I – Nos termos do n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.
II – Não preenche os pressupostos referido no número anterior um acórdão do Tribunal da Relação que revoga um despacho proferido na 1.ª instância, que absolveu as Rés da instância, por reconhecer que se verificava a exceção dilatória de nulidade do processo, por erro na forma de processo e mandou, consequentemente, que o processo prosseguisse seus termos.
4.ª Secção
LD\JG\CM
Acordam em conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1 - Inconformadas com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de …, em 24 de junho de 2020, nos autos de impugnação da regularidade e licitude do despedimento que AA moveu contra Jabá Recordati, S.A., e Orphan Europe SARL, vieram as Rés interpor recurso de revista do mesmo para este Supremo Tribunal, fundamentado a admissão do recurso, nos termos seguintes:
«1. Por sentença proferida a 19.02.2020, o Tribunal Judicial da Comarca do …. julgou procedente a exceção dilatória da nulidade do processo, absolvendo as Rés da instância.
2. Por sua vez, o Tribunal da Relação de …, através de Acórdão proferido em 26.06.2020, concedeu provimento ao recurso de apelação interposto pelo Recorrido, revogando a sentença recorrida e ordenando a devolução dos autos ao Tribunal de 1.ª instância, permitindo a convolação da ação com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento em ação de processo comum.
3. Por ter havido uma decisão que pôs termo ao processo e absolveu as Rés da instância, estas requerem a interposição de recurso de revista, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671.º n.º1 do Código Processo Civil ("CPC"), ex vi art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho ("CPT"), devendo o recurso subir nos próprios autos (art. 675.º, n.º 1 do CPC) e ter efeito meramente devolutivo (art. 676.º do CPC)».
2 - A admissão do recurso foi rejeitada por despacho da Exm.ª Desembargadora Relatora de 28 de julho de 2020, com o seguinte teor:
«As apeladas Jabá Recordati, S.A., e Orphan Europe S.A.R.L, vieram interpor recurso de revista do acórdão desta Relação proferido em 26 de Junho de 2020, que julgou procedente o recurso de apelação interposto pelo apelante AA, e, em consequência, revogou a decisão da l.ª instância proferida no dia 19 de Fevereiro de 2020 que declarara a nulidade de todo o processado, com base na exceção de erro na forma do processo
O acórdão de que as ora recorrentes interpõem revista considerou não haver erro na forma do processo, revogou a sentença recorrida e determinou o prosseguimento dos autos.
Cumpre proferir o despacho a que alude o artigo 641.º do Código de Processo Civil.
*
No caso vertente não está em causa que se verifiquem os pressupostos de recorribilidade relacionados com o valor da causa e da sucumbência (artigo 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Foi fixado à ação o valor € 30.000,01 e a sucumbência das recorrentes é na totalidade desse valor.
Contudo, nos termos do preceituado no artigo 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, preceito que as RR. invocam para sustentar a revista, aplicável ex vi do artigo 81.º, n.º 6 do Código de Processo do Trabalho, “cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos".
Assim, para a delimitação da admissibilidade do recurso de revista é essencial considerar o efeito processual que emana do acórdão recorrido, independentemente do efeito que tenderia a produzir a decisão da l.ª instância. Cabem na hipótese de recorribilidade prevista no n.º 1 do artigo 617.º os acórdãos da Relação que redundem na extinção da instância 1[1 Vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, p. 807].
O acórdão proferido nesta Relação revogou a decisão da 1.ª instância que julgou verificada a exceção dilatória do erro na forma do processo e, por sua vez, determinou, ele próprio, o prosseguimento dos autos.
É pois patente que a Relação, ao apreciar o recurso de apelação, não chegou a conhecer do mérito da causa (não se envolveu na resolução material do litígio) 2 [2 Vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, Coimbra, 2016, pp. 306-307.], nem pôs termo ao processo, antes o mandou prosseguir, pelo que do acórdão em causa não é admissível recurso de revista em face do preceito geral do n.º 1 do artigo 671.º.
