por documento: vejam-se os DOCS. 35 e 36 juntos à PI: recibos n.° 5595, 6111 e 6341, emitidos pela Dra. CB..., referentes a “Consulta de Ginecologia”.
I. Assim, a A conjugação 1) da matéria dada como provada pelo Tribunal a quo com 2) os factos que devem ser aditados à lista de factos dados como provados por terem sido provados em julgamento e/por documento e, 3) os factos que devem ser eliminados dos factos dados como provados e não provados (tudo conforme se requereu supra) impõe uma diferente conclusão jurídica e, consequentemente, uma decisão inversa àquela que foi, smo, incorrectamente proferida em 1.a instância.
J. Face ao exposto, é inequívoco que a 2.a Apelada, enquanto médica especialista, podia e devia ter agido de modo diferente, de modo a proteger a saúde da Apelante ao invés de produzir danos à sua saúde física, psíquica e sexual.
K. Todos os danos, efeitos, sintomas e patologias supra referidas só surgiram depois da A. ter começado a tomar a medicação prescrita pela 2.a Apelada.
L. Com a sua conduta activa - de um lado - e omissiva - do outro - a Apelada M... incorreu na violação das mais elementares regras da Medicina, tendo actuado de modo irresponsável.
M. A 2.a Apelada agiu com imperícia, quando podia e devia ter agido de modo diferente, sendo a sua conduta censurável e culposa.
N. Estabelece o artigo 483.° do C.C. que aquele que, dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
O. Com a sua actuação, a 2.a Apelada violou, quer os direitos à liberdade e autonomia da A. enquanto paciente, quer a sua integridade física, uma vez que a medicação que prescreveu foi a causa adequada das lesões e danos sofridos pela A.
P. A 2.a Apelada agiu por omissão, ainda numa segunda perspectiva, na medida em que não cuidou de dar o aconselhamento e encaminhamento que a atrofia, por ela constatada, impunha. conduta omissiva
Q. Está, pois, verificado o facto ilícito, sob três perspectivas diferentes.
R. A actuação da 2.a Apelada foi culposa - culpa que se presume nos termos e para os efeitos do artigo 799.°, do CC, na medida em que é exigido a um médico especialista a prestação dos melhores cuidados de saúde ao alcance da Medicina no tratamento das patologias.
S. Recorrendo a um juízo de prognose póstuma, conclui-se que, perante as circunstâncias concretas do caso, a 2.a Apelada não só podia como devia ter agido de outro modo.
T. Os danos supra descritos sofridos pela A. foram resultado directo e necessário da medicação prescrita pela 2.a Apelada e administrada durante cerca de cinco anos.
U. Estão reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que cabe às Apeladas indemnizar a A. por todos os danos causados pela sua actuação negligente, nos termos do disposto nos artigos 483.°, 496.°, 497.°, 562.°, 563.° e 564.° do C.C.
V. Por todo o exposto, devem as Apeladas ser solidariamente condenadas a pagar à A. a indemnização peticionada a título de danos morais e patrimoniais só assim se fazendo a tão costumada - e desejada - Justiça!»
Os apelados contra alegaram, pugnando pela improcedência do recurso, dizendo, além do mais, que as conclusões apresentadas não obedecem à exigência legais de síntese. Sustentam ainda a irrelevância da impugnação dos factos pretendida em sede de recurso, pois «(...) exceto ao facto constante do art° 43° do questionário - relativamente ao qual a A. questiona que não tenha sido dado como provado - nenhum dos restantes factos em que a A. pretendia que se demonstrasse um nexo de causalidade entre a conduta imputada à R. M..., são postos em crise na impugnação da decisão quanto à matéria de facto. Tal pretenso nexo de causalidade era objeto dos art°s 52°, 53°, 74°, 75°, 79°, 82° e 83° do questionário e cuja decisão de Não provado não é objeto das conclusões recursivas.».
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
*
Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.°s 5.°, 635.° n.°3 e 639.° n.°s 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar são as seguintes:
1a Saber se é de alterar os factos contidos na decisão nos termos pretendidos pela
recorrente.
2ª Saber se dos factos resulta que se encontram reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que cabe às Apeladas indemnizar a A./apelante por todos os danos
causados pelas suas actuações nos termos peticionados.
*
II. Fundamentação:
A) Os elementos fácticos considerados na sentença como provados são os seguintes:
1 - A 1.a R. é uma clínica que presta serviços na área da Endocrinologia, a par de serviços estéticos, nomeadamente, de depilação a laser.
2 - A 2.a R. é médica especialista em endocrinologia-nutrição.
3 - A 2.a R. é sócia-gerente da 1.a R..
4 - A A. nasceu a 22 de Julho de 1977.
5 - A A. é designer e frequentou mestrado em Ilustração Científica.
6- A A. era uma mulher optimista, alegre, divertida, dinâmica e enérgica.
7 - A 1.a consulta da A., realizada nas instalações da 17 R. e sob a direção da 27 R., teve lugar em 18.06.2003.
7A- A 1.a consulta com a 27 Ré, bem como as restantes foram efetuadas nas instalações
da 1.a Ré e sob a direção da 27 Ré.*aditado (dado que constante da matéria de facto assente sob a alínea G) e não foi transposto para a sentença recorrida).
8 - Desde a adolescência que a A. é acompanhada por especialistas da área de ginecologia, de modo a vigiar a sua saúde dentro desta área.
9 - A A. recorreu aos serviços da R. M... com o objectivo de ser avaliada por especialista de endocrinologia.
10 - Do relatório do Instituto de Medicina Legal consta, conforme fls. 543 e 544, assinaladamente, o seguinte: - exame ginecológico: (...) mulher muito ansiosa e deprimida em relação à situação, no entanto com bom estado geral semelhante ao descrito na perícia de 2013; exame ginecológico: distribuição vulvar de aspecto normal com grandes lábios de dimensões normais, pequenos lábios com atrofia da mucosa da face interna e externa com fusão das mesmas na extremidade superior, obliterando a base do clítoris que se encontra atrófico... pequena solução de continuidade da pela a cerca de 2 cm acima da base do clítoris sem sinais inflamatórios e sem exsudado... vagina ampla, larga e profunda colo do útero. do exame objectivo posso concluir que existe uma situação de atrofia de parte dos genitais externos (clítoris e pequenos lábios), situação essa que é crónica e de duração prolongada. De referir que durante este longo processo, iniciado aos 13 anos de idade, têm múltiplas intervenções e actuações na área da ginecologia, não sendo possível, após 14 anos, estabelecer uma causalidade directa entre um dos tempos ou actos e a situação anatómica actual.
11 - Do exame pericial complementar de endocrinologia “(...) a doente recorreu a um relatório cuja signatária é o Dr. José Maria Aragues: “... a doente recorreu a consulta de endocrinologia da Dr.a M... por queixas de irregularidades menstruais e aumento da pilosidade, que motivou a realização de exames complementares. Foi diagnosticada uma síndrome de ovário poliquístico, com base no quadro de hirsustismo e oligoamenorreia e hiperandroginismo laboratorial. A terapêutica que foi instituída é utilizada, há várias décadas, para o tratamento deste síndroma. Considero que as doses em que foram administrados os fármacos e o tempo de utilização foi correto. Em relação aos eventuais efeitos secundários derivados da utilização dos fármacos antiandrogénicos, nomeadamente a atrofia do clítoris e lábios (atrofia vulvo-vaginal) não há qualquer referência na literatura nacional e internacional consultada. A diminuição da líbido é um efeito secundário relativamente frequente que é reversível após a descontinuação da terapêutica.no dia 30 -42014 não apresentava hirsustismo. A avaliação dos genitais externos não revelou alterações significativas. e os exames laboratoriais do foro endocrinológico foram normais.
12 - Consta do relatório clínico da especialidade de psiquiatria, assinaladamente, o seguinte: . apresenta história pouco consistente e com incongruências em termos médicos.A doente apresenta traços de perturbação da personalidade.transtorno da personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade... ”.
13 - Do exame da especialidade de psicologia forense consta, assinaladamente, da avaliação psicológica realizada sobressai uma estrutura de personalidade rígida e de tipo neurótica, pautada pela presença de traços ansiosos, depressivos e histeriformes. A examinada demonstra uma depressividade e instabilidade emocional que é central ao seu funcionamento psíquico, ou seja, de base de personalidade, onde sobressai uma baixa capacidade de insight sobre os seus conflitos emocionais. Esta dinâmica tende a originar uma elevada dependência interpessoal como fonte de sustentação da sua própria personalidade, a qual procura de forma aparentemente não consciente negar, para manter uma representação interna de autoficiência. Ao nível dos processos interpessoais e de socialização a examinada apresenta algum comprometimento, manifestando dificuldades no estabelecimento de relações interpessoais significativas e emocionalmente investidas, revelando também dificuldades ao nível da resolução dos conflitos e dos problemas com que se depara. Ao nível do funcionamento intelectual e das suas funções cognitivas o seu rendimento global é de nível elevado, não se observando indicadores de deterioração mental nem mnésica que afectem os seus processos de pensamento.
14 - Do exame pericial de urologia, com especialidade em sexologia, consta: “Considero que é muito provável que as alterações morfológicas e funcionais dos genitais externos se devam às terapêuticas androgenizantes prescritas, particularmente, mas não exclusivamente à flutamida. Essas alterações atróficas clítorianas e dos pequenos lábios poderão ser de difícil reversão, embora seja possível que haja melhoria qualitativa da parede vaginal com terapêuticas estrogénicas locais. A sexualidade, por motivos físicos e psicológicos, está fortemente prejudicada.
