1. O direito ao recurso em processo civil, e sobretudo o acesso ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, não encontra previsão expressa no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, não resultando como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade.
2. A jurisprudência do TC vem assumindo que a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de atos jurisdicionais, manifestamente inexistente nas normas do Código de Processo Civil relativas aos requisitos de admissibilidade do recurso de revista.
3. Cabe às instâncias, no âmbito dos seus poderes para julgar a matéria de facto, fixar livremente a força probatória da prova pericial, nos termos do artigo 389.º do Código Civil, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, com base no resultado das perícias médicas efetuadas nos autos, alterar a factualidade dada como assente.
4. Não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade.
Chambel Mourisco (relator)
CM/PF/JF
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
Relatório:
1. AA intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra Seguradora Unidas, S.A. (1ª Ré) e ERT Têxtil, S.A. (2ª Ré), peticionando a condenação solidária destas no pagamento dos seguintes valores:
a) Uma pensão anual e vitalícia no montante de € 7.039,62, atualizável, devida a partir de 12.11.2016, calculada com base na retribuição anual ilíquida de € 11.635,52 e na IPP de 35,0037%, com IPATH, nos termos conjugados da apólice e dos art.ºs 48.º, n.º 2 e 3 b) e 71 n.º 1, 2 e 3, da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro;
b) A importância de € 3.313,41, a título de diferenças indemnizatórias, em que € 2.552,93 dizem respeito a ITs não pagas e € 760,48 à ajuda técnica
c) O valor de € 20,00 respeitante a despesas de transporte com as suas deslocações obrigatórias,
d) A 2.ª R. condenada no pagamento da importância de € 75.000,00, a título de danos não patrimoniais causados ao A.
e) Ao abrigo do disposto no artigo 121.º, do CPT, uma pensão e indemnização provisória, tendo como parâmetro a percentagem fixada no relatório da perícia médico-legal de 27.03.2017.
Tudo acrescido de juros à taxa legal desde os vencimentos daquelas quantias e no mais que for de lei.
Para o efeito alegou, em síntese, que foi vítima de acidente de trabalho que lhe determinou extensas lesões que exigiram várias cirurgias, período de internamento seguido de tratamentos dolorosos, com um grau de dependência elevado e com o sofrimento inerente, tendo no final deixado uma incapacidade relevante, designadamente para a profissão habitual, que o impossibilita igualmente de fazer atividades que anteriormente fazia, pelo que deve ser indemnizado e compensado nos termos legais, tendo em conta que a máquina onde teve o acidente já tinha sido sinalizada pela falta de medidas de segurança que ainda não tinham sido realizadas e, por esse motivo, existe culpa da empregadora com as consequências daí resultantes.
2. A 2ª Ré, Entidade Empregadora, apresentou a contestação alegando, em síntese, que transferiu toda a sua responsabilidade para a seguradora e o acidente ocorreu quando os trabalhadores estavam a registar o processo produtivo da máquina, mais concretamente a documentar fotograficamente. A ré é uma empresa certificada e a máquina é de 1995 e cumpria as exigências de segurança no tempo da sua conceção, sendo que por força da sua certificação a ré determinou a realização de uma ficha do equipamento e solicitou ao CATIM um relatório sobre as condições de segurança do equipamento que foi apresentado em 16 de dezembro de 2014, sendo que a máquina não estava em utilização, nem estava integrada no sistema produtivo da empresa, só tendo sido acionada para documentação do processo produtivo. O cabo de paragem não conduzia à não ocorrência do acidente porque só permite que o próprio trabalhador acione a emergência o que foi feito de imediato pela trabalhadora que estava a acompanhá-lo na tarefa que estavam a realizar. Assim, a ré procedeu a todas as diligências para que o equipamento cumprisse as regras de segurança e, por isso, não existe qualquer violação da sua parte, pois o acidente ocorreu na retirada de papel siliconado que só pode ser feito manualmente e com os rolos em funcionamento. Por outro lado, o sinistrado é chefe de secção, tem bastante experiência e formação adequada para manusear equipamentos industriais. Considera que não existe incapacidade para a profissão habitual porque o sinistrado pode continuar a ser chefe de secção, tendo vindo a ser considerado apto condicionalmente para o exercício das suas funções pela medicina no trabalho. Por estes motivos, não havendo culpa sua por violação de regras de segurança, apenas a ré seguradora deve suportar os encargos decorrentes do acidente de trabalho.
3. A 1ª Ré, Seguradora, apresentou a contestação alegando, em síntese, que a máquina que o sinistrado operava não cumpria os requisitos mínimos de segurança, o que foi verificado pela ACT, porque não dispunha de proteção ou dispositivo que impedisse o acesso à zona perigosa da máquina ou que interrompesse o movimento dos elementos móveis da máquina antes daquele acesso, sendo que antes do acidente já a ré empregadora tinha solicitado ao CATIM uma avaliação da máquina e este tinha apresentado relatório onde afirmava expressamente que a máquina não cumpria os requisitos mínimos de segurança e indicado as não conformidades e aquilo que era necessário implementar para assegurar o cumprimento mínimo dos requisitos de segurança. A mesma conclusão foi obtida pelo inquérito ou avaliação que a própria ré empregadora solicitou a empresa de segurança no trabalho. Apesar das não conformidades estarem devidamente identificadas, a ré empregadora não adotou as medidas de segurança propostas e permitiu que o sinistrado operasse a referida máquina, com risco para a sua segurança que veio a desencadear o acidente em discussão. O autor não demonstra o pagamento da luva cujo montante vem pedir. A ré seguradora não concorda com a data da alta nem com a existência de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
4. A Ré empregadora respondeu mantendo a sua posição no sentido da inexistência de violação de regras de segurança.
5. Foi organizado apenso destinado à fixação da incapacidade no qual se decidiu:
«Assim sendo, nos termos 140.º, n.º 2, do Código do Processo do Trabalho, fixo em 31% a incapacidade permanente parcial de que o Autor está afetado por força das lesões e sequelas de que padece descritas no auto de Junta Médica.»
6. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu:
«Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, declaro que o autor foi vítima de um acidente de trabalho ocorrido em 22 de janeiro de 2015 tendo ficado afetado com uma IPP de 31% e, em consequência, determino o seguinte:
Com base em responsabilidade subjetiva, condeno a ré ERT – Têxtil Portugal, SA, no pagamento ao autor das seguintes quantias:
A pensão anual, vitalícia e atualizável de € 3.607,01 devida a partir de 12 de novembro de 2016, atualizada para a quantia de € 3.625,05 a partir de 1 de janeiro de 2017 e para a quantia de € 3.690,30 a partir de 1 de janeiro de 2018, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas até integral pagamento;
A quantia de € 7.424,55 a título de indemnização por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada prestação mensal até integral pagamento; e
A quantia de € 60.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data desta sentença até integral pagamento.
Na qualidade de garante parcial dos pagamentos devidos ao sinistrado pela ré empregadora e fixados a título de danos patrimoniais e reconhecendo o direito de regresso da ré seguradora quanto às quantias que pagou ou vier a pagar ao sinistrado em cumprimento desta sentença, condeno a ré Seguradoras Unidas, SA, no pagamento solidário ao sinistrado das seguintes quantias:
A pensão anual, vitalícia e atualizável de € 2.524,91 devida a partir de 12 de novembro de 2016, atualizada para a quantia de € 2.537,53 a partir de 1 de janeiro de 2017 e para a quantia de € 2.583,21 a partir de 1 de janeiro de 2018, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas até integral pagamento; e
A quantia de € 1.656,32 a título de indemnização por incapacidades temporárias acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada prestação mensal até integral pagamento.
No mais, julgo improcedente a ação e, em consequência, absolvo as rés dos pedidos.
Aos valores a pagar a título de pensão, devem ser descontados os valores já pagos pela seguradora a título de pensão provisória em cumprimento do despacho de folhas 181 verso/182 frente, autorizando-se igualmente a compensação dos valores pagos com o valor da responsabilidade da seguradora a título de diferenças indemnizatórias, uma vez que o valor pago pode ser superior ao valor devido a título de pensões, e reconhecendo-se desde já o direito de regresso da seguradora sobre a empregadora quanto aos valores já pagos, condenando-se a empregadora a reembolsar a seguradora dos valores adiantados, por aplicação extensiva do artigo 122.º, n.º 4, do Código do Processo do Trabalho.
Mais se determina, salvaguardando a hipótese de recurso da presente sentença, a fixação da pensão anual provisória no montante de € 3.690,30, a pagar pela empregadora, garantindo a seguradora este pagamento até ao limite de € 2.583,21, fixando-se o início deste pagamento no momento em que se esgotar o valor que já foi pago provisoriamente pela seguradora caso o valor devido até este momento seja inferior ao valor já pago pela seguradora.
Condeno o autor e as rés no pagamento das custas, na proporção da responsabilidade de cada uma, fixando-se o valor da causa, considerando os pedidos efetuados, em € 193.051,06.»
7. Inconformados, o A. e a 2.ª R. ERT Têxtil, S.A. interpuseram recursos de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido:
«a) Julgar improcedente o recurso interposto pela 2ª Ré, Entidade empregadora;
b) Julgar parcialmente procedente o recurso do Autor e em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida no que respeita ao 1º, 3º e 7º parágrafos do dispositivo e em consequência:
- Julga-se parcialmente procedente a ação e, em consequência, declara-se que o Autor foi vítima de um acidente de trabalho ocorrido em 22 de janeiro de 2015 tendo ficado afetado com uma IPATH e com uma IPP de 46,4% e, em consequência, determina-se:
Com base em responsabilidade subjetiva, condena-se a 2ª Ré, ERT – Têxtil Portugal, SA, no pagamento ao autor das seguintes quantias:
A pensão anual, vitalícia e atualizável de € 9.224,63 devida a partir de 12 de novembro de 2016, atualizável nos termos das Portarias n.º 97/2017 de 07.03, n.º 22/2018 de 18.01 e n.º 23/2019 de 17.01., acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas até integral pagamento;
Na qualidade de garante parcial dos pagamentos devidos ao sinistrado pela ré empregadora e fixados a título de danos patrimoniais e reconhecendo o direito de regresso da Ré seguradora quanto às quantias que pagou ou vier a pagar ao sinistrado em cumprimento desta sentença, condena-se a 1ª Ré, Seguradoras Unidas, SA, no pagamento solidário ao sinistrado das seguintes quantias:
A pensão anual, vitalícia e atualizável de € 6.490,45, devida a partir de 12 de novembro de 2016, atualizada nos termos das Portarias nº 97/2017 de 07.03, nº22/2018 de 18.01 e nº23/2019 de 17.01, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações já vencidas até integral pagamento;
Condena-se a 1ª Ré, reconhecendo o direito de regresso da mesma contra a 2ª Ré, Entidade patronal, a pagar ao Sinistrado:
O subsídio por situação de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual no valor de € €4.643,86, devido desde 12 de novembro de 2016, acrescido dos juros de mora contados desde as prestações já vencidas e até efetivo e integral pagamento.
Manter no demais a sentença recorrida.»
8. Inconformada com esta decisão, a 2.ª R. ERT Têxtil, S.A. interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:
«A. O recurso da ora recorrente foi julgado improcedente e parcialmente procedente o recurso do autor, passando a ser decidido que o mesmo havia ficado afetado com IPATH e com uma IPP de 46,4%, com majoração da condenação sofrida pelas rés seguradora e entidade patronal, julgando-se que a douta decisão proferida não retrata de modo fiel a produção de prova realizada e valorada em audiência de discussão e julgamento bem como não procede à devida subsunção jurídica, mostrando-se incorretamente julgados certos pontos de facto, padecendo a douta decisão de vícios decisórios ao nível e tal determinação e a indemnização de € 60.000,00 fixada a título de danos não patrimoniais mostra-se deveras majorada e não conforme à bitola jurisprudencial que se julga habitualmente correta;
B. A alteração decisória levada a cabo não deixa de ser surpreendente por não ter sido defendida por mais ninguém, à exceção de quem recorreu e quem decidiu, pois o teor das respostas oferecidas ao recurso bem como douto parecer do Ministério Público, datado de 17 de julho de 2019, para se comprovam tal facto, sendo que tal alteração à matéria de facto não ressalta cristalina nem inequívoca de qualquer prova pericial!
