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ENTIDADE COMPETENTE
FASE DO PROCESSO
AUTONOMIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
ACUSAÇÃO
TRADUÇÃO
Sumário
A partir do momento em que é deduzida a acusação, os autos saem da competência exclusiva do M P e passam a fazer parte da competência do juiz.
Deste modo, a autoridade judiciária que verificar a invalidade da notificação da acusação deve suprir a mesma, não violando a estrutura acusatória do processo, nomeadamente os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.–RELATÓRIO:
1.1.–No processo de instrução nº 13/18.6S1LSB a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - juízo instrução Criminal – Juiz 7, foi proferido despacho datado de 07/10/2020, de fls. 6882 a 6883, nos seguintes termos:
VG_____ veio arguir a nulidade/inexistência da notificação da acusação que nos autos lhe foi feita, porquanto não lhe foi entregue tradução da mesma na língua que o mesmo domina (Russo). O arguido tem nacionalidade ucraniana e portuguesa e diz compreender a língua Russa e não dominar a língua portuguesa. Compulsados os autos verifica-se que nas intervenções que tem tido no processo o arguido tem estado acompanhado de intérprete. Mais se verifica que o Ministério Público ordenou a tradução da acusação o que não foi cumprido. Assim sendo verifica-se que assiste razão ao arguido verificando-se a existência da nulidade da notificação da acusação feita nos autos ao arguido porquanto não lhe foi entregue tradução da referida peça processual na língua que o mesmo domina. A referida nulidade foi tempestivamente arguida. Assim sendo declaro nula a notificação da acusação efetuada nos autos ao arguido VG_____ e determino que de imediato o mesmo seja notificado da acusação deduzida nos autos, ao abrigo do disposto no art.º 283º do CPP, sendo-lhe entregue cópia da acusação traduzida para a língua Russa, sendo ainda notificado de que dispõe do prazo de 20 dias, nos termos do art.º 287º do CPP, para requerer, caso queira, a abertura da instrução. Mais se consigna que a nulidade ora declarada não afeta nenhum dos atos processuais praticados, posteriores à mesma, incluindo os praticados na presente instrução. Atenta a natureza urgente dos presentes autos a notificação ora ordenada será efetuada pessoalmente através de funcionário deste Tribunal, com o auxilio da Senhora intérprete RMF____, que para o efeito se deslocarão ao EP onde o arguido se encontra, determinando-se que no ato da notificação, seja traduzido ao arguido o conteúdo do presente despacho. Notifique.
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Junte aos autos CRC dos arguidos IL_____ e FC _____ bem como informação sobre se beneficiaram já de SPP.
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Vão os autos ao Ministério Público nos termos e para os efeitos do art.º 213º nº 1 al. a) do CPP.
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1.2.–Proferida decisão instrutória de despacho de pronúncia do ora arguido/recorrente VG_____ como (i)Coautor de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 299.°, n° 1 do Código Penal; (ii)Coautor de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelo art.º 87.°, n°. 2 da Lei 5/2006, de 23 de janeiro, na versão dada pela Lei 50/2013, de 24 de julho; (iii)Instigador de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art.º 368.° A, n° 1 do Código Penal, veio o mesmo interpor recurso expendendo as seguintes conclusões:
1.–Por intermédio do despacho de acusação proferido a 10/07/2020, determinou, além do mais, o Ministério Público a tradução da acusação de modo a ser o ora Recorrente notificado da mesma, visto que, embora tenha este nacionalidade portuguesa, é natural e também cidadão da Ucrânia e tem um domínio limitado da nossa língua. 2.– Não obstante, por despacho datado de 04/09/2020 e porque três dos co-arguidos do Recorrente haviam requerido a abertura de instrução, veio a ser declarada aberta a instrução, autorizando-se a produção de prova requerida pelos co-arguidos, 3.– Pouco antes do início do início da diligência agendada para o dia 01/10/2020 para a realização de diligências instrutórias e debate instrutório, teve o mandatário do aqui Recorrente conhecimento de que não foi realizada a tradução da acusação, não tendo o Recorrente sido notificado do despacho de acusação na língua que domina, o russo. 4.– Pelo que nessa diligência arguiu a Defesa do Recorrente a nulidade/inexistência da notificação da acusação que nos autos foi feita ao Arguido. 5.