*
Na sentença sob recurso foram considerados como não provados os seguintes factos (os quais serão elencados nesta decisão por alíneas):
a) que a A. esteja actualmente desempregada;
b) que antes de 2003 tenham sido diagnosticados à A. três pequenos miomas no útero, ovários micropoliquísticos e um pequeno fibroadenoma na mama;
c) que segundo o ginecologista que a acompanhava na altura, e todos os que a A. consultou ao longo dos anos, os miomas no útero, ovários micropoliquísticos e um pequeno fibroadenoma na mama não constituíam problemas de saúde incomuns ou complicados, nem exigiam especiais cuidados, apenas inspirando acompanhamento;
d) que os miomas no útero, ovários micropoliquísticos e o fibroadenoma na mama nunca tenham tido qualquer reflexo no estado de saúde geral da A.;
e) que durante todos esses anos a A. tenha feito o controlo dos miomas no útero, ovários micropoliquísticos e fibroadenoma na mama inicialmente, na área da ginecologia e desde 2003, simultaneamente na endocrinologia;
f) que a A. tenha recorrido aos serviços da 1.a R., com o objectivo de ser avaliada relativamente ao controlo dos miomas no útero, ovários micropoliquísticos e fibroadenoma na mama;
g) que na consulta a A. tenha exposto à 2.a R. todo o seu historial clínico e exibido exames complementares de diagnóstico que havia feito anteriormente, de modo a que a 2.a R. tivesse à sua disposição o maior número de informação disponível em ordem à análise e tratamento dos miomas no útero, ovários micropoliquísticos e fibroadenoma na mama;
h) que analisados os exames referidos e toda a informação prestada oralmente pela A., a R. M... tenha prescrito à A. um comprimido de 5 mg por dia de “Proscar”;
i) que cerca de dois meses depois a A. tenha passado a tomar, por indicação da R. M..., dois comprimidos de “Proscar”, num total de 10 mg por dia;
j) que a posologia de “Proscar” seja de apenas um comprimido, sendo desaconselhado o aumento de dose até nos casos de esquecimento da toma pelo doente;
k) que a R. M... tenha referido à A. que, durante o tempo em que o tratamento fosse realizado, iria sofrer uma pequena redução da líbido - que tenha acrescentado que o medicamento receitado - “Proscar” - era normalmente prescrito e administrado a homens, alertando-a de que, caso na farmácia revelassem estranheza por aquele medicamento lhe ter sido prescrito, não deveria dar importância e trazer o medicamento;
l) que a R. M... tenha alertado a A. para o facto de não poder engravidar enquanto o tratamento se realizasse, nem no período dos seis meses seguintes ao fim do mesmo;
m) que a R. M... tenha explicado à A. que, caso engravidasse durante o período do tratamento ou nos 6 meses seguintes, existiram dois cenários: se fosse uma menina não haveria problemas, mas se fosse um menino havia fortes probabilidades de o mesmo nascer com malformações no pénis, nomeadamente de nascer com um “micropénis”;
n) que a A. tenha tomado o “Proscar” de acordo com as indicações da R. M..., no período que decorreu entre Agosto de 2003 e Janeiro de 2005;
o) que na consulta de Janeiro de 2005, a R. M... tenha requisitado a realização de análises clínicas;
p) que a R. M... tenha aconselhado a R. a que a medicação prescrita fosse acompanhada de várias sessões de depilação a laser que serviriam para minimizar o facto de a A. apresentar zonas de pêlos indesejados;
q) que a A. tenha efetuado tais sessões nas instalações da R. “E...”, sob a orientação da R. M...;
r) que em 2003, a A. tenha realizado, pelo menos, duas consultas de endocrinologia com a R., em 18-06 e em 14-08;
s) que em 2004, a A. tenha realizado, pelo menos, duas consultas de endocrinologia com a R., em 10 de Fevereiro de 2004 e em 10 de Dezembro de 2004;
t) que em Janeiro de 2005, por prescrição da R. M..., a A. tenha passado a tomar os seguintes medicamentos: Finasterida Farmoz 5 mg e Finasterida Labesfal5 mg;
u) que a R. M... tenha prescrito ainda à A. “Aldactone” 100 mg, e que a A. o tenha passado a tomar, pelo menos, até Novembro de 2007;
v) que em Julho de 2005, a A. tenha voltado a fazer análises clínicas;
x) que em Outubro de 2005, a A. tenha feito análises requisitadas pela R. M...;
y) que em Dezembro de 2005 a R. M... tenha prescrito ainda à A. a toma de “Flutamida Generis 250 mg”, que a A. tomou até meados de 2008;
z)   que a A. tenha, ao mesmo tempo, parado de tomar Finasterida;
aa)  que em 2005, a A. tenha realizado, sob direcção da R. M... Pereia, pelo menos, uma consulta de endocrinologia, em 11 de janeiro de 2005;
ab)  que em 2006, sob orientação da R. M..., tenha mantido a toma de Aldactone 100 mg e de Flutamida Generis 250 mg;
ac)   que em 2006, a A. tenha realizado sob direcção da R. M..., pelo menos, duas consultas de endocrinologia, em 7 de janeiro e 12 de Dezembro de 2006;
ad)  que em 2007 a A. tenha continuado a tomar, sob prescrição da R. M..., “Flutamida Generis 250 mg” e “Aldactone 100 mg”;
ae)  que, seguindo a prescrição indicada pela R. M..., em 2008 a A. tenha tomado e/ou aplicado os seguintes fármacos: Hidalone Creme5, Flutamida e Vagifem;
af) que no ano de 2008 se tenha realizado, sob direcção da R. M..., uma consulta de endocrinologia em 18 de Abril de 2008;
ag)  que no início do mês de Abril de 2008, a A. tenha detectado uma significativa redução no volume e dimensão do clítoris;
ah)  que tal tenha levado a A. a marcar uma consulta na R. M..., que se realizou no dia 18 de Abril de 2008;
ai) que, perante a insistência e angústia da A., a R. M... tenha decidido encaminhá-la para uma sala de observação, onde realizou exame objectivo;
aj) que no fim da observação, denotando um semblante apreensivo, a R. M... tenha admitido que ocorrera uma diminuição do volume e tamanho do clítoris da A.;
ak) que tenha prescrito à A. a aplicação de Hidalone Creme, Vagifem, que são comprimidos vaginais e Flutamida Generis 250 mg;
am)  que a receita de Flutamida Generis 250 mg já não tenha sido voluntariamente aviada pela A. na farmácia;
an) que, após, a R. M... não tenha marcado nenhuma consulta para acompanhamento da situação, nem aconselhado à A. a consulta com outro especialista ou médico de outra área;
ao) que o referido no facto 36 se tenha ficado a dever à medicação prescrita pela R. M...;
ap)  que pouco antes do fim das consultas de endocrinologia com a R. M..., a A. tenha começado a aperceber-se do surgimento, algo “intermitente” e faseado de outros sintomas, que surgiram de forma lenta e gradualmente como total secura vaginal e de um nódulo na vagina, de cerca de 1,5 cm de diâmetro, que, embora tenha reduzido de tamanho, nunca desapareceu, e que se suspeita tratar-se de foliculite e diminuição gradual da libido, até, atualmente, à ausência de qualquer desejo sexual, incapacidade para atingir o orgasmo por relação coital, sendo também muito difícil de o atingir através da masturbação, dado que a extrema vulnerabilidade do clítoris propicia mais dor ao toque do que prazer, dor essa que sente igualmente durante a relação sexual, que a faz depender do uso, sistemático de lubrificantes;
aq)  que a A. padeça de calvície feminina, flacidez cutânea, perda de firmeza corporal (nomeadamente nos seios), alargamento da cintura, acréscimo de volume no tronco, especialmente na barriga, perda de força física, perda geral de energia e sistema imunitário muito enfraquecido (passou a ter pouca resistência a doenças, como gripes, constipações);
ar)   que a A. tenha passado a sentir em si uma grande debilidade, não só a nível físico, como psíquico e sexual;
as)  que tal tenha determinado que, pela primeira vez na sua vida, a A. tenha tido dois episódios de urgência hospitalar em 2011: um por suspeita de um quadro de pneumonia, que se revelou gripe de duração mais prolongada que o normal; outra devido a dores agudas e continuadas no estômago;
at)   que o referido nos factos 44.°, 45.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.° e 50.° hoje se mantenha;
au)  que tal se tenha ficado a dever à medicação prescrita pela R. M...;
av)  que em consequência da medicação prescrita pela R., a A. seja hoje uma pessoa sem energia, que se cansa facilmente após realizar uma qualquer tarefa do quotidiano e uma pessoa muito nervosa, facto que já originou problemas de estômago, de que nunca antes padecer, com as articulações muito frágeis, facto que lhe propicia dores e lesões frequentes, com um significativo aumento na frequência com que urina, tendo sofrido também de frequentes infecções urinárias e tornando-se numa pessoa muito susceptível a estados depressivos, muito pessimista;
aw)  que a A. fosse uma mulher saudável antes de ter começado a ser consultada pela R. M...
ax)   que em consequência do referido nos factos 36.° e 44.° a 58.° a A. se sinta angustiada por não poder ter uma vida sexual saudável, com os inerentes problemas que tal acarreta no seio de uma relação amorosa;
ay)   que a A. viva na angústia de não saber até que ponto aqueles efeitos se manterão e por não saber se os mesmos, nomeadamente a nova desregulação hormonal, a prejudicarão em termos de fertilidade, dificultando o processo de ter filhos;
az)   que a A. sempre tenha desejado ter filhos;
ba)  que a A. viva constantemente afligida perante a hipótese de, mesmo sendo capaz de gerar uma criança, passar por gravidezes de risco, abortos, ou mesmo de vir a dar à luz crianças com lesões congénitas profundas, nomeadamente com atrofia do pénis devido aos problemas causados pela medicação prescrita pela R. M...;
bb)  que a A. tema que os miomas e microquistos evoluam para neoplasias;
bc) que em consequência do referido no facto 42.°, a A. tenha recorrido a especialista em ginecologia, no sentido de procurar informações sobre o que lhe acontecera, e procurar a sua cura, tendo tido, ainda em 2008, uma outra consulta de ginecologia;
bd) que procurando por uma segunda opinião por parte de ginecologista, a A. tenha consultado a Dra. CB..., especialista em ginecologia - obstetrícia, que a acompanha até hoje;
be)  que a A. tenha consultado a Dr.a CB..., em três consultas em 2010: em Fevereiro, Março e Dezembro;
bf)    que em consequência dos efeitos da medicação prescrita pela R. M..., a A. tome desde 2010 medicamentos, que foram prescritos pela Dra. CB..., nomeadamente:
- Legalon, para protecção do fígado, devido à intensa medicação, por ter acção antioxidante epara fortalecimento do sistema imunitário;
- Selenium Ace, multivitamínico para fortalecimento do sistema imunitário, também antioxidante;
- Gincoben, para fortalecimento do sistema imunitário;
- Folicil, para atenuar a carência de ácido fólico;
- Magnesiocard, para atenuar a carência de magnésio;
- Prevegyne e Baciginal, ambos comprimidos vaginais;
- Ginix Up Gel e Geliofil Gel, ambos géis vaginais;
- Halibut e creme gordo, que foram prescritos para aplicação vaginal;
bg)   que em consequência dos efeitos da medicação prescrita pela R. M... tenha sido prescrito à A. pela Dr.a CB... à A. um vasodilatador para facilitação do desejo sexual;
bh)   que a A. não tenha podido comprar o vasodilatador referido no facto devido ao preço elevado;
bi)    que o mesmo tenha acontecido com algumas embalagens de Geliofil Gel;
bj)   que em consequência dos efeitos da medicação prescrita pela R. M..., a A. tenha passado a ter que submeter-se com frequência a consultas de ginecologia para acompanhamento e vigilância;
bk)   que em consequência da depressão, a A. tenha passado a consultar psicólogos a partir de 2009;
bl)    que a R. M... tenha informado a A. que teria de engravidar assim que terminasse o tratamento;
bm)   que tenha insistido com a informação, afirmando que se a A. assim não fizesse, teria maiores dificuldades em engravidar;
bn)    que tal tenha deixado a A. intimidada e assustada;
bo)   que em consequência da medicação prescrita pela R. M... a A. tenha visto o volume dos seus seios aumentar e estes a ficarem deformados;
bp)   que tal se mantenha até aos dias de hoje;
bq) que em consequência da atuação da R. M..., a A. tenha despendido as seguintes quantias:
br)    consultas de Ginecologia: € 595, 00
bs)   despesas medicamentosas: € 442, 91
bt)    despesas com consultas de Psicologia: € 196, 80;
bu)  que em consequência da actuação da R. M..., a A. tenha tido necessidade de realizar tratamentos por forma a minimizar os danos na sua saúde física, psíquica e sexual;
bv) que a A. tenha que vir a realizar uma operação para reconstrução do clítoris e toda a zona envolvente de modo a remodelar a respectiva morfologia;
bw)  que os serviços de depilação a laser tenham sido adquiridos pela R. M... e passado a ser usados pela R. em 2007 ?