C. Não se percebe como é que antes da própria fundamentação (ponto 3) aparecem logo os factos provados (3.1) já com as alterações levadas a cabo, dando a ideia de antes de haver uma ponderação e análise ter havido um pré-juízo decisório, incompatível com o bem decidir, não se justificando tal modus operandi decisório que deixa denotar uma decisão prévia e depois a convocação e argumentos, mais ou menos fortes do ponto de vista jurídico, para defender tal posição pois não faz sentido que a alteração preceda um juízo judicativo decisório, pois isso significa que se começa pelo final;
D. A fls. 35 quando o Tribunal alude a “situações semelhantes” – não iguais, não se percebe tal destrinça efetuada em violação do princípio tertium non datur bem como (des)igualdade pois é sabido que aquilo que é não pode ser e não ser de forma simultânea e a definição de semelhante na matemática alude a duas figuras cujos ângulos são iguais e os lados correspondentes proporcionais (ainda que em sentido corrente possa significar parecido, julga-se não ser esse o sentido técnico da palavra!) não se percebendo ainda como, na mesma página e uns parágrafos antes, o Tribunal a quo havia referido que a sentença recorrida havia sido proferida antes da entrada em vigor da Lei 107/99…
E. O Tribunal a quo, na página seguinte (36) abre mão do certo pelo incerto e defende o recurso ao critério da equidade como obrigatório e decisivo e consequente dispensa de prova de quantificação da dor, do dano estético e do dano biológico ou similar (aqui já não usa a palavra “semelhante”), ficando-se sem perceber como é que para a análise ao ponto de facto 6 dos factos provados, na sequência de recurso da recorrente, o Tribunal a quo a fls. 40 conclui que “era necessário que ficasse referido para que servia a máquina, quando iniciou a funcionar e para que efeito, bem como especificado o processo produtivo em causa”, sendo incompreensível a conclusão de improcedência pois algo que “era necessário” deixa de o ser e permite a manutenção do indevidamente decidido;
F. Havendo matéria de facto a ser acrescentada e valorada, com inequívoca relevância para a boa decisão da causa, então teria de haver reenvio para novo julgamento face a tal matéria de facto suplementar essencial, sendo que o que se mostra juridicamente disforme é, en passant, tal demissão ajuizativa, padecendo a douta decisão recorrida dos vícios de nulidade por demissão ajuizativa bem como contradição insanável, os quais a inquinam decisivamente e prejudicam a sua compreensão pelo destinatário comum;
G. O explicitado em sede de fundamentação da decisão de facto, o raciocínio que suporta o dispositivo final, não só não satisfaz as exigências de prova, da livre apreciação do julgador e segundo a sua prudente convicção [art. 607.º n.º 5 do CPC], como não se mostra lógico, racional ou conforme com as regras da experiência comum pois da leitura da transcrição dos concretos segmentos do depoimento das testemunhas que o apelante havia convocado, não se vislumbrava que resultassem fundadas razões para, no que a tais aspetos concerne (IPATH e majoração IPP!), divergir da decisão que foi proferida sobre a matéria de facto em primeira instância nem do teor da douta decisão recorrida vemos que dela resultem fundamentos bastantes para infirmar aquela que foi a convicção do primitivo julgador quanto aos factos que teve como provados e não provados, tal como se mostrava devidamente explicitada em sede de fundamentação da decisão de facto;
H. Temos agora uma alteração da matéria de facto, inovatória e relativamente à qual a recorrente nunca teve oportunidade de recorrer pois, aquando do recurso da matéria de facto definida pela primeira instância, a questão não se colocava e agora, perante a primeira vez que tal facto 22-A se mostra dado por provado mostrar-se-lhe-ia vedado o recurso ao nível da matéria de facto pelo que uma irrecorribilidade colide com o princípio do acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva plasmados no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa dado que relativamente a tal alteração factual levada a cabo acabaria a recorrente por não ter um 2.º grau de jurisdição, dúvidas inexistindo em como tal alteração é deveras significativa e substancial pois importará prejuízo patrimonial sério e considerável (estávamos a falar de uma pensão anual e vitalícia de € 3.607,01 e agora foi fixada pensão anual e vitalícia de € 9.224,63!);
I. A contra face disso é o sinistrado passar a receber tal pensão cumulativa com a retribuição que continua a auferir, pois não está impossibilitado para trabalhar, continuando a trabalhar na recorrente, com a mesma categoria profissional e auferindo quantia considerável, não se vislumbrando assim nem justeza nem conformidade jurídica da alteração levada a cabo pelo Tribunal a quo pois não se verificarão nenhuns lucros cessantes que impliquem o pagamento de tal pensão que representará verdadeiramente um enriquecimento sem causa a expensas da recorrente (a indemnização pelos danos não patrimoniais, que será devida, mostrar-se-á apta a indemnizar os danos pelo sinistro!) dado que a indemnização por danos patrimoniais sempre terá de abarcar ou danos emergentes (como é o cado do doutamente decidido em relação aos gastos e despesas!) ou lucros cessantes, sendo que nesta parte se não vislumbra que a pensão decidida se encaixe, pois manifestamente não indemniza danos emergentes nem lucros cessantes, colocando o sinistrado a receber substancialmente mais do que aquilo que receberia em condições normais e antes do acidente;
J. Apenas com demissão ajuizativa sobre quais sejam as concretas funções e conteúdo funcional do sinistrado é que se poderia dar como provada a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual pois o mesmo não tinha a categoria profissional de operador de máquinas mas sim de chefe de secção, não sendo o desempenho laboral nas máquinas quotidiano nem diário, sendo antes esporádico e tinha em vista apenas a realização de amostras e testes nas mesmas;
K. A regra do desempenho laboral era supervisionar e chefiar, funções essas para as quais se mostra plenamente capaz, tal qual se mostrava antes do acidente, e para que houvesse uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual teria de haver manifesta ausência de capacidade para a prossecução do conteúdo funcional, o que não está em causa pois o sinistrado continua a trabalhar e com conteúdo funcional similar, o qual não contende diretamente com o manuseamento manual;
L. Dúvidas inexistem em como o conteúdo funcional da prestação laboral desempenhada pelo sinistrado não contendia necessariamente com o manuseamento pois toda e qualquer função de liderança inerente a uma categoria de chefia tem muito mais a ver com trabalho intelectual que manual, como se julga notório e se invoca nos termos e para efeitos do art.º 412.º CPC, tendo o próprio Tribunal de primeira instância justificado de forma cabal a decisão do ponto de facto que o sinistrado agora impugna, sendo tal fundamentação julga-se deveras assertiva juridicamente e mostra-se conforme à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, como a transcrição levada a cabo pelo próprio sinistrado, no recurso por si apresentado, permite ajuizar da bondade decisória, infirmando a pretensão vertida no recurso;
M. A resposta dada ao ponto 10. da matéria de facto não provada mostra-se assim correta e cabalmente fundamentada, não existindo qualquer vício de contradição face aos pontos provados 61., 69., 78., 79. e 80. ou quaisquer outros pois facilmente se constata tal pelo simples facto de, incorretamente, o sinistrado pretender ter como sinónimos a “incapacidade” absoluta para o trabalho habitual com a situação de “limitação” para o trabalho habitual, o que, salvo o devido respeito, “limitação” e “incapacidade absoluta” não são nem poderão ser sinónimos, quer no ponto de vista linguístico quer jurídico!
N. O sinistrado ficou com sequelas que o limitarão no desempenho laboral de algumas tarefas mas no tocante à sua maioria e ao grosso operante da categoria funcional não denota qualquer limitação nem incapacidade, não podendo ser tomada a árvore pela floresta e não se poderá dar tratamento igual ao que é manifestamente desigual (se o sinistrado fosse pianista, aí sim, teria ficado com incapacidade absoluta para o desempenho de trabalho habitual!) pois atendendo a que o trabalho a desempenhar pelo sinistrado não era umbilical e exclusivamente manual, não se compreende tal pretensão ao arrepio da verdade dos factos e prova carreada para os autos, nada havendo a apontar ao douto juízo judicativo decisório proferido pelo Tribunal de primeira instância por estar o mesmo plenamente apto para o exercício das atividades de gestão, orientação, fiscalização e formação e uma equipa de trabalho;
O. Os três médicos do trabalho consideraram o autor apto para tal desempenho laboral, embora com condicionalismos relacionados com a operação de máquinas e manipulação de produtos químicos, razão pela qual foram dados por provados os pontos de facto 69. e 79., com o condicionalismo inerente, não se vendo onde haja contradição face ao facto não provado 10, aqui radicando mais uma inovação do Tribunal a quo pois efetuou as alterações ao nível dos factos provados mas a matéria de facto dada por não provada, a fls. 30, continua a ter o facto não provado 10 com o seguinte teor: “O autor ficou incapaz para o seu trabalho habitual de chefe de secção”;
P. Não se pode ainda esquecer que o próprio recorrido manifestou vontade de regresso às funções que exercia, o que claramente denota da sua parte o entendimento em como se sentia capaz do seu desempenho, o que é expressamente incongruente com a sua pretensão ora vertida no douto requerimento de recurso, a denotar manifesto venire contra factum proprium;
Q. É falso que as testemunhas BB, CC, DD e EE tenham afirmado que o sinistrado operava máquinas de forma recorrente, como se comprova denota pelas passagens deixadas nas alegações e que ora se dão por integralmente reproduzidas, a atestar que tal desempenho era excecional e esporádico e nem ficava todo a cargo do sinistrado, inexistindo qualquer recorrência em tal desempenho laboral a traduzir-se na operação de máquinas, sendo tal ponto nevrálgico e essencial para a boa decisão da causa, sendo plenamente justificado que todo e qualquer trabalhador acessoriamente possa levar a acabo funções complementares ou que sejam afins da categoria funcional que exerça e desempenhe;
R. Olhando-se para o teor do facto provado 78. (que o recorrido não impugnou e se mantém nos seus precisos termos!), as funções do sinistrado manifestamente não contendiam nem estavam única e exclusivamente ligadas a trabalho manual, pelo que, a contrario, não exista tal incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e mal tenha decidido o Tribunal a quo e ao arrepio dos três médicos que consideraram o autor apto para tal desempenho laboral, embora com condicionalismos relacionados com a operação de máquinas e manipulação de produtos químicos;
S. Foi realizada Junta Médica na qual se questionava quais as lesões e sequelas apresentadas e qual a desvalorização que lhe corresponde de acordo com a TNI, sendo que por maioria, foi considerado que não existia incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, não estando o sinistrado impedido nem incapacitado de exercer as funções que desempenhava anteriormente, mas tão-só e apenas as que contendem diretamente com a operação de máquinas de laminagem e tecido, estando plenamente apto para todas as demais funções inerentes à categoria profissional de chefe de secção;
T. Inexistia qualquer permanência e continuidade da operação de máquinas, sendo esta atividade mais um trabalho ocasional, eventual e de curta duração, sendo válida a jurisprudência citada e que contradiz a douta decisão recorrida, que deve ser alterada, inexistindo qualquer prova em como o trabalho habitual do sinistrado era operar máquinas de forma contínua e permanente, pelo que a conclusão e subsunção jurídica terão de ser diversas das proferidas pelo Tribunal a quo em virtude de a operação de máquinas não ser o núcleo essencial da atividade laboral e as demais funções de gestão, supervisão e coordenação não se mostrarem meramente residuais ou acessórias;
U. A doutrina de Carlos Alegre igualmente desabona o teor decisório recorrido pois manifestamente inexiste qualquer incapacidade de 100% para o trabalho habitual, que, como já se disse, não era operar máquinas, mal tendo andado o Tribunal a quo ao decidir que in casu existe incapacidade permanente absoluta do recorrente para o trabalho habitual, devendo tal douta decisão ora proferida ser alterada e o recurso proceder, sendo de censurar juridicamente a alteração levada a cabo pelo Tribunal a quo pois padece do vício de contradição insanável, e consequente nulidade, atenta a alteração ao nível da matéria de facto provada e manutenção do teor decisório não provado no ponto 10 bem como ponto de facto provado 78;
V. Antes de ser essencial dar por provado que as tarefas e funções de operação de máquinas pudessem ser realizadas só com uma mão era previamente essencial dar como provado que as concretas funções exigiam operação de máquinas, dúvidas inexistindo em como o Tribunal a quo refere que o sinistrado está apenas “limitado para o efeito” (fls. 47 supra!), não se vislumbrando como é que de uma limitação se conclui pela incapacidade, havendo manifesta contradição insanável entre tal fundamentação e a conclusão final;
W. No tocante à incapacidade permanente parcial de 31%, a mesma mostra-se suportada pela prova realizada e carreada para os autos, desde as declarações testemunhais até aos relatórios periciais juntos, tendo a própria fundamentação do Tribunal de primeira instância não deixado dúvidas, pois remete para a posição maioritária da perícia médico-legal que apontou, “de forma unânime”, a IPP de 31%, fundamentando tal decisão numa ideia de proporcionalidade e “argumento de maioria de razão”;
X. Se é certo que o parecer da junta Médica possa não ser vinculativo, de igual forma o não será o relatório de avaliação do dano corporal elaborado pelo gabinete Médico-Legal e Forense de Entre Douro e Vouga, tendo tal questão da incapacidade sido dirimida num apenso próprio (autos de Proc. n.º 288/16.5T8OAZ-A - Espécie: Fixação da Incapacidade para o Trabalho), que culminou com douta sentença datada de 21 de dezembro de 2018, transitada em julgado, e que no que ao presente ponto importa com o seguinte conclusão/dispositivo: “6. Assim sendo, nos termos 140.º, n.º 2, do Código do Processo do Trabalho, fixo em 31% a incapacidade permanente parcial de que o autor está afetado por força das lesões e sequelas de que padece descritas no auto de Junta Médica.”