– Seguiu-se o despacho ora recorrido, proferido pela Exma. Sra. Juíza de Instrução Criminal a quem tinha sido distribuído o processo, que deu razão ao Arguido, tendo, contudo, salvaguardado todos os atos praticados após a omissão da notificação da acusação, bem como a imediata notificação da acusação traduzida para russo, por funcionário do tribunal, acompanhado pela Sra. Intérprete e pessoalmente no Estabelecimento Prisional onde o Recorrente se encontrava, e ainda se encontra, preso preventivamente. 6.– O recurso ora apresentado versa precisamente sobre estes últimos pontos do despacho em apreço, pois assenta naquilo que qualificamos como um atropelo processual e legal que não pode ser tolerado, devendo ser revogado o segmento do despacho sobre o qual incide a presente peça. 7.– Ora, a falta de notificação da acusação ao Arguido violou o preceituado nos artigos 113º, n. 10, e 277.º, n.º 3 ex vi 283º, n.º 5 do C.P.P., omissão essa que afetou a tramitação subsequente nos termos do artigo 287º, n.º 1, alínea a) do C.P.P. 8.–Embora o Tribunal recorrido pudesse e devesse pronunciar-se acerca da nulidade invocada, dúvidas não restam que, no entanto, não tem competência para ordenar a respetiva sanação do vício através da notificação, por funcionário judicial, do Arguido da acusação traduzida, tendo assim violado o princípio do juiz natural e a direção do inquérito por parte do Ministério Público. 9.–Uma vez que é competência do Ministério Público deduzir a acusação e proceder às respetivas notificações e sendo a nulidade arguida referente à fase de inquérito, nos termos dos artigos 53º, n.º 2, alínea b) e 263º, nº 1 do C.P.P. determina a lei que a direção do inquérito cabe ao Ministério Público. 10.– Pelo que, consequentemente, é ao Ministério Público que compete proceder às diligências legalmente necessárias à efectiva reparação da omissão/nulidade, enquanto autoridade judiciária que incorreu em tal omissão e a quem compete promover e garantir a notificação do despacho de encerramento de inquérito ao arguido. 11.– Mais estabelecendo a primeira parte do n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa a estrutura acusatória do processo criminal. 12.– Tendo assim violado o Tribunal a pua, através do despacho ora recorrido, os artigos 53º, n. 2, alínea b), 263º, nº 1 e 283º do C.P.P., bem como o artigo 32º, n.º 5 da C.R.P. 13.– Nestes termos, tinha o Tribunal a quo de remeter os autos para inquérito, de modo a que a entidade competente, aqui o Ministério Público, repetisse a notificação da acusação ao Recorrente, nunca sendo colocado em crise, nesta situação, a estrutura acusatória do processo ou a autonomia do Ministério Público. 14.–Ademais, para além de ser da competência do Ministério Público suprir a omissão verificada deveria o Tribunal recorrido ter dado sem efeito a distribuição para instrução que foi realizada! 15.– Isto porque, foram os autos indevidamente remetidos à distribuição como instrução quando o Arguido ainda não estava notificado da acusação contra si proferida, ou seja, sucedeu sem que tenha decorrido o prazo para ser requerida a abertura daquela fase processual por todos os arguidos e, portanto, extemporaneamente. 16.–O Recorrente, apesar de longe de ver terminado o prazo para requerer a abertura de instrução, nos termos do artigo 113.2, n.º 14 do C.P.P., não estando sequer notificado da acusação, e ponderando apresentar ainda assim requerimento de abertura de instrução, como acabou por fazer, viu-se confrontado com a designação de datas para a realização de diligências instrutórias e de debate instrutório, por despacho datado de 16/10/2020. 17.–Pelo que reconheceu o Recorrente que os autos se encontrem em fase de instrução, como já teve oportunidade de expressar no requerimento que remeteu aos autos no dia 26/10/2020 e em sede de audiência para a realização de diligências instrutórias e de debate instrutório realizadas também indevidamente. 18.– Nestes termos, não ordenando o Tribunal recorrido que autos baixassem ao Ministério Público, para irem novamente a distribuição, o que é legalmente obrigatório, violou a Exma. Sra. Juíza de Instrução Criminal, a quem tinha sido distribuído extemporaneamente o processo como instrução, o princípio do juiz natural consagrado no artigo 32º, n.º 9 da C.R.P e, inexistindo distribuição tempestiva dos autos estamos perante a nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea e) do C.P.P. 19.–Pelo que se impõe que os autos baixem para o inquérito, face à distribuição indevida na instrução, devendo o Ministério Público realizar as diligências tidas por convenientes, notificando o Recorrente da acusação e, findo a fase de inquérito, aí sim, remeter os autos para distribuição na instrução.