bx)   que tenha sido na consulta de 18-06-2003, e após os primeiros exames pedidos, que a R. M... tenha diagnosticado à A. um mioma de 10mm e 2 pequenos fibraadenomas mamários de 14 e 11 mm;
by) que a ida da A. às consultas nas RR. tenha tido exclusivamente a ver com queixas de hirsutismo e acne;
bz)   que na 1.a consulta, a R. M... tenha pedido a realização à A. de análises gerais, análises hormonais, ecografia pélvica e ecografia mamária;
ca)  que na 2.a consulta, ocorrida em 30-06-2003, depois de analisados os exames, a R. M... tenha diagnosticado à A. síndrome dos ovários poliquísticos constituído por várias anomalias imagiológicas, laboratoriais e fenotípicas e explicado à A. que a mesma tinha ovários disfuncionais, responsáveis pelas irregularidades menstruais e pelo aparecimento do acne e do hirsutismo grave que apresentava, e que estas manifestações se deviam a anomalias da secreção ovárica, que levavam a que os ovários produzissem maior quantidade de hormonas masculinas;
cb)  que a A. apresentasse pelo com envolvimento da cara, costas, linha branca, região sagrada, costas, sulco intermamário e contorno das aréolas mamárias;
cc) que a prescrição para o período entre Agosto de 2003 e Fevereiro de 2004 tenha sido de apenas 5mg/dia;
cd)  que tenha passado a 10mg/dia de Finasteride entre Fevereiro de 2004 e Janeiro de 2005, sempre com a recomendação e insistência de efetuar foto-depilação, visto só ser eficaz em conjugação terapêutica;
ce)  que a A. nunca tenha sido submetida a foto-depilação nas instalações da R. “E...”;
cf)   que a A. interrompesse frequentemente o tratamento prescrito pela R. M..., apesar de esta a ter informado de que não o poderia fazer, pois tal dificultaria e prolongaria no tempo o objetivo do tratamento de tratar a acne e o hirsutismo;
cg)  que a R. M... tenha aconselhado a A. a fazer consultas com intervalos de seis meses;
ch)  que na segunda consulta, a R. M... tenha explicado que o tratamento da síndrome referida no facto 90.° teria uma componente farmacológica e outra cosmética, sendo o primeiro composto por anticoncetivos e antiandrogénios, e o segundo por terapêutica ablativa do folículo piloso por laser ou luz pulsada;
ci) que após explicação da R. M... e anuência da A., esta tenha iniciado terapêutica com um anticoncecional de baixa dosagem, o Desogestrel, e com Finasteride;
cj) que em 21-11-2005, após queixas da A. de que não sentia redução do pêlo, a R. M... tenha suspendido a aplicação de Finasteride, mantendo o Desogestrel e a Espironolactona e passando uma receita de Flutamida na dose de 125 mg;
ck)  que em 07-02-2006, a A. tenha voltado à consulta da R. M..., tendo sido pedidas por esta análises de controlo, repetição da ecografia pélvica e mamária, por ter subido a dosagem de Flutamida para 250mg/dia;
cl) que em 12-12-2006, a A. tenha voltado à consulta da R. M... e que como se encontrava com uma redução do pêlo em cerca de 30% do inicial, a médica tenha entendido que o anticoncecional Desogestrel deveria seria alternado com outro bifásico, etinilestradiol e Drospirenona (Yasmin), de forma a permitir ciclos de descamação do endométrio, e passando a Flutamida para meses alternados, na dose de 125mg;
cm)  que na segunda consulta, ocorrida em 30-07-2003, a R. M... tenha explicado à A. que o fármaco “Proscar” era comercializado com indicação masculina, mas que também era utilizado em endocrinologia para contrariar os efeitos de secreção anómala de hormonas masculinas na mulher: hirsutismo nas formas mais graves, alopecia feminina de causa hormonal e acne androgénico;
cn)   que devido aos elevados preços da aplicação do laser que a R. M... aconselhou à A. como terapia complementar e ao facto de a A. ter alegado dificuldades económicas, a R. M... tenha decidido juntar à terapêutica prescrita a Espironolactona, que tem, embora fraco, algum efeito terapêutico.
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Da impugnação da matéria de facto:
A recorrente insurge-se como questão essencial do recurso, contra a matéria factual a ser considerada para a análise desta acção, propondo que se considere, quer o constante já da matéria assente e que foi omitido na decisão recorrida, quer ainda que se considere provado determinado facto, que no seu entender não foi de todo considerado na decisão de facto, e por fim que se considerem provados factos cuja consideração foi no sentido negativo, ou seja, como não provados.
Importa ter presente que na apreciação feita da prova em primeira instância esta é feita com recurso à imediação e oralidade, porém, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1a instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida(...) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389).
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (...) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (...) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.° 655.°, n.°1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
Por outro lado, quando seja impugnada a matéria de facto estabelece o art. 640.° do C.P.C.:«(...), deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. E nos termos do n° 2 no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Logo, o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, consagrado no art. 640.° do C.P.C., impõe, sob pena de rejeição, a identificação, com precisão, nas conclusões da alegação do recurso, os pontos de facto que são objeto de impugnação. Acresce que o mesmo preceito exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permite pôr em causa o sentido da decisão da 1a instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso, não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art. 640.°, n.°s 1 e 2, do C.P.C. Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados e que se pretende ver modificados (Cfr. Ac. do STJ de 03.12.2015, in www.dgsi.pt.).
Conforme decorre do n.°1 do art.° 662.° do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.a instância” (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222).
Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pela recorrente, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.
Vejamos então os pontos em concreto cuja alteração se pretende alcançar com este recurso.
Começa a recorrente por pretender que sejam aditados dois factos ( conclusão H)), o primeiro porque resultava da matéria de facto assente, o segundo porque no entender da apelante resulta inequivocamente do relatório pericial e esclarecimento do perito.
Na apreciação quer dos aditamentos, quer ainda da eliminação dos factos dados como não provados, transmutando tais factos em provados, importa ter presente que a acção correu termos como acção sob a forma ordinária, sob a égide do CPC/95, logo, tem como suporte no âmbito do despacho saneador a fixação de factos assentes, ou seja os factos sem necessidade de produção de prova dado que decorrentes da confissão das partes, ou seja ausência de impugnação quanto aos mesmos, ou eventualmente decorrentes de documento com força probatória plena. No tocante aos factos objecto da instrução da causa, a base instrutória ( tal como se encontrava prevista no art° 511° Do CPC/95), estes em número de 103 artigos, constituíam os factos necessitados de prova.
Ora, manifestamente o facto cujo aditamento a recorrente defende que deve ser considerado, constava da alínea G) da matéria de facto assente, pelo que o mesmo deve ser aditado aos factos passando a constar como 7A, por forma a manter-se nos factos que foram logo considerados provados, sendo do seguinte teor:
7A- A 1.a consulta com a 2/ Ré, bem como as restantes foram efetuadas nas instalações da 1.a Ré e sob a direção da 2/ Ré.
No que diz respeito ao aditamento pretendido, este é do seguinte teor:
-A atrofia do clitóris da autora é irreversível.
Tal facto encontrava-se no ponto 69° da base instrutória. Porém, ao contrário do pretendido, da prova produzida não resulta a afirmação da irreversibilidade. Pois, nem o relatório pericial que alegadamente sustenta a alteração pretendida afirma a adjectivação em causa, referindo somente que é de “difícil reversão”, nem o depoimento o afirma, inclusive na parte reproduzida, a saber: “Porque aquilo é um mecanismo, a certa altura, digamos, de quase irreversibilidade”.
Acresce que dos factos provados também resulta infirmado tal facto. Com efeito, do relatório do Instituto de Medicina Legal reproduzido nos factos consta, além do mais, na parte que ora releva, o seguinte: - exame ginecológico: (,..)exame ginecológico: distribuição vulvar de aspecto normal com grandes lábios de dimensões normais, pequenos lábios com atrofia da mucosa da face interna e externa com fusão das mesmas na extremidade superior, obliterando a base do clítoris que se encontra atrófico(...) do exame objectivo posso concluir que existe uma situação de atrofia de parte dos genitais externos (clítoris e pequenos lábios), situação essa que é crónica e de duração prolongada. De referir que durante este longo processo, iniciado aos 13 anos de idade, têm múltiplas intervenções e actuações na área da ginecologia (...)”. E do exame pericial complementar de endocrinologia na parte que ora importa resulta que“(.)A avaliação dos genitais externos não revelou alterações significativas. e os exames laboratoriais do foro endocrinológico foram normais(...)”. Quanto às conclusões do exame pericial de urologia, com especialidade em sexologia, consta, na parte pertinente, que: “(,..)Essas alterações atróficas clítorianas e dos pequenos lábios poderão ser de difícil reversão, embora seja possível que haja melhoria qualitativa da parede vaginal com terapêuticas estrogénicas locais. (...)”.(sublinhado nosso).
Donde, indefere-se o aditamento pretendido.
A apelante pretende a eliminação do um vasto conjunto de factos da lista de factos não provados e respectiva inclusão nos Factos Provados. Dada a numeração dos mesmos por alíneas nos termos supra referidos, os factos em causa são os constantes nas alíneas seguintes: b), c), f), h), i), j) k), l), n), p),q), r), s), t), y), aa),ab), ac), ad), ae), af), ag) e ah), ai), aj), ak), na), ao), ap), aw), bc), bd) e be).
Assim, especificamente:
Pretende a recorrente que se dê como provado o constante da alínea b):
- Em data que não consegue precisar, mas antes de 2003, foram-lhe diagnosticados ovários micropoliquísticos.
Defende que tal advém da prova documental junta a fls. 312 e ss, o referido pela 2.a Apelada “Tinham-lhe dito que tinha ovários micropoliquísticos”, bem como do depoimento da testemunha MR...endocrinologista arrolado pelas Apeladas, e que acompanhou a Apelante logo na década de 90, afirmou que: Dos exames que nós pedimos, não detectámos, através daquelas técnicas de, de... de diagnóstico, não detetámos nada assim de especial, exceto o ovário poliquístico. (em '96).
Também pretende a resposta positiva à alínea c), do seguinte teor: Os miomas no útero, os ovários micropoliquísticos e o pequeno fibroadenoma na mama não constituíam problemas de saúde incomuns ou complicados, nem exigiam especiais cuidados, apenas inspirando acompanhamento.
Entende que tal facto foi confessado pelas Apeladas na contestação no artigo 11.°
Ora, ao contrário do ora pretendido haverá que considerar que tais factos reportavam- se aos art° 4° a 5° da base instrutória e ao inverso do ora afirmado pela recorrente, este seria o motivo da consulta com a ré, e não, como alegaram as rés, que tenha sido a ré a diagnosticar tais patologias. Logo, além de ambos os factos estarem interligados, reportam-se ao contexto enunciado na petição inicial e logo, a acção como foi delineada pela Autora, pelo que a verificação de ovários micropoliquísticos e suas consequências têm na sua génese tal alegação, ou seja que foi tal circunstância que determinou a consulta da Autora junto da ré. Manifestamente nada resulta da prova, nomeadamente da inquirição da testemunha Rui Mascarenhas que evidencie tal cronologia dos factos, e esta é a relevante face à alegação e o objecto da instrução fixado na base instrutória.
Senão vejamos.
MR…, médico endocrinologista e de nutrição, viu a Autora em três consultas, em 1995, em 1996 e em 2001 (aquando da inquirição e como questão prévia, no sentido de obter consentimento da Autora, é logo posto em causa pela Autora o número de consultas que a testemunha afirma, afirmando que apenas ocorreu uma única vez). A testemunha afirmou que em 1995, a A. foi acompanhada pela mãe, dizendo que existia “um problema de bócio”, ou seja uma questão relacionada com problemas de tiróide, bem como antecedentes familiares de hirsutismo. “Nessa altura pediu exames” e em 1996 a A. voltou à consulta, e nessa altura, afirmou que apenas constatou, devido ao aumento dos pelos na face, que existia um ovário poliquístico, nada foi receitado pois estava ser acompanhada pela ginecologia. Ora, não resulta evidente se tal resultava das queixas da doente ou da análise dos exames. Mas apenas refere o que a doente tomava, sem que resulte em concreto quem havia receitado e em que percentagens. Em 2013, é que lhe foi pedido um relatório pela Dra A... , e nessa data informa que foi consultado devido a acne e hirsutismo, mas dizendo ainda que existia um “eventual síndrome de ovário poliquístico” ( cf. Fls. 811v°), ou seja, sem o afirmar. Entende que existiu uma extensão do hirsutismo, mas tal só e afirmando depois da leitura do relatório/diário clinico elaborado pela médica ré. Confirmou porém, que a terapêutica para o hirsutismo pode ser para toda a vida, o que se pretende com a terapêutica do Proscar, é diminuição do pelo ou seja das hormonas masculina/testosterona. Assim, do seu depoimento não resulta claro se foi na observação dos exames que aferiu da existência de um ovário poliquístico, ou se foi por indicação da doente.
Acresce que tal como refere o Tribunal recorrido «a A. defendeu, na petição inicial, que o motivo da sua deslocação à consulta de endocrinologia da R. foram três pequenos miomas no útero, ovários micropoliquísticos e um fibroadenoma na mama. Começam logo aqui as dissemelhanças entre as teses das partes. As RR. aduzem que foi na sequência dos exames pedidos pela R. M... que foram diagnosticados os miomas, a circunstância de os ovários serem micropoliquísticos e o fibroadenoma.».
Ora, nem o depoimento é de molde a confirmar tal facto, nem tal resulta de outra prova, sendo irrelevante o aditamento da alínea c) dos factos não provados aos provados, desgarrada que seja do teor da alínea b) que também fica indemonstrado.
Assim, improcede a impugnação nesta parte.