Y. Todas as considerações técnicas e legislativas invocadas pelo Tribunal a quo não poderão ser valoradas nem justificar alteração a algo já consolidado na ordem jurídica pois foi realizada Junta Médica na qual se questionava quais as lesões e sequelas apresentadas e qual a desvalorização que lhe corresponde de acordo com a TNI, sendo que por unanimidade, foi fixada a incapacidade permanente parcial de 31% e não aquela que o recorrente pretende, não se podendo convocar jurisprudência que, na prática, trate situações diferentes de forma igual, ao arrepio dos princípios da legalidade, da igualdade bem como da proporcionalidade, adequação e proibição do excesso;
Z. Alguém que fique impedido do exercício habitual de funções não pode ser tratado da mesma forma que alguém que fique apenas limitado mas que possa prosseguir o desempenho habitual ainda que com mais esforço, não sendo aplicável a bonificação plasmada no anexo I do DL 352/2007 pois a mesma prevê a não reconvertibilidade, a qual inexiste no presente caso pois não há incapacidade permanente (o sinistrado retomou o trabalho e nele se encontra há longo lapso temporal, sem recidiva nem recaídas!) e com vontade e desejo de retomar as funções anteriores, o que é de todo incompatível com qualquer incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual, que repita-se, não contendia contínua e permanentemente com a operação de máquinas, devendo ser revogada tal bonificação majorada que não é enquadrável in casu e representará um benefício ilegítimo e enriquecimento sem causa a expensas da recorrente;
AA. O presente processo é paradigmático no que concerne à dificuldade coexistência de realidades antagónicas pois não se poderá defender a integração da máquina no processo produtivo e sua utilização anterior por vários outros trabalhadores e depois culpar a ré por um acidente ocorrido apenas com um deles nem se poderá defender culpa exclusiva da ré quando a situação de perigo era por demais conhecida e até se mostrava difundida, sendo da mais elementar regra da experiência que algo não pode ser simultaneamente aquilo que é e o seu contrário e exigível todo um plus acrescido de cuidado a ser tomado pelos trabalhadores em particular, podendo mesmo configurar uma recusa legítima de utilização ou manuseamento de tal máquina e algum facilitismo que não poderá ser assacado em exclusivo à ré;
BB. Se fosse a primeira vez que a máquina fosse colocada em funcionamento, ainda que apenas para amostras ou documentação, sem qualquer conhecimento prévio das falhas de segurança e perigo, justificava-se o doutamente decidido mas a verdade material dada por provada é outra pois não só houve o cuidado da recorrente em aferir das condições de segurança da máquina como ainda levou a cabo a mitigação de tais riscos e perigos, como dado por provado em 75., nomeadamente elaboração e afixação de ficha de segurança, não se podendo esquecer as especiais aptidões do sinistrado, o qual, conforme dado por provado em 77., tinha experiência na utilização de máquinas daquele tipo e formação profissional sobre manuseamento de máquinas industriais;
CC. Perante isto, é incompreensível uma decisão que não equacione conhecer ou indagar da possível culpa do sinistrado em tal sinistro, não sendo um qualquer aprendiz ou outro funcionário com menos experiência ou sem aptidão e num quadro de utilização da máquina sem adoção ou conhecimento dos perigos, sendo maiores as diferenças face a tal quadro hipotético do que as semelhanças, pelo que, ao abrigo do princípio da igualdade deverá tal diferenciação ter reflexo na decisão a proferir dado que a recorrente: I) solicitou a uma entidade especializada a realização de inspeção para verificação das condições de segurança, e II) elaborou e afixou uma ficha de segurança da máquina que obriga à presença de dois trabalhadores junto da mesma quando em funcionamento (solução mais preventiva e segura que a avançada pela CATIM de colocação de cabos de paragem de emergência posicionados paralelamente à zona perigosa, pois esses apenas poderiam ser acionados pelo sinistrado e julga-se por notório, o que se invoca nos termos e para efeitos do art.º 412º CPC que em situação de aflição e prisão de uma mão, a tentação imediata da vítima é ir lá com a outra mão, o que impediria o manusear e acionar dos cabos de paragem);
DD. De acordo com o provado em 74. a máquina foi adquirida em 2014 e o pedido de fiscalização é desse mesmo ano, sendo o relatório de 16 de dezembro de 2014, concluindo-se que o conhecimento do relatório é do final do ano e de imediato foram levadas a cabo ações preventivas, tendo infelizmente o acidente vindo a ocorrer em 22 de Janeiro do ano seguinte, ou seja, pouco mais de um mês após o relatório, lapso temporal deveras exíguo e a impedir que algo mais pudesse ser feito pela recorrente, pois em lado algum da factualidade provada se mostra referida a imposição de adoção de medidas de segurança, mas tão-somente a sua proposta;
EE. O teor do facto dado por provado 83 é elucidativo a esse respeito, usando sempre o vocábulo “propôs” e “medidas de segurança propostas”, o que não é sinónimo de “impôs” nem “medidas dessegurança impostas”, impondo-se uma apreciação global e visão de conjunto sobre a atuação da recorrente para ver se preenche os requisitos e elementos conducentes a uma culpa pela não adoção de mecanismos de segurança e desprezo pela mesma, crendo-se que a resposta será negativa, não se mostrará assim preenchido o pressuposto base da responsabilidade objetiva da recorrente a título exclusivo e único!
FF. Mostra-se dado por provado no ponto de 71. que o autor ficou com a mão presa entre os rolos quando tentava retirar o papel siliconado que revestia e protegia os rolos, estando igualmente dado por provado que tal ação apenas poderia ser feita manualmente, ponto crucial e deveras relevante para a boa decisão da causa pois, atentas as especiais aptidões e experiência do autor, como provado em 77, o mesmo foi no mínimo negligente dado que, para além de toda a publicidade inerente aos perigos da máquina, a ponto de ter sido afixada a ficha de segurança e implementada a presença obrigatória de dois trabalhadores, justificar-se-ia maior prudência uma vez que anteriormente outros funcionários a teriam usado, para documentação e amostras e nada teria sucedido;
GG. O perigo não era permanente nem efetivo, podendo ser evitado com a adoção de cuidados mínimos e a produção do acidente não era uma inevitabilidade nem era altissimamente provável, o que impede a condenação pura e simples da ré recorrente, tendo a questão de ser analisada sobre o prisma da omissão de cuidados básicos por parte do autor, como seja, a utilização de luvas ou o ter desligado a máquina para poder aproximar os dedos em segurança dos rolos, não podendo tal circunstancialismo possa ser en passant denegado pelo Tribunal a quo com a justificação de, falsamente, se tratar de uma questão nova;
HH. Assim não é como se denota pela súmula processual efetuada a fls.2 do douto acórdão recorrido onde se vê que a experiência profissional do sinistrado foi expressamente alegada bem como foi invocada ausência de culpa, tendo invocado expressamente na contestação que “não existe qualquer violação da sua parte” (fls. 2, 1º parágrafo da douta decisão recorrida!) e respondido no sentido da “inexistência de violação de regras de segurança” (fls. 2, 3º parágrafo da douta decisão recorrida!), nem podendo ser a responsabilidade transmitida à ré seguradora, não se tratando assim de nenhuma questão nova, tendo-se o Tribunal a quo, injustifica e ilicitamente demitido do dever de julgar tal circunstancialismo que é essencial para a boa decisão da causa, impondo-se suprir tal vício decisório que inquina inexoravelmente a douta decisão e preclude o direito recursório;
II. Não estando em causa a desconsideração dos padecimentos do autor nem o respeito devido a todo e qualquer sinistrado, cumpre expor que na própria fundamentação o Tribunal de primeira instância havia convocado diversa jurisprudência, a fls. 37, 3º parágrafo, que se deixou transcrita, e a comprovar que a indemnização a aplicar nos presentes autos deverá ser inferior à fixada pois em nenhum dos doutos acórdãos citados o valor da indemnização se aproximou do fixado nos presentes autos, variando entre um mínimo de € 20.000,00 e um máximo de € 50.000,00, com variação ao nível das respetivas IPGs que variam entre 10% a 40%;
JJ. In casu, foi fixada a quantia de € 60.000,00 e a incapacidade não é absoluta, sendo certo que há as lesões, os padecimentos, o dano estético, etc. mas nada disso resulta quantificadamente provado e com rigor dos factos provados, não havendo a quantificação do quantum doloris nem do dano estético, não se mostrando também valorada a questão em termos de dano biológico ou similar pelo que ainda que a repercussão assuma proporções consideráveis não é assim tão gravosa que imponha tal magnitude de indemnização, não estando em causa a perda de uma mão, nem de um braço ou de uma perna, mas sim a lesão de parte de alguns (que não todos) os dedos da mão (ainda que a direita!) mas não conduziram sequer à perda definitiva de tais dedos, uma vez que, por força de cirurgias de reconstrução veio a ser possível atenuar substancialmente as lesões;
KK. Não há a gravidade que poderia estar em causa resultante de uma amputação permanente, não sendo assim os danos tão consideráveis e não se mostrando aferido qual o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica (dano biológico) do autor, nem o quantum doloris nem o dano estético, por referência a valores quantitativos, salvo o devido respeito, não se poderá atribuir justamente a indemnização, faltando dados concretos, cabais, inequívocos e cristalinos que permitam decidir bem como valorar tal decisão e padecendo a douta decisão recorrida dos vícios de contradição insanável ao convocar acórdãos que nada têm que ver com o caso dos autos bem como de demissão ajuizativa face a factos que deveriam constituir o objeto do processo, a impor, ao abrigo do disposto no art. 662º n.º 2 c) CPC a anulação da douta decisão para que seja ampliada a matéria de facto e haja pronúncia expressa sobre essas três questões concretas;
LL. Em sã consciência não se poderá sequer indagar da bondade decisória, pois os demais acórdãos consultados e citados partem de premissas mais concretas e cabais no que concerne aos concretos danos, indubitável e pericialmente definidos e fixados, importando ainda valorar que relativamente ao dano referido e provado sob o ponto 69. não poderá o mesmo ser deveras valorado pois não encerra nenhuma definitividade nem resultou qualquer incapacidade reprodutora para o sinistrado, que felizmente voltou a recuperar a sua vida normal, deslocando-se ao volante de automóvel, continuando a jogar futebol, tendo também retomado a prossecução laboral, pelo que a visão global de conjunto não assume assim tamanha gravidade que justifique a indemnização fixada, que deverá ser atenuada.