E, mesmo atendendo ao alargamento do recurso de revista contemplado no n.º 2 do artigo 671.º do CPC aos acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias da l.ª instância sobre questões de natureza adjetiva, há que concluir pela irrecorribilidade do acórdão proferido por este tribunal na medida em que a decisão da l.ª instância de 19 de Fevereiro de 2020 apreciada pela Relação em 26 de Junho de 2020, ao julgar verificado o erro na forma do processo e considerar que no caso não era possível o aproveitamento do requerimento, o que determina a nulidade de todo o processado e constitui exceção dilatória insuprível, não era interlocutória, antes punha fim ao processo 3 [3 Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2019.02.12, Processo n.° 763/15.9T8LSB.L1- B.S2, in www. dgsi.pt.. segundo o qual "O acórdão da Relação que julga verificada uma nulidade processual ocorrida em momento antecedente à declaração da deserção e determina o prosseguimento dos autos não constitui uma decisão final nem versou sobre uma decisão interlocutória, não sendo, como tal, enquadrável na previsão do n.° 1 e do n.° 2 do art. 671. ° do CPC. "].
E, de todo o modo, nunca o caso sub judice se enquadraria em qualquer das duas hipóteses excecionais previstas nas alíneas deste n.º 2 do CPC (nem tão pouco as recorrentes invocam esta norma no requerimento de interposição de recurso).
Em suma, o recurso de revista não pode ser admitido.
*
Uma vez que o recurso configura um '''processo autónomo" para efeitos de custas processuais (vide o artigo 1.°, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais) e é rejeitado por via desta decisão, e tendo em consideração o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, seriam as recorrentes responsáveis pelas custas. Contudo, não há encargos a pagar no recurso e não há também custas de parte do recorrido, uma vez que este não pagou taxa de justiça pela apresentação das contra-alegações e mostra-se representado em juízo pelo Digno Magistrado do Ministério Público (cfr. os artigos 529.º e 533.º do CPC). Assim, e tendo as RR. ora recorrentes pago a taxa de justiça devida pela interposição de recurso, não há lugar a mais custas.
Nesta conformidade, por a decisão ser irrecorrível, não admito o recurso interposto pelas Rés para o Supremo Tribunal de Justiça.
Não há lugar a custas.
(Documento processado e revisto pela subscritora)
Lisboa, 28 de Julho de 2020.»
2 - Inconformadas com este despacho, dele reclamaram as Rés para este Supremo Tribunal, nos termos do artigo 643.º do Código de Processo Civil, o que fizeram nos termos seguintes:
«I. Enquadramento da reclamação
1. O Autor, ora Recorrido, intentou, no Tribunal Judicial da Comarca do …, ação com processo especial contra as Rés, ora Recorrentes, onde pediu, sinteticamente, que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento.
2. Entre outros argumentos de defesa, as Recorrentes invocaram a exceção dilatória de nulidade por erro na forma do processo, na medida em que o Recorrido lançou mãos de uma ação com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, invocando uma relação controvertida de pluralidade de empregadores com as Recorrentes, provocando, ainda, o chamamento de uma terceira entidade para condenação no pagamento de um crédito que alegadamente deteria sobre ela.
3. O Tribunal Judicial da Comarca do Funchal decidiu - e bem - absolver as Recorrentes da instância, por reconhecer que se verificava a exceção dilatória de nulidade do processo, por erro na forma, não sendo possível o aproveitamento dos atos, na medida em que não seria possível aproveitar o formulário inicial previsto no art. 98.º-D do CPT (e o mesmo se dirá do articulado de motivação de despedimento previsto no art. 98.º-J e demais articulados apresentados no processo), declarando, por conseguinte, a nulidade de todo o processado, tendo posto termo ao processo.
4. Inconformado, o Recorrido interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo o Tribunal da Relação de ….. considerado não haver erro na forma do processo, revogado a decisão recorrida e ordenado o prosseguimento dos autos.
5. Irresignadas, as Recorrentes interpuseram recurso de revista, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671.º, n.º 1 do CPC, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho proferido a 28.07.2020, considerado a decisão irrecorrível, tendo rejeitado o recurso interposto pelas Recorrentes.
6. Ora, as Recorrentes não podem concordar, nem se conformar, com este entendimento, o qual, salvo melhor opinião, é contrário ao que resulta da Lei e da interpretação da mesma, razão pela qual reclamam de tal decisão para o STJ, nos termos do artigo 643.º n.ºs 1, ex vi artigo 641.º, n.º 6, ambos do CPC.
II. Fundamentos da reclamação
7. No despacho de que ora se reclama, o Tribunal da Relação de ….. começou por considerar que se verificavam os pressupostos da recorribilidade relacionados com o valor da causa e da sucumbência, mas terminou rejeitando a admissibilidade do recurso.
