REGISTO PREDIAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PROPRIEDADE HORIZONTAL
Sumário

Sumário - artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (doravante CPC – da responsabilidade da relatora)

I - A lei permite no artigo 1438.º-A do Código Civil, que, para além do edifício autónomo ou do grupo de edifícios estruturalmente ligados entre si, possam ser objeto de propriedade horizontal os conjuntos de imóveis urbanos materialmente descontínuos, mas funcionalmente ligados entre si através de elementos comuns, derrogando-se o destino jurídico unitário do prédio e permitindo a criação de um estatuto privativo para cada edifício.
II - Tal realidade deve estar espelhada no plano do registo predial, mediante uma triplicidade descritiva.
III - A pretendida inscrição no Ficheiro de Pessoas Coletivas não poderá ser desligada e divergente desta realidade do ponto de vista registal.

Texto Integral

Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
1. A presente ação, com processo especial de recurso de contencioso, teve início, em 2.10.2019, com a entrada na Secretaria (Unidade Central) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa do expediente remetido pela Senhora Conservadora do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, relativo a impugnação judicial apresentada pelo Condomínio do Edifício E/F, sito na rua ..., 35 a 37, Lisboa, da decisão que recusou um pedido de inscrição de constituição de entidade equiparada a pessoa coletiva relativo ao referido Condomínio, com o fundamento de tal entidade já se encontrar identificada no Ficheiro Nacional de Pessoas Coletivas (doravante, FNPC) desde 15.10.2014, sendo titular de número de identificação de pessoa coletiva.
2. O Impugnante argumentou, em suma, que a decisão recorrida confunde as finalidades da descrição de um prédio no registo predial com as finalidades da inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas e defende a autonomia estrutural e funcional dos três edifícios: Edifício A/B, Edifício C/D e Edifício E/F.
Em jeito de sumário conclusivo, afirmou que:
«I – No Ficheiro Central de Pessoas Coletivas não se inscreve nem se descreve prédios.
II – No Ficheiro Central de Pessoas Coletivas, inscreve-se condomínios.
III – O condomínio corresponde a um entre legalmente ficcionado (pessoa coletiva rudimentar ou personalidade embrionária), numa estrutura orgânico-funcional-volitiva, e independe do edifício ou prédio.
IV – A regra legalmente estabelecida é a de que a cada edifício corresponde um condomínio.
V – Na propriedade horizontal em banda, como é o caso, a cada edifício corresponde obrigatoriamente um condomínio.
VI – A unidade da propriedade horizontal reporta-se ao (s) edifício (s) e não ao título constitutivo ou conformador, podendo, em casos justificados, haver mais que um condomínio num único edifício.
VII – Demonstrada a independência do condomínio requerente, quer pelo título conformador quer pela autonomia estrutural e funcional entre edifícios, a inscrição do mesmo no FCIP é devida nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas
Juntou, para o efeito, documentos relativos à constituição da propriedade horizontal do prédio urbano sito no Parque dos Príncipes, Quinta de S. António de Telheiras, constituído por 180 frações para venda por andares, com a área de 4927 m2 e 30 d, composto pelos edifícios A/B, C/D e E/F.
Terminou, pedindo que seja julgada procedente a impugnação judicial e, consequentemente, ordenada a inscrição do Impugnante, Condomínio do Edifício E/F, sito na rua ..., 35 a 37, em Lisboa.
3. Em 15.11.2019, o Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
«(…) Com efeito, o Ficheiro Central de Pessoas Colectivas (FCPC) é constituído por uma base de dados informatizados onde, nos termos do disposto no artigo 2º, nº1 do DL nº129/98, de 13 de Maio (RRNPC), se organiza informação actualizada sobre as pessoas colectivas necessárias aos serviços da Administração Pública.
O FCPC integra ainda informação relativa a entidades que, prosseguindo objectivos próprios e actividades diferenciadas das dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica – vd. artigo 4º, nº1, alínea d) do RRNPC -, aqui se incluindo os condomínios.
O Registo Nacional de Pessoas Colectivas apenas inscreve no seu ficheiro os condomínios de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal (artigos 1414ºss do Código Civil), sendo que tal inscrição é efectuada de acordo com a composição e descrição do prédio exibida no respectivo título constitutivo de propriedade horizontal.
Com relevância para a questão sub judice importa trazer à colação o artigo 1438º-A do CC que estabelece que “o regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectados ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem”.
É com base neste normativo que o Recorrente/Impugnante invoca a autonomização do edifício E/F sito na Rua ..., nºs35-37, em Lisboa, para efeitos de inscrição do respectivo condomínio no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, argumentando, em suma, que o condomínio se constitui por “edifício” e não por “prédio”; sendo o edifício E/F jurídica e materialmente distinto dos demais construídos no prédio original, constituindo, assim, uma realidade jurídica própria e independente.
Partilhando a posição já sufragada pelo Instituto dos Registo e do Notariado, premente se torna comprovar, para efeitos de inscrição no RPC, a autonomia estrutural dos vários edifícios pertencentes ao conjunto imobiliário, isto é, ao prédio constituído em regime de propriedade horizontal. “(...) No caso concreto subjacente ao presente recurso, não se vislumbra, em nosso entender, a constituição ou a existência de um regime de propriedade horizontal que assente na autonomização de cada um dos blocos/edifícios de que se compõe o prédio abrangido pela propriedade horizontal titulada pela escritura notarial de 17.10.2002, e registada sob a Ap. 32 de 2002/11/05, do prédio descrito sob o nº2075 da freguesia do Lumiar, com a criação de um estatuto privado para cada um daqueles que lhes permita a constituição de uma realidade jurídica própria e independente”.
Ora, na ficha do prédio em análise não foram destacados, em relação ao conjunto, os edifícios cuja independência e autonomia o Recorrente/Impugnante invoca. Note-se que “Não foram abertas fichas de cada um dos edifícios de cada um dos edifícios (enquanto descrições subordinadas e subordinantes), com referência às frações autónomas que seriam parte do edifício e o seu valor relativo, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do edifício”.
Do registo apresentado, e para efeitos de inscrição no FCPC, resulta um regime de propriedade horizontal unitário, ainda que incidindo sobre uma pluralidade de edifícios; pelo que o despacho recorrido não merece, a nosso ver, reparo.
Por todo o exposto é parecer do M.P. que deve manter-se o despacho recorrido julgando-se improcedente a impugnação judicial apresentada
4. Notificado do teor do parecer do Ministério Público, o Impugnante considerou, em suma, que se confunde direito adjetivo com direito substantivo, como de resto entendeu resultar já do ato do Instituto dos Registos e do Notariado (doravante, INR).
5. Em 19.2.2019 foi proferida a decisão recorrida, cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
«Por todo o exposto e de harmonia com o disposto no art. 70º do DL 129/98 de 13/5, julga-se improcedente a impugnação judicial supra, mantendo-se o despacho proferido pela Senhora Conservadora de Registos do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que não nos merece reparo.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Registe.
Após trânsito, remeta os presentes autos ao IRN – RRNPC
6. Inconformado com o assim decidido, o Condomínio do Edifício E/F sito na rua ..., 35 a 37, em Lisboa, interpôs o presente recurso de apelação, no qual formula as seguintes CONCLUSÕES [corrigiram-se pequenos lapsos de escrita]:
«a) Vem o presente recurso da decisão proferida nos autos que decidiu "...julga-se improcedente a impugnação judicial supra, mantendo-se o despacho proferido pela Senhora Conservadora de Registos do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, que não nos merece reparo.".
b) Antes do mais, cumpre invocar a violação do disposto no artigo 154.º, n.º 2, do CPC, posto que o tribunal a quo se limita a aderir aos fundamentos aduzidos pelo Ministério Público, reproduzindo-os, aliás, ipsis verbis, o que, de resto, fez consignar com a síntese "...sem necessidade de outros considerandos."
c) Refira-se que o recorrente solicitou a sua inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas de modo a que se possa relacionar com terceiros de acordo com a realidade fáctico-jurídica efetivamente existente.
d) Porém, o tribunal a quo considerou que a documentação apresentada não era suficiente para se concluir que da submissão do prédio à propriedade horizontal resulta a existência de 3 edifícios, logo 3 condomínios.
e) A decisão recorrida incorre em erro gramatical quando refere "...composto pelo edifício A/ B, C/ D e E/ F...", já que se tratam de 3 edifícios, ou seja, onde o tribunal concluiu "composto pelo edifício" deve ler-se corretamente "composto pelos edifícios", o que faz toda a diferença.
f) Ao contrário do decidido pela sentença recorrida e aplique-se ou não ao caso sub judice o artigo 1438.º-A do Código Civil, certo é que estamos perante o chamado condomínio em banda ou condomínio contíguo em que a cada edifício corresponde, necessariamente, um condomínio diverso.
g) Vendo o título constitutivo da PH, na sua totalidade, facilmente se compreende que as 180 frações estão divididas pelos referidos 3 edifícios e não por um único edifício, como é pressuposto errado da decisão recorrida e que inexoravelmente a inquina.
h) Por outro lado, considerando que as licenças de utilização de cada edifício foram emitidas em momentos perfeitamente distintos, designadamente a licença para o edifício E/F no dia 20/12/2002 a do edifício A/B no dia 10/11/2003 e a do edifício C/D no dia 02.09.2003, facilmente se percebe que se tratam de edifícios distintos e sem qualquer interdependência, pois de contrário não seriam objeto de licenciamento nos termos dos artigos 62.º a 66.º do RJUE (decreto-lei n.º 555/99, de 16/12).
i) Para o Direito, os conceitos de prédio e de edifício visam materialmente realidades distintas e não se confundem, sendo que quando a lei se refere a um e a outro o intérprete terá de ser cauteloso de modo a não baralhar o que o legislador separou.