MM. Normas jurídicas violadas: maxime 412.º, 607.ºn.º 5, 662.º n.º 2 c) CPC; anexo I do DL 352/2007; art. 20.º CRP; Princípios jurídicos violados: do acesso à tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso o, da legalidade, da metódica de concordância prática entre direitos, do abuso de direito, do enriquecimento sem causa bem como da (des)igualdade.»
9. A R. seguradora respondeu, defendendo que o recurso deve ser julgado improcedente no que diz respeito ao alegado nas conclusões E) e F) e AA) a EE) das conclusões, confirmando-se, em consequência, o Acórdão recorrido nessa parte.
10. Também o A. respondeu no sentido de que deve ser negado provimento ao Recurso de Revista interposto pela Recorrente, mantendo-se na íntegra o Acórdão recorrido.
11. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso de revista.
12. Nas suas conclusões, a recorrente requer a revogação do acórdão recorrido, atentos os vícios decisórios de que o mesmo padece, que se mostram geradores de nulidade, elencando as questões que, em seu entender, devem ser apreciadas na revista:
I) demissão ajuizativa e errónea apreciação da prova;
II) contradição/oposição entre fundamentos e decisão bem como entre factos julgados provados e não provados; e
III) majoração condenatória.
Percorrendo as conclusões, e procurando concretizar, resulta das mesmas que as questões a apreciar são as seguintes:
1) Nulidades do acórdão recorrido, contradição insanável e «demissão ajuizativa»;
2) Alteração da decisão relativa à matéria de facto, incluindo a fixação da IPATH ao sinistrado;
3) Saber se o Tribunal da Relação podia ter atribuído o fator de bonificação 1,5, previsto no ponto 5.º a) das Instruções Gerais da TNI.
4) Responsabilidade da recorrente, nos termos do art.º 18.º, da LAT;
5) Montante da indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 60.000,00.
II
A) Fundamentação de facto:
O Tribunal da Relação, quanto à factualidade que considerou provada, consignou o seguinte:
«3.1. Factos provados, (incluindo a matéria de facto alterada e aditada, em realce, na sequência do decidido infra):
1. O Autor foi contratado pela 1.ª ré em 01.01.2002 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de motorista, tendo desempenhado posteriormente as funções de empregado de armazém, operador fabril e chefe de secção.
2. Em 22.01.2015, o autor trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da 1.ª ré e tinha a categoria profissional de chefe de secção.
3. Auferia a remuneração mensal de € 735,00 acrescida de um subsídio de alimentação, igualmente mensal, de € 99,00 e de um subsídio noturno de € 23,32 por mês.
4. Naquela data (22.01.2015) a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, no que respeita ao autor, encontrava-se transferida para a 1.ª ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, na modalidade de prémio variável (folha de férias), com cobertura das prestações por incapacidade temporária e permanente a calcular com base na cláusula “salário líquido integral”.
5. A Ré seguradora aceitou a existência do acidente e a sua caracterização como de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões sofridas, a categoria profissional e a retribuição do sinistrado, assim como a transferência da responsabilidade infortunística em função da retribuição anual ilíquida de € 11.635,52.
6. Contudo, não concordou com os períodos de incapacidade, o respetivo grau e o coeficiente de desvalorização arbitrado ao sinistrado pelo Instituto de Medicina Legal, visto entender que não se encontra incapacitado, de forma permanente e absoluta, para o exercício da sua profissão habitual e é portador de uma IPP de apenas 29,85%.
7. Em todo o caso, declinou assumir a responsabilidade pelo acidente, nada aceitando pagar ao sinistrado, a título de pensão ou a qualquer título, por entender que houve violação das regras de segurança por parte da empregadora.
8. A ré entidade patronal aceitou a existência do acidente e a sua caracterização como de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões sofridas, a categoria profissional e a retribuição do sinistrado, assim como a transferência da responsabilidade infortunística para a 1.ª ré, em função da retribuição anual ilíquida de € 11.635,52.
9. Porém, não concordou com os períodos de incapacidade, o respetivo grau e o coeficiente de desvalorização arbitrado ao sinistrado pelo Instituto de Medicina Legal, visto entender que não se encontra incapacitado, de forma permanente e absoluta, para o exercício da sua profissão habitual e é portador de uma IPP de apenas 29,85%.
10. Nada aceita pagar a 2.ª ré ao sinistrado, a título de capital de remição ou a qualquer título, visto entender que não houve da sua parte qualquer violação das regras de segurança e que a responsabilidade infortunística se acha integralmente transferida para a ré seguradora.
11. No dia 22.01.2015, cerca das 10.50h, o autor quando operava uma máquina ... nas instalações fabris da 2.ª ré, e retirava o papel siliconado que revestia os rolos ficou com a mão direita entalada entre os referidos rolos da ....
12. O perito médico do IML fixou ao autor as seguintes incapacidades para o trabalho:
a) Incapacidade Temporária Absoluta (ITA), de 23.01.2015 até 29.09.2016;
b) Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 71%, de 30.09.2016 a 11.11.2016.
c) Incapacidade Permanente Parcial (IPP), desde 11.11.2016, com 35,0037% de coeficiente global de incapacidade, por referência à Tabela Nacional de Incapacidades.
Fixou a data da consolidação médico-legal das lesões no dia 11.11.2016 e considerou que as sequelas sofridas pelo autor são causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual.
13. Durante os períodos em que esteve incapacitado para o trabalho, o autor não recebeu da 2.ª ré qualquer salário, nem qualquer outro crédito laboral.
14. Tendo recebido da 1.ª ré seguradora a importância de € 13.131,11, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos.
15. O autor nasceu no dia … 1981, é casado e tem uma filha nascida em … de 2011.
16. Na sequência do acidente supra referido, o autor foi transportado para os serviços de urgência do Centro Hospitalar de ………../…….., EPE, onde após lavagem e desinfeção da mão direita foi constatado um esfacelo grave de partes moles e lesões múltiplas cutâneas, com lesões e esmagamento e arrancamento, Lesão de desluvamento (grau III) nos três dedos até AMCF, com fratura e perda de substância distal a terço médio de F2 de D2. Restantes dedos com estruturas osteoarticulares tendinosas íntegras, com manutenção de inserção de tendões flexores superficiais e profundos de D3 e D4 e de flexor superficial D4.
17. Para tratamento e reposição dos dedos esfacelados, foi efetuada uma cirurgia ainda pouco comum que consistiu na abertura na parte subcutânea da parede abdominal do autor e a colocação dos dedos da mão afetada no seu interior para que aí se reconstituíssem.
18. Essa cirurgia foi efetuada através de uma marcação infra umbilical para cobertura do defeito, com abertura de tuneis modelados para defeitos cutâneos e plano subcutâneo, colocação de dreno tubulares e inserção de D2, D3 e D4 em túneis de retalho abdominal. Fixação de F3 de cada dedo a zona caudal de retalho e fixação com prolene 3.0. Encerramento cutâneo com prolene 4.0. Penso tipo Gerdy.
19. Posteriormente à alta dos serviços de cirurgia ocorrida em 30.01.2015, o autor foi orientado para os serviços de cirurgia plástica do Centro Hospitalar de ………/………, onde foi submetido a vários procedimentos cirúrgicos reconstrutivos destinados a melhorar a aptidão e funcionalidade dos dedos afetados.
20. No dia 04.03.2015, o autor recebeu nota de alta do serviço de cirurgia plástica, após ter sido submetido em 26.02.2015 a um levantamento supra aponevrótico de retalho abdominal infra umbilical incluindo os dedos e sua utilização para cobertura dos dedos – sindactilia temporária.
21. No seguimento da alta clínica dos serviços de cirurgia plástica, ao autor foi dada a indicação para a elevação do membro superior direito, analgesia em caso de dor e manutenção de cinta abdominal compressiva 24h/dia, assim como indicação para renovação de penso.
22. O autor sofreu as seguintes incapacidades para o trabalho:
a) Incapacidade Temporária Absoluta (ITA), de 23.01.2015 até 29.09.2016;
b) Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 71%, de 30.09.2016 a 11.11.2016.
22-A - Do acidente resultaram para o Sinistrado, como consequência direta e necessária, esfacelo e lesões múltiplas na mão direita, mantendo depois dos tratamentos a que foi submetido, cotos de amputação distais nas regiões de enxertos cutâneos – D2, D3 e D4, não tendo os dedos reconstruídos com retalho abdominal mobilidade nas articulações interfalângicas, não permitindo a realização de uma pinça fina, mostrando-se prejudicada a função de preensão global, não podendo com a mão direita efetuar manipulação manual de cargas, nem laborar com máquinas ou objetos cortantes, nem manipular produtos químicos ou exercer funções que impliquem contacto com fontes de calor, atenta a forma como ficou afetada a sensibilidade dos mesmos dedos, sendo tal causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual e de incapacidade permanente parcial, com o coeficiente de desvalorização de 46,4 % de IPP para o exercício de outra profissão; (aditado).
23. A ... que o autor operava não dispunha de nenhum protetor ou dispositivo de proteção que impeçam o acesso à zona perigosa da máquina ou que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso àquela zona, com exceção de botões laterais de emergência a que o sinistrado não chegava no momento do acidente.
24. A 2.ª ré tinha conhecimento da falta de dispositivos de proteção do equipamento em questão, em data anterior à ocorrência do acidente de trabalho, pois, através de uma visita efetuada pelo CATIM em 02.12.2014 e num relatório de 15.12.2014 foi apontada e assinalada essa falta de conformidade do equipamento.
25. Não obstante essa recomendação do CATIM, até à data do acidente, a 2.ª ré não implementou os dispositivos de proteção da ..., só o tendo efetuado após o acidente de trabalho em causa nestes autos.
26. Se a 2.ª ré tivesse cumprido as determinações do ACT quanto à implementação das proteções à ... em tempo oportuno, o autor não conseguia passar com as mãos para além da rede de segurança destinada a impedir o acesso das mãos aos cilindros da ....
27. No momento do acidente, o autor teve a imediata perceção de que os dedos da mão direita seriam amputados devido ao esfacelo.
28. Sentiu-se angustiado por não conseguir evitar o acidente e terror pela mutilação dos dedos da mão direita.
29. Sofreu muitas dores, nos momentos que decorreram entre o acidente e a chegada ao Hospital, cerca de 1 hora.
30. Permaneceu prostrado no chão durante vários minutos, até ser socorrido pelos colegas de trabalho e depois pelos Bombeiros, mantendo a consciência do que se passava à sua volta.
31. A caminho do Hospital foi-lhe administrada medicação analgésica (morfina), contudo, a cirurgia dada a sua complexidade, só foi realizada mais tarde, cerca das 13 horas, tendo o autor durante esse período sofrido dores e uma permanente angústia sem saber se os dedos seriam amputados.
32. A operação foi realizada com anestesia geral e durou cerca de 9 horas.
33. A cirurgia efetuada ao autor é inovadora e ainda pouco comum e consiste em introduzir a mão afetada na parte subcutânea da cavidade abdominal para que os dedos se reconstituam pelo contacto com a carne humana.
34. O processo cirúrgico que o autor se submeteu é delicado, sujeito a diversas intercorrências inflamatórias e ou infeciosas, em que teve de manter os dedos da mão dentro seu próprio corpo sem a poder mexer ou mover.