8. Para tanto, considerou aquele tribunal que, para a delimitação da admissibilidade do recurso, seria essencial considerar o efeito que emanaria do acórdão recorrido, independentemente do efeito que tenderia a produzir a decisão da l.ª instância.
9. Ora, resulta do artigo 671.º, n.º 1 do CPC que: "Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos".
10. No entender do tribunal recorrido, o requisito de que a decisão tenha que ter posto termo ao processo para que caiba recurso de revista para o STJ tem que se verificar em relação ao próprio acórdão recorrido.
11. Sucede que não resulta claro que a referência "que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo" se refira ao acórdão recorrido ou à decisão da 1.ª instância.
12. Com efeito, se se considerasse que tal referência apenas se relacionava com o acórdão da Relação, tal referência seria tautológica, na medida em que os acórdãos da Relação recaem obrigatoriamente sobre decisões da 1.ª instância.
13. Mais, a merecer acolhimento este entendimento, representaria uma limitação do acesso ao STJ aos processos cujos requisitos de recorribilidade relacionados com o valor da causa e da sucumbência estivessem preenchidos, em que o objeto do recurso recaia sobre a relação processual.
14. De acordo com este entendimento, as decisões da natureza do acórdão recorrido integrariam o restrito universo das decisões em que não é, de todo, possível lançar mão do recurso de revista, sem que haja qualquer fundamento sério para sustentar essa limitação.
15. Nesta visão, o recurso seria apenas possível para os casos em que (i) se conhecesse do mérito ou se pusesse termo ao processo em ambas as instâncias, apesar da dupla conforme (cf. artigo 671.º n° 1 e n.º 3 do CPC), (ii) para os casos em que apenas se tivesse posto termo ao processo na segunda instância, revogando-se a decisão da primeira instância e, ainda, (iii) para os casos em que o acórdão recorrido apreciasse uma decisão meramente interlocutória da primeira instância que recaísse unicamente sobre a relação processual (cf. artigo 671.º, n.º 2, alínea a), do CPC).
16. Mas tal já não seria possível para os casos em que a decisão de conhecer de mérito ou de pôr termo ao processo tivesse sido proferida na primeira instância.
17. O que não resulta quer da letra, quer da própria ratio da lei.
18. Com efeito, a admissibilidade do recurso de revista para a terceira instância, ao abrigo do artigo 671.º n.º 1 do CPC, reside precisamente no facto de uma das decisões proferidas por qualquer das duas instâncias inferiores - o tribunal de l.ª instância ou a Relação - ter posto termo ao processo.
19. Só dessa forma se garante, de pleno, o cumprimento rigoroso do princípio do duplo grau de jurisdição, pois só assim será possível reapreciar a decisão do tribunal da Relação que, contrariando a decisão da l.ª instância, que pôs termo ao processo, tenha ordenado o prosseguimento dos autos.
20. É que, se assim não for, o tribunal da Relação decide em última instância a questão controvertida - in casu, a exceção dilatória de nulidade do processo, por erro na forma - sem qualquer escrutínio.
21. Com efeito, o que releva é que foi a decisão da l.ª instância que pôs efetivamente termo ao processo, não se verificando uma situação de dupla conforme.
22. Como tal, e contrariamente ao entendimento perfilhado no despacho de que se reclama, é essencial considerar o efeito processual que tenderia a produzir a decisão recorrida em 1.ª instância, integrando a hipótese de recorribilidade prevista no n.º 1 do artigo 671.º do CPC os acórdãos da Relação proferidos sobre decisão da 1.ª instância que tenha posto termo ao processo.
III. Conclusões
A. Emerge a presente reclamação do despacho de fls. que não admitiu o recurso de revista interposto pelas Recorrentes a fls..
B. O Autor, ora Recorrido, intentou, no Tribunal Judicial da Comarca do ……, ação com processo especial contra as Rés, ora Recorrentes, onde pediu, sinteticamente, que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento.
C. Entre outros argumentos de defesa, as Recorrentes invocaram a exceção dilatória de nulidade por erro na forma do processo, na medida em que o Recorrido lançou mãos de uma ação com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, invocando uma relação controvertida de pluralidade de empregadores com as Recorrentes, provocando, ainda, o chamamento de uma terceira entidade para condenação no pagamento de um crédito que alegadamente deteria sobre ela.