Pretende ainda que se considerem provados os seguintes factos:
O teor da alínea f): A Autora recorreu aos serviços da 1a ré, com o objectivo de ser avaliada por especialista de Endocrinologia às patologias que lhe haviam sido previamente diagnosticadas (os três pequenos miomas no útero, ovários micropoliquísticos e um pequeno fibroadenoma na mama)
Sustentando que tal decorre quer do Processo Clínico junto pela 2.a Apelada, como resultou do depoimento da testemunha MR…, da qual decorre que já em 1996 - muito antes da intervenção das Apeladas -, os ovários micropoliquísticos eram do conhecimento da Apelante.
O teor da alínea h): Analisados os exames cedidos pela Autora e toda a informação prestada oralmente pela mesma, a 2.a Ré prescreveu a administração de “Proscar”, um comprimido de 5mg por dia.
Defende que a Apelada reconhece expressamente ter prescrito o aludido fármaco - cfr. Artigos 21.° e 31.° da contestação.
No tocante ao não provado em i): Cerca de dois meses depois a autora passou a tomar, por indicação da 2.a ré, dois comprimidos de “Proscar”, num total de 10 mg por dia.
Pretende que tal prova resulta do reconhecimento expresso da 2a apelada, que prescriveu o aludido fármaco na dosagem de 10mg - ou seja o dobro da dosagem inicialmente prescrita - a partir de Fevereiro de 2004 e até Janeiro de 2005 - cfr. artigo 61.° contestação - embora na verdade isso tenha sucedido logo a partir de Setembro de 2003, ou seja, uns meses antes do que a Apelada alega.
No que diz respeito aos Factos Não Provados nas alíneas ag) e ah): Após notar uma significa redução do volume e tamanho do clitoris, a autora marcou uma consulta na 2a ré que se realizou no dia 18 de Abril de 2008
Sustenta que tal resulta quer no Processo Clínico, junto a fls. 312 e ss, quer na factura junta como DOC. 32 junto à PI.
Quanto ao Facto Não Provado na alínea ai): Perante a insistência e angústia da autora, a 2.a ré decidiu encaminhá-la para uma sala de observação, onde realizou exame objectivo.
Refere que a realização dessa observação foi anotada no processo clínico embora o registo feito não corresponda ao que efectivamente foi verificado pela Apelada. Mais, sendo a 2.a Apelada uma endocrinologista a menos que se tratasse de uma situação urgente e detectada recentemente, a 2.a Apelada jamais teria acedido a fazer essa avaliação objectiva dos genitais externos da Apelante.
O Facto Não Provado em an): Após o referido nos factos acima, a 2.a ré não marcou nenhuma consulta para acompanhamento da situação, nem aconselhou à autora a consulta com outro especialista ou médico de outra área.
Defende que tal resulta, desde logo e a contrario sensu, do processo clínico junto aos autos, bem como do teor da contestação da 2.a Apelada, que nega ter constatado a atrofia dos genitais externos da Apelante, embora, como ficou demonstrado, lhe tenha prescrito um fármaco indicado especificamente para situações de atrofia. Assim, conclui que as Apeladas não marcaram qualquer nova consulta com a Apelante nem, tão pouco, e como os deveres deontológicos impunham, aconselhou a Apelante a consultar um especialista por causa dos inúmeros efeitos vulvares observados (entre os quais a atrofia dos genitais externos), o que é, simplesmente, chocante. O que entende que foi confirmado pelo Sr. Perito quanto a essa necessidade.
Do conjunto dos factos ora considerados sobressai que a apelante pretende que a prova dos mesmos tenha suporte no processo clínico junto pela ré. No entanto, tal relatório ou processo clínico constitui um documento particular, pelo que além de estar sujeito à livre apreciação da prova, é impugnável nos termos do art° 444° do CPC, ou seja quanto à sua autenticidade. Ora, tendo a Autora enunciado a sua falsidade, não pode a mesma pretender fazer prova com tal documento na eventual parcela que entende que lhe é útil e negar a sua aptidão a fazer prova na parte que menos lhe importa.
Seguindo assim, o explanado pela juiz a quo, entendemos que nada resulta que nos permita dar como provados tais factos, ou concretamente que estes tenham respaldo na prova produzida, dada a pormenorização constante dos factos a provar da extensa base instrutória. Donde, entendemos que o juízo feito não deve ser alterado, nos termos constantes da decisão recorrida no seguinte trecho:« O que é certo, porém, é que, como se viu, ficaram por demonstrar, quer a situação específica da A. aquando da sua primeira deslocação ao consultório da R. M..., quer os fármacos que lhe foram prescritos e em que quantidades. Menos se sabe ainda sobre a regularidade da toma, os intervalos entre tomas, se os houve e outras interacções. Recorde-se que não ficou provada a regularidade das consultas, mas que, a terem estas sido como resulta do boletim clínico impugnado pela A., teriam tido lugar consultas em Fevereiro de 2004, em Janeiro de 2005, em Dezembro de 2006 e depois só em 2008. É manifesta a irregularidade das deslocações ao consultório, sendo de ponderar a irregularidade da toma de medicamentos. Da prova produzida emergiu ainda, no entender do tribunal, com especial relevo, fundada dúvida sobre se os medicamentos que alegadamente teriam sido prescritos à A. são susceptíveis de ocasionar a diminuição do clítoris e a hipertrofia dos genitais externos referenciada. Não houve consenso dos peritos neste particular, já que N… aduziu ser possível que os supostos medicamentos pudessem ter tais efeitos, resultando o inverso do teor da demais prova pericial e, diga-se, da prova através de testemunhas médicas inquiridas em tribunal. Haverá, todavia, com especial relevo para a prova produzida, que atentar no seguinte: de acordo com o processo clínico da A. (cf. fls. 313 e 314) na consulta da R. M... o motivo da consulta (a primeira em 18-6-2018) consistiu em hirsutismo e oligomenorreia e a A. foi medicada com Cerazette (anticoncepcional) e Proscar (um comprimido por dia). Na segunda consulta, ocorrida em 10-2-2004, foi mantido o medicamento Cerazette e aumentado o medicamento Proscar, para dois comprimidos por dia. O processo clínico contém ainda várias informações, algumas delas de teor eventualmente relevante para a matéria da base instrutória. Ocorre, porém, que a A. impugnou o processo clínico, alegando que este tinha sido claramente adulterado, com afirmações falsas (cf. fls. 320).».
Importa ainda referir que a eventual confissão de parte dos factos dos pontos em causa e que têm na sua génese a base instrutória nada relevam analisado no excerto concreto pretendido, pois é o conjunto e o contexto dos factos que devem ser considerados e estes, ao serem levados à base instrutória, determina que não existiu confissão quanto aos mesmos, na sua plenitude, única relevante para a decisão.
Logo, em nada releva a alteração também pretendida quanto ao Facto Não Provado em k): A R. M... referiu à A. que, durante o tempo em que o tratamento fosse realizado, iria sofrer uma pequena redução da líbido - que tenha acrescentado que o medicamento receitado - “Proscar” - era normalmente prescrito e administrado a homens, dando-lhe instruções expressas de que, caso na farmácia revelassem estranheza por aquele medicamento lhe ter sido prescrito, não deveria dar importância e trazer o medicamento;
Nem no que diz respeito à alínea l): A R. M... alertou a A. para o facto de não poder engravidar enquanto o tratamento se realizasse.
Deste modo, improcedem as alterações aludidas e pretendidas pela Autora, mantendo- se tais factos como não provados.
Quanto à resposta negativa da alínea j): A posologia de “Proscar” é de apenas um comprimido, sendo desaconselhado o aumento de dose até nos casos de esquecimento da toma pelo doente.
Entende que a resposta positiva resulta da bula, junta como DOC. 3 da PI, a qual menciona ainda que o fármaco em questão é usado em homens para reduzir o volume da próstata aumentada. E no caso dos autos a 2.a Apelada cedo dobrou a dose diária do Proscar, passando de 5 para 10 vezes superior à dosagem mais habitual deste fármaco(!!!), querendo fazer passar a ideia que o fez por insistência ou pretexto da própria Apelante, que denotaria insatisfação!!
Ora, a literatura do medicamento, ou vulgarmente a bula do mesmo, não é a única a ser consultada pelos médicos. Acresce que tal como foi dito pelo perito os efeitos de tais medicamentos ditos hormonais são diferenciados nos homens e mulheres, pelo que não existe prova do facto pretendido pela Autora.
Donde, improcede também nesta parte a alteração almejada.
A apelante pretende que um conjunto de factos relacionados quer com as datas das consultas, motivo das mesmas, aquisições de fármacos, dosagem e o que a determinou sejam considerados provados, nos seguintes termos:
Quanto à alínea n): A autora, de acordo com as indicações da 2a Ré, procedeu à toma de “Proscar” desde o período que decorreu entre Agosto de 2003 e Janeiro de 2005.
Entende que tal facto está igualmente provado por documento - facturas juntas como DOCS. 4 e 5 à PI.
E o constante da alínea p): A 2.a Ré aconselhou a Autora no sentido de que a medicação prescrita fosse acompanhada de várias sessões de depilação a laser que serviriam para minimizar o facto da autora apresentar zonas de pêlos indesejados. Também entende que este facto foi reconhecido e confessado pela Ré, no artigo 25.° da contestação: Foi ainda explicado à Autora que o tratamento deste síndrome teria um componente farmacológico e outro cosmético, sendo o primeiro seria composto por anticonceptivos e antiandrogénios, e o segundo por terapêutica ablativa do folículo piloso por Laser ou Luz Pulsada.
O facto Não Provado em q): A Autora efetuou várias sessões de depilação a laser nas instalações da 1.a Ré sob a orientação da 2a Ré.
Defende que tal resulta das facturas emitidas pela 1.a Apelada, 1) em datas em que, comprovadamente, a 2.a Apelada não consultou a Apelante em consultas de endocrinologia, e 2) em valores que sabemos não serem os valores habituais das consultas de endocrinologia, a saber: em 07.10.2003, foi facturado pela 1.a Apelada o montante de € 300,00; em 31.03.2004, foi facturado pela 1.a Apelada o montante de € 338,00; em 12.01.2005, foi facturado pela 1.a Apelada o montante de € 360,10; em 11.10.2005, foi facturado pela 1.a Apelada o montante de € 247,60 e em 20.04.2006, foi facturado pela 1.a Apelada o montante de € 175,20 - facturas juntas com o requerimento de 12.05.2015. Logo, conclui que por confronto dos ditos documentos juntos aos autos com as facturas emitidas pela 1.a Apelada nas datas das consultas de endocrinologia, juntas como DOCS. 2, 8, 9, 21, 25 e 32 da PI, “fica escancarada a verdade que o Tribunal a quo não conseguiu ver: a 1.a Apelada já em 2003 prestava serviços de estética, ao contrário do que nos tentou convencer”. Concluindo que as apeladas omitiram intencionalmente este facto do Tribunal, provavelmente porque, como as mesmas reconhecem expressamente no artigo 62.° da contestação, não possuíam (...) competência adicional nestas terapêuticas complementares e, mais à frente, no artigo 65.°, segundo o qual só a partir de 2007 é que as Rés passaram a dispor da disponibilidade de fazer tratamentos de foto depilação, a que, porém, a Autora nas suas instalações nunca foi sujeita.
O Facto Não Provado em r): Em 2003, a autora realizou, pelo menos, duas consultas de Endocrinologia com a 27 ré, em 18.06 e em 14.08.
Defende que a prova de tal facto resulta das facturas emitidas nessas mesmas datas pela 1.a Apelada, com a descrição “consulta de endocrinologia”, no montante, cada uma de € 80,00, juntas como DOCS 2 e 8 da PI.
O Facto Não Provado em s): Em 2004, a autora realizou, pelo menos, duas consultas de Endocrinologia com a 27 ré, em 10 de fevereiro de 2004 e 10 de dezembro de 2004.
Também entende que resulta das facturas emitidas nessas mesmas datas pela 17 Apelada, com a descrição “consulta de endocrinologia”, no montante de € 85,00 e € 80,00, juntas como DOC. 9 da PI.