35. O autor manteve os dedos da mão direita dentro do seu corpo durante o período de cinco semanas, em que permaneceu hospitalizado uma semana e com acompanhamento médico e impedido de se mover e efetuar movimentos bruscos, totalmente dependente da ajuda de terceiros para as suas necessidades básicas.
36. Efetuada a reconstituição dos dedos da mão direita, o autor ganhou alguma autonomia e pôde regressar a casa, mas sempre com a ajuda da sua esposa e da sua família.
37. O autor foi ainda sujeito a várias intervenções médicas, na especialidade de cirurgia plástica, destinadas a melhorar a funcionalidade e o aspeto dos dedos da sua mão direita.
38. Desde então, o autor tem procurado recuperar a funcionalidade da sua mão, através de sessões de fisioterapia, destinadas a melhorar a funcionalidade e mobilidade dos dedos afetados.
39. Durante o período de fisioterapia a que foi sujeito, mais de 6 meses e 100 sessões, o autor sofreu várias dores nos dedos e tendões afetados, o que lhe causou grande sofrimento.
40. Nesse período, foi sujeito a tratamentos, aplicação de cremes nos enxertos e pele e curativos na zona afetada.
41. Foram efetuados enxertos de pele na zona da coxa, para serem aplicados nos dedos afetados, o que causou ao autor dores e incómodos e lhe deixou uma cicatriz da coxa.
42. O autor sofreu dores após o acidente, nas intervenções e tratamentos a que foi submetido, e durante o período de recuperação.
43. Sofreu também de profundo abalo psicológico, angústia, tristeza, infelicidade e inconformismo, por ficar com sequelas físicas e psíquicas muito graves, tendo sido seguido na especialidade de psiquiatria e prescrita medicação antidepressiva.
44. Em consequência das lesões sofridas com o acidente dos autos, o autor ficou portador de uma deformação na mão direita e uma cicatriz na zona abdominal e na coxa.
45. Antes do incidente, o autor tinha boa saúde e não possuía qualquer defeito físico aparente.
46. O autor tem agora grandes dificuldades em escrever, efetuar certas brincadeiras com a sua filha, segurar os talheres e é-lhe impossível a realização de qualquer tarefa que implique minúcia ou força com a mão direita.
47. Devido à amputação dos dedos e ao enxerto efetuado, o autor perdeu totalmente a sensibilidade nos dedos, não percecionando as fontes de calor ou de frio.
48. Não consegue ou tem dificuldades em realizar simples tarefas do dia-a-dia, como escrever, apertar botões da roupa, lavar os dentes, apertar os atacadores, suportar o peso dos talheres, cortar alimentos, introduzir a chave em portas e outras mais.
49. Deixou de poder andar de mota, uma vez que não pode rodar o acelerador da mota no punho direito, nem usar o travão, devido à perda de sensibilidade dos dedos da mão direito.
50. Como também deixou de praticar desporto como, pelo menos durante algum tempo, futebol e, permanentemente, karting, que anteriormente fazia com os seus amigos e lhe dava muito gosto e satisfação, continuando atualmente, pelo menos, a acompanhar a equipa de futebol em que estava integrado.
51. Sente dificuldades em conduzir o seu automóvel sobretudo ao engrenar as mudanças, atendendo a que o seu veículo dispõe de caixa de velocidades manual.
52. Sendo destro, o autor ainda não se conseguiu adaptar a escrever com a mão esquerda e a realizar tarefas com essa mão.
53. As lesões estéticas e as limitações causam ao autor tristeza, angústia, infelicidade e inconformismo, que o levam a esconder a sua deformidade perante as pessoas com quem contacta.
54. A esposa do autor trabalha como animadora socio cultural na Fundação ………., onde auferia um vencimento de € 648 e tem um horário de trabalho entre as 9.30h-13.00h e as 14h-17.30h.
55. Em resultado do acidente, a esposa do autor viu-se confrontada com uma situação em que tinha de dar apoio ao seu marido e à sua filha, faltando diversas vezes ao trabalho para acompanhar o marido tanto ao Hospital, como às sessões de fisioterapia e outras situações relacionadas com o acidente.
56. Devido a essa circunstância, a esposa do autor esteve dois meses de baixa e averbou várias faltas ao seu trabalho, as quais apesar de justificadas e compreendidas pela entidade patronal determinaram a perda de retribuição [durante o período de baixa] ou então a prestação de horas compensatórias pelas faltas dadas.
57. O autor e a sua esposa são pessoas que vivem do seu trabalho e dos salários que recebem.
58. Perante tal cenário, o autor e a sua esposa viram-se obrigados a mobilizar as poupanças que haviam amealhado ao longo de anos e a pedir ajuda económica aos seus pais.
59. Só com o regresso ao trabalho do autor e o recebimento do seu salário, é que a normalidade da situação económica do casal foi reposta.
60. Devido ao seu acidente de trabalho e às suas consequências, o autor teme pela manutenção do seu posto de trabalho e pela dificuldade da obtenção de um outro devido à sua limitação física.
61. A 2.ª ré já propôs ao autor a cessação do contrato de trabalho, que o autor não aceitou.
62. Antes do acidente o autor era uma pessoa robusta, saudável, afável, alegre e comunicativa.
63. Partilhava com a sua esposa as lides da casa.
64. Convivia alegremente com seus familiares e amigos todos os fins-de-semana.
65. Com o acidente de trabalho, sofreu o autor uma grande dor e desgosto, fechando-se, constantemente e até aos dias de hoje, na sua dor, lamentando o sucedido e ainda o recordando permanentemente.
66. Entre o autor e a sua esposa existe uma forte relação e como casal tinham grandes projetos e ambições para o futuro, ambicionando ter mais filhos, assim que tivessem possibilidades económicas.
67. O acidente de trabalho que sofreu, as sequelas físicas daí decorrentes e a incerteza quanto ao seu futuro profissional, determinaram a decisão do casal não ter mais filhos, o que muito os entristece.
68. A 2.ª ré é uma grande empresa do sector têxtil com várias unidades fabris [integrada num grupo que fatura cerca de 100.000.000 € anuais] e várias centenas de trabalhadores [cerca de 1000].
69. O autor desde a data do acidente de trabalho, viu-se condicionado no desempenho da sua atividade laboral, tendo deixado de desempenhar as suas funções, não tendo a 2.ª ré logrado obter um posto de trabalho adequado à sua categoria de chefe de secção.
70. O autor, juntamente com os colegas de trabalho FF e EE, acionaram a máquina ..., pelo menos também, para documentar fotograficamente o processo produtivo da máquina. Alterado para:
70. - O autor, juntamente com os colegas de trabalho FF e EE, acionaram a máquina ..., pelo menos para documentar fotograficamente o processo produtivo da máquina; (alterado).
71. O autor ficou com a mão presa entre os rolos quando tentava retirar o papel siliconado que revestia e protegia os rolos o que só pode ser efetuado manualmente.
72. A trabalhadora FF estava junto ao botão de emergência e acionou-o de imediato para parar a ....
73. De seguida, inverteram o sentido dos rolos para se retirar com cuidado a mão do autor de entre os rolos.
74. A máquina é de produção anterior a 1995 mas foi adquirida pela ré empregadora em 2014, tendo solicitado à entidade CATIM uma inspeção para verificação das condições de segurança do equipamento que elaborou um relatório em 16 de Dezembro de 2014 que considerou que, caso não fosse possível por questões associadas ao processo produtivo a implementação de protetores, então devem ser colocados cabos de paragem de emergência posicionados paralelamente à zona perigosa.
75. A ré empregadora elaborou e afixou uma ficha de segurança da máquina que obriga à presença de dois trabalhadores junto da máquina quando esta está em funcionamento.
76. A ré empregadora contratou uma empresa para corrigir as não conformidades verificadas na máquina.
77. O autor tem experiência na utilização de máquinas daquele tipo e tinha formação profissional sobre manuseamento de máquinas industriais.
78. Como chefe de secção cabe ao autor supervisionar o pessoal que exerce a sua atividade num serviço, que pela sua dimensão poderá ter várias secções: organiza o trabalho e atualiza os processos e circuitos de modo a assegurar o correto funcionamento do serviço; dá orientações de acordo com os objetivos superiormente fixados; integra e coordena operacionalmente atividades ou secções relativamente homogéneas em natureza e objetivos; afina e regula as máquinas da secção; dirige a parte técnica e prática do trabalho, determinando os trabalhos a executar, orientando o pessoal e administrando e dirigindo todo o serviço, sendo que no exercício desta função na empregadora, cabia-lhe, para além do mais, as seguintes funções: proceder à distribuição de tarefas por diferentes postos de trabalho (máquinas industriais), com base nas ordens de fabrico que recolhia do departamento de logística da empresa; auxiliar os funcionários na definição dos procedimentos a adotar junto das máquinas, durante o dia de trabalho; identificar e/ou responder a pedidos de intervenção, por parte dos colegas, sempre que exista alguma anomalia no funcionamento das máquinas industriais; proceder à verificação dos parâmetros das ordens de fabrico; operar máquina de laminagem de tecido, programando-a conforme especificações técnicas recebidas; supervisionar o abastecimento da máquina, efetuado por colegas de produção, com tecido e espuma; verificar o processo de aparamento dos materiais fabricados; verificar a existência de anomalias nos tecidos quando estes saem da máquina de laminagem; proceder à limpeza e manutenção da máquina que operava consoante instruções enviadas pelo departamento de manutenção; manusear ferramentas como x-ato, espátula, rapador, escova de aço e diluentes no auxílio do processo de produção; operar outro tipo de maquinaria, pontualmente e segundo a solicitação da chefia; e cumprir com normas de higiene, saúde e segurança no trabalho.
79. O autor foi considerado pela medicina do trabalho apto condicionalmente para o exercício da função de chefe de secção, com a indicação de que não pode efetuar manipulação manual de cargas com a mão direita, nem laborar com máquinas ou objetos cortantes, nem manipular produtos químicos ou exercer funções com a mão direita que implique contacto com fontes de calor.
80. A ré empregadora propôs ao autor a alteração das funções para operador de armazém para o que foi considerado apto pela medicina no trabalho com o conselho de utilização de sapatos de proteção e luvas protetoras para a manutenção de audiência de risco acrescido de lesão cutânea e de tecidos moles das mãos.
81. A máquina ... não dispunha de protetor ou dispositivo de proteção que impedisse o acesso à zona perigosa da máquina ou que interrompesse o movimento dos elementos móveis antes do acesso àquela zona.
82. No relatório elaborado pela entidade Catim consta que a máquina ... não cumpre todos os requisitos de segurança, designadamente “acesso aos rolos motorizados (particularmente zonas de convergência do rolo motorizado central, zona central e zona de saída) sem sistema de proteção.
83. Entre as medidas de segurança propostas, aquela entidade propôs “impedir através de protetores e acesso às zonas de agarramento/arrastamento” e “caso não seja possível, por questões associadas ao processo produtivo a implementação de protetores, colocar cabos de paragem de emergência, posicionados paralelamente à zona perigosa.
84. Até ao momento do acidente, a ré empregadora não adotou estas medidas.
85. Em consequência, ocorreu o referido acidente.
Temos ainda como assente o que consta do relatório precedente e, bem assim, o seguinte:
86. Em 27.03.2017, foi realizado exame por médico singular, no âmbito da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, referindo o Sr. Perito médico, no respetivo relatório, a propósito das sequelas relacionáveis com o evento que o examinado apresenta no exame objetivo:
1. Quanto ao estado geral:
O examinando apresenta-se: consciente, orientado, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real.
O examinando é dextro e apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação.
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento:
O examinando apresenta as seguintes lesões:
Abdómen: Cicatriz na região abdominal
Membro superior direito: Coto de amputação do 2º, 3º e 4º dedo, com perda de sensibilidade do 2º, 3º e 4º raio. Rigidez da IFD do 5º dedo. Cicatrizes dorso do punho.
Concluindo o mesmo Perito:
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 22-07-2016.
- Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 547 dias.
- Incapacidade permanente parcial fixável em 35,0037%.