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1.3.–O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido e pugnou pela rejeição do recurso porquanto é seu entendimento que “o despacho da Sra. JIC cumpriu a lei, não violou qualquer princípio legal e não padece de qualquer nulidade, designadamente aquela que o arguido invoca (nulidade insanável por violação das regras de competência do tribunal – art.º 119, al. e), do C.P.P.)”.
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1.4.–O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso do arguido deverá improceder, aderindo in totum à argumentação expendida pelo MP na 1ª instância.
Mais acrescenta: «Como se refere no Comentário do Código de Processo Penal de Paulo Pinto de Albuquerque, 3.ª ed. atualizada, notas ao artigo 122.°, “O C. P. P. estabelece uma regra de aproveitamento dos actos subsequentes que não tenham um nexo de dependência lógica e valorativa com acto nulo. Por maioria de razão, deve declarar-se o aproveitamento de uma parte do acto nulo ou de uma parte dos efeitos do acto nulo se a causa da nulidade não afetar por inteiro o acto, mas apenas uma parte dele (nulidade parcial do acto processual)”».
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1.5.–Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, o arguido VG_____ apresentou resposta refutando os argumentos expendidos na resposta do MP, e mantém os fundamentos já invocados no recurso.
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1.6.–Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II.–FUNDAMENTAÇÃO
2.1.–Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
As conclusões constituem, pois, o limite do objeto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, e conforme indicado na motivação, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são o saber se o TIC não tinha competência para ordenar a sanação do vício através da notificação da acusação traduzida, e deveria ter enviado os autos para o Ministério Público e ter dado sem efeito a distribuição da instrução, sob pena de, assim não fazendo, violar o principio do juiz natural.
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2.2.–Apreciemos
Cotejando o teor dos autos confirma-se que a falta de notificação da acusação, face à omissão da tradução para russo, originou a prolação do despacho da JIC que declarou a nulidade da notificação e determinou a sanação da invalidade, com aproveitamento dos atos praticados entretanto praticados na instrução.
Embora entendamos que a falta de notificação do arguido configure uma irregularidade[1], e não uma nulidade sanável nos termos em que o tribunal a quo decidiu, estamos legalmente impedidos de seguir esta apreciação no que tange à consequência de tal vicio pois tal questão não nos é suscitada no recurso.
Confirma-se, ainda, que o arguido arguiu o vicio da falta de notificação, por omissão de tradução para russo, em tempo, nos termos do art.º 120, n° 3, al. c), do C.P.P.
Tendo o tribunal recorrido constatado a omissão de notificação da acusação, por via do impulso processual da defesa do arguido/recorrente antes do início da diligência agendada para o dia 01/10/2020 para a realização de diligências instrutórias e debate instrutório, e determinado a invalidade da notificação nada obsta a que a sua sanação possa ter lugar no âmbito art.º 122º do CPP. E essa sanação do ato inválido pode ser realizada pelos próprios serviços do TIC, sem necessidade de dar sem efeito a distribuição e de ordenar a remessa dos autos aos serviços do Ministério Público para reparar tal invalidade.
Não olvidando que a posição sustentada pelo arguido/recorrente tem apoio sustentado na jurisprudência[2], seguimos posição contrária. Na verdade, tendo os autos saído da fase de inquérito, o que ocorre a partir do momento em que é deduzida a acusação, e portanto, saindo da competência exclusiva do M P, passam a fazer parte da competência do juiz, Deste modo, a autoridade judiciária que verificar a invalidade da notificação deve suprir a mesma, não violando a estrutura acusatória do processo, nomeadamente os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público.[3]
Em suma, estando os autos em fase de instrução, e, portanto, sujeitos à apreciação do JIC, e sendo este competente para apreciar a invalidade da notificação da acusação ao ora arguido/recorrente, é também da competência desse mesmo JIC a decisão a determinar a sanação da invalidade declarada, que deverá ser executada pelos serviços administrativos que lhe devem obediência, não podendo ser cumprida pelo MP, e respetivos serviços do MP, que são dotados de autonomia em razão do princípio constitucional da independência e autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz.