D. O Tribunal Judicial da Comarca do …. decidiu - e bem - absolver as Recorrentes da instância, por reconhecer que se verificava a exceção dilatória de nulidade do processo, por erro na forma, não sendo possível o aproveitamento dos atos, na medida em que não seria possível aproveitar o formulário inicial previsto no art. 98.º-D do CPT declarando, por conseguinte, a nulidade de todo o processado, tendo posto termo ao processo.
E. Inconformado, o Recorrido interpôs recurso de apelação da referida sentença, tendo o Tribunal da Relação de …… considerado não haver erro na forma do processo, revogado a decisão recorrida e ordenado o prosseguimento dos autos.
F. Irresignadas, as Recorrentes interpuseram recurso de revista, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671.º, n.º 1 do CPC, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho proferido a 28.07.2020, considerado a decisão irrecorrível, tendo rejeitado o recurso interposto pelas Recorrentes.
G. Ora, as Recorrentes não podem concordar, nem se conformar, com este entendimento, o qual, salvo melhor opinião, é contrário ao que resulta da Lei e da interpretação da mesma, razão pela qual reclamam de tal decisão para o STJ, nos termos do artigo 643.º n.º 1, ex vi artigo 641.º, n.º 6, ambos do CPC.
H. No despacho de que ora se reclama, considerou o Tribunal da Relação de ….. que, para a delimitação da admissibilidade do recurso, seria essencial considerar o efeito que emanaria do acórdão recorrido, independentemente do efeito que tenderia a produzir a decisão da 1.ª instância.
No entender do tribunal recorrido, o requisito de que a decisão tenha que ter posto termo ao processo para que caiba recurso de revista para o STJ tem que se verificar em relação ao próprio acórdão recorrido.
Sucede que não resulta claro que a referência "que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo" se refira ao acórdão recorrido ou à decisão da 1.ª instância.
Com efeito, se se considerasse que tai referência apenas se relacionava com o acórdão da Relação, tal referência seria tautológica, na medida em que os acórdãos da Relação recaem obrigatoriamente sobre decisões da 1.ª instância.
Mais, a merecer acolhimento este entendimento, representaria uma limitação do acesso ao STJ aos processos em que, apesar de preenchidos os requisitos de recorribilidade relacionados com o valor da causa e da sucumbência, o objeto do recurso recaia sobre a relação processual.
Destarte, as decisões da natureza do acórdão recorrido integrariam o restrito universo das decisões em que não é, de todo, possível lançar mão do recurso de revista, sem que haja qualquer fundamento sério para sustentar essa limitação.
Nesta visão, o recurso seria apenas possível para os casos em que (i) se conhecesse do mérito ou se pusesse termo ao processo em ambas as instâncias, apesar da dupla conforme (cf. Artigo 671.º, n.º l e n.º 3 do CPC), (ii) para os casos em que apenas se tivesse posto termo ao processo na segunda instância, revogando-se a decisão da primeira instância e, ainda, (iii) para os casos em que o acórdão recorrido apreciasse uma decisão meramente interlocutória da primeira instância que recaísse unicamente sobre a relação processual (cf. artigo 671, n.º 2, alínea a), do CPC).
Porém, tal já não seria possível para os casos em que a decisão de conhecer de mérito ou de pôr termo ao processo tivesse sido proferida na primeira instância.
O que não resulta quer da letra, quer da própria ratio da lei.
Com efeito, a admissibilidade do recurso de revista para a terceira instância, ao abrigo do artigo 671.º n.º 1 do CPC, reside precisamente no facto de uma das decisões proferidas por qualquer das duas instâncias inferiores - o tribunal de l.ª instância ou a Relação - ter posto termo ao processo.
R. É que, se assim não for, o tribunal da Relação decide em última instância a questão controvertida - in casu, a exceção dilatória de nulidade do processo, por erro na forma - sem qualquer escrutínio e sem o cumprimento rigoroso do princípio do duplo grau de jurisdição.
S. Como tal, e contrariamente ao entendimento perfilhado no despacho de que se reclama, é essencial considerar o efeito processual que tenderia a produzir a decisão recorrida em instância - in casu, absolveu as Rés da instância - integrando a hipótese de recorribilidade prevista no n.º 1 do artigo 671.º do CPC os acórdãos da Relação proferidos sobre decisão da is instância que tenha posto termo ao processo, não se verificando uma situação de dupla conforme.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deverá a presente reclamação ser deferida, com as legais consequências, designadamente as previstas no art. 643.º, n.º 6 d0 CPC.»