- As sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual.
87. Em esclarecimento adicional prestado na sequência de exame realizado em 21.04.2017, pelo mesmo Perito foram indicados os seguintes parâmetros de valorização:
a – A data da consolidação médica das lesões em 11-11-2016.
b- Incapacidade temporária absoluta de 23.01.2015 a 29.09.2016.
c- Incapacidade temporária parcial de 71% de 30.09.2016 a 11.11.2016.
d- Incapacidade permanente parcial de 35,0037%.
88. Em 21 de Julho de 2018, foi realizada Avaliação da Possibilidade de Exercício da Profissão Habitual, pelo Centro de Reabilitação Profissional de …………, constando que o acidente ocorreu quando o examinando operava uma ... no período de trabalho, a mão direita ficou presa, de onde resultou esfacelo da referida mão, com amputação das últimas falanges dos 2º, 3º e 4º dedos (o 5º dedo sofreu fratura na articulação interfalângica distal).
Do mesmo relatório consta quanto às alterações funcionais relacionáveis com o evento traumático com impacto no domínio profissional:
Alterações físico funcionais:
O examinando apresenta alteração das funções neuro-músculo-esqueléticas ao nível da mão direita, comprometendo a capacidade de manipulação e preensão, por menor força de preensão e limitação grave da motricidade fina dos dedos, interferindo com a pinça de utilidade, Apresenta ainda alteração das funções sensoriais e dor por ausência de sensibilidade táctil e térmica, nos dedos com enxerto (tecido abdominal e da coxa) e por alteração concomitante das funções proprioceptivas.
Alterações do foro psicológico:
O examinando revela-se vígil e orientado auto e alopsiquicamente. Revelou humor eutímico que variou concomitantemente face ao seu discurso, sendo saliente a sua preocupação relativamente ao futuro e ao desenvolvimento do processo judicial em que se encontra envolvido.
Na avaliação da necessidade de produtos de apoio, quanto à identificação das limitações que podem ser compensadas através de produtos de apoio, consta, nomeadamente que além da imagem corporal, o examinando apresenta como significativas alterações ao seu desempenho a limitação dos seus movimentos manuais e dores, que comprometem atividades como manusear e transportar objetos com a mão direita.
89. No mesmo relatório ficaram descritas as atividades que integram o conteúdo funcional da profissão habitual e das exigências funcionais requeridas, incluindo enquanto Chefe de Secção ao serviço da entidade “ERT Têxtil Portugal, S.A.”, o examinando cumpria as seguintes tarefas:
a) Proceder à distribuição de tarefas por diferentes postos de trabalho (máquinas industriais), com base nas ordens de fabrico que recolhia do departamento de logística da empresa;
b) Auxiliar os funcionários na definição de procedimentos a adotar junto das máquinas, durante o dia de trabalho.
c) Identificar e/ou responder a pedidos de intervenção, por parte dos colegas, sempre que existisse alguma anomalia no funcionamento das máquinas industriais;
d) Proceder à verificação dos parâmetros das ordens de fabrico;
e) Operar máquina de laminagem de tecido, programando-se consoante especificações técnicas recebidas;
f) Supervisionar o abastecimento da máquina, efetuado por colegas de produção, com tecido e espuma;
g)Verificar o processo de aparamento dos materiais fabricados;
h) Verificar a existência de anomalias nos tecidos quando estes saem da máquina de laminagem;
i) Proceder à limpeza e manutenção da máquina que operava consoante instruções enviadas pelo departamento de manutenção;
j) Manusear ferramentas como x-ato, espátula, rapador e escova de aço bem como diluentes no auxílio do processo de produção;
k) Operar outro tipo de maquinaria, pontualmente e segundo a solicitação das chefias;
l) Cumprir com normas de higiene saúde e segurança no trabalho.
As tarefas descritas executam-se exclusivamente em bipedestação, com flexões e torsões constantes do tronco e elevado recurso a ambos os membros superiores. É requerida significativa força muscular e capacidade para manipular, levantar, transportar e mover manualmente objetos de peso e dimensão diversa. São ainda exigidas constantes deslocações no interior da fábrica e competências de agilidade, firmeza e destreza manual.
Sobre os impactos das limitações funcionais no desempenho da profissão habitual, diz-se que as alterações funcionais descritas, interferem com a atividade profissional do examinado, pois a alteração de funcionalidade da mão direita (limitando diretamente a capacidade de manipulação e preensão), impede a realização das tarefas descritas nas alíneas b), c), e), g), h), i), j), k) e l).
Quanto às funções profissionais compatíveis com o estado funcional, refere-se nomeadamente que o maior impacto do acidente no desempenho profissional do examinando encontra-se ao nível do membro superior direito, interferindo com a capacidade de manipulação e preensão da mão direita, condicionando o desempenho por parte do examinando de quaisquer funções profissionais que necessitem do mesmo. Assim, o seu atual perfil funcional será compatível com a execução de um conjunto de tarefas, sem exigência de grande esforço físico por parte dos membros superiores, como por exemplo: ajudando na formação de novos operadores, ou como empregado de receção, porteiro, estafeta, auxiliar administrativo.
Concluindo-se que o examinando se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, carecendo de uma luva com revestimento interno em material macio, e externo em material antiderrapante e lavável, para proteger a área sensível da mão de lesões da pele.
90. Tendo sido requerido exame por junta médica, os Senhores Peritos pronunciaram-se no sentido de nada terem a opor à desvalorização atribuída pelas sequelas do foro da Psiquiatria no valor de 8%.
Por maioria (Perito do Tribunal e perito da Seguradora) foi dito que tendo em vista as múltiplas atividades profissionais do examinando este se encontra prejudicado para o exercício da sua profissão na dimensão da IPP atribuída. Nesta Junta Médica foi observado que o examinando mantém os dedos, com cotos de amputação distais e ausência de sensibilidade nas regiões de enxertos cutâneos – D2, D3 e D4), com mobilidades normais das metacarpo falângicas, o que permite uma pinça grosseira entre os dedos em extensão e a palma da mão, com possibilidade de preensão e manipulação, embora muito prejudicadas, com essa mão. Por este motivo os peritos são de parecer que não é de atribuir IPATH. Pelo Perito do examinando foi dito que é de parecer de que deverá ser atribuída a IPATH tendo em vista que não é reconvertível nas concretas funções que o examinando diz exercer à data do sinistro, nomeadamente a execução de moldes na ....
IPP 31%.
Rubrica de Tabelas a que correspondem as lesões ou doenças: I 8.5.6 b) (analogia) x grau II
Desvalorização arbitrada 0,031.
Foram prestados esclarecimentos, por escrito, pelo Perito médico indicado pelo Sinistrado, aí referindo:
“Em junta médica realizada em 03-07-2018, foi fixado ao sinistrado a incapacidade de 0,25, tendo por referência o ponto 8.5.6. al. b) do capítulo I da Tabela Nacional de Incapacidade (TNI de futuro), (…) com os seguintes fundamentos:
a)A perda de quatro dedos (2º, 3º, 4º e 5º dedos ou dedos indicador, médio, anelar e dedo mínimo) com ou sem metacarpos e com polegar móvel (ou 1º dedo) é uma sequela muito mais grave do que a apresentada pelo sinistrado;
b)A tabela não contempla a perda de três dedos, nomeadamente, o 2º, o 3º e o 4º dedo;
c)Nestes termos, a junta médica considerou por unanimidade, que se deveria desvalorizar o sinistrado nos termos da alínea f) do n.º 5 das instruções gerais da TNI, ou seja, “as incapacidades que derivem de disfunções ou sequelas não descritas na Tabela são avaliadas pelo coeficiente relativo a disfunção análoga ou equivalente”.
d)Pois não fazia sentido atribuir uma incapacidade maior que aquela que se atribuiria pela amputação de três dedos [entendendo nós ter ocorrido lapso devendo ler-se de quatro dedos face ao referido em a)].
Mais esclareceu o Sr. Perito que atendendo a que ao sinistrado foi atribuída uma incapacidade por analogia com a amputação de quatro dedos, é como se os mesmos não existissem. Atribuir uma incapacidade restante pelas cicatrizes dos dedos seria uma redundância e seria considerado como desvalorizando duas vezes a mesma sequela.
Quanto às cicatrizes abdominais, as mesmas não são desvalorizáveis em sede de acidentes de trabalho por não se tratar de uma “cicatriz dolorosa objetivável pela contratura e alterações da sensibilidade” pelo que não se enquadra no ponto n.º 1.4.6 do capítulo II da TNI.
(…) apesar de não constar expressamente a correção da incapacidade, mediante a multiplicação pelo fator 1,5, tal como consta da al. a) do n.º5 das instruções gerais (…) o sinistrado deve beneficiar dessa correção em virtude de não “poder retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”.
(…) sou de manter a posição de que ao sinistrado deve ser atribuída IPATH, pelos seguintes fundamentos:
a) Os vários relatórios apresentados da análise do posto de trabalho são unânimes em afirmar que o sinistrado deve ser impedido de trabalhar com máquinas de corte ou que desenvolvam calor, porque
b) Os dedos reconstruídos com retalho abdominal têm como características um comprimento de duas falanges, com um diâmetro praticamente duplo de um dedo normal, sem mobilidade das articulações interfalângicas e sem sensibilidade (pode ser cortado, queimado que não sente dor!) não permitem a realização de uma pinça fina, para além de estar prejudicada a função de preensão global, daí ser considerada como uma amputação de dedos.
c) A morfologia dos dedos reconstruídos prejudica sobremaneira a execução de funções numa ... (…) não podendo o sinistrado, pela incapacidade apresentada, manobrar este tipo de máquinas, pelo maior perigo de traumatismo.
d) Não fica prejudicada (…) a sua capacidade de dar ordens e organização do serviço, porém, não eram estas apenas as funções que o sinistrado exercia à data do acidente!
e) (…) o colocar a ... a funcionar, ou seja, a realização de moldes, é que requer perícia e duas mãos a funcionarem pleno. Perícia esta comprometida por a mão dominante (direita in casu) apresentar uma elevada incapacidade.
f) Nestes termos, sou de concluir que o seu trabalho habitual é incompatível com as sequelas apresentadas até pelo perigo acrescido de traumatismo na realização de todas as tarefas que constavam do exercício das suas funções e que o realizava profissionalmente, não sendo possível a reabilitação do sinistrado no seu trabalho habitual.
g) A irreconvertibilidade no posto de trabalho é o corolário inevitável da Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual.
(…)
Tendo em conta a bonificação de 1,5 vezes e a regra de Balthazard (capacidade restante) para uma incapacidade de 0,25 referente ao capítulo I-8.5.6 al. b) e 0,08 referente ao capítulo X grau II, será de atribuir uma IPP (incapacidade permanente parcial) de 46,5% (quarenta e seis vírgula cinco por cento)”.
Foram prestados esclarecimentos pelos demais Peritos que integraram a Junta Médica:
Pelo Perito médico indicado pelo Tribunal, nomeadamente, referindo:
“(…) O examinando não tem perda total da sensibilidade em todo o dedo, nos dedos atingidos, e mantém mobilidades metacarpofalangicas regulares, o que lhe permite uma função residual com os dedos;
(…) As cicatrizes pela sua localização e características não prejudicam a capacidade de ganho do examinando, pelo que não são desvalorizáveis pela TNI;
(…)
(…) Conforme exame clínico de avaliação das sequelas realizado e registado em auto de junta médica, em que se reconhece um prejuízo funcional importante e a necessidade de esforços acrescidos, ambos na grandeza da IPP atribuída, foi determinado um nível funcional na mão atingida pelo sinistro ainda capaz de assegurar tarefas que fazem parte profissão e nível de diferenciação profissional do sinistrado”.
Pelo Perito médico indicado pela Seguradora, nomeadamente, referindo:
“(…)
Cicatrizes não objetiváveis pela contractura e alterações de sensibilidade, nem facilmente ulceráveis;
(…)
Tal como referido na Junta Médica de 03-07-2018, tem mobilidades normais metacarpofalângicas, o que permite uma pinça grosseira entre dedos em extensão e a palma da mão, embora muito prejudicados”.