Por outras palavras, decidindo o JIC pela invalidade da notificação, e estando os autos na fase de instrução, é esta autoridade judiciária que tem competência para sanar essa invalidade e reparará os seus eventuais efeitos sobre o processo, prevenindo-os.
Mas para além destes argumentos que fundamentam a posição que sustentamos, outros não menos importantes podem ser trazidos à colação.
É o caso da celeridade processual, tantas vezes esquecido quando se discutem estas matérias, a qual ficaria comprometida com a devolução dos autos ao Ministério Público, para suprir as invalidades detetadas.
Por outro lado, na posição manifestamente adversa à subscrita pelo arguido, e porque é relevante que os autos se mantenham na jurisdição do JIC que os recebe, qual seria o mecanismo legal que iria permitir que o processo, ao voltar de novo ao TIC fosse afeto ao mesmo juiz. Seria aqui que importaria salvaguardar o principio do juiz natural, e não ao invés, como o recorrente pretende na sua construção jurídica, fundamentar uma situação que permitisse que os autos viessem a ser distribuídos a um outro JIC.
Na verdade, a proceder uma argumentação como a que o arguido expende no seu recurso, significaria que o processo a regressar ao Ministério Público só poderia ser baixado de novo a inquérito. Logo, teria de existir uma posterior e nova remessa desse inquérito ao TIC para ser autuado como instrução, considerando que o arguido veio efetivamente a requerer a abertura de instrução em função da notificação validamente efetuada pelo TIC. Ora, esta nova remessa dos autos ao TIC obrigaria a uma nova distribuição, o que implicaria os autos serem adstritos a um outro JIC. Aqui, sem, existiria a violação do principio do Juiz Natural, e não no exemplo que o arguido/recorrente argumenta.
Nestes termos, existem manifestas boas razões para o JIC assumir em pleno a jurisdição e determinar o suprimento da invalidade cometida, resultante da omissão da notificação por inexistência da competente tradução, como o exigem os artigos 120º, nº 2 e 122º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal.
Nestes termos, o tribunal a quo não violou os art°s 53, n° 2, al. b), 263, n° 1 e 283 do C.P.P., bem como o art° 32, n° 5 da CRP, e subscrevendo o MP na resposta ao recurso, o despacho do JIC “cumpriu a lei, não violou qualquer princípio legal e não padece de qualquer nulidade, designadamente aquela que o arguido invoca (nulidade insanável por violação das regras de competência do tribunal - art° 119, al. e), do C.P.P.)”.
Pelo exposto, o recurso não pode obter provimento.
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III.–DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido VG_____ assim se confirmando o despacho recorrido.
Pelo seu decaimento pagará aquele 3 (três) UCs de taxa de justiça.
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Lisboa e Tribunal da Relação, ao 13 de janeiro de 2021
(Processado e revisto pelo relator (artº 94º, nº 2 do CPP).