3 - Por despacho do relator, datado de 21 de setembro de 2020, foi rejeitada a reclamação e confirmado o despacho impugnado.
Irresignadas com esse despacho, vêm as Rés reclamar do mesmo para a conferência, «nos termos do art. 652.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 643.º n.º 4 do CPC e artigo 1.º, n.º 2 do Código de Processo de Trabalho (“CPT”), vêm impugnar a mesma, requerendo que sobre a matéria da decisão recaia um acórdão», o que fazem nos termos seguintes:
«I. Do fundamento da impugnação
1. As Recorrentes recorreram do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu provimento ao recurso de apelação interposto pelo Recorrido.
2. Este recurso não foi admitido, razão pela qual as Recorrentes reclamaram do despacho de não admissão.
3. Sobre essa reclamação foi proferida decisão a manter a decisão de não admissão do recurso.
4. Esta decisão é suscetível de impugnação nos termos do art. 652.º, n.º 3 do CPC (art. 643.º n.º 4 do CPC).
5. O entendimento perfilhado nas decisões que não admitiram o recurso é, fundamentalmente, o seguinte: as situações em que o Tribunal da Relação decide questões de natureza processual que não tenham sido objeto de decisão da 1ª instância, só admitem recurso de revista nos casos discriminados nos nºs 2 e 4 do artigo 671.º do CPC, ou seja, só são objeto de recurso de revista os acórdãos do Tribunal da Relação que tenham conhecido do mérito da causa ou posto termo ao processo.
6. Portanto, tratando-se de uma questão processual (como nos presentes autos), o recurso interposto apenas poderia ser admissível quando o acórdão da Relação recorrido tivesse (i) conhecido do mérito da causa ou (ii) posto termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos.
7. O que não se verificou na presente situação.
8. Acresce que, na decisão objeto de reclamação, entende-se que o sistema jurídico não comporta a possibilidade de recurso de revista do mesmo sobre questões de natureza meramente processual.
9. Ora, as Recorrentes não podem concordar com este entendimento, o qual, salvo melhor opinião, é contrário ao que resulta da lei, razão pela qual deve ser admitido o recurso interposto.
10. Com efeito, resulta do artigo 671.º, n.º 1 do CPC que: “Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.
11. O entendimento que tem sido perfilhado nas decisões que não admitiram o recurso tem sido o de que só é admissível recurso de revista nos casos em que é o próprio acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação, que conhece do mérito da causa ou que ponha termo ao processo.
12. Não sendo, a contrario, admissível tal recurso nos casos em que foi a decisão do tribunal de 1.ª instância que conheceu do mérito da causa ou pôs termo ao processo.
13. Ora, não acolhemos a posição adotada de que o requisito de que a decisão tenha que ter posto termo ao processo para que caiba recurso de revista para o STJ tem que se verificar em relação ao próprio acórdão recorrido.
14. Na verdade, não resulta claro que a referência “que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo” se refira ao acórdão recorrido ou à decisão da 1ª instância.
15. Com efeito, se se considerasse que tal referência apenas se aplica ao acórdão da Relação, tal referência seria tautológica, na medida em que os acórdãos da Relação recaem sempre sobre decisões da 1ª instância.
16. Mais, este entendimento, a ser confirmado, representaria uma limitação do acesso ao STJ aos processos cujos requisitos de recorribilidade relacionados com o valor da causa e da sucumbência estivessem preenchidos, em que o objeto do recurso recaia sobre a relação processual.
17. Se assim não fosse, as decisões da natureza do acórdão recorrido integrariam o restrito universo das decisões em que não é, de todo, possível lançar mão do recurso de revista, sem que haja qualquer fundamento sério para sustentar essa limitação.
18. Nesta visão, o recurso seria apenas possível para os casos em que (i) se conhecesse do mérito ou se pusesse termo ao processo em ambas as instâncias, apesar da dupla conforme (cf. artigo 671º, n.º 1 e n.º 3 do CPC), (ii) para os casos em que apenas se tivesse posto termo ao processo na segunda instância, revogando-se a decisão da primeira instância e, ainda, (iii) para os casos em que o acórdão recorrido apreciasse uma decisão meramente interlocutória da primeira instância que recaísse unicamente sobre a relação processual (cf. artigo 671, n.º 2, alínea a), do CPC).
19. Mas tal já não seria possível para os casos em que a decisão de conhecer de mérito ou de pôr termo ao processo tivesse sido proferida na primeira instância.