j) Assim o conceito de prédio urbano está vertido no artigo 204.º/2 do Código Civil e o conceito «edifício» consta na ficha n.º I -21 anexa ao Decreto Regulamentar n.º 5/2019 de 27 de setembro e segundo o qual "Um edifício é uma construção permanente, dotada de acesso independente, coberta, limitada por paredes exteriores ou paredes-meeiras que vão das fundações à cobertura, destinada a utilização humana ou a outros fins.".
k) Definidos estes conceitos legais, temos que que "Para efeitos de constituição de propriedade horizontal, não há correspondência necessária entre prédio urbano e edifício." - Ac. do STJ de 21.05.2009, processo 08B1734 in www .dgsi .pt
1) Ao afirmar que a construção se ergueu por 3 edifícios, mas não reconheceu a existência dos correlativos condomínios o tribunal a quo não subsumiu corretamente à lei e ao Direito, pois o condomínio é por edifício e não por prédio, enquanto porção rectius parcela de solo onde se pode construir rectius implantar um ou vários edifícios.
m) O tribunal a quo erra quando pretende fazer equivaler ou corresponder a inscrição no ficheiro Central de Pessoas Coletivas à descrição inicial do prédio urbano na conservatória do registo predial em nome de uma suposta unidade predial que, no domínio do direito da propriedade horizontal, não se enxerga.
n) Se bem que lobrigamos perceber os fundamentos do ato recorrido de que a decisão se apropriou, o juízo decisório é o de que por cada ficha aberta correspondente a um prédio urbano só pode corresponder uma única inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas, quando certo é que nenhuma lei assim o diz.
o) Importa sublinhar hic et nunc que a descrição dos prédios no registo predial tem uma finalidade diversa da inscrição do condomínio no Ficheiro de Central de Pessoas Coletivas, já que aquela dá a conhecer a situação jurídica do prédio e esta permite a identificação do condomínio perante terceiros.
p) A tão invocada unidade predial, dogmaticamente construída, não é obstáculo à descrição de mais que um edifício e, por maioria de razão, à inscrição de mais que um condomínio, ainda que localizados num único prédio, conforme, aliás, bem se esclareceu nos pareceres do Conselho Técnico do IRN n.º 1/2011 e 88/2011.
q) O condomínio tem origem do latim condominium, que ocorre quando existe um domínio de mais de uma pessoa simultaneamente de uma determinada coisa, ou partes dessa coisa, ou seja, o condomínio é a compropriedade, onde existem diversos proprietários titulares de direitos sobre determinadas partes e necessariamente comuns de um edifício.
r) O que vale por dizer que a existência do condomínio resulta não da existência de um prédio, mas, ao contrário, do exercício conjunto de administração de partes comuns de um edifício e representa o conjunto de proprietários/condóminos desse edifício.
s) É precisamente o caso sub judice, sendo que como alegado a única coisa comum aos 3 edifícios e, portanto, sujeita à administração chapéu, é uma «minúscula» sala de condomínio, já que todo o mais está afeto a cada edifício, sem qualquer ligação ou interdependência física ou até jurídica.
t) Da descrição dos 3 edifícios constantes quer na PH quer na certidão do registo predial, resulta meridiano que se tratam de 3 edifícios distintos e sem qualquer interdependência entre eles e, destarte, nenhum acerto assiste, pois, à decisão recorrida, para ver unido o que é separado, nem, aliás, tem em conta que ao nosso Direito repugna as situações de «grandes» compropriedades, pelas razões que nos dispensamos de citar.
u) De todo o modo, precisamente porque a lei não proíbe, a jurisprudência dos tribunais superiores é unânime em reconhecer a validade de constituição de vários condomínios, dentro de um mesmo edifício, pelo que maior razão assiste ao recorrente quando funda a sua pretensão na PH e pretende regularizar a situação incorreta que até então se verifica de um mesmo número de inscrição no FCPC ser comum a 3 condomínios.
v) Está incorretamente julgado o ponto de facto segundo o qual é afirmado que "Essa inscrição é efetuada de acordo com a composição e descrição do prédio exibida no respetivo título constitutivo de propriedade horizontal.", na medida em que a inscrição no FCPC é efetuada por cada condomínio constituído pelos proprietários/condóminos das frações de cada edifício.
w) Outrossim está incorretamente julgado que "Essa autonomia, não se encontra destacada do titulo de constituição da propriedade horizontal, que identifica o prédio urbano como sendo constituído por 180 frações para venda por andares, com a área de 4927 m2 e 30 d, composto pelo edifício A/ B, C/ D e E/ F," já que, ao invés, a autonomia está perfeitamente destacada tanto assim que o título refere a existência de 3 edifícios e não um edifício como assentou a decisão recorrida.
x) Está incorretamente julgado o segmento de que "...para a decisão a proferir não encontramos relativamente a cada um dos edifícios que compõem este prédio urbano, qualquer realidade distinta e independente, que possa afirmar-se juridicamente autónoma...", posto que se encontram nos autos a escritura de constituição da PH e a respetiva certidão do registo predial e destes resulta com meridiana clareza a composição independente de cada um dos 3 edifícios.
Também está incorretamente julgado que "O prédio é único, embora se afirme na construção que se ergueu em 3 edifícios, onde foi possível o crescimento de 180 frações, para venda por andares.", já que o que é único é o terreno ou solo onde se implantaram os 3 edifícios e, assim, para efeitos do direito da propriedade horizontal o que releva são os edifícios e respetivas frações e não o solo que, aliás, se incorpora no edifício na respetiva proporção, conforme artigo 1421.º/1 al. a) do Cód. Civil.
z) Assim, estes pontos de facto devem ser corrigidos em harmonia com o que está demonstrado à saciedade pelos títulos conformadores da propriedade horizontal pelos quais, aliás, não se pode negar a evidência de que não obstante poder se tratar de uma única ficha no registo predial, certo é que na mesma estão descritos 3 edifícios, logo 3 condomínios, pois a regra é: um edifício = um condomínio.
aa) Na verdade, cada edifício é estruturalmente independente, pois: (i) as fundações, pilares, vigas, lajes„ paredes, terraços, telhados são por edifício e independentes dos outros edifícios; (ii) tem entradas e saídas quer para as frações quer para as caves distintas e incomunicáveis entre si; (iii) tem os seus sistemas de águas, esgotos, eletricidade, totalmente independentes; (iv) as deliberações são tomadas em exclusivo pelos condóminos de e por cada edifício; (v) as quotas condominiais são calculadas e imputadas por edifício; (vi) os administradores são por edifício, um por cada bloco e as decisões destes assim como as deliberações vinculam apenas e tão-somente os condóminos do respetivo edifício.
bb) Por outro lado, mister é não olvidar que a autorização de utilização é um documento administrativo autêntico do qual promana a garantia rectius a presunção juris et jure de que o edifício reúne as condições para se submeter à propriedade horizontal e, consequentemente de se formar o condomínio, que, relembre-se, se cria logo e a partir do momento em que existe mais que um proprietário, e no caso concreto é desde finais de 2002.
cc) A assim se não entender e porque o recorrente na sua impugnação requereu a produção de prova e indicou testemunhas, deve ser concedido ao recorrente o ensejo de provar o que alegou, razão pela qual, quanto mais, não seja, deve ser revogada a monocrática decisão.
dd) "O sistema jurídico não pode remeter os titulares de direitos para potenciais becos sem saída." - Ac. da RL de 07.02.2019, processo 985/15 in www.dgsi.pt.
ee) Isto porque a propósito da decisão recorrida não resulta o que é que é mais necessário na ótica do tribunal a quo, para se concluir pela existência de 3 edifícios, logo 3 condomínios, até porque de acordo com o disposto nos artigos 1414.º, 1420.º/1, 1421.º/1 e 2, 1422.º/1 e 2 e 1430.º/1 todos do Código Civil, resulta que o legislador é bastante rigoroso ao referir-se a edifício e não a prédio e o condomínio é sobre as partes comuns daquele e não deste, devendo estas normas serem assim interpretadas e aplicadas.
ff) Do que resulta que, certificada como está a existência de 3 condomínios, a cada um deles tem de ser atribuído um diferente número de identificação no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas, por razões de segurança e certeza no tráfico jurídico, nos termos do artigo art. 4º, nº1, alínea d) do RRNPC, assim se interpretando e aplicando esta norma.
gg) Por todo o exposto a decisão recorrida violou:
i) O disposto nos artigos 204.º/2, 1414.º, 1421.º/1 e 2, 1422.º/1 e 2, 1430.º/ 1 e 1438.º-A, todos do Código Civil;
ii) O disposto no artigo 154.º/2 do NCPC;
iii) O disposto nos artigos artigo 62.º a 66.º do RJUE (decreto-lei n.º 555/99, de 16/12);
iv) O disposto no artigo 1.º do CRP;
v) O disposto na ficha n.º I -21 anexa ao Decreto Regulamentar n.º 5/2019 de 27 de setembro.
Devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nas conclusões deste recurso
7. O Ministério Público apresentou alegação de resposta, com as seguintes CONCLUSÕES:
«1- O Ficheiro Central de Pessoas Colectivas é constituído por uma base de dados informatizados, na qual se encontra informação actualizada sobre as pessoas colectivas necessárias aos serviços da Administração Pública (artigo 2º, n.º1 do DL 129/98 de 13 de Maio).
2-  Tal Ficheiro Central integra, igualmente, informação referente a entidades que, prosseguindo objectivos próprios e actividades diferenciadas das dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica (artigo 4º, n.º 1 do DL 129/98 de 13 de Maio) – estando incluídos os condomínios.
3-  O Registo Nacional de Pessoas Colectivas inscreve no seu ficheiro os condomínios de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal (artigo 1014º e ss do CCivil), sendo tal inscrição efectuada de acordo com a composição e descrição do prédio exibida no respectivo título constitutivo da propriedade horizontal.
4-  Para efeitos de inscrição no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, ter-se-á de comprovar a autonomia estrutural dos vários edifícios pertencentes ao conjunto imobiliário.