Factos não provados:
1. O autor necessita e gastou a quantia de €760,48 referente ao custo de uma luva com revestimento interno em material macio e externo em material antiderrapante e lavável para proteger a área sensível da mão de lesões da pele, cuja utilização foi recomendada no âmbito do relatório de avaliação dos impactos dos acidentes na funcionalidade e das necessidades de reabilitação.
2. O autor gastou o valor de € 20,00 respeitante a despesas de transporte com as suas deslocações obrigatórias.
3. Na sequência deste acidente de trabalho, o autor teve de suportar despesas, como sejam, consultas, tratamentos, medicamentos, viagens e transportes para se deslocar ao tribunal, INML e hospitais.
4. Anteriormente, o autor ajudava os seus pais no cultivo e agricultura de várias propriedades destes.
5. A alteração de funções ocorreu perante a manifestação de falta de conforto do autor quanto a estas funções.
6. A máquina não estava integrada no processo produtivo da ré empregadora.
7. Em ação inspetiva efetuada pelo ACT em 02.12.2014 foi apontada e assinalada essa falta de conformidade do equipamento [falta de protetor ou dispositivo de proteção que impeçam o acesso à zona perigosa da máquina ou que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso àquela zona].
8. A ACT determinou, antes do acidente, a implementação destas medidas.
9. A implementação da medida de segurança de colocação de um protetor ou dispositivo de proteção que impedisse o acesso à zona dos cilindros, impossibilitava o processo produtivo, mais concretamente a retirada do papel siliconado que revestia e protegia os rolos de tecido.
10. O autor ficou incapaz para o seu trabalho habitual de chefe de secção.»
B) Fundamentação de Direito:
B1) Os presentes autos respeitam a ação especial emergente de acidente de trabalho participada em 20 de janeiro de 2016, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 9 de março de 2020.
Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:
̶ O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão introduzida pela Lei n.º107/2019, de 9 de setembro, atento o disposto nos arts. 5.º, n.º 3 e 9.º, n.º 1 da referida lei;
̶ O Código de Processo Civil (CPC) na versão atual.
B2) A recorrente sustenta que o acórdão recorrido enferma de nulidades, invocando contradição insanável e «demissão ajuizativa».
O Tribunal da Relação apreciou as referidas nulidades nos seguintes termos:
«1.Relatório:
A Ré “ERT Têxtil, S.A.”, no recurso de revista que interpôs, além do mais, veio arguir a nulidade do acórdão invocando contradição insanável e demissão ajuizativa, como concluindo a esse propósito:
- Não se percebe como é que antes da própria fundamentação (ponto 3) aparecem logo os factos provados (3.1) já com as alterações levadas a cabo, dando a ideia de antes de haver uma ponderação e análise ter havido um pré-juízo decisório, incompatível com o bem decidir, não se justificando tal modus operandi decisório que deixa denotar uma decisão prévia e depois a convocação e argumentos, mais ou menos fortes do ponto de vista jurídico, para defender tal posição pois não faz sentido que a alteração preceda um juízo judicativo decisório, pois isso significa que se começa pelo final;
- A fls. 35 quando o Tribunal alude a «“situações semelhantes” – não iguais» não se percebe tal destrinça efetuada em violação do princípio tertium non datur bem como (des)igualdade pois é sabido que aquilo que é não pode ser e não ser de forma simultânea e a definição de semelhante na matemática alude a duas figuras cujos ângulos são iguais e os lados correspondentes proporcionais (ainda que em sentido corrente possa significar parecido, julga-se não ser esse o sentido técnico da palavra!);
- Não se percebendo ainda como, na mesma página e uns parágrafos antes, o Tribunal a quo havia referido que a sentença recorrida havia sido proferida antes da entrada em vigor da Lei 107/99;
- O Tribunal a quo, na página seguinte (36) abre mão do certo pelo incerto e defende o recurso ao critério da equidade como obrigatório e decisivo e consequente dispensa de prova de quantificação da dor, do dano estético e do dano biológico ou similar (aqui já não usa a palavra “semelhante”);
- Ficando-se sem perceber como é que para a análise ao ponto de facto 6 dos factos provados, na sequência de recurso da recorrente, o Tribunal a quo a fls. 40 conclui que “era necessário que ficasse referido para que servia a máquina, quando iniciou a funcionar e para que efeito, bem como especificado o processo produtivo em causa”, sendo incompreensível a conclusão de improcedência pois algo que “era necessário” deixa de o ser e permite a manutenção do indevidamente decidido;
- Havendo matéria de facto a ser acrescentada e valorada, com inequívoca relevância para a boa decisão da causa, então teria de haver reenvio para novo julgamento face a tal matéria de facto suplementar essencial, sendo que o que se mostra juridicamente disforme é, en passant, tal demissão ajuizativa, padecendo a douta decisão recorrida dos vícios de nulidade por demissão ajuizativa bem como contradição insanável, os quais a inquinam decisivamente e prejudicam a sua compreensão pelo destinatário comum.
A Ré “Seguradoras Unidas, SA” veio “apresentar resposta”, concluindo a respeito do invocado vício do acórdão:
- No que diz respeito ao facto não provado n.º 6, como muito bem sinaliza o Acórdão Recorrido, saber se a máquina não estava integrada no processo produtivo não é uma questão de facto, antes consubstancia uma (eventual e hipotética) conclusão a extrair de factos materiais e precisos alegados, pelo que tal factualidade, por ser conclusiva, não deverá constar do elenco de factos provados;
- Com efeito, para que se pudesse concluir que a máquina não estava integrada no processo produtivo da ré empregadora, como requeria a Recorrente, seria necessário alegar, demonstrar e provar (i) as concretas finalidades da utilização daquela máquina, (ii) a data em que a mesma começou a operar (iii) e para que efeito, sem esquecer, obviamente, (iv) a descrição do processo produtivo em causa;
- Ora, não constando a aludida factualidade do elenco de factos provados, nem tendo, ademais, sido requerido o seu aditamento àquele elenco, muito bem decidiu o Tribunal da Relação do Porto ao confirmar, nesta parte, a decisão proferida pela 1.ª Instância, carecendo, pois, de qualquer fundamento a alegação relativa aos supostos vícios e nulidades daquele Aresto neste particular.
O Sinistrado AA veio “apresentar a sua resposta”, aduzindo a propósito dos vícios decisórios e nulidade invocados pela Recorrente:
- Tendo o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação coincidido na decisão e na fundamentação, quanto ao facto não provado n.º 6, dúvidas não restam de que o mesmo resulta definitivamente dado como não provado;
- Cotejando a fundamentação da sentença da 1.ª instância e a fundamentação do Acórdão recorrido, na perspetiva da sua incidência na confirmação do facto não provado n.º 6, não se verifica que a fundamentação deste último se consubstancie num enquadramento jurídico total ou profundamente inovatório;
- Não tendo a alteração da matéria de facto não provada em julgamento, superiormente concretizada pelo tribunal da Relação, consentido motivação diferenciada direcionada a ajuizar a justa decisão da causa, é de concluir que a apelação se contém no enquadramento de idêntica fundamentação proposta na decisão proferida na 1.ª instância;
- Nessa conformidade, tem-se por verificada a dupla conforme, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC;
- O conhecimento dos fundamentos do recurso de revista enunciados nas als. a) a c) do n.º 1 do art. 674.º do CPC pressupõe a verificação dos pressupostos (gerais e especiais) da admissibilidade do recurso de revista;
- Em caso de dupla conformidade decisória e de não verificação de algum dos casos previstos no art. 629.º, n.º 2, o recurso de revista interposto não é admissível, quanto a esta parte, nos termos do disposto no art. 671.º, n.º 3, ambos os preceitos do CPC, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;
- Bem sabe a Recorrente que a máquina efetivamente estava integrada no processo produtivo, pois, se assim não fosse, não se teria dado o sinistro que o Recorrido sofreu;
- Uma coisa é certa, a máquina não deveria estar integrada no processo produtivo, sem que estivessem garantidas e asseguradas todas as normas de segurança;
- Não obstante a Recorrente ter conhecimento de tal facto, como ela própria assume, integrou a máquina no processo produtivo e ordenou aos seus funcionários que operassem na mesma.
2. Cumpre a este Tribunal, em sede de conferência, pronunciar-se sobre as nulidades invocadas.
O recurso de revista pode ter por fundamento, nomeadamente, de acordo com o disposto no artigo 674º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil, «As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º» do mesmo Código.
Entre tais nulidades prevê-se no artigo 615º, nº1 alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, que tal ocorre quando «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível» e «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
2.1. Quanto à invocada “contradição insanável”:
Aponta a Recorrente que são elencados os factos provados já com as alterações decididas no acórdão.
Referimos a este propósito tão só que como expressamente referido no texto do acórdão, em 3.1., nos factos provados fez-se constar “a matéria de facto alterada e aditada em realce, na sequência do decidido infra”, (sublinhado e realce aqui efetuados).
Desta forma, na matéria de facto provada elencada é possível não só aferir a factualidade dada como provada pela 1ª instância mas também a que veio a ser considerada provada desde logo na sequência do aditado com base nos elementos constantes dos autos e bem assim na sequência do decidido no acórdão em sede de impugnação da matéria de facto, em 3.3., obviando a repetição do elenco de factos com a respetiva consolidação, em resultado do aditamento e da alteração da matéria de facto dada como provada na 1ª instância, decididos no acórdão.
Indica ainda a Recorrente referir-se a fls. 35 do acórdão a “Lei 107/99 de 09.09.”. A este respeito referimos tão só que há manifesto lapso de escrita onde se lê “107/99” devia constar 107/2019, sendo pelo texto do acórdão manifestamente percetível que nos reportamos à atual redação dada ao artigo 77º do Código de Processo do Trabalho dada pela Lei nº 107/2019 de 09.09., como expressamente aí referido.
Já a referência a “situações semelhantes” é uma transcrição do texto da sentença recorrida, como resulta do uso das aspas, explicitando-se novamente aqui, face às conclusões da Recorrente, tal como já efetuado no acórdão que as situações dos acórdãos citados naquela decisão não foram iguais, dado o quadro factual subjacente ser diferente do apurado nestes autos.
Ficou outrossim explicitado no acórdão a relevância dada ao critério da equidade, nada tendo nesta sede como oportuno referir.
Quanto aos factos não provados procedeu-se em 3.1. tão só ao elenco dos factos não provados, assim considerados na sentença recorrida.
Relativamente ao item 10º da matéria de facto não provada na sentença, tratou-se de matéria que foi objeto de decisão no acórdão em sede de impugnação da matéria de facto (3.3.2.), considerando-se assente matéria que deu origem ao aditado item 22-A dos factos provados, tendo como implícita a eliminação do ponto 10º da matéria de facto não provada.
Concluímos assim que o acórdão não enferma de qualquer “contradição insanável”.
2.2. Quanto à “demissão ajuizativa”:
Em 3.3.1., (fls. 40), relativamente ao teor do ponto 6 dos factos não provados, considerou-se tratar-se de matéria conclusiva, não podendo ser atendida.
Explicitou-se que só o apuramento de determinada factualidade que se deixou indicada seria possível formular a jusante um juízo conclusivo, aquando da apreciação crítica da matéria de facto provada.
Entende a Recorrente que havendo matéria de facto a ser acrescentada e valorada, com inequívoca relevância para a boa decisão da causa, teria de haver reenvio para novo julgamento face a tal matéria de facto suplementar essencial, não o tendo feito ocorreu uma demissão ajuizativa.
Sem razão entendemos nós.
Na verdade, a matéria referenciada como necessária para o juízo conclusivo, em causa, foi indicada no acórdão tão só para explicitar a natureza conclusiva da matéria do item 10º dos factos não provados.
Não foi matéria que este coletivo tivesse aferido que resultasse da instrução da causa.
Tão pouco foi matéria alegada nos articulados.