O Facto Não Provado em t): Em Janeiro de 2005, por prescrição da 2.a ré, a autora passou a tomar os seguintes medicamentos: Finasterida Farmoz 5 mg e Finasterida Labesfal5 mg.
Entende que ficou demonstrado pelas facturas da sua aquisição - juntas como DOCS. 15 a 19 da PI - sendo que, consabidamente, só sob instruções médicas da 2.a Apelada a Apelante poderia ter adquirido o dito fármaco, que é sujeito a receita médica.
O Facto Não Provado em y): Em Dezembro de 2005 a 2.a ré prescreveu ainda à autora a toma de “Flutamida Generis 250 mg”, que a autora tomou até meados de 2008.
Sustenta que foi expressamente reconhecido pelas Apeladas nos artigos 87.° e 88.° da contestação, segundo os quais aquele fármaco foi receitado em 21.11.2005. As facturas da aquisição do fármaco comprovam-no igualmente - vejam-se os DOCS. 20, 22, 24, 26, 27, 28 e 29 juntos com a PI.
O Facto Não Provado em aa): Em 2005, a autora realizou, sob direcção da 27 Ré, pelo menos, uma consulta de Endocrinologia, em 11 de janeiro de 2005.
Sustenta que tal resulta da factura emitida nessa mesma data pela 17 Apelada, com a descrição “consulta de endocrinologia”, no montante de € 85,00, junta como DOC. 21 da PI.
Quanto ao Facto Não Provado em ab): Em 2006, sob orientação da 2.a ré, a autora manteve a toma de Aldactone 100 mg e de Flutamida Generis 250 mg.
Também defende que a prova resulta das facturas da aquisição do fármaco juntas como DOCS. 22 e 24 juntos com a PI.
O Facto Não Provado em ac): Em 2006, a autora realizou sob direcção da 27 ré, pelo menos, duas consultas de Endocrinologia, em 7 de janeiro e 12 de Dezembro de 2006.
Igualmente entende que a prova resulta das facturas emitidas nessas mesmas datas pela 1.a Apelada, com a descrição “consulta de endocrinologia”, no montante unitário de € 85,00, juntas como DOC. 25 da PI.
Em relação ao Facto Não Provado em ad): Em 2007 a autora continuou a tomar, sob prescrição da 27 ré, “Flutamida Generis 250 mg” e “Aldactone 100 mg”
Entende que tal facto está provado pelas facturas da aquisição do fármaco - cfr. DOCS. 26, 27 e 28, juntos com a PI.
O Facto Não Provado em ae): Seguindo a prescrição indicada pela 2.a Ré, na consulta de 18.04.2008 a autora aplicou Vagifem.
A apelante refere que tal facto foi reconhecido pelas Apeladas no artigo 96.° da contestação, onde reconhece ter dado o vagifeme. Resultando da bula a sua utilização -DOC. 31 da PI, e depoimento do Professor Doutor N.... Concluindo ainda “Ou seja, quando a 2.a Apelada fez a observação objectiva dos genitais da Apelante em 18.04.2008 constatou a atrofia dos genitais externos da Apelante! Jamais podendo ser verdade que a 2.a Apelada tivesse notado uma “observação ginecológica normal” como registou no Processo Clínico, pois caso assim fosse que razão haveria para a prescrição do dito Vagifem??”.
O Facto Não Provado na alínea af): No ano de 2008, realizou-se sob direcção da 2.a ré uma consulta de Endocrinologia, em 18 de Abril de 2008
Mais uma vez entende que tal facto resulta provado pela factura emitida nessa mesma data pela 1.a Apelada, com a descrição “consulta de endocrinologia”, no montante de € 85,00, junta como DOC. 32 da PI.
O Facto Não Provado em aj): No fim da observação, denotando um semblante apreensivo, a 2.a ré admitiu que, de facto, ocorrera uma diminuição do volume e tamanho do clítoris da autora.
Sustenta que não se pode concluir outra coisa senão que a Apelada M..., após ter feito a observação objectiva, constatou a atrofia dos genitais externos da Apelante, o que justifica a confessada prescrição do Vagifem ainda nessa consulta (artigo 96.° da contestação), o qual, como já se referiu e resulta da respectiva bula, junta como DOC. 31 da PI, está indicado especificamente para a “atrofia vaginal”.
Quanto ao Facto Não Provado em ak): E prescreveu à autora a aplicação de Hidalone Creme, cuja substância activa é a hidrocortisona, Vagifem, que são comprimidos vaginais e, novamente, Flutamida Generis 250 mg
Defende que tal resulta da confissão da Apelada (artigo 96.° da contestação). E ainda que a prescrição de Hidalone Creme e Flutamida Generis resultam dos documentos que comprovam a sua aquisição, ainda nesse dia 18.04.2008, data em que a 2.a Apelada consultou, pela última vez, a Apelante.
Analisando. Manifestamente das facturas apenas resulta que a Autora procedeu à aquisição de determinados medicamentos, mas sem que resulte evidenciado que os mesmos nas percentagens alegadas foram receitados pela ré, conclusão que seria essencial obter com o confronto de tais documentos com o relatório clínico, mas cuja veracidade foi posta em causa pela Autora. Ora, das facturas juntas aos autos, nem sequer resulta que tais medicamentos exigiam receitas médica, inexistindo qualquer junção destas, ou sequer que eram comparticipados, pois nem sequer está identificado o NIF e em muitas das facturas não consta sequer o n° de beneficiário.
Quanto aos recibos de consulta e a que se destinavam, a relevância do facto prende-se com o ocorrido na mesma e constante do ponto da base instrutória correspondente, sem que releve a existência de consultas tout court, pois estas já resultam do facto contido na alínea G) da matéria de facto assente, agora 7A. Logo, as facturas e recibos não nos permitem concluir pela prova dos factos aludidos, improcedendo também a impugnação nesta parte.
Idêntico raciocínio deve ser feito quanto aos factos que se seguem:
Quanto ao Facto Não Provado na alínea bc)(ia parte): Após a consulta de 18.04.2008 com a 2.a Ré, a autora recorreu a especialista em Ginecologia, no sentido de procurar informações sobre o que lhe acontecera, e procurar a sua cura.
Entende que está provado por documento, pois como já referido ainda em Abril de 2008, e pouco depois da consulta de 18.04.2008 com a 2.a Apelada, a Apelante foi observada pelo Dr. AC..., renomado Ginecologista, o qual veio a produzir o relatório já acima mencionado, que declara expressamente ter observado atrofia genital externa.
Também o Facto Não Provado em bc) ( 2a parte): Tendo feito ainda em 2008 uma outra consulta de Ginecologia, entende que resulta do documento 33 junto à P.I.: o recibo n.° 10718, emitido pela M… - Medicina da Mulher, Lda. em 11.08.2008, referente a “Consulta de Ginecologia”.
O mesmo ocorre com o Facto Não Provado em bd): Procurando por uma segunda opinião por parte de Ginecologista, a autora consultou a Dra. CB..., especialista em Ginecologia - Obstetrícia, que a acompanha até hoje.
Também neste caso sustenta que resulta dos DOCS. 35 e 36 juntos à PI: recibos n.° 5595, 6111 e 6341, emitidos pela Dra. CB..., referentes a “Consulta de Ginecologia”, e
o Relatório Clínico, da autoria da aludida especialista, datado de 20.12.2011, junto aos autos com o requerimento de 08.05.2012.
Por fim o Facto Não Provado em be): A autora consultou a Dr3 CB..., em três consultas em 2010: em Fevereiro, Março e Dezembro.
Defende que a prova resulta dos DOCS. 35 e 36 juntos à PI: recibos n.° 5595, 6111 e 6341, emitidos pela Dra. CB..., referentes a “Consulta de Ginecologia”.
Com efeito, também quanto a estes factos a sua importância para a decisão afere-se tendo por base o contexto em que se inserem, nada relevando que se dê como provado a existência de tais consultas, única prova que pode ser feita com os recibos pretendidos, nomeadamente “a procura de uma segunda opinião” ou ainda “no sentido de procurar informações sobre o que lhe acontecera, e procurar a sua cura”, nada resulta da prova produzida nos autos.
Do exposto, improcede também a impugnação nesta parte.
Os factos cuja prova pretende que seja considerada e que são efectivamente relevantes para a acção são os seguintes:
O Facto Não Provado em ao): A significativa redução no volume e dimensão do clítoris da Apelante ficou a dever-se à medicação prescrita pela 2a Ré.
Entende que tal resulta da prova pericial - veja-se o Relatório Clínico elaborado pelo Perito, datado de 27.02.2018, onde se refere o seguinte: “Considero que é muito provável que as alterações morfológicas e funcionais dos genitais externos se devam às terapêuticas androgenizantes prescritas, particularmente, mas não exclusivamente, à flutamida.” E declarações do Perito.
No tocante ao facto Não Provado em ap): Pouco antes do fim das consultas de Endocrinologia com a 2.a ré, a autora começou a aperceber-se do surgimento, algo “intermitente” e faseado de outros sintomas, que surgiram de forma lenta e gradual.
Defende que a prova resulta da prova pericial e esclarecimentos do Senhor Perito.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como bem evidenciam as apeladas nas suas contra alegações o facto dado como não provado em ao), que tem na sua base o art° 43° da base instrutória é o único posto em causa e que se reporta à demonstração do nexo de causalidade entre a conduta imputada à R. M... e as alegadas consequências danosas que advieram à Autora.
Sendo certo que tal pretenso nexo de causalidade era objeto dos art°s 52°, 53°, 74°, 75°, 79°, 82° e 83° da base instrutória, mas este reportado a outras alegadas sequelas, as quais foram desconsideradas no recurso, mantendo apenas como consequência a redução no volume e dimensão do clítoris (contido no art° 36° da base instrutória e o nexo com a conduta da ré no art° 43°) e ainda a formulação genérica ora pretendida com a prova da alínea ap), mormente na parte relativa a “a autora começou a aperceber-se do surgimento, algo “intermitente” e faseado de outros sintomas, que surgiram de forma lenta e gradual”. Ora tal alínea advém do art° 44° da base instrutória e nesta concretizava-se a “total secura vaginal”, e nos artigos seguintes: “nódulo da vagina”( art° 45°), diminuição da libido ( art° 46°), dor ( art° 47°), cálvice, flacidez cutânea, perda de força e energia, debilitação do sistema imunitário ( art° 48° e 49°). Por fim, o nexo causal relevante estava contido no art° 52°, onde se perguntava se tal se ficava a dever à medicação prescrita pela ré.
Ora, a alínea ap) na sua formulação é meramente conclusiva, pois desconhecesse a que se reportam ou sintomas cuja afirmação a apelante pretende. Por outro lado, ainda que pudéssemos considerar a prova do teor da alínea ap) a sua resposta afirmativa em nada influenciaria a decisão, ou seja não existiria decisão inversa tal como preconiza o art° 662° n° 1 do CPC, pois faltaria a demonstração do nexo causal essencial para uma decisão desta índole.
Do referido improcede desde já a alteração pretendida quanto à alínea ap).
Importa aferir da alínea ao), ou seja, a prova que a significativa redução no volume e dimensão do clítoris da Apelante ficou a dever-se à medicação prescrita pela 2a Ré.
Ora, ao contrário do afirmado tal não tem respaldo na prova pericial realizada nos
autos.
Com efeito, do relatório do Instituto de Medicina Legal, junto a fls. 538 a 544 v°, consta além do mais, que:« - exame ginecológico: (...) mulher muito ansiosa e deprimida em relação à situação, no entanto com bom estado geral semelhante ao descrito na perícia de 2013; exame ginecológico: distribuição vulvar de aspecto normal com grandes lábios de dimensões normais, pequenos lábios com atrofia da mucosa da face interna e externa com fusão das mesmas na extremidade superior, obliterando a base do clítoris que se encontra atrófico... pequena solução de continuidade da pela a cerca de 2 cm acima da base do clítoris sem sinais inflamatórios e sem exsudado. vagina ampla, larga e profunda colo do útero. do exame objectivo posso concluir que existe uma situação de atrofia de parte dos genitais externos (clítoris e pequenos lábios), situação essa que é crónica e de duração prolongada. De referir que durante este longo processo, iniciado aos 13 anos de idade, têm múltiplas intervenções e actuações na área da ginecologia, não sendo possível, após 14 anos, estabelecer uma causalidade directa entre um dos tempos ou actos e a situação anatómica actual.».