5-  Na ficha do prédio em causa nos presentes autos não foram destacados, em relação ao conjunto, os edifícios cuja independência e autonomia o Recorrente invoca.
6-  Do registo apresentado resulta um regime de propriedade horizontal unitário, ainda que incida sobre uma pluralidade de edifícios
Conclui que o despacho proferido pela Sra. Conservadora não merece qualquer reparo, bem como a sentença proferida.
8. Por despacho de 2.11.2020, o recurso de apelação foi admitido, com subida de imediato, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a solução a alcançar pressupõe a análise da seguinte questão:
- Saber se sentença recorrida enferma do vício de falta de fundamentação;
- Saber se a sentença recorrida, ao confirmar a decisão impugnada do RNPC, enferma de erro de julgamento, por não ter observado o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) e b), do RRNPC e 1414.º do Código Civil, o que passa por saber se a unidade da propriedade horizontal se reporta ao edifício e não ao título e, ademais, se tal questão releva para efeitos da inscrição do Impugnante no Ficheiro Central das Pessoas Coletivas.
*
III - Fundamentação
Fundamentação de facto
Para além dos factos que constam do relatório supra, elencamos, ao abrigo do artigo 607.º, n.º 4, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC, os seguintes factos, que se encontram provados pelos documentos juntos aos autos:
1 - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, Freguesia Lumiar, sob o n.º 0000/00000000 o prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º 0000, situado em Urbanização da Quinta de ..., sita na rua ..., Bls. F-E-D-C-B-A, n.ºs 35 a 35-D,37 a 37-C, 39 a 39-C,41 a 41-D, 43 a 43-B, 45 a 45F e arruamento transversal ao Impasse 6 àquela Rua, Bls. F-E-D-C-B-A, os n.ºs 2 a 2-C, 4 a 4-C, 6 a 6-B, 8, 8-A, 10 a 10-C e 12 a 12-E, com a área total e a área coberta de 4928,3 m2.
Consta da composição e confrontações do referido prédio a composição e as confrontações seguintes:
EDIFÍCIO A/B: Piso menos três com 23 Boxes, 6 lugares de estacionamento, 18 arrecadações e zona técnica; Piso menos um com 23 Boxes, 4 lugares de estacionamento e 2 zonas técnicas; Piso Zero, R/C com 9 lojas, casa do lixo, sala e arrecadação do condomínio, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º andares, com 2 fogos por piso no Edifício A e 3 fogos por piso no Edifício B e 8.º piso com 14 estendais e casa das máquinas no edifício A e 21 estendais e casa das máquinas no Edifício B – Rua ..., n.ºs 45 a 45-F e 43 a 43-B e arruamento transversal ao Impasse 6 àquela rua, n.ºs 12 a 12-E e 10 a 10-C; EDIFÍCIO C/D: Piso menos três com 23 Boxes, 2 lugares de estacionamento e 21 arrecadações; Piso menos um com 16 Boxes, 4 lugares de estacionamento e 3 zonas técnicas Piso Zero, R/C com 8 lojas e 2 casas de lixo, 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º andares, com 3 fogos por piso no edifício C e 3 fogos por piso no edifício D e 8.º piso com 21 estendais e casa das máquinas no edifício C e 21 estendais e casa das máquinas no edifício D – Rua ..., n.ºs 41 a 41-D e 39 a 39-C e arruamento transversal ao Impasse 6 àquela rua, n.ºs 8, 8-A e 6 a 6-B; EDIFÍCIO E/F: Piso menos três com 26 Boxes, 3 lugares de estacionamento e 21 arrecadações; Piso menos dois com 23 Boxes 4 lugares de estacionamento e 21 arrecadações; Piso menos 1 com 25 Boxes, 1 lugar de estacionamento, 2 arrecadações e 2 zonas técnicas; Piso Zero, R/C com 10 lojas e casa do lixo; 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º andares com 3 fogos por piso no edifício E e 4 fogos por piso no Edifício F, 8.º piso com 21 estendais e casa das máquinas no edifício E e 28 estendais e casa das máquinas no edifício F – Rua ..., n.ºs 37 a 37-C e 35 a 35-D e arruamento transversal ao Impasse 6 àquela rua, n.ºs 4 a 4-C e 2-C, conforme documento de fls. 82 a 89.
2 - No dia 17.10.2002, no Vigésimo Quarto Cartório Notarial de Lisboa, foi outorgada escritura de constituição da propriedade horizontal relativa ao prédio referido no ponto 1., com documento complementar de onde consta a descrição dos edifícios e frações que o compõem, conforme documento de fls. 49 a 76.
3 - Encontra-se inscrito no FCPC, mediante o número de identificação 901563870, o Condomínio do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 2075 da freguesia do Lumiar, mencionado no ponto 1.
4 - Em 9.5.2019 foi requerido, por via eletrónica, um pedido de inscrição de constituição de entidade equiparada a pessoa coletiva relativo ao «Condomínio do Edifício E/F, sito na Rua ..., n.ºs 35 a 37, Lisboa».
5 - Por despacho proferido em 20.5.2019, o pedido de inscrição foi recusado, com fundamento no facto de tal entidade já se encontrar identificada na Ficheiro Nacional de Pessoas Coletivas desde 15.10.2014, sendo já titular de número de identificação de pessoa coletiva (NIPC).
No referido despacho de recusa referiu-se ainda que:
«A aceitação deste pedido implicaria a atribuição de um novo número de identificação de pessoa coletiva, o que não é viável. Informa-se ainda, de que a inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas de condomínios de prédios, enquanto entidades equiparadas a pessoas coletivas, é efetuada de acordo com a composição e descrição do prédio exibida no respetivo título constitutivo de propriedade horizontal, não havendo assim lugar à inscrição isolada de apenas uma entrada do prédio
6 - Não se conformando com o teor de tal despacho, em 22.5.2019 o Condomínio do Edifício E/F, sito na rua ..., 35 a 37, Lisboa, interpôs recurso hierárquico, nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea f), do RRNPC, apresentado no RNPC.
7 - Nos termos do disposto no artigo 65.º, n.º 2, do RRNPC, a Senhora Conservadora de Registos do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, por informação datada de 19.6.2019 (que obteve despacho de concordância da Senhora Diretora do RNPC na mesma data), veio sustentar o despacho recorrido.
8 - O recurso hierárquico foi então remetido ao Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., tendo sido indeferido por decisão da Sra. Presidente do Conselho Diretivo de 8.8.2019, cujas conclusões se transcrevem:
«I – Os condomínios, enquanto entidades equiparadas a pessoa coletiva, estão sujeitos a inscrição no FCPC (não obrigatória), com atribuição de um número de identificação próprio, designado por número de identificação de pessoa coletiva (NIPC) – cfr. al. d) do nº 1 do artigo 4º, artigos 11º nº 2 e 13º nº 1 todos do RRNPC.
II – Para além do edifício autónomo ou do grupo de edifícios estruturalmente ligados entre si, podem ser objeto de propriedade horizontal os conjuntos de imóveis urbanos materialmente descontínuos, mas funcionalmente ligados entre si através de elementos comuns, ao abrigo do disposto no artigo 1438º-A do Código Civil.
III – Não é possível a inscrição no FCPC dos (sub) condomínios respeitantes aos vários blocos/edifícios de que se componha o prédio mãe, enquanto entidades equiparadas a pessoa coletiva, independentes e autónomas, quando não se encontre comprovada a necessária autonomização estrutural destes face aquele, a qual sempre deverá ser refletida quer no título constitutivo da propriedade horizontal, quer no respetivos registo predial».
9 - Em 19.9.2019, foi apresentada impugnação judicial no RNPC – vd. envelope com data de registo 18.9.2019 junto aos autos – nos termos do artigo 65.º do RRNPC (a impugnação judicial havia sido remetida àquele RNPC por email, no dia 6.9.2019).
Apreciação do recurso
a) Antes do mais, cumpre apreciar a invocada violação do disposto no artigo 154.º, n.º 2, do CPC, posto que o Apelante argui que o Tribunal a quo se limitou a aderir aos fundamentos aduzidos pelo Ministério Público, reproduzindo-os, aliás, ipsis verbis, o que, de resto, fez consignar com a síntese «...sem necessidade de outros considerandos
O artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC estabelece que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
O dever de fundamentação das decisões impõe-se ao juiz, nos termos do artigo 154.º do CPC e corresponde a uma exigência constitucional, prevendo o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei
O artigo 154.º do CPC, sob a epígrafe «dever de fundamentar a decisão», estabelece que:
«1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, pois só assim podem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação.
O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir.
Tem vindo também a ser entendido de forma pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da sentença, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva ou deficiente, cf., neste sentido, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 10.7.2008 (p. 08A2179, in www.dgsi.pt).
A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e que devem constar da sentença, como expressamente previsto no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, é cominada com a nulidade da sentença no citado artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma.
Quando está em causa uma deficiente ou insuficiente fundamentação da decisão de facto, na explicação dada pelo tribunal para a formação da sua convicção na decisão que proferiu ao considerar provados e não provados os factos controvertidos em razão dos meios de prova produzidos, tal não determina a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, apenas podendo haver lugar à remessa do processo ao tribunal de 1.ª instância, para que fundamente algum facto essencial para o julgamento que não esteja devidamente fundamentado, conforme prevê expressamente o artigo 662.º, n.º 2, alínea d), do mesmo diploma, ao dar a possibilidade à Relação de, mesmo oficiosamente, «determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.»
Ora, compulsada a sentença recorrida, constata-se que explicita, ainda que de forma sintética, os fundamentos de facto e de Direito, e que não se limita a aderir a qualquer outra decisão ou parecer.
Com efeito, o Tribunal a quo, depois de analisar os factos e o Direito, escreveu que:
«Neste sentido, partilhamos quer do posicionamento vertido no despacho recorrido, quer na Vista da Digna MP.