Alfredo Costa
Vasco Freitas
[1]Cfr. Acórdão do TRL de 17 de Janeiro de 1995 in CJ, ano XX, tomo I, pág. 155 e 156, no sentido de que a falta de notificação da acusação ao arguido não constitui uma nulidade, mas uma mera irregularidade. “O Supremo Tribunal de Justiça já havia claramente assumido que “é manifesto que a falta de notificação da acusação para constituir nulidade insanável deveria ser designada como tal por disposição expressa (cf. artigo 119º, do C.P.P), já que neste preceito, designadamente, na sua alínea d) o que é dado como nulo é a falta de inquérito, ou da instrução, nos casos em que a lei determina a sua obrigatoriedade, sendo que não se alega que o inquérito não tivesse sido realizado e a instrução é facultativa, como resulta do artigo 286º, n º2, do Código de Processo Penal”. (Ac. de 05/06/91, in COLETÂNEA JURISPRUDÊNCIA, Tomo III, pág. 26). Também, ainda neste sentido, confronte acórdão do TRP de 31 de janeiro de 2007, Proc. 0417372, sendo relator Joaquim Gomes, in www.dgsi.pt [2]Ac. do TRL de 25 de julho de 2018, do qual é relatora a Senhora Desembargadora Conceição Gonçalves: “I.- A omissão de notificação da acusação constitui irregularidade cuja reparação pode ser conhecida oficiosamente, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, afectando tal omissão o acto em si, de conhecimento da acusação, nos termos previstos no art.º 123º, nº 2 do CPP. II.- Dispõe o nº 5 do art.º 283º do CPP, por remissão para o nº 3 do art.º 277º do mesmo diploma, a obrigatoriedade de o Ministério Público notificar a acusação ao arguido e ao seu defensor, tendo a obrigação legal de tudo fazer para notificar o arguido. III.- O legislador só admitiu a possibilidade de o processo transitar para a fase de julgamento sem o arguido ser notificado da acusação na situação prevista no nº 5 do art.º 283º do CPP, ou seja, “quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes. IV.- A devolução dos autos ao Ministério Público para reparação da irregularidade por omissão de notificação da acusação, na situação em que se não mostram preenchidos os pressupostos do nº 5 do art.º 283º do CPP, em nada contende com a estrutura acusatória do processo.”. Ac. do TRE, de 5 de maio de 2015, relatora Leonor Botelho: “I.- A autoridade judiciária competente para notificar a acusação é o MºPº. II.- Se detectada, pelo juiz, no momento do art.º 311º do CPP, uma ilegalidade consistente na notificação irregular da acusação ao arguido, deve o juiz providenciar pela sua reparação, podendo ordenar a devolução dos autos ao MºPº para que proceda à sua notificação. III.- Esta prática não viola o acusatório e não interfere com a autonomia do MºPº, pois do que se trata é de viabilizar que o MºPº supra a irregularidade que cometeu e diligencie pela notificação da sua acusação, autonomamente elaborada.” [3]Neste sentido confronte: Acórdão do STJ, de 27 de abril de 2006: “I- O inquérito é da exclusiva titularidade do MP e só permite a intervenção pontual do juiz nos casos expressamente tipificados na lei. II- Por seu turno, encerrado o inquérito e aberta a instrução, abre-se uma fase autónoma do processado cuja direcção radica doravante no juiz de instrução, que, com total autonomia ordena as diligências que tenha por necessárias ao fim dessa fase eventual: proferir decisão instrutória. III- Do regime legal resulta, pois, que é autónoma a intervenção do MP no inquérito e do juiz de instrução na fase eventual que se lhe segue. IV- E se existe autonomia de actuação, não tem fundamente legal qualquer «ordem», nomeadamente do juiz de instrução, para ser cumprida no âmbito do inquérito por quem não deve obediência institucional, nem hierárquica a tal injunção. V- O juiz de instrução não pode devolver o processo ao MP para eventual suprimento de uma nulidade de inquérito.” Acórdãos do TRL de 26 de fevereiro de 2013, e de 5 de junho de 2014, in Coletânea e Jurisprudência, Ano 2014, Tomo 3, pág. 158: “I.- A entidade que conhecer uma irregularidade deve ordenar as providências necessárias com vista á sua reparação que terão de ser cumpridas pelos respectivos serviços. II.- O juiz não pode determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para que seja sanada uma irregularidade, uma vez que tal decisão afronta os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público.” Ac. do TRL, de 21 de novembro de 2013, relatado por Maria Guilhermina Freitas: “I-A omissão da notificação do despacho de arquivamento/acusação ao mandatário do denunciante configura uma irregularidade (art.º 118.º, n.º 2, do CPP), com reflexos no exercício de direitos do denunciante, afectando dessa forma a validade de todos os actos processuais posteriores. II- Tal irregularidade é de conhecimento oficioso, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 123.º do CPP, dado que não se mostra sanada. III- Deverá, porém, a Sr.ª Juíza do tribunal a quo ordenar a reparação da irregularidade em causa, da qual conheceu oficiosamente, pelos seus próprios serviços e não ordenar a remessa dos autos aos serviços do MP, como o fez, com essa finalidade, dando sem efeito a distribuição, decisão essa que afronta os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz.”