Já do exame objectivo de tal perícia resultava a fls. 543 v° como sequela no exame ginecológico “aparente atrofia dos pequenos lábios e clitóris”.
Mas além das conclusões do exame ginecológico, também do exame pericial complementar de endocrinologia resulta apenas que:“(...) a doente recorreu a um relatório cuja signatária é o Dr. J…: “... a doente recorreu a consulta de endocrinologia da Dr.a M... por queixas de irregularidades menstruais e aumento da pilosidade, que motivou a realização de exames complementares. Foi diagnosticada uma síndrome de ovário poliquístico, com base no quadro de hirsustismo e oligoamenorreia e hiperandroginismo laboratorial. A terapêutica que foi instituída é utilizada, há várias décadas, para o tratamento deste síndroma. Considero que as doses em que foram administrados os fármacos e o tempo de utilização foi correto. Em relação aos eventuais efeitos secundários derivados da utilização dos fármacos antiandrogénicos, nomeadamente a atrofia do clítoris e lábios (atrofia vulvo-vaginal) não há qualquer referência na literatura nacional e internacional consultada. A diminuição da líbido é um efeito secundário relativamente frequente que é reversível após a descontinuação da terapêutica.no dia 30 -42014 não apresentava hirsustismo. A avaliação dos genitais externos não revelou alterações significativas. e os exames laboratoriais do foro endocrinológico foram normais.».
Aliás a tal conclusão chega também o Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Médicos, nos termos constantes do Acórdão junto a fls. 585 a 752 v° e 754, nomeadamente infirmando o constante da alínea ao) nas conclusões 29a e 31a - cf. Fls. 715.
É certo que do exame pericial de urologia, com especialidade em sexologia, consta que: “Considero que é muito provável que as alterações morfológicas e funcionais dos genitais externos se devam às terapêuticas androgenizantes prescritas, particularmente, mas não exclusivamente à flutamida. Essas alterações atróficas clítorianas e dos pequenos lábios poderão ser de difícil reversão, embora seja possível que haja melhoria qualitativa da parede vaginal com terapêuticas estrogénicas locais. A sexualidade, por motivos físicos e psicológicos, está fortemente prejudicada.».
Porém, não é feita qualquer correlação deste Sr. Perito, cuja especialidade é urologia, frise-se, entre a dosagem ou a medicação concreta prescrita pela ré, pois desconhece a mesma. Com efeito, dos esclarecimentos prestados pelo perito Dr. N..., tendo por base os relatórios juntos, mormente o relatório de fevereiro de 2018, além de ter confirmado o mesmo, junto a fls. 525, afirmou que a resposta da terapêutica nem sempre é previsível, cada “corpo é único”, mas admite que pode advir de terapêuticas anti-androgenizantes a atrofia genital, mas conclui como sendo hipotético. Quanto à irreversibilidade da atrofia genital, entende que pode existir reversão morfológica, ou seja cirúrgica, mas a perda de elasticidade também se prende com o decurso do tempo. Mas foi peremptório ao afirmar que a atrofia podia manter-se e continuar o seu curso mesmo sem a terapêutica, logo, mesmo ocorrendo a sua suspensão, mas havendo hirsutismo (ou presença de hormonas masculinas) é tratada com a terapêutica dada à Autora, devendo ser acompanhada pela especialidade de ginecologia. Esclareceu ainda a relevância das bulas dos medicamentos, mas que de ordem ginecológica os médicos nunca se cingem apenas às mesmas, exclui ainda a perda da libido da eventual terapêutica, pois esta não é meramente física, no caso da mulher. Mas tudo se prende também com um eventual processo depressivo, ou psicológico. As terapêuticas hormonais podem inclusive ser permanentes, pelo que o tempo da terapêutica não é relevante, todavia, acabou por concluir que a atrofia acentuada que observou pode advir da terapêutica, mas sem o afirmar, pois não observou a Autora antes da terapêutica.
Importa aqui ainda reproduzir o referido pela Juiz a quo, pois da análise da prova nada nos permite afastar este acertado juízo: «(...) Os médicos MR…, CF…, V…, G… e MM…, cada no âmbito da sua área de especialidade e com as limitações inerentes, consideraram nada haver de errado nas alegadas prescrições da R. M....
Já o perito N… aduziu que não é possível prever a resposta hormonal dos organismos aos fármacos cuja toma foi alegada pela A.. As quantidades e o tempo pelo qual devem ser tomados são em função dos sinais de masculinização. Há um mecanismo receptor diferente de pessoa para pessoa. As pessoas têm quantidades de receptores diferentes. Segundo esta testemunha, é possível que aquilo que observou, clítoris muito alterado fisicamente e hipertorfia dos genitais externos, seja consequência de fármacos, assinaladamente aqueles que a A. teria tomado por força de prescrição médica da R. médica. O que é certo, porém, é que, como se viu, ficaram por demonstrar, quer a situação específica da A. aquando da sua primeira deslocação ao consultório da R. M..., quer os fármacos que lhe foram prescritos e em que quantidades. Menos se sabe ainda sobre a regularidade da toma, os intervalos entre tomas, se os houve e outras interacções.
Recorde-se que não ficou provada a regularidade das consultas, mas que, a terem estas sido como resulta do boletim clínico impugnado pela A., teriam tido lugar consultas em Fevereiro de 2004, em Janeiro de 2005, em Dezembro de 2006 e depois só em 2008. É manifesta a irregularidade das deslocações ao consultório, sendo de ponderar a irregularidade da toma de medicamentos.
Da prova produzida emergiu ainda, no entender do tribunal, com especial relevo, fundada dúvida sobre se os medicamentos que alegadamente teriam sido prescritos à A. são susceptíveis de ocasionar a diminuição do clítoris e a hipertrofia dos genitais externos referenciada. Não houve consenso dos peritos neste particular, já que Nuno Pereira aduziu ser possível que os supostos medicamentos pudessem ter tais efeitos, resultando o inverso do teor da demais prova pericial e, diga-se, da prova através de testemunhas médicas inquiridas em tribunal.».
Do exposto, improcede a alteração também quanto a estes pontos - alíneas ao) e ap).
Resta, por fim, analisar o Facto Não Provado na alínea aw): A Autora era uma mulher saudável antes de ser consultada pela Ré M....
Entende a apelante que tal resulta da prova documental - que se encontra junta nos requerimentos com as ref. 25494191 e 2549413, ambos de 10.02.2020, desde logo, do relatório do Dr. VF…, médico especialista em Ginecologia/Obstetrícia, decorre que a aqui Apelante foi, pela primeira vez, à sua consulta, em 25.06.1999, tinha então 15 anos de idade, o qual registou por escrito o seguinte: “Após consultar a sua ficha clínica, nada consta de anormal do ponto de vista ginecológico”. E o próprio Perito não conseguiu ocultar a sua admiração e estranheza pela quantidade de anos a que a Apelante foi sujeita a uma terapêutica daquele tipo, e a atrofia genital externa foi observada por outro especialista em Ginecologia, o Dr. AC..., em Abril de 2008. Nem a A. sofria de hirsutismo (presença de pelos na mulher, em áreas anatómicas características de distribuição masculina) ou acne, convocando as fotografias datadas da década de 90 que se encontram juntas aos autos a fls. 312 e ss, bem como a testemunha J..., que manteve um relacionamento amoroso com a Apelante entre 1997 e 2002/2003 negou peremptoriamente que a Apelante apresentasse excesso de pelos. Também Nélson Caracol, com quem a Apelante teve um encontro íntimo em 2006/2007 foi peremptório em afirmar que não havia nada na genitália da Apelante que a distinguisse das outras mulheres, ou seja, era uma mulher perfeitamente. PF… rejeitou também que a Apelante fosse uma jovem que apresentasse zonas com excesso de pelos.
Ora, a alínea em causa tinha na sua génese o art° 58° da base instrutória e estava redigida em termos genéricos, pois reportava-se a todas as questões relacionadas com a saúde da Autora, dado que não há que olvidar que a mesma enunciava sequelas de vária ordem, como aludimos supra, e não meramente ginecológicas, como agora parece pretender.
Logo, é no contexto da alegação de consultas anteriores que a própria Autora invoca, que fica desde logo infirmada a constatação que a Autora seria uma pessoa totalmente sã. É a autora que alegava que a consulta da ré foi motivada pela existência de ovários poliquísticos, e a testemunha RM… afirmou que a Autora consultou o mesmo em 1995 e 1996 evidenciado alguns problemas como sendo de tiróide, hirsutismo e acne.
Também aqui a fundamentação do Tribunal recorrido nos merece aquiescência, ao referir:« Mais circunstanciadamente, vejamos que não se deu como assente que a A. fosse uma mulher saudável antes de ter começado a ser consultada pela R. M..., pela circunstância de se tratar de uma asserção conclusiva, excessivamente genérica, em face da reconhecida pré-existência de motivo para a A. se deslocar à consulta da R. M....
Em todo o caso, tendo-se reconhecido, tomando em consideração os depoimentos dos amigos da A. J…, P…, F…, e N…, que esta demonstrava bom humor e alegria de viver, expurgou-se a questão da correlação temporal com a deslocação da A. à consulta da R. M... - correlação que, aliás, nenhuma testemunha evidenciou, inclusive por desconhecimento.
De acordo com J… e N…, que mantiveram contactos íntimos com a A., esta era uma mulher idêntica às demais em termos anatómicos, apenas com uma ligeira acne, nas palavras de Nelson Caracol.
No mais, os depoimentos das testemunhas assinaladas limitaram-se a referir que, ao longo dos anos, foram vendo que a A. começou a aparecer menos nos meios em que circulavam, que ficou diferente.
Mas mesmo J..., que terá mantido um relacionamento mais duradouro e estável com a A., aquando do propalado início da consulta junto da R. M..., já não namorava com esta.
Pedro Falcão só terá sabido o que se passara através de confidência da A., confidência essa distando apenas alguns meses do depoimento.
Segundo F..., apesar de a ter sentido menos alegre e viva com o decorrer dos anos, só tomou conhecimento, uma outra vez através da A., do que, segundo esta, se passara quando esta lhe explicou que precisava dele como testemunha.
F... aduziu que a A. mantivera frescura e jovialidade até ao fim do tempo de faculdade.
Ainda assim, mesmo a ter-se provado toda a factualidade médica invocada pela A., o que, como se viu, não se verificou, o que é facto é que estamos a falar de um hiato temporal de cerca de 15 anos, em que a vida da A. terá, decerto, sofrido sucessos e reveses e em que, naturalmente, esta terá sofrido alterações enquanto pessoa.».
Improcede assim, também nesta parte, a impugnação.
*
III. O Direito:
Consolidada que está a questão da matéria de facto haverá que subsumir os factos ao direito, ainda que esta subsunção diferenciada tivesse como pressuposto a alteração dos factos a atender, o que soçobrou no âmbito do recurso.
Com efeito, a apelante assentava a sua pretensão de condenação das rés na conjugação da matéria dada como provada pelo Tribunal, com os factos aditados e ainda com os factos que entendia que deveriam ser eliminados dos factos dados como não provados, figurando como provados. Era esta conjugação que sustentaria a diferente conclusão jurídica e, consequentemente, uma decisão inversa àquela que foi proferida.
Conclui em conformidade que é inequívoco que a 2.a Apelada, enquanto médica especialista, podia e devia ter agido de modo diferente, de modo a proteger a saúde da Apelante ao invés de produzir danos à sua saúde física, psíquica e sexual. E logo, todos os danos, efeitos, sintomas e patologias só surgiram depois da A. ter começado a tomar a medicação prescrita pela 2.a Apelada, pelo que com a sua conduta activa - de um lado - e omissiva - do outro - a Apelada M... incorreu na violação das mais elementares regras da Medicina, tendo actuado de modo irresponsável, com imperícia, quando podia e devia ter agido de modo diferente, sendo a sua conduta censurável e culposa.