* Por todo o exposto e sem necessidade de outros considerandos, o recurso improcede
Não decorre do exposto nenhuma fundamentação por adesão, como alega o Apelante.
Se os fundamentos da sentença são ou não relevantes e merecem ou não reparo é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.
b) O Apelante argui que a decisão recorrida incorre em erro gramatical quando refere «composto pelo edifício A/B, C/D e E/F», já que se tratam de 3 edifícios, ou seja, onde o tribunal concluiu «composto pelo edifício», deve ler-se corretamente «composto pelos edifícios», o que faz toda a diferença.
Os princípios da segurança jurídica e da imparcialidade determinam a regra do esgotamento do poder jurisdicional uma vez proferida sentença, segundo o artigo 613.º, n.º 1, do CPC.
Esta regra conhece exceções no n.º 2 do citado preceito.
Nele se preveem meios de reclamação lato sensu, com regulamentação própria nos artigos 614.º e ss. do CPC: a retificação por erros materiais, o suprimento de nulidades e a reforma da sentença.
Os erros materiais a que se reporta o artigo 614.º do CPC podem consistir em erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.
É manifesto o erro material que se revele no contexto do teor ou estrutura da decisão, à semelhança dos «erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada» pela parte, conforme resulta do artigo 146.º, n.º 1, do CPC (cf. ainda o artigo 249.º do Código Civil).
O seu objeto não é, pois, o conteúdo do ato decisório, mas a sua expressão material – o corpus por que se exterioriza a vontade do juiz.
Ora, na página 2 da sentença ressalta com clareza que estamos perante um lapso de escrita, já que, em outras passagens do texto, o Tribunal a quo reporta-se a 3 edifícios e não a um.
Assim, onde se lê na linha 20 da p. 2 da sentença «composto pelo edifício», deverá ler-se «composto pelos edifícios».
c) A Apelante considera que, ao contrário do decidido pela sentença recorrida, aplique-se ou não ao caso o artigo 1438.º-A do Código Civil, estamos perante o chamado condomínio em banda ou condomínio contíguo em que a cada edifício corresponde, necessariamente, um condomínio diverso.
Argui que, da análise do título constitutivo da propriedade horizontal, na sua totalidade, facilmente se compreende que as 180 frações estão divididas pelos referidos 3 edifícios e não por um único edifício, como é pressuposto errado da decisão recorrida e que inexoravelmente a inquina.
Mais argumenta que, considerando que as licenças de utilização de cada edifício foram emitidas em momentos perfeitamente distintos, designadamente a licença para o edifício E/F no dia 20.12.2002 a do edifício A/B no dia 10.11.2003 e a do edifício C/D no dia 2.9.2003, facilmente se percebe que se tratam de edifícios distintos e sem qualquer interdependência, pois de contrário não seriam objeto de licenciamento nos termos dos artigos 62.º a 66.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12).
Sustenta que os conceitos de prédio e de edifício visam materialmente realidades distintas e não se confundem, sendo que, para efeitos de constituição de propriedade horizontal, não há correspondência necessária entre prédio urbano e edifício.
Objeta que, ao afirmar que a construção se ergueu por 3 edifícios e não reconhecer a existência dos correlativos condomínios, o Tribunal a quo não subsumiu corretamente à lei e ao Direito, pois o condomínio é por edifício e não por prédio.
Por fim, observa que a descrição dos prédios no registo predial tem uma finalidade diversa da inscrição do condomínio no Ficheiro de Central de Pessoas Coletivas, já que aquela dá a conhecer a situação jurídica do prédio e esta permite a identificação do condomínio perante terceiros e, apoiado nos pareceres do Conselho Técnico do IRN n.º 1/2001 e 88/2011, considera não haver obstáculo à inscrição de mais do que um condomínio no FNPC.
Na sua alegação de resposta, o Ministério Público sustenta que o RNPC deve inscrever no seu ficheiro os condomínios de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, sendo tal inscrição efetuada de acordo com a composição e a descrição do prédio exibida no respetivo título constitutivo da propriedade horizontal.
Mais alega que, para efeitos de inscrição no RNPC, ter‑se-á de comprovar a autonomia estrutural dos vários edifícios pertencentes ao conjunto imobiliário, sendo que na ficha do prédio em causa não foram destacados, em relação ao conjunto, os edifícios cuja independência e autonomia o Recorrente invoca.
Lê-se na fundamentação de sentença recorrida o seguinte:
«II-Cumpre apreciar e decidir:
A questão a decidir no presente recurso é tão só a de apreciar a possibilidade de inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas de um condomínio respeitante a um edifício que compõe entre outros edifícios, o mesmo prédio urbano inscrito e registado, enquanto entidade equiparada a pessoa colectiva, independente e autónoma.
* O Ficheiro Central de Pessoas Colectivas – FCPC - é constituído por uma base de dados informatizado, nos termos do disposto no artigo 2º - nº 1 do DL nº 129/98, de 13 de Maio - RRNPC - que recolhe e organiza informação actualizada sobre as pessoas colectivas dos serviços da Administração Pública.
* O FCPC integra igualmente informação relativa a entidades, onde se integram os Condominios, (Entidades que, prosseguindo objectivos próprios e actividades diferenciadas das dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica– art. 4º, nº1, alínea d) do RRNPC.
* O Registo Nacional de Pessoas Colectivas inscreve no seu ficheiro os condomínios de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal – art. 1414º e seguintes do CCivil.
Essa inscrição é efectuada de acordo com a composição e descrição do prédio exibida no respectivo título constitutivo de propriedade horizontal.
* Estabelece o art. 1438º-A do CCivil o seguinte:
“o regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectados ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem”.
*No caso em apreço o recorrente invoca a autonomização do edifício E/F sito na Rua ..., nºs 35-37, em Lisboa, para efeitos de inscrição do respectivo condomínio no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, invocando que o condomínio se constitui por “edifício” e não por “prédio”; sendo o edifício E/F jurídica e materialmente distinto dos demais construídos no prédio original, constituindo, assim, uma realidade jurídica própria e independente.
No entanto tal não decorre do titulo junto aos autos.
*Essa autonomia, não se encontra destacada do titulo de constituição da propriedade horizontal, que identifica o prédio urbano como sendo constituído por 180 fracções para venda por andares, com a área de 4927 m2 e 30 d, composto pelo edifício A/B, C/D e E/F. (Vide documento junto a fls. 49 a 106, inclusive)
* Efectivamente de toda a documentação junta aos autos e com relevo para a decisão a proferir não encontramos relativamente a cada um dos edifícios que compõem este prédio urbano, qualquer realidade distinta e independente, que possa afirmar-se juridicamente autónoma e só esta poderia configurar o ora pretendido pelo recorrente.
* O prédio é único, embora se afirme na construção que se ergueu em 3 edifícios, onde foi possível o crescimento de 180 fracções, para venda por andares.
*Neste sentido, partilhamos quer do posicionamento vertido no despacho recorrido, quer na Vista da Digna MP.
* Por todo o exposto e sem necessidade de outros considerandos, o recurso improcede
d) Assiste razão ao Apelante quando alega que as finalidades da descrição dos prédios no registo predial e da inscrição das pessoas coletivas no FCPC são diversas.
Segundo o artigo 1.º do Código do Registo Predial «O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário
Dispõe o artigo 1.º do RRNPC que «O Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC) tem por função organizar e gerir o ficheiro central de pessoas coletivas, bem como apreciar a admissibilidade de firmas e denominações».
Estas finalidades diversas não significam, porém, que o FCPC não deva ter em consideração o que consta do registo predial para o efeito de verificar os requisitos necessários à inscrição no seu ficheiro, tendo presente o princípio da unidade do sistema jurídico.
Preceitua o artigo 2.º do RRNPC que:
«1 - O ficheiro central de pessoas coletivas (FCPC) é constituído por uma base de dados informatizados onde se organiza informação atualizada sobre as pessoas coletivas necessária aos serviços da Administração Pública para o exercício das suas atribuições.
2 - O FCPC contém ainda, com os mesmos objetivos, informação de interesse geral relativa a entidades públicas ou privadas não dotadas de personalidade jurídica, bem como pessoas coletivas internacionais e pessoas coletivas de direito estrangeiro
Por seu turno, o artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do RRNPC diz-nos que o FCPC integra informação relativa a entidades que, prosseguindo objetivos próprios e atividades diferenciadas das dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica.
Resulta da análise deste preceito que os condomínios podem constar de inscrição no FCPC, não como pessoas coletivas, uma vez que não são entidades dotadas de personalidade jurídica [apenas personalidade judiciária, nos termos do artigo 12.º, alínea e), do CPC], mas enquanto entidades equiparadas a pessoa coletiva, por caberem no âmbito do citado normativo legal.
A cada entidade inscrita no FNCP é atribuído um número de identificação próprio, designado por número de identificação de pessoa coletiva (NIPC) – cf. artigo 13.º, n.º 1, conjugado com o artigo 11.º, n.º 2, do RRNCPC.
Assim, não obstante o facto de a inscrição não ser obrigatória, compete aos interessados promover a referida inscrição, com vista à obtenção de um número de identificação.
Circunscreveu-se o objeto do recurso hierárquico e da impugnação judicial a averiguar, em face dos elementos carreados para o processo, da viabilidade da inscrição no FCPC do Edifício E/F, sito na rua ..., n.ºs 35 a 37.
A sentença recorrida pronunciou-se no sentido da improcedência da impugnação judicial.
Cumpre apreciar.
Como princípio geral do regime da propriedade horizontal, dispõe o artigo 1414.º do Código Civil que «as frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal».
Segundo o disposto no artigo 1415.º do Código Civil, «Só podem ser objeto de propriedade horizontal as frações autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública».