20. O que não resulta quer da letra, quer da própria ratio da lei, sob pena de violação do princípio de igualdade das partes já mencionado.
21. Com efeito, a admissibilidade do recurso de revista para a terceira instância, ao abrigo do artigo 671.º n.º 1 do CPC, reside precisamente no facto de uma das decisões proferidas por qualquer das duas instâncias inferiores – o tribunal de 1.ª instância ou a Relação - ter posto termo ao processo.
22. Assim, das duas uma:
(a) Ou a decisão da 2.ª Instância confirma a decisão proferida pela 1.ª, caso em que não será recorrível por aplicação da regra da dupla conforme – art. 671.º, n.º 3, do CPC;
(b) Ou qualquer das instâncias inferiores proferiu decisão que conheceu do mérito da causa ou pôs termo ao processo, caso em que se terá de admitir o recurso de revista para o STJ, desde que os restantes requisitos de recorribilidade estejam preenchidos.
23. Só dessa forma se garante, de pleno, o cumprimento rigoroso do princípio do duplo grau de jurisdição, pois só assim será possível reapreciar a decisão do Tribunal da Relação que, contrariando a decisão da 1.ª instância, que pôs termo ao processo, tenha ordenado o prosseguimento dos autos.
24. É que, se assim não for, o Tribunal da Relação decide em última instância a questão controvertida – in casu, a exceção dilatória de nulidade do processo, por erro na forma – sem qualquer escrutínio ou direito a contraditório, desvalorizando-se por completo o sentido e a fundamentação da cisão da 1.ª instância.
25. Com efeito, o que releva é que foi a decisão da 1.ª instância que pôs efetivamente termo ao processo, não se verificando uma situação de dupla conforme.
26. Como tal, e contrariamente ao entendimento perfilhado na decisão que se impugna, é essencial considerar o efeito processual que tenderia a produzir a decisão recorrida em 1ª instância, integrando a hipótese de recorribilidade prevista no n.º 1 do artigo 671.º do CPC os acórdãos da Relação proferidos sobre decisão da 1ª instância que tenha posto termo ao processo.»
Integraram na reclamação apresentada as seguintes conclusões:
«1. Emerge a presente impugnação da decisão que manteve o despacho que não admitiu o recurso de revista interposto pelas Recorrentes.
2. O entendimento perfilhado em tal decisão, no sentido que só seria admissível recurso de revista naqueles casos em que, estando reunidos os demais requisitos de recorribilidade, a decisão do Tribunal da Relação tenha, forçosamente, que conhecido do mérito da causa ou posto termo ao processo.
3. Tal entendimento não pode ser aceite dado que resultaria do mesmo que, naqueles casos, como o dos presentes autos, em que o Tribunal da Relação toma uma decisão que não conheça do mérito ou ponha termo ao processo, tal tribunal decidiria em última instância a questão controvertida sem qualquer escrutínio ou direito a contraditório.
4. Com efeito, o que releva para garantir o acesso ao STJ é que uma das instâncias inferiores tenha proferido decisão que pôs efetivamente termo ao processo, não se verificando uma situação de dupla conforme.
5. Como tal, e contrariamente ao entendimento perfilhado na decisão que se impugna, é essencial considerar o efeito processual que tenderia a produzir a decisão recorrida em 1ª instância, integrando a hipótese de recorribilidade prevista no n.º 1 do artigo 671.º do CPC os acórdãos da Relação proferidos sobre decisão da 1ª instância que tenha posto termo ao processo.
6. Caso contrário, seria violado o disposto no art. 671.º, n.º 1, do CPC.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deverá ser concedido provimento à presente impugnação, substituindo-se a decisão de fls. por Acórdão que admita o recurso de revista pelas Recorrentes.»
II
1 - O despacho reclamado tem a seguinte fundamentação:
[II
Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil que «Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos».
Na determinação de sentido desta norma a referência à decisão da 1.ª instância visa delimitar os casos em que o Tribunal da Relação conhece de recursos que tem por objeto decisões proferidas pela 1.ª instância, dos casos em que o Tribunal da Relação decide, nomeadamente, questões de natureza processual, sem que as mesmas tenham já sido objeto de decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.
As situações em que o Tribunal da Relação decide questões de natureza processual que não tenham sido objeto de decisão da 1.ª instância, só admitem recurso de revista nos casos discriminados nos n.ºs 2 e 4 daquele artigo.