Arrematando pela verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil tal como se encontram previstos no art° 483.° do C.C., assacando à actuação da 2.a Apelada a violação dos direitos à liberdade e autonomia da A. enquanto paciente, quer a sua integridade física, uma vez que a medicação que prescreveu foi a causa adequada das lesões e danos sofridos pela A. Porém, também conclui pela presunção de culpa nos termos e para os efeitos do artigo 799.°, do CC, na medida em que é exigido a um médico especialista a prestação dos melhores cuidados de saúde ao alcance da Medicina no tratamento das patologias.
Da inalterabilidade dos factos resulta o acerto da decisão proferida ao dispor que «A presente acção emerge de uma alegada negligência médica da R. M..., sendo a R “E...” demandada por ser as consultas alegadamente ocorridas terem tido lugar nas instalações desta.
Enquanto a responsabilidade contratual pressupõe uma relação inter-subjectiva que confere ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa mesma relação (caso típico da violação de um contrato), a responsabilidade extracontratual emerge em consequência da violação de direitos absolutos, desligados de qualquer relação pré-existente entre o lesante e o lesado.
Em regra, a relação entre o médico de clínica privada e o doente que o procura configura uma relação contratual, um contrato de prestação de serviços, ou um contrato médico, pelo que lhe serão aplicáveis as regras da responsabilidade contratual. Pode acontecer, contudo, que o dano se mostre consequência de um facto que simultaneamente viole uma relação de crédito e um dos chamados direitos absolutos, como o direito à vida ou à integridade física, ou seja: pode suceder que exista uma situação susceptível de preencher os requisitos de aplicação dos requisitos da responsabilidade contratual e extracontratual (cf. ac. da RL de 19-4-2005, in http://www.dgsi.pt/).
Como se lê no ac. do S.T.J. de 23-3-2017, no âmbito de um contrato de prestação de serviços médicos, de natureza civil, celebrado entre uma instituição prestadora de cuidados de saúde e um paciente, na modalidade de contrato total, é aquela instituição quem responde exclusivamente, perante o paciente credor, pelos danos decorrentes da execução dos atos médicos realizados pelo médico na qualidade de “auxiliar ” no cumprimento da obrigação contratual, nos termos do artigo 800. °/1, do C.C.. Porém, o médico poderá também responder perante o paciente a título de responsabilidade civil extracontratual concomitante ou, eventualmente, no âmbito de alguma obrigação negocial que tenha assumido com aquele.
A responsabilidade contratual da instituição prestadora dos cuidados de saúde perante o paciente, ao abrigo do artigo 800. ° do CC, será aferida em função dos ditames que o médico “auxiliar” do cumprimento deva observar na execução da prestação ao serviço daquela instituição.
O Código Civil trata separadamente as duas modalidades de responsabilidade (nos artigos 483. ° e ss. a responsabilidade extracontratual e nos arts. 798. ° e ss. a responsabilidade contratual). Mas nos arts. 562.° e ss. sujeita-as a regime idêntico, com algumas diferenças, entre elas a diferença do prazo prescricional, que é de três anos na responsabilidade extra-contratual e de vinte anos na generalidade das situações emergentes de responsabilidade contratual.
Em face desta distinção, afigura-se-nos mais consentâneo com a realidade pré- descrita integrar a relação entre a A. e a R. M... no âmbito de uma relação contratual.
Esta tese vai também no sentido de, tanto quanto possível, conferir a maior panóplia de protecção à suposta vítima.
Analisando agora o caso concreto, a A. propôs a presente acção imputando à R. M... a prática de conduta imprópria ao exercício da actividade médica e resultado desadequado, a deixarem inferir a inobservância das leges artis. A R. não teria cumprido com as suas incumbências de cuidado, diligência, segurança e informação.
Considera, outrossim, que a R. “E...” não cumpriu com as suas incumbências, não garantindo que a A. fosse diligentemente acompanhado pela R. M....
A alegação da A. é complexa, apontando em diversas direcções: ausência de informação e indiferença às queixas subjectivas, mas sobretudo ministração de documentos desadequados e em sobredosagem.».
No âmbito do recurso a apelante nada alude em concreto quanto às inúmeras sequelas que atribuía à conduta da apelante, mantendo apenas a existência da atrofia ginecológica sofrida e irreversível, atribuindo a mesma à terapêutica seguida, prescrita e continuada ministrada pela 2a ré, nas instalações da 1° ré.
Quanto à responsabilidade solidária das rés, importa ter presente o decidido no Acórdão do STJ de 23/3/2017 (Cons. Tomé Gomes in www.dgsi.pt/jstj), onde se conclui que “ No âmbito de um contrato de prestação de serviços médicos, de natureza civil, celebrado entre uma instituição prestadora de cuidados de saúde e um paciente, na modalidade de contrato total, é aquela instituição quem responde exclusivamente, perante o paciente credor, pelos danos decorrentes da execução dos actos médicos realizados pelo médico na qualidade de “auxiliar” no cumprimento da obrigação contratual, nos termos do artigo 800.°, n.° 1, do CC”. Aludindo-se ainda que “Porém, o médico poderá também responder perante o paciente a título de responsabilidade civil extracontratual concomitante ou, eventualmente, no âmbito de alguma obrigação negociai que tenha assumido com aquele”.
Importa também na mesma linha ter presente o decidido nesta Relação, em acórdão proferido a 8/10/2020, no qual se conclui que :“(...) O contrato mediante o qual uma clínica/hospital assume directa e globalmente perante um doente obrigações de prestação de
actos médicos conjuntamente com as de internamento hospitalar, pode considerar-se um contrato de prestação de serviço médico, na modalidade de contrato total.
Nesta modalidade a clínica é responsável pelos actos praticados pelas pessoas que utilize para o cumprimento das suas obrigações, incluindo o médico que aja em execução da prestação correspondente aos actos médicos integrados no contrato (F. Almeida).
O médico não se obriga directamente perante o doente, mas pode ser responsável ex delictu, se se verificarem os requisitos respectivos, apurados de modo autónomo em relação aos da eventual responsabilidade contratual da clínica (idem).
Colocada como consequência da violação da obrigação de tratar, a responsabilidade do médico não deve ser situada em plano de exigência menor que o correspondente a qualquer outra obrigação.
Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil quando um médico, colaborador de uma clínica, na realização de uma laparoscopia, para remoção de adenocarcinoma do recto e para retirar a vesícula por inflamação crónica da mesma por cálculos, secciona um uréter da doente, tornando-a dependente, para o resto da vida, de uma nefrostomia, sem que se demonstre que tal se ficou a dever a causa externa, a facto de terceiro”.
As decisões aludidas têm todavia como pressupostos a lesão decorrente da terapia efectuada pelo médico em estabelecimento médico. Ora, no caso concreto apenas se provaram as consultas entre a A. e a 2a ré, nas instalações da 2a ré. Quanto à actuação que a apelante pretende que se considere desconforme ao direito, seguimos o exposto pela decisão recorrida que pela sua clareza e exposição acertada não nos merece reparo: «O tratamento e as intervenções médicas assentam em pressupostos, cumulativos, de natureza subjectiva e dois objectivos. Quanto à qualificação do agente este tem de ser médico ou pessoa legalmente autorizada a praticar o tratamento. O tratamento ou a intervenção cirúrgica, por seu turno, têm que ter intenção terapêutica. Têm de visar prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar doença, sofrimento, lesão ou fadiga corporal, ou perturbação mental. Os elementos objectivos consistem na indicação médica e na realização segundo as leges artis.
Em suma, o tratamento ou intervenção cirúrgica devem ser levados a cabo por médico, ser idóneos, adequados ao fim pretendido - debelar ou minorar a doença -, segundo
o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina - e têm de ser efectuados segundo as regras generalizadamente reconhecidas da ciência médica e em consonância com os deveres de cuidado gerais e médicos.
Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, em "Responsabilidade Médica em Portugal" (Boletim do Ministério da Justiça, 332.°, pp. 21 a 79), começam por constatar que é extremamente reduzido, nos tribunais portugueses, o n.° de acções em que se colocam problemas de responsabilidade civil ou penal do médico. “Esta constatação não é apenas válida para este sector, mas também para outras áreas da responsabilidade profissional (advogados, arquitectos, engenheiros, banqueiros, etc.). Utilizando a linguagem de Christian von Bar, podemos dizer que não se produziu ainda em Portugal, na prática, a democratização da responsabilidade profissional (“Demokratisierung der Berufshaftung”). Constatada esta realidade, vejamos se na situação concreta, cuja natureza é de responsabilidade médica, se mostram ou não reunidos os requisitos para a responsabilização da R. M..., e, por força da relação com a R. “E...”, de ambas as RR..
A presente acção foi estruturada e desenvolvida a partir da afirmação de uma responsabilidade civil com fonte contratual.
Estamos em face de contratos de prestação de serviços médicos, mais especificamente de um serviço médico/consulta. Efectivamente, a situação mais frequente da responsabilidade civil médica é a natureza contratual, assentando na existência de um contrato de prestação de serviço, tipificado no art. ° 1154.° do CC, celebrado entre o médico e o paciente, e advindo a mesma do incumprimento ou cumprimento defeituoso do serviço médico (cf. ac. do S.T.J., de 27-11-2007, in http://www.dgsi.pt/). A regra é a da natureza contratual da responsabilidade médica (ac. daR.L., de 24-4-2007, in http://www.dgsi.pt/).(...)
Há que apurar se houve culpa efectiva ou presumida da R. através da sua conduta: diagnóstico, tratamento e intervenção; se se verificam os danos alegados ou quais se verificam e qual o eventual nexo de causalidade entre a conduta da R e os danos cujo ressarcimento é pedido.
A Ordem dos Médicos elaborou um código deontológico (na esteira dos arts. 79. ° e 80. ° do estatuto da Ordem) que se destina, em primeira linha, à classe médica, mas cujas
normas serão de grande valia para a concretização de cláusulas de direito civil, designadamente enquanto critérios de apreciação da culpa.
De acordo com o código de deontologia médica (art.° 11.°), o médico deve cuidar da permanente actualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica.
O médico obriga-se a prestar ao doente os melhores cuidados ao seu alcance (art. ° 29. °).
Na responsabilidade por acto médico há um exame científico que precede e condiciona o exame jurídico (cf. o ac. do STJ, de 22-5-2003, in http://www.dgsi.pt).
Sendo certo que o direito não pode considerar necessariamente culpado o médico que não cura ou que não evita a morte do doente, já que os desenvolvimentos científicos não são de molde a permiti-lo, e, pela própria natureza das coisas, nunca o serão, daí não se segue que o médico não deva assegurar um grau normal ou mesmo elevado de diligência própria da arte médica. Está em causa uma obrigação de meios, e não de resultado, ainda que o resultado se possa afigurar praticamente certo (cf. ac. do S.T.J., de 23-3-2017, in http://www.dgsi.pt/: a prestação do médico é por norma uma obrigação de meios, não o responsabilizando pela obtenção de um resultado, mas na circunstância de usar inadequadamente meios impróprios nos serviços que foi contratado prestar, exigindo-se que actue em conformidade com a diligência que a situação clínica do paciente exige e, na não omissão de actos que a mesma impõe).
É evidente que a “a distinção entre obrigações de meios ou de pura diligência e obrigações de resultado não pode ser levada demasiado longe. Se o doente morre, porque o médico não foi assíduo ou não soube actualizar-se; se o advogado perdeu a acção, porque negligentemente perdeu um prazo ou deixou extraviar documentos, é evidente que há não cumprimento das obrigações assumidas, porque estas se encontram sujeitas, como todas as demais, ao dever geral de diligência. ” (cf. Varela, João Antunes, Das Obrigações em Geral, I, 9.aed., p. 87).
Haverá, pois, que analisar, caso a caso, o que efectivamente ocorreu.
Cremos que não há actos médicos isentos de risco, ainda que porventura o risco seja extremamente diminuto ou tão pequeno que ninguém pense que possa sobrevir.
Há quem aponte casos excepcionais em que sobre o médico recai uma obrigação de resultado, neles incluindo precisamente o da cirurgia plástica: são os dos exames
laboratoriais, o da cirurgia plástica em que existe o compromisso de obter um certo resultado estético no paciente, o dos médicos analistas, radiologistas e odontologista, todos eles assumindo o encargo de obter um certo resultado, o caso de transfusão sanguínea em que o médico assegura a não existência de qualquer risco para o doente e os casos de vasectomia (cf. Nunes, Manuel Rosário, em O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos, 2.a edição, p. 53 e ss.).