Como é sabido, na propriedade horizontal coexistem num mesmo edifício (ou eventualmente num conjunto de edifícios que obedeça aos requisitos previstos no artigo 1438.º-A do Código Civil), formando um conjunto incindível, os direitos de propriedade exclusiva dos condóminos sobre as respetivas frações autónomas e os direitos dos mesmos condóminos sobre as partes comuns, por princípio moldados segundo o regime da compropriedade (cf. artigo 1420.º do Código Civil).
Nas palavras de M. Henrique Mesquita («A propriedade horizontal no Código Civil Português», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII – n.ºs 1-2-3-4, pp. 79 e ss. e p. 84), «o que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária – o que, necessariamente, há-de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas».
Essa interdependência – que carece de ser entendida à luz da função acessória e instrumental que as partes comuns desempenham por relação às frações autónomas – repercute-se, naturalmente, no regime jurídico aplicável, quer a umas, quer a outras.
No condomínio temos uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária (o edifício), que pertence a vários contitulares, tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial — daí a expressão condomínio — sobre frações determinadas, as partes próprias, e uma comparticipação no direito de propriedade que incide sobre as restantes partes do edifício, as partes ditas comuns.
Esta é, se assim a podemos chamar, a noção objetiva de condomínio e aquela que vem expressamente consagrada no artigo 1420, n.º 1, do Código Civil: «Cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício».
Como vem sintetizado no artigo 1422.º, n.º 1, do Código Civil «os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às frações que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis».
Para Lino Salis, Il condominio negli edifici, in Trattato di Diritto Civile Italiano, sob a direcção de Filippo Vassali, vol. V, tomo III, Torino, 1950, p. 158 (apud Sandra Passinhas, «Os animais e o regime português da propriedade horizontal», ROA, Ano 66, Vol. II, Set. 2006, in www.portal.oa.pt), o condomínio é um direito e não é correto chamar condomínio ao conjunto dos condóminos, ligados entre si pela existência de interesses comuns. No nosso ordenamento jurídico, a doutrina, a jurisprudência e a lei utilizam habitualmente a expressão «condomínio» num sentido subjetivo, para designar o conjunto dos condóminos.
Prevê o artigo 1417.º, n.º 1, do Código Civil que «a propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou judicial, proferida em ação de divisão comum ou em processo de inventário».
Por sua vez, o artigo 1418.º, n.º 1, do Código Civil determina que, «no título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo a cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio».
O título constitutivo da propriedade horizontal, quer se trate de um negócio jurídico unilateral ou não, de um testamento, de uma decisão judicial ou de uma situação possessória, deve conter a especificação das partes do edifício correspondentes às frações autónomas, subordinadas a letras seguindo a ordem alfabética, por forma a ficarem bem individualizadas, e descrever a composição e o valor relativo de cada uma, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio (cf. artigos 82.º, n.º 2, 83.º, n.º 1, e 95.º, n.º 1, alínea r), do Código do Registo Predial).
Se necessário, podem combinar-se grupos de duas ou mais letras, observando-se sempre a ordem alfabética, o que permite abarcar um conjunto mesmo com centenas de unidades.
Na descrição dos fogos deve ter-se presente que, no caso de constituição da propriedade horizontal, o Código do Registo Predial prevê, a par da descrição genérica do prédio, uma descrição distinta para cada fração autónoma, da qual terão de constar as menções indispensáveis para a identificar (artigo 81.º, n.º 1), designadamente a composição (v.g. número de divisões assoalhadas e de instalações sanitárias, cozinha, etc.) e situação, quer com referência ao piso ou andar, quer dentro deste.
O título constitutivo da propriedade horizontal, a par da sua eficácia enquanto ato gerador da autonomização jurídica das frações do edifício, pode desempenhar também uma outra função de grande relevância prática, sempre que nele se estabeleçam os poderes dos condóminos sobre as frações autónomas e se definam, ampliando ou restringindo o regime legal, afetações das partes presuntivamente comuns do edifício (cf. artigo 1420.º do Código Civil).
Se tal ocorrer, o título constitutivo assumirá a função de ato modelador do estatuto da propriedade horizontal e as regras que nele se estabeleçam, quer completem o regime legal, quer dele se afastem na medida em que a lei o permita, adquirem força normativa, vinculando, desde que registado, os futuros adquirentes das frações, independentemente do seu assentimento.
Os factos jurídicos que determinem a constituição da propriedade horizontal estão sujeitos a registo (artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Código do Registo Predial), o qual deverá ser feito com base no próprio título de que resultou a pluralidade de condóminos – a partilha, o testamento, a decisão que transformou em propriedade horizontal uma situação de compropriedade ou que declarou consumada a usucapião – ou na declaração unilateral do proprietário ou comproprietários.
O artigo 1438.º-A do Código Civil estipula que «o regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que o compõem».
Segundo Luís A. Carvalho Fernandes, a localização sistemática do preceito é desastrosa, dado que o seu conteúdo nada tem que ver com a «administração das partes comuns do edifício» (secção onde se inseriu o preceito), pelo que deveria antes constar do artigo 1414.º do Código Civil, que justamente indica a coisa sobre que pode incidir a propriedade horizontal (Lições de Direitos Reais, 4.ª edição, p. 355, n. 1).
Como escreveu Rui Vieira Miller (in «A Propriedade Horizontal no Código Civil», Coimbra: Almedina, 1998, p. 326, «Este preceito, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 267/94 veio dar realidade jurídica a uma fenómeno que se foi vulgarizando, sobretudo a partir do abandono de antigas quintas e como forma de reconversão destas, de construção em recinto fechado de várias unidades habitacionais autónomas, unifamiliares ou com mais de um piso, servidas por um complexo de instalações ou espaços de lazer ou com actividades de natureza lúdica, destinados ao gozo exclusivo dos respectivos proprietários, com sua fruição em comum.
O facto de poderem fazer parte desse conjunto unicamente moradias unifamiliares, de propriedade exclusiva (singular ou comum), não exclui nem prejudica a aplicação do regime da propriedade horizontal.
É que tal conjunto constitui uma unidade jurídica formada por fracções autónomas resultantes da aglutinação da propriedade exclusiva de cada uma dessas moradias com a quota-parte do respectivo proprietário na compropriedade dos bens (terreno e instalações nele estabelecidas) destinados à sua fruição em comum como indispensável ao gozo daquela
Nas palavras de Abílio Neto (in Manual da propriedade horizontal, 3.ª ed., Lisboa: Ediforum Edições Jurídicas, 2006, p. 17), «Para que um edifício ou conjunto de edifícios nas condições previstas no art. 1438º-A, possa ser submetido ao regime de propriedade horizontal é indispensável que as diversas fracções que o compõem sejam susceptíveis de constituir unidades ou fogos autónomos e independentes, distintos e isolados uns dos outros, tendo cada um deles saída própria para a via pública, ou seja, cada fogo terá de constituir uma unidade adequada a um determinado uso ou destino, constituindo assim uma unidade de utilização funcional».
Da análise da certidão do registo predial retira-se que o prédio em causa é composto por 3 edifícios, designados pelas letras A/B, C/D e E/F, sendo que a constituição da propriedade horizontal desse prédio é objeto de uma única inscrição (e corresponde ao título constitutivo da propriedade horizontal – ponto 2. da matéria de facto).
O Apelante entende que, para efeito da inscrição do condomínio no FCPC, a autonomização do edifício E/F, sito na rua ..., 35 a 37, em Lisboa, é suficiente, pois o condomínio constitui-se por edifício e não por prédio, sendo que, no caso concreto, o edifício até é jurídica e materialmente distinto dos demais construídos no prédio original, representando, como tal, uma realidade própria e independente.
Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25.10, que introduziu o artigo 1438.º-A do Código Civil, era pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, a impossibilidade de aplicação analógica do regime da propriedade horizontal ao caso dos conjuntos imobiliários, e o seu consequente registo.
Ampliou-se, assim, o objeto da propriedade horizontal, nele se incluindo as frações imobiliárias que, embora não sejam fração autónomas, são partes componentes do conjunto suscetíveis de constituem unidades distintas e independentes, devidamente delimitadas.
Sobre a questão de saber se o conjunto imobiliário tem que ser objeto de um único regime de propriedade horizontal, prefiguram-se, essencialmente, pelo seu interesse e pertinência no caso, dois pareceres técnicos proferidos pelo Conselho Técnico (agora Conselho Consultivo) do IRN, nos processos C.P. 41/08.DSJ-CT e C.P. 1/2011 SJC-CT.
No parecer do IRN p. C.P. 41/08.DSJ-CT, parcialmente citado no parecer técnico do IRN proferido no âmbito do presente caso, a 25.7.2019, sustentou-se que a lei permite quer a constituição de um único regime de propriedade horizontal quer a constituição de uma pluralidade de regimes, mas em termos restritos, relacionados com as regras do fracionamento fundiário.
Aí se escreveu que, «tal como o grupo de edifícios já o era, poderá agora o conjunto imobiliário ser submetido a um único regime de propriedade horizontal. A diferença fundamental relativamente ao grupo de edifícios reside no seguinte: no grupo de edifícios são objeto de propriedade horizontal apenas frações autónomas; no conjunto imobiliário são objeto de propriedade horizontal unidades e frações. Unidades são partes componentes do conjunto imobiliário distintas e independentes, devidamente delimitadas, que por força do regime de propriedade horizontal passam a constituir qua tale objeto de direitos. Frações são as frações autónomas de cada um dos edifícios que integram o conjunto imobiliário.
A unidade do regime de propriedade horizontal implica que as unidades e frações – realidades que poderemos unificar no conceito de frações imobiliárias – sejam designadas por uma única série de letras. No título constitutivo serão devidamente individualizadas as frações imobiliárias – unidades e frações –, e será fixado o valor relativo de cada uma delas, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do conjunto imobiliário (art. 1418º, C.C.).