Deste modo, o sentido da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância não tem qualquer relevo relativamente à interpretação desta norma e à definição dos casos em que os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação são objeto de revista, ou não.
É o acórdão do Tribunal da Relação que é objeto do recurso de revista, pelo que a recorribilidade é aferida em função do que tenha sido decidido no mesmo.
Assim, o que resulta da norma do n.º 1 daquele artigo é que são objeto do recurso de revista os acórdãos do Tribunal da Relação que tenham por objeto decisão da 1.ª instância e em que o acórdão do Tribunal da Relação, acórdão recorrido, tenha «conhecido do mérito da causa», tenha «posto termo ao processo, absolvendo o réu da instância ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos».
Neste sentido pronunciaram-se Abrantes Geraldes e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, quando afirmam, a pp. 807, que «Em regra, apenas admitem recurso de revista: a) Os acórdãos da Relação que, incidindo sobre decisões da 1.ª instância, conheçam, no todo ou em parte, do mérito da causa, isto é, quando, independentemente do teor da decisão da 1.ª instância sobre a qual incidiu, a Relação apreciou total ou parcialmente o pedido ou pedidos formulados ou conheceu, no sentido da procedência ou improcedência, alguma exceção perentória; b) Os acórdãos que incidindo sobre decisões da 1.ª instância, se traduzam, quanto ao resultado declarado pela Relação, na extinção da instância, relativamente ao réu ou a algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção formulados».
No caso dos autos, o Tribunal da Relação conheceu da nulidade por erro da forma de processo e decidiu que «Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso procedente, por inexistir erro na forma do processo, e revoga a decisão recorrida, devendo - se outro motivo a tal não obstar - prosseguir, os autos».
Sobre esta questão, que tem natureza meramente processual, incidiram, deste modo, as decisões da 1.ª instância e o acórdão do Tribunal da Relação, e dado sentido da decisão resultante deste último acórdão – prossecução do processo, o sistema jurídico não comporta a possibilidade de recurso de revista do mesmo.
Na verdade, a decisão emergente do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, não põe termos ao processo, por alguma das formas discriminadas no n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, pelo que é insuscetível do recurso de revista.
Acresce que, conforme refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 4.ª edição, a pg. 297, «tratando-se de decisões sobre matéria adjetiva, considera-se que, em regra, é bastante o duplo grau de jurisdição, tal como já ocorria no âmbito do sistema dualista relativamente ao recurso de agravo».
Nenhuma censura merece, pois, o despacho reclamado.]
2 – Analisada a reclamação agora apresentada, constata-se que a mesma segue a linha argumentativa que esteve subjacente à reclamação apresentada pelas Rés do despacho da Exm.ª Desembargadora que rejeitou a admissão do recurso no Tribunal da Relação, acima transcrita, nada acrescentando ao anteriormente afirmado.
São demonstrativas desta afirmação, entre outros, os pontos 11 e seguintes daquela reclamação, retomados agora nos pontos n.ºs 14 e seguintes da reclamação para a conferência em análise.
As reclamantes limitam-se assim a discordar daquele despacho, mantendo a sua posição em sentido contrário ao mesmo.
Para além do já referido no despacho em causa, reafirma-se que estamos perante uma mera questão de natureza processual decidida pelas instâncias, pelo que o sistema jurídico, por força da específica natureza daquela questão, se contenta com a reapreciação em duplo grau, excluindo o terceiro nível que derivaria do conhecimento do recurso por estre Tribunal.
Tal como refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª Edição, a pp. 297, «Em princípio, não admitem recurso de revista os acórdãos da relação que apreciem decisões interlocutórias da 1.ª instância sobre questões de natureza adjetiva» e prossegue «Tratando-se de decisões sobre matéria de natureza adjetiva, considera-se que, em regra, é bastante o duplo grau de jurisdição, tal como já ocorria no âmbito do sistema dualista relativamente ao recurso de agravo».
Trata-se de orientação há muito estabilizada na jurisprudência deste Tribunal, não havendo qualquer fundamento que justifique orientação distinta.
III
Em face do exposto, acorda-se em indeferir a reclamação apresentada e em confirmar o despacho impugnado.
Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, consigna-se que o presente acórdão foi aprovado por unanimidade, sendo assinado apenas pelo relator.
Lisboa, 25 de novembro de 2020
António Leones Dantas (Relator)
Júlio Gomes
Chambel Mourisco