Para além da exigibilidade de um resultado (o suporte físico da radiografia, da TAC, da ressonância magnética, ...) no caso da obtenção dos exames médicos, já a obtenção de um diagnóstico correcto é mais complexa e pode estar sujeita a mais do que uma interpretação, ainda dentro dos melhores cânones médicos. Mesmo a análise sanguínea ao sangue da transfusão pode, numa determinada época, não evidenciar qualquer risco de contágio ou de dano e, em face da evolução dos conhecimentos médicos e das técnicas, vir a revelar-se perigosa.
É como se disse supra: não consubstanciando a medicina uma obrigação de resultados, mas sim de meios, aquilo que importa apurar é se foram adoptados os comportamentos vigentes na matéria, se se diligenciou, até ao máximo das possibilidades técnicas, científicas e humanas, pela consecução do resultado. Em caso afirmativo, mesmo que os resultados possam não ser os melhores, nada há a apontar. Em caso negativo, deverá haver responsabilização.
Outra questão que se vem revelando essencial é, atenta a especificidade da questão, a distribuição do ónus da prova.
De acordo com as regras gerais dos contratos, cabe ao médico provar que não teve culpa, ou seja, sobre o médico impende o ónus de provar que não teve lugar erro técnico profissional, com recurso às leges artis. Isto porque no domínio da responsabilidade contratual há uma presunção de culpa, ou seja, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou que o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. ° 799. °/1). Acresce que, atenta a especificidade dos actos médicos, são os profissionais, com conhecimentos específicos e complexos na área, quem se encontra em melhor situação para afastar a culpa.
A doutrina e a jurisprudência não têm, porém, vindo a ser inteiramente concordantes, ou, pelo menos, têm-se revelado pouco claras, no entendimento dado à questão ou não manifestando uma petição de princípio estrita (veja-se, por exemplo, o ac. da R.L. de 25-092003, in http://www.dgsi.pt: a responsabilidade do réu, enquanto médico, radica no contrato celebrado entre ele e o primitivo autor e, em princípio, tendo o réu cumprido diligentemente todos os passos dos actos cirúrgicos que se obrigou a realizar, teria cumprido com a sua obrigação e, consequentemente, por nada poderia ser responsabilizado).
Esta linha de sombra é compreensível vistos o melindre técnico, a complexidade científica envolvida para o leigo, o recato a que normalmente está sujeita a relação entre o paciente e o médico, a falta de dados com que a questão é invariavelmente carreada para o processo e que compromete, ab initio, a descoberta da verdade, sem que o juiz esteja melhor munido para tentar suprir a escassez do relato pouco circunstanciado dos factos que conduziram ao evento danoso, as inevitáveis confusões entre factos e conclusões e um sem número de dificuldades que tornam a questão da negligência médica das mais complexas trazidas a juízo, quer do estrito ponto de vista probatório, quer do ponto de vista do apuramento da verdade.
Mesmo cerceados pelas dificuldades assinaladas, vejamos, porém, o que a este respeito se tem dito de mais relevante.
Figueiredo Dias e Sinde Monteiro (no já citado Responsabilidade Médica em Portugal, p. 46) consideram que a natureza da obrigação conduz à conclusão de que deve ser o doente (ou o autor) a provar que não (lhe) foram prestados os melhores cuidados possíveis, nisto consistindo o incumprimento do contrato (op. cit. p. 46). (...) é diferente de ter de provar a verificação de um erro de técnica profissional, com recurso às leis da arte e da ciência médica. (...) verificando-se uma lesão que, de acordo com a experiência médica, é tipicamente de atribuir a um determinado erro culposo de tratamento, deve presumir-se a existência deste erro de tratamento, podendo naturalmente o médico provar que se verificou um decurso atípico dos acontecimentos.
Manuel Rosário Nunes (in O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos, op. cit., pp. 41-42) escreve que a doutrina e a jurisprudência italianas consideram que a ideia fundamental em matéria de ónus da prova nas acções de responsabilidade civil por actos médicos consiste em separar os tipos de intervenção cirúrgica, repartindo o ónus da prova de acordo com a natureza mais ou menos complexa da intervenção médica». Assim, enquanto nos casos de difícil execução o médico terá apenas alegar e provar a natureza complexa da intervenção, incumbindo ao paciente alegar e provar não só que a execução da prestação médica foi realizada com violação das leges artis, mas que também foi causa adequada à produção da lesão, nos casos de intervenção “rotineira ” ou de fácil execução, ao invés, caberá ao paciente o ónus de provar a natureza “rotineira” da intervenção, enquanto que o médico suportará o ónus de demonstrar que o resultado negativo se não deveu a imperícia ou negligência por parte deste». (...)
Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, por seu turno, escreve o seguinte: “Cremos que no domínio da responsabilidade contratual não militam quaisquer razões de peso específicas da responsabilidade médica, que abram uma brecha na presunção de culpa do devedor consagrada no n.° 1 do art. ° 799. ° do C. Civil (Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos, Revista Direito e Justiça, 2000, XIV, 3, pp. 182/183 e 209).
Vejamos agora da especificidade da apreciação da culpa e da causalidade em situações similares.
Relativamente aos critérios de apreciação de culpa, o n.° 2 do art.° 799.° do C.C. remete para os critérios da área da responsabilidade extracontratual (art. ° 487. °/2 do C.C.).
A fls. 79 daquele artigo de Figueiredo Dias e Sinde Monteiro onde se faz referência ao Código Deontológico da Ordem dos Médicos diz-se: "O princípio da independência dos Médicos é marcado com bastante ênfase no art. ° 4.°.. De acordo com ele, o médico não pode estar sujeito à orientação de estranhos à profissão médica no exercício das funções clínicas... em caso algum um médico pode ser constrangido a praticar actos médicos contra a sua vontade...".
O médico exerce a sua profissão com toda a independência, impondo-se reconhecer- lhe a liberdade de escolher os meios de diagnóstico ou de tratamento que, no seu critério, se perfilem como os mais adequados. Porém, para que o seu critério não se identifique com a arbitrariedade, importa introduzir um factor correctivo que se traduz em saber se o diagnóstico e as terapêuticas seguidas, no caso concreto, seriam as geralmente adoptadas nos meios médicos.
Importa, ainda, respigar os conceitos atinentes do próprio direito penal, por, não raro, a responsabilidade civil/contratual estar associada à responsabilidade criminal, podendo ser importados conceitos de adequação e de causalidade que permitam clarificar as situações.
O art.° 15.° do Código Penal, referindo-se à negligência, esclarece: "Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização. b) Não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto". Neste preceito trata-se, na alínea a), da culpa consciente, quando o agente prevê a possibilidade de realização de facto ilícito e tem dela consciência; ou seja "representa". E na alínea b) da culpa inconsciente, quando o agente não previu, não teve consciência "não representa" a possibilidade de realização de facto ilícito.
No corpo do preceito exige-se a violação de um dever de cuidado ou diligência "age com negligência quem não proceder com o cuidado..." de acordo com as circunstâncias do caso.
Ora, a violação do dever de diligência pode consistir em acção ou omissão: acção - quando possa resultar com consequência o facto ilícito; omissão - falta das cautelas apropriadas para evitar a realização do crime. Para que o resultado em que se materializa o ilícito típico possa fundamentar a responsabilidade não basta a sua existência fáctica, sendo indispensável que possa imputar-se objectivamente à conduta e subjectivamente ao agente. A responsabilidade só se verifica quando existe nexo de causalidade entre a conduta do agente e o evento ocorrido (é esta a orientação do nosso direito: cf. Maia Gonçalves in Código Penal Português Anotado e Comentado - 2.a edição e também na 9.a edição, em anotação ao art. ° 136. ° do Código Penal de 1982 e depois em anotação ao art. ° 137.° do Código Penal de 1995: "A punição de homicídio por negligência pela forma aqui estabelecida insere-se na nossa tradição... Também a exigência de nexo causal entre a conduta negligente e a morte aparece agora com melhor afirmação no texto legal... ").
A adequação assentará num prognóstico objectivo a posteriori feito pelo juiz (cf. Ferreira, Manuel Cavaleiro de, Livros de Direito Penal, volume I, edição de 1985).
De um ponto de vista jurídico, para a valoração da ilicitude serão relevantes não todas as condições, mas só aquelas que, segundo as máximas da experiência e a normalidade, em consonância com o que é de esperar, são idóneas para produzir o resultado. Consequências imprevisíveis ou de verificação rara não são de tomar em consideração.
Em suma, quanto ao nexo de causalidade, terá que existir causalidade adequada, sendo que o ónus da prova do nexo de causalidade adequada recai sobre o autor.
Segundo Carlos Ferreira de Almeida (in Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico, op. cit., p. 116), «o cumprimento é defeituoso sempre que haja desconformidade entre as prestações devidas e aquelas que foram efectivamente realizadas pelo prestador de serviços médicos». «Em relação à obrigação principal, considera-se que o tratamento é defeituoso, quando seja desconforme com as “leis da arte médica”, de harmonia com o estádio dos conhecimentos da ciência ao tempo da prestação dos cuidados de saúde» (ibidem).».
Quanto à análise concreta do caso, conclui-se que:«(...) pese embora a extensa plêiade e conclusões invocados pela A., os múltiplos e sucessivos relatórios médico-legais que foram tendo lugar ao longo de anos, a verdade é que nada de relevante se apurou nos autos a propósito da invocada má prática da R. M.... A partir dos factos que foi possível apurar, com fundamento, quer na prova pericial, quer na prova produzida em julgamento, não há um indício de que a situação de saúde em que a A. se encontra possa ser imputada a violação da leges artis por banda da médica R..
Sabemos que a A. recorreu aos serviços da R. M... com o objectivo de ser avaliada por especialista de endocrinologia. E sabemos que a A. padece de atrofia de parte dos genitais externos (clítoris e pequenos lábios), tratando-se de uma situação crónica. A A. invocou ter tomado determinada medicação. Os especialistas médicos dividiram-se sobre o bem ou mal fundado dessa aplicação, quer quanto à dosagem, quer quanto ao tempo de toma, mas não se produziu prova do que foi efectivamente ministrado, por quanto tempo, nem se a A. observou as prescrições.
O perito em urologia/sexologia disse ser muito provável que as alterações morfolóficas e funcionais dos genitais externos se devam às terapêuticas androgenizantes
prescritas e que a sexualidade, por motivos físicos e psicológicos, está fortemente prejudicada.
Mas mesmo a ter a medicação sido prescrita e tomada tal e qual invoca a A., considerou o perito em endocrinologia que não há qualquer referência na literatura nacional e internacional aos eventuais efeitos secundários derivados da utilização dos fármacos antiandrogénicos, nomeadamente a atrofia do clítoris e lábios (atrofia vulvo-vaginal). Por outra parte, a diminuição da líbido seria um efeito secundário relativamente frequente, reversível após a descontinuação da terapêutica. Note-se que estamos a falar de um período de tempo superior a uma década e que, na verdade, haverá queixas desde os 13 anos de idade, com múltiplas intervenções.
Como se concluiu no relatório médico: a A. foi alvo de múltiplas intervenções e actuações na área da ginecologia, não sendo possível, após 14 anos, estabelecer uma causalidade directa entre um dos tempos ou actos e a situação anatómica actual
Não se surpreendeu qualquer outra matéria em que seja sequer possível conjecturar e muito menos advogar que a R. tenha agido contra os seus deveres deontológicos e contra as leges artis.».
Logo, nada nos permite afastar o juízo e decisão sufragada em 1° grau, pois nem sequer se logrou demonstrar que a ré teria prescrito tratamentos médicos em género, quantidade e duração inadequados, e logo, que tenha sido na sequência desta terapêutica delineada pela 2a ré que adveio para a Autora determinadas sequelas.
Donde improcede o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora e, consequentemente decide-se manter a decisão recorrida.
Custas pela apelada.
Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Janeiro de 2021
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Teresa Soares