Do ponto de vista registral, não vemos dificuldades inultrapassáveis no tratamento da situação. O conjunto imobiliário será objeto de uma única descrição (descrição genérica), e será feita uma descrição distinta para cada fração imobiliária (descrição subordinada – art. 81º, nº1, C.R.P.). O facto que determina a constituição da propriedade horizontal do conjunto imobiliário (art. 2º, nº1, b), C.R.P.) será objeto de uma única inscrição, donde constará o valor relativo de cada fração imobiliária, expresso em percentagem ou permilagem do conjunto, a existência de regulamento, caso este conste do título constitutivo, bem como os direitos e obrigações dos condóminos, na parte regulada pelo título (art. 95º, nº 1, p), C.R.P).
Cremos, no entanto, ser possível encarar o conjunto imobiliário como um conjunto de imóveis – de prédios – que, embora, por definição, sejam perfeitamente distintos e autónomos – e, portanto, cada um deles com o seu regime jurídico próprio -, estejam do ponto de vista funcional ligados entre si pela existência de partes comuns.
Nesta hipótese, o fracionamento do conjunto em unidades distintas e independentes –  os prédios – não é um resultado, a consequência ou o efeito da instituição do regime da propriedade horizontal. O fracionamento é o resultado de um ato ou negócio jurídico.
(…) A criação dos lotes, enquanto prédios autónomos, é o resultado do licenciamento da operação de loteamento. Como prédios, os lotes são descritos autonomamente na dependência do registo da autorização de loteamento (art. 80º, nº 3, do C.R.P.). Mas como haverá que regular as relações entre os proprietários dos lotes (ou dos edifícios neles implantados) quanto às quotas de compropriedade e à administração – manutenção e conservação – das partes comuns, então a lei manda aplicar, com as necessárias adaptações, o regime da propriedade horizontal. Sendo certo que a constituição desta propriedade horizontal está sujeita a registo.
Mas se em algum ou alguns dos lotes for implantado edifício (ou grupo de edifícios) destinado a ser fracionado, então haverá que instituir um novo regime de propriedade horizontal que tenha por objeto as respetivas frações autónomas.
Teremos, assim, uma pluralidade de regimes de propriedade horizontal, cada um com o seu âmbito de aplicação: um, destinado a regular as relações entre os proprietários dos lotes resultantes da operação de loteamento, quanto às partes comuns; e os outros que têm por objeto, cada um deles, as frações autónomas do edifício (ou do grupo de edifícios) implantado no respetivo lote.
(…) Parece-nos evidente que, neste caso, a propriedade horizontal de cada «lote» é completamente distinta das demais. Os respetivos condóminos são soberanos. Ao contrário do que acontece quando o conjunto imobiliário é tratado unitariamente através de um único regime de propriedade».
No caso dos autos objeto do referido parecer, «com vista à obtenção de tal desiderato, o instituto da propriedade horizontal foi utilizado para produzir um duplo fracionamento: o fracionamento do grupo-conjunto em sete «unidades» (os edifícios); e o fracionamento subsequente de cada uma destas «unidades» em novas unidades (as frações de cada edifício).
Para obterem o primeiro fracionamento, submeteram o «conjunto» ao regime da propriedade horizontal, com a criação de sete «frações autónomas», com as respetivas partes comuns.
Para obterem o segundo fracionamento, constituíram, em separado, o regime da propriedade horizontal sobre cada uma das unidades resultantes do primeiro fracionamento.
(…) Constituídos, em separado, os regimes de propriedade horizontal sobre os edifícios que resultaram do fracionamento do conjunto, parece-nos – e esta será certamente a vontade dos interessados – que o âmbito do regime da propriedade horizontal do conjunto ficará restringido à regulação das relações dos proprietários dos edifícios (ou melhor, das frações autónomas dos edifícios) quanto às partes comuns. Ou seja, os edifícios deixarão de constituir objeto da propriedade horizontal do conjunto
Sobre esta problemática, foi proferido mais tarde o parecer do Conselho Técnico do IRN, no âmbito do processo C.P. 1/2011 SJCT, no qual se defendeu que a constituição da propriedade horizontal do denominado «condomínio complexo» nos termos descritos, ou seja, com a criação de um estatuto privativo para cada edifício fracionado e a descrição autónoma de cada edifício fracionado e respetiva porção de território, não implica divisão fundiária.
Aí se explanou que:
«Cabem, por isso, no âmbito da propriedade horizontal, as situações materiais representadas por um conjunto de unidades imobiliárias (edifícios autónomos) com independência estrutural mas funcionalmente ligadas entre si pela existência de partes comuns (o designado supercondomínio), em que o regime da propriedade horizontal não se afastará muito do seu recorte usual, embora aqui não haja um único edifício ou bloco de edifícios (estruturalmente ligados entre si), mas várias construções autónomas, e não tenha de existir senão ligação (não dependência) funcional entre elas.
(…) E cabem, outrossim, os conjuntos de edifícios divididos através de planos horizontais ou verticais e materialmente separados entre si, ou ainda os conjuntos formados por edifícios fracionados e unidades imobiliárias (por exemplo, moradias) também desligados do ponto de vista estrutural, porém, funcionalmente unidos pela existência de partes comuns a todos eles (condomínio complexo), os quais, pela complexidade de elementos que apresentam não prescindem já de uma adaptação de regime mais expressiva e abrangente.
1.5.1. Perante uma unidade predial que integre unidades imobiliárias e/ou edifícios estruturalmente independentes e fracionados por andares ou através de planos verticais, capazes de constituir unidades ou frações autónomas com as características previstas no artigo 1415.º do CC, ou diante de um projeto urbanístico com este desenho, pode o proprietário optar então pela constituição da propriedade horizontal, daí resultando, para cada condómino, um direito que tem por objeto, a título incindível, uma coisa autónoma formada ou pela unidade imobiliária e as partes comuns do conjunto, ou pela fração autónoma de edifício, as partes comuns que o integram e as partes comuns do conjunto;
1.5.2. Sendo que particularidade e requisito fundamental deste quadro jurídico é, como já vimos, a ligação funcional entre os elementos que compõem a realidade urbana implicada através de partes comuns do todo, mas é também a autonomia estrutural de cada edifício implantado, ou a implantar, no terreno.
1.5.3. Donde, para além da alteração de estatuto do conjunto imobiliário, que deixa de ser tratado como objeto unitário de direitos, dando lugar a uma multiplicidade de coisas (frações autónomas), e do regime específico regulador daquelas partes comuns que pertencem a todos os condóminos e que, à luz do disposto no artigo 1438.º-A do CC, consentem a constituição do direito, efeito do ato constitutivo desta propriedade horizontal há de ser também a criação de um estatuto privativo para cada edifício fracionado, que se particulariza no direito de que cada condómino deste edifício é titular e se analisa num conjunto de determinações que só a este grupo de titulares diz respeito
(…) 2.2. Considerando que na definição do regime do conjunto imobiliário pesa o valor relativo e a posição do edifício em relação ao todo; que na caracterização do conjunto o que distingue cada uma das partes é a sua autonomia estrutural e a qualificação do solo como pertença do proprietário da unidade imobiliária ou dos condóminos do edifício que nele se acha implantado; e que a cada edifício fracionado pertence uma parcela de regime ou estatuto da propriedade horizontal que só aos condóminos desse edifício sujeita e restringe;
2.3. Também no plano registal, importará reconhecer a cada edifício fraccionado este duplo modo de ser, que é ser parte do conjunto a que também pertencem as partes comuns que sustentam a afectação comum necessária à constituição da propriedade horizontal, e, ao mesmo tempo, coisa estruturalmente autónoma, porém, dividida em segmentos suscetíveis de propriedade exclusiva e, como tal, passível de um certo regime, que antes da constituição da propriedade horizontal não tinha e que, integrado num estatuto mais vasto (o da propriedade horizontal sobre o conjunto imobiliário), neste se pode divisar como regulamento restrito
Este último parecer teve uma declaração de voto de vencido, bem reveladora da dicotomia de entendimento.
Assim, João Magalhães Gomes Bastos escreveu na sua declaração de voto o seguinte:
«1. No Pº C.P. 41/98 DSJ-CT foi emitido parecer (ainda não publicado, mas referido em vários textos publicados), de que aliás fui relator, votado favoravelmente pela maioria dos vogais do Conselho, no qual foi abordado o âmbito de aplicação do art. 1438º-A do Código civil, introduzido pelo D.L. nº 267/94, de 25 de Outubro.
No que ao caso interessa, naquele parecer foi firmado o entendimento de que «Em face da alteração legislativa, o conjunto imobiliário qua tale deve ser submetido a um único regime de propriedade horizontal» (conclusão 3ª) e «O instituto da propriedade horizontal não pode ser utilizado para produzir um duplo fracionamento do conjunto imobiliário – o fracionamento do conjunto em unidades (edifícios), e o subsequente fracionamento de cada um destes edifícios em fracções autónomas -, através da instituição de uma pluralidade de regimes: a propriedade horizontal do conjunto (que produziria o primeiro fracionamento), e a propriedade horizontal, em separado, de cada um dos edifícios (que produziria o segundo fracionamento» – conclusão 5ª).
O ponto que se pretendeu evidenciar no parecer é que o instituto da propriedade horizontal não pode ser utilizado «para realizar uma autêntica operação de loteamento, mediante a divisão fundiária do conjunto em lotes destinados a construção urbana» (cfr. pág. 20).
2. O âmbito de aplicação do citado art. 1438º-A do Código Civil foi entretanto objeto de aprofundada análise em parecer de João Amado, homologado por despacho do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, de 14-3-2000), publicado na Revista de Administração Local nº 176, Março-Abril 2000, págs. 233/254 – onde aliás, se bem ajuizamos, vem referido (ponto 37, pág. 239) o parecer deste Conselho anteriormente citado, emitido no Pº 41/98 DSJ-CT -, cujas conclusões e fundamentos damos aqui por integralmente reproduzidos.
3. Continuo a rever-me no entendimento maioritariamente assumido no citado parecer emitido no Pº C.P. 41/98 DSJ-CT. Mas confesso o meu profundo respeito pela posição de André Folque, in Curso de Direito da Urbanização e da Edificação, 2007, págs. 53/58, que entende que «o disposto no art. 1438º-A do Código Civil não isenta o promotor da operação de loteamento, observados que sejam os pressupostos desta» (pág. 55), do que resulta que, de acordo aliás com a sua inserção sistemática, «Aquilo que o preceito visa regular é a administração das partes comuns que sejam de utilização privada» (pág. 57). E lamento que sobre tão delicada matéria, decorridos 17 anos, tão escassos subsídios doutrinários e nenhuns aconchegos jurisprudenciais, tanto quanto julgo saber, tenham sido elaborados.
4. Na minha interpretação, o douto parecer que agora fez vencimento, embora sem o dizer expressamente, “revoga” o entendimento firmado no citado Pº C.P. 41/98 DSJ-CT, porquanto defende o ponto de vista, contrário a este parecer, de que a constituição da propriedade horizontal do denominado “condomínio complexo” nos termos descritos – i.é, com a criação de um estatuto privativo para cada edifício fraccionado e a descrição autónoma de cada edifício fraccionado e respectiva porção de território – não implica divisão fundiária.
5. Como decorre linearmente do entendimento firmado no Pº C.P. 41/98 DSJ-CT, a que continuo a sentir-me vinculado, aqui não se coloca sequer o problema da «triplicidade descritiva». O registo de constituição da propriedade horizontal de conjunto imobiliário demanda tão somente uma «duplicidade descritiva»: a descrição genérica do conjunto imobiliário e a descrição subordinada das fracções autónomas (de edifícios) e das fracções imobiliárias, enquanto «partes componentes do conjunto imobiliário susceptíveis de constituírem unidades distintas e independentes, devidamente delimitadas» (conclusão 1ª do parecer de que fui relator).
6. Votei favoravelmente a deliberação tomada no Pº C.P. 17/2007 DSJ-CT (também ainda não publicada) no pressuposto de que a situação da vida real subjacente dizia respeito a uma «triplicidade descritiva» decorrente de divisão fundiária consolidada nas tábuas, que importava “transferir” para o sistema informático (cfr. art. 17º, nº 1, do C.R.P.), e também no pressuposto de que o entendimento do Conselho Técnico, ainda que homologado pelo presidente do IRN, I.P., não vincula os qualificadores de pedidos de registo fora do processo em que tal entendimento foi emitido (embora reconheça que o princípio da neutralidade informática, levado às últimas consequências, implica a necessidade de adaptação dos modelos informáticos a todos os modos de dizer o direito substantivo, de acordo com a perspectiva do concreto intérprete aplicador - no nosso sector, conservador ou oficial de registo -, o que, convenhamos, pode não ser sustentável, maxime na vertente financeira).
Muito sinceramente, não me passou pela mente que a deliberação anteriormente referida já então viesse a ser interpretada como “revogação” do entendimento firmado no Pº C.P. 41/98 DSJ-CT (cfr. Fernanda Paula at ali, in Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, 2ª ed., 2009, pág. 60).
7. Sem prejuízo do anteriormente exposto, e colocando-me agora no fio teleológico do douto parecer – que nega à constituição da propriedade horizontal de “condomínio complexo” o efeito da constituição de lotes edificados -, não descortino nem a viabilidade nem a necessidade da «triplicidade descritiva» exigida pelo parecer e pelos autores nele citados na nota 1 (com exclusão de Carvalho Fernandes, que no trabalho aí citado não foca sequer, com muita pena minha, a problemática dos conjuntos imobiliários).
Do ponto de vista da viabilidade da «triplicidade descritiva», na minha modesta opinião o nosso Código do Registo Predial admite a descrição autónoma das «realidades» elencadas no ponto 2.1.1. do douto parecer, mas não admite a descrição autónoma da «realidade» resultante da criação de um estatuto privativo para cada edifício fraccionado, seja qual for o entendimento desta «realidade» - a que desempenha a função ou assume o papel de fracção autónoma (Fernanda Paula, ob. cit. na nota 1, pág. 64), «parte do conjunto», que não pode ser objecto de direitos reais de per si ( Mónica Jardim, ob. cit. na nota 1, pág. 128, nota 30), ou «coisa diversa das demais que compõem o todo imobiliário» (cfr. parecer, pág. 8) -, parece-me líquido, e o parecer nisso consente, que ela não pode ser objecto autónomo de direitos (cfr., a propósito, parecer emitido no Pº R.P. 82/2004 SJC-CT, confirmado, em sede de recurso contencioso, em 1ª e 2ª instâncias). Ora, no sistema do nosso Código do Registo Predial não cabem, nem na letra das suas normas nem no seu espírito, descrições prediais autónomas de coisas sobre as quais não podem incidir direitos reais de per si. Sendo certo que muitas ocasiões houve (no D.L. nº 116/2008, de 4 de Julho, e ulteriormente) para introduzir no Código a doutrina que vem sustentando a «triplicidade descritiva».
Do ponto de vista da necessidade da «triplicidade descritiva», também, salvo o devido respeito, não cremos que a definição jurídica do «estatuto» de tal «realidade» demande a sua descrição autónoma. No meu modo de ver, com maior ou menor dificuldade e complexidade, tal «estatuto» pode e deve ser definido a nível inscritivo, no âmbito das partes comuns e dos direitos e deveres dos condóminos na parte regulada pelo título (cfr. parecer emitido no Pº C.P. 41/98 DSJ-CT, pág. 16, nota 22).»
Da análise deste parecer de 2011, por contraponto ao parecer de 2008, ressalta que, em ordem a uma aproximação ao regime substantivo previsto no artigo 1438.º-A do Código Civil, se propugna neste último uma solução que não passa pelo necessário fracionamento fundiário, pressuposto da tese do primeiro parecer.
Considera-se que, além do edifício autónomo ou do grupo de edifícios estruturalmente ligados entre si, podem ser objeto de propriedade horizontal os conjuntos de imóveis urbanos materialmente descontínuos, mas funcionalmente ligados entre si através de elementos comuns, versando sobre uma concreta área do território uma multiplicidade de direitos exclusivos.
Como vemos, o parecer técnico de 2011, que foi citado e seguido no parecer técnico proferido no presente caso em 25.7.2019, é favorável a uma realidade registal que reflita o direito substantivo a que tanto o Recorrente apela.
O acórdão do TRL de 25.1.2018 (p. 18829/13.8T2SNT.L1-6, in www.dgsi.pt) aborda a problemática do artigo 1438.º-A do Código Civil, fazendo um périplo pela jurisprudência mais recente que sobre ela se debruçou.
Aí se escreveu que:
«Decorre deste preceito não exigir a lei que à constituição de um prédio em regime de propriedade horizontal tenha que forçosamente corresponder um único condomínio. Assim, poderão num mesmo prédio co-existirem dois condomínios, desde que haja justificação prática para tal, assim como vários prédios constituídos em propriedade horizontal, podem estar unidos sob um único condomínio.
Neste sentido o ac.STJ de 16 de Outubro de 2008, proferido no processo 08B3011, relatado pelo Cons. Salvador da Costa, a propósito desta problemática onde se conclui que “a unidade do título constitutivo da propriedade horizontal não exclui o funcionamento de mais de um condomínio.”
Aí pode-se ler: “Trata-se de um edifício constituído em propriedade horizontal, que, segundo o respectivo título constitutivo, é composto por um edifício habitacional e centro comercial, composto de cave, sub-nível, rés-do-chão e treze andares, integrando no seu conjunto cento e sessenta e quatro fracções autónomas. Ocorre, ademais, uma administração autónoma das partes comuns relativas a cerca de vinte frações autónomas, ou seja, cerca de um oitavo das que integram todo o edifício que foi objecto de constituição da propriedade horizontal.
Mas trata-se de zona devidamente delimitada do edifício, em que os blocos a nascente e a poente têm entradas próprias, ou seja, de construções sobre um único espaço físico perfeitamente delimitado.
Ademais, é o caso de um bloco com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, pelo que não há fundamento legal para que a globalidade dos condóminos não possa deliberar a constituição de autónomos órgãos de administração.
A conclusão é, por isso, no sentido da legalidade da estrutura de condomínio e de administração das partes comuns em causa, ou seja, de que a unidade do título constitutivo da propriedade horizontal não exclui o funcionamento de mais de um condomínio.
Consequentemente, não ocorre a situação de inexistência jurídica ou a invalidade do condomínio em representação do qual o recorrido realizou as obras nas partes comuns no edifício em causa, naturalmente com efeitos de caso julgado restritos a este processo - artigo 96º do Código de Processo Civil.
No mesmo sentido e para um caso com contorno idênticos ao caso dos autos se pronunciou o Ac. do TRPorto, citado pelo recorrente, datado de 16/10 de 2012, onde se decidiu: “Goza de personalidade judiciária, relativamente a execução para cobrança de dívida pela comparticipação nas despesas comuns, o condomínio de parte de um prédio em propriedade horizontal, referente a espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, fracções autónomas e partes comuns próprias, aprovado pela generalidade dos respectivos condóminos com vista à administração autónoma dessa mesma parte, sem prejuízo da coordenação da administração geral, não dependendo a sua constituição da especificação do título constitutivo da propriedade horizontal.”
Noutro acórdão do mesmo tribunal, de 30/11 de 2015, proc. 3361/09.2TBPVZ.P1 decidiu: “no caso de situações de propriedade horizontal de edifícios integrados por blocos, como ocorre no caso vertente, em que algum ou alguns deles é servido por partes comuns que lhe são exclusivamente inerentes, ou seja, que não sirvam funcionalmente outros blocos, não se vê proibição legal de que todos os condóminos aprovem a administração autónoma relativa a tais blocos, sem prejuízo, como é natural, da coordenação com a administração geral nos pontos em que ela deva existir. Por outro lado, também não se vislumbra, no arquétipo legal subjacente a esta questão, norma no sentido de que a referida solução só possa ser admitida no caso de o título constitutivo da propriedade horizontal especificar os elementos relativos a cada um dos aludidos blocos prediais, designadamente as fracções em que se decompõem e as partes comuns que lhe estão afectas. E, tal exigência não se justifica, porque as questões que se prendem com a regulamentação do uso, fruição e conservação de partes comuns não têm, em tais casos, de constar do título constitutivo da propriedade horizontal (artigo 1429.º-A do Código Civil).”
Recentemente, no processo 17483/13.1T2SNT.L1, proveniente do mesmo tribunal onde foi tratada a questão objecto do presente recurso e estando em causa o mesmo condomínio, decidiu este tribunal da relação pela inexistência de obstáculo à constituição de diversos órgãos de administração, assim concluindo constituir título executivo a acta dada à execução – Ac. datado de 2/3 de 2017, acessível na base de dados da dgsi, como todos os demais citados.»
Aqui chegados, deparamo-nos com uma questão que não foi devidamente ponderada pelo Apelante, não obstante tenha sido explanada no parecer técnico de 2011, documento no qual aquele parece estear a defesa da sua posição.
Na verdade, sem que previamente ocorra uma alteração ao regime da propriedade horizontal do prédio, cujo Condomínio está inscrito no FCPC, e dos edifícios que o compõem, não se poderá proceder à inscrição do Condomínio/Recorrente naquele ficheiro.
Aliás, na decisão da Senhora Conservadora de Registos do RNPC, por informação datada de 19.6.2019 (que obteve despacho de concordância da Senhora Diretora do RNPC na mesma data), que sustenta o despacho recorrido, chega a aventar-se outra hipótese:
«Assim, e tendo em conta a dimensão do prédio e de forma a colmatar eventuais problemas de gestão e administração que se reconhecem poder vir a existir, poder-se-ia equacionar a eventual inscrição no FCPC, igualmente enquanto entidade equiparada a pessoa coletiva, de uma comissão de proprietários para administração de cada uma das unidades funcionais descritas, situação que não corresponde ao pretendido
Questiona-se se ao edifício dividido por andares ou em planos verticais pode corresponder uma descrição registal privativa que constitua o suporte das descrições das frações autónomas que materialmente o integram, das partes comuns de que apenas são titulares os proprietários destas frações e do consequente esquema ou regime, que respeita ao edifício com um estatuto específico.
Ou se, ao invés, por não ser este edifício objeto unitário de direitos, nem lhe corresponder autonomia predial, a sua identificação e distinção face aos demais elementos que compõem o conjunto imobiliário há de fazer-se exclusivamente na descrição do prédio (unidade espacial ou territorial).
O plano gizado no Código do Registo Predial para a descrição registal não teve em conta esta realidade, que de iure constituto não existia ao tempo da conceção das normas que definem e regulam a abertura de descrições.
Responde-se a estas questões no parecer técnico p. C.P. 2/2011 SJC-CT, de 2011 2.1, cuja solução reside na admissão da triplicidade descritiva.
Diz-nos o referido parecer que:
«2.1.1. Compulsadas as regras legais atinentes à descrição registal, temos que o objeto formal da descrição é o prédio, isto é, a unidade espacial ou porção delimitada de território (artigo 79.º do CRP), porém, também se encontra prevista a descrição (subordinada) de coisas com autonomia jurídica mas materialmente dependentes do prédio descrito (frações autónomas), de coisas sem individualidade jurídica mas que podem ser o suporte de um determinado direito (unidades de alojamento), e até de direitos parcelares (frações temporais);
2.1.2. Isto como forma de refletir nas tábuas a individualização jurídica da coisa ou, tão só, de sinalizar o seu estatuto específico, simplificando a publicitação dos factos que só a ela respeitam (e distinguindo-os daqueles que abrangem o todo e que, por isso, também a atingem), sem, todavia, cortar com a dependência existente entre as coisas e/ou direitos envolvidos, que, no registo, se replica através da subordinação descritiva.
2.1.3. Logo, na questão que nos ocupa e perante o fio teleológico ínsito nos artigos 79.º e seguintes do CRP, não deverá, pois, ser o facto de a cada edifício seccionado não corresponder autonomia predial ou jurídica enquanto objeto de direitos a afastar o desdobramento descritivo em tabela; pelo contrário, é saber que na complexidade do condomínio se descortina um reduto passível de ser identificado como centro autónomo de imputação de relações jurídicas, cujo elemento pessoal se esgota no grupo de titulares das frações autónomas e das partes comuns que compõem o dito edifício, que, tal como no plano do direito substantivo, merece ser destacado no registo, a justificar o dito desdobramento.
Conclui-se no referido parecer técnico:
«2.4. Donde, a nosso ver, para além de parte na descrição registal do conjunto imobiliário, o edifício fracionado pode bem ser objeto de uma descrição autónoma que consinta destacar e particularizar no registo aquele regime, que ainda é efeito da constituição da propriedade horizontal sobre o conjunto imobiliário mas que só a este edifício e aos condóminos respetivos diz respeito, e delimitar tabularmente aquela porção de território que embora não tendo autonomia fundiária, é juridicamente tratada, com o edifício nela implantado, como coisa diversa das demais que compõem o todo imobiliário.
2.5. A publicitação da autonomia estrutural de cada uma das partes fica então assegurada se à descrição do conjunto imobiliário se subordinarem as descrições das unidades imobiliárias e as descrições dos edifícios fracionados, e se à descrição de cada um destes edifícios se subordinarem as descrições das frações autónomas correspondentes, ordenando-se as descrições das unidades imobiliárias (frações autónomas) e dos edifícios fracionados através do número da descrição genérica do prédio e de uma letra ou letras privativas, segundo a ordem alfabética, e atribuindo-se às descrições das frações autónomas que constituem unidades independentes de um edifício fracionado (e são objeto de uma situação jurídica real própria) o número do prédio, a letra ou letras do edifício e uma letra ou letras privativas, sempre segundo a ordem alfabética (artigo 83.º do CRP)
E, mais adiante, faz-se a seguinte síntese conclusiva:
«3.1. Em suma, a inscrição do facto jurídico constitutivo da propriedade horizontal nos termos propostos não faz mais que distinguir os efeitos jurídicos produzidos e o seu alcance, reproduzindo na ficha do conjunto imobiliário a evolução objetiva do direito em vigor sobre o prédio, ou seja, a constituição de um novo direito real (propriedade horizontal), e a consequente “modificação” do trato sucessivo instalado nas tábuas, bem como o regime (regulador das relações que entre os seus titulares se estabelecem) que é inerente à alteração do estatuto unitário do prédio, deixando para cada um dos edifícios fracionados a parcela de regime ou estatuto que em exclusivo lhes respeita, e que, já se disse, também é efeito jurídico da constituição da propriedade horizontal sobre o conjunto imobiliário mas que se dirige ao edifício, não ao todo, e aos proprietários das partes que o compõem
Volvendo ao caso concreto, não se descortina a constituição ou a existência de um regime de propriedade horizontal que assente na autonomização de cada um dos blocos/edifícios que compõem o prédio abrangido pela propriedade horizontal, titulada pela escritura notarial de 17.10.2002, e registada sob a ap. 32 de 2002/11/05, do prédio descrito sob o n.º 2075 da freguesia do Lumiar, com a criação de um estatuto privado para cada um daqueles que lhes permita a constituição de uma realidade jurídica própria e independente.
Na ficha do prédio não foram destacados relativamente ao conjunto, os edifícios cuja independência e autonomia o Apelante reclama.
Não foram abertas fichas de cada um dos edifícios (enquanto descrições subordinadas e subordinantes), com referência às frações autónomas que seriam parte do edifício e o seu valor relativo, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do edifício.
Pelo contrário, do registo resulta um regime de propriedade horizontal unitário, que apesar de incidir sobre uma pluralidade de edifícios, assenta muito claramente num todo.
Da argumentação expendida, é mister concluir, como no parecer técnico do IRN proferido a propósito do caso em apreço, que, ainda que a lei permita, ao abrigo do disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil, que, para além do edifício autónomo ou do grupo de edifícios estruturalmente ligados entre si, possam ser objeto de propriedade horizontal os conjuntos de imóveis urbanos materialmente descontínuos, mas funcionalmente ligados entre si através de elementos comuns, derrogando-se o destino jurídico unitário do prédio e permitindo a criação de um estatuto privativo para cada edifício, tal realidade tinha de estar espelhada no plano do registo.
Naturalmente, a pretendida inscrição no FCPC não poderá ser desligada e divergente desta realidade jurídica, do ponto de vista registal.
Não está demonstrada no registo predial a necessária autonomia estrutural dos vários edifícios pertencentes a um conjunto imobiliário, que permita a inscrição autónoma do condomínio respeitante a cada um deles, enquanto entidade equiparada a pessoa coletiva distinta daquela que já se encontra inscrita e identificada, que corresponde ao todo, ao prédio unitariamente constituído em regime de propriedade horizontal.
A prova de tal autonomia estrutural não dependia de qualquer produção de prova nos presentes autos, contrariamente ao que alega o Apelante.
Pelo exposto, as alegações do Apelante não merecem acolhimento.
Do sentido do recurso e da responsabilidade quanto a custas
Perante as considerações de facto e de direito expendidas, o recurso interposto pelo Impugnante deve improceder.
Uma vez que o Recorrente/Impugnante ficou vencido, é responsável pelo pagamento das custas do recurso– cf. artigos 527.º, 529.º e 607.º, n.º 6, do CPC.
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IV - Decisão
Nestes termos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Mais se decide condenar o Apelante no pagamento das custas do recurso.
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Lisboa, 14 de janeiro de 2021

Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua
António Moreira