Acresce que em sede de recurso da sentença, não foi requerida a ampliação da matéria de facto por forma a incluir a mesma matéria, ou sequer invocado ter esta sido discutida em sede de audiência de julgamento.
Não deixou assim de ser conhecida qualquer questão que este coletivo devesse apreciar.
Não ocorre assim em nosso entender qualquer demissão geradora de nulidade.
3. Em conformidade com o que se deixa referido, pronuncia-se este coletivo no sentido de que o acórdão não enferma de qualquer vício ou nulidade que lhe são apontados pela Recorrente.» (fim da transcrição do Acórdão do Tribunal da Relação que recaiu sobre a arguição de nulidades)
Temos assim que o Tribunal da Relação considerou, relativamente à alegada «contradição insanável», que a mesma não se verifica, não havendo factos contraditórios. O facto de terem sido logo, ab initio incluídos na matéria de facto assente, os factos que o Tribunal da Relação decidiu alterar, tal ocorreu, por forma a obviar a repetição dos factos. Considerou também o Tribunal da Relação que não ocorreu qualquer contradição de jurisprudência sobre fixação de indemnização por danos não patrimoniais, tendo ficado bem explicitado o recurso à equidade.
Relativamente à invocada «demissão ajuizativa», relativamente às funções do A. na empresa, concluiu o Tribunal da Relação, que a mesma também não se verificou, na medida em que o A. não requereu a ampliação da matéria de facto, nem o Tribunal considerou que fosse necessário proceder a essa ampliação, tendo fundamentado a conclusão pela IPATH, bem como a majoração da IPP, não tendo ficado por apreciar qualquer questão.
Na esteira do decidido e esclarecido pelo Tribunal da Relação não se vislumbra a existência de qualquer nulidade, pois atendendo ao que foi decidido em sede impugnação da decisão relativa à matéria de facto, devidamente fundamentado, não existe qualquer contradição no que concerne ao método utilizado na inserção das alterações efetuadas, que é bem claro, assim como no que diz respeito ao ponto 10º da matéria de facto não provada na sentença, pois foi matéria objeto de decisão no acórdão, em sede de impugnação da matéria de facto, que levou ao aditamento do ponto 22-A dos factos provados, devendo ter-se por implicitamente eliminado o ponto 10º da matéria de facto não provada, que aliás é de cariz conclusivo.
Quanto à alegada «demissão ajuizativa», relativamente às funções do A. na empresa, defende a recorrente que os autos deveriam ter sido reenviados para novo julgamento da matéria de facto, para aferir das reais funções do A., tendo assim sido omitida pronúncia sobre tal matéria.
Acrescenta ainda que «O perigo não era permanente nem efetivo, podendo ser evitado com a adoção de cuidados mínimos e a produção do acidente não era uma inevitabilidade nem era altissimamente provável, o que impede a condenação pura e simples da ré recorrente, tendo a questão de ser analisada sobre o prisma da omissão de cuidados básicos por parte do autor, como seja, a utilização de luvas ou o ter desligado a máquina para poder aproximar os dedos em segurança dos rolos, não podendo tal circunstancialismo possa ser en passant denegado pelo Tribunal a quo com a justificação de, falsamente, se tratar de uma questão nova».
Como refere o Tribunal da Relação o A., na altura própria, não requereu a ampliação da matéria de facto, nem o Tribunal face ao que resultou da discussão da causa considerou que fosse necessário proceder a essa ampliação, pelo que, face à factualidade dada como provada, o Tribunal da Relação sentiu-se habilitado a decidir a causa, nomeadamente a matéria referente à atribuição da IPATH, bem como a majoração da IPP, não tendo havido omissão ou excesso de pronúncia.
B3) A recorrente defende que a decisão recorrida não retrata de modo fiel a produção de prova realizada em audiência de julgamento, questionando a alteração da decisão relativa à matéria de facto, efetuada pelo Tribunal da Relação, incluindo a fixação da IPATH ao sinistrado.
O art.º 682.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Termos em que julga o tribunal de revista», no seu n.º 1, estatui que «aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», acrescentando-se no n.º 2 que «a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do art.º 674.º» do mesmo diploma legal que dispõe que «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».
Por seu turno, o já citado art.º 682.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 3, refere que «o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».
Como já se referiu, a propósito das nulidades imputadas pela recorrente ao acórdão recorrido, não existe qualquer necessidade de ampliar a matéria de facto, nem se vislumbra que ocorram quaisquer contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica da causa.
Por outro lado, no caso dos autos também não se verifica a hipótese equacionada na parte final do n.º 3 do art.º 674.º do diploma citado (ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova), que pudesse determinar erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, suscetível de ser objeto de recuso de revista.
A recorrente, confrontada com a alteração da decisão relativa à matéria de facto, efetuada pelo Tribunal da Relação, incluindo a fixação da IPATH ao sinistrado, pugna pela necessidade de uma reapreciação da prova pelo Supremo Tribunal de Justiça, colocando a questão nestes termos: «Temos agora uma alteração da matéria de facto, inovatória e relativamente à qual a recorrente nunca teve oportunidade de recorrer pois, aquando do recurso da matéria de facto definida pela primeira instância, a questão não se colocava e agora, perante a primeira vez que tal facto 22-A se mostra dado por provado mostrar-se-lhe-ia vedado o recurso ao nível da matéria de facto pelo que uma irrecorribilidade colide com o princípio do acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva plasmados no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa dado que relativamente a tal alteração factual levada a cabo acabaria a recorrente por não ter um 2.º grau de jurisdição, dúvidas inexistindo em como tal alteração é deveras significativa e substancial pois importará prejuízo patrimonial sério e considerável (estávamos a falar de uma pensão anual e vitalícia de € 3.607,01 e agora foi fixada pensão anual e vitalícia de € 9.224,63!)».
Vejamos:
O art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa estatui:
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
O art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra o direito a um processo equitativo dispondo que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.
O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 460/2011, de 11 de outubro, publicado no DR, IIª Série, n.º 231 de 02 de dezembro de 2011, refere que «o artigo 20.º, da Constituição, garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente, o direito de agir em juízo através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.
A exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Contudo, impõe, no seu núcleo essencial, que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva».
Como se observou no Acórdão do STJ de 26-11-2019, Revista n.º 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1 - 1.ª Secção «A jurisprudência do TC vem assumindo que a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de atos jurisdicionais, manifestamente inexistente nas normas do CPC relativas aos requisitos de admissibilidade do recurso de revista».
Nesse mesmo Acórdão refere-se que «o Tribunal Constitucional tem entendido que “o direito ao recurso em processo civil, e sobretudo o acesso ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, não encontra previsão expressa no artigo 20.º da Constituição, não resultando como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade” (cfr. entre outros, Acórdão n.º 361/2018). O referido aresto sustentou tal conclusão na jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional quanto à densificação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, da qual destacou o Acórdão n.º 638/98, que, no que ora importa, dispõe do seguinte modo:
“O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos.
Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição?
A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32º.
Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respetivamente no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão nº 202/90, id., vol. 16, pág. 505).
Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349).
Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…).
O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afetar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer”.»
Na linha desta jurisprudência, não procede a pretensão da recorrente ao pretender a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça com vista a reapreciar a alteração de decisão relativa à matéria de facto efetuada pelo Tribunal da Relação.
A recorrente alegou que a questão da incapacidade foi dirimida num apenso próprio (autos de Proc. n.º 288/16.5T8OAZ-A - Espécie: Fixação da Incapacidade para o Trabalho), que culminou com a sentença datada de 21 de dezembro de 2018, com o seguinte dispositivo:
«Assim sendo, nos termos 140.º, n.º 2, do Código do Processo do Trabalho, fixo em 31% a incapacidade permanente parcial de que o autor está afetado por força das lesões e sequelas de que padece descritas no auto de Junta Médica.»
Acrescenta que esta sentença terá transitado em julgado pois inexiste em tais autos qualquer movimentação no sentido de interposição de qualquer recurso, pelo que em seu entender haverá exceção de caso julgado, que impedia nova pronúncia do Tribunal no sentido de alterar o já judicialmente decidido e transitado em julgado.
Também neste aspeto não assiste razão à recorrente atento o disposto no n.º 2 do art.140.º do CPT, que estatui que «se a fixação da incapacidade tiver lugar no apenso, o juiz, realizadas as perícias referidas no número anterior, profere decisão, fixando a natureza e grau de incapacidade; a decisão só pode ser impugnada no recurso a interpor da sentença final.»
Face ao teor desta disposição legal não se verifica, pois, a exceção de caso julgado.
A recorrente manifesta a sua discordância em relação ao Acórdão recorrido na parte em que decidiu atribuir ao A. uma IPATH, divergindo da decisão tomada pelo Tribunal de 1.ª instância no apenso de fixação de incapacidade.
A Secção Social deste STJ já se pronunciou diversas vezes sobre esta questão, tendo recentemente reiterado o entendimento de que cabe às instâncias, no âmbito dos seus poderes para julgar a matéria de facto, fixar livremente a força probatória da prova pericial, nos termos do artigo 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, com base no resultado das perícias médicas efetuadas nos autos, alterar a factualidade dada como assente (Acórdãos de 04-07-2018, no Proc. n.º 1165/13.7TTBRG.G2.S1 e de 1/3/2018 no Proc. 6586/14.5T8SNT.L1.S1 (Revistas – 4.ª Secção).
É oportuno relembrar o art.º 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da decisão da matéria de facto.
O Tribunal da Relação ao considerar que o autor está afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual ponderou todas as provas disponíveis nos autos, sendo certo que a força probatória da prova pericial é fixada livremente pelo julgador de facto, nos termos dos artigos 389.º, do Código Civil.
Assim, está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, com base no resultado das perícias médicas efetuadas nos autos, alterar o deliberado no Acórdão recorrido na parte que considerou que o autor está afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Como já se referiu tem sido esta a jurisprudência sedimentada da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
No Acórdão de 29-10-2014, Recurso n.º 1083/05.2TTLSB.L2.S1 - 4.ª Secção, foi sumariado:
A força probatória da prova pericial é fixada livremente pelo julgador de facto, nos termos do artigo 389.º do Código Civil e 489.º do Código de Processo Civil, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, com base no resultado das perícias médicas efetivadas no processo, alterar a matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido (artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
O Acórdão de 28-01-2015, Recurso n.º 22956/10.5T2SNT.L1.S1 - 4.ª Secção, seguiu a mesma orientação.
Finalmente, no Acórdão de 09-01-2008, Recurso n.º 4388/07 - 4.ª Secção, foi sumariado:
A decisão sobre a existência ou não de diminuição de função inerente e imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que o sinistrado ocupava não se trata de uma «decisão de direito», antes respeita à apreciação dos pontos da matéria de facto em causa, concretamente, ao grau de incapacidade em consequência do acidente de trabalho sofrido.
A valoração da prova pericial está sujeita à livre convicção do julgador de facto, sendo vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, com base em perícia médica, alterar a matéria de facto assente nas instâncias.
Pelas razões já referidas e na linha da jurisprudência citada, não se podem acolher as conclusões do recorrente quando pretende que este Supremo Tribunal de Justiça altere a matéria de facto dada como assente no Acórdão recorrido, com base no resultado das perícias médicas constantes dos autos.
B4) A recorrente insurge-se contra o Acórdão recorrido na parte em que decidiu atribuir ao A. o fator de bonificação 1,5, previsto no ponto 5.º a) das Instruções Gerais da TNI.
Este preceito refere: «Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) [o]s coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator». Exige-se assim, para que ocorra aquela bonificação, que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos de idade ou mais “quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator”.
A questão de saber se é legalmente admissível a atribuição de IPATH e, simultaneamente, do fator de bonificação, previsto no ponto 5.º a) das Instruções Gerais da TNI aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, tem recebido da parte do STJ resposta no sentido de que não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI (Acórdãos de 6/2/2019, Proc. n.º 639/13.4TTVFR.P1.S1, de 03-03-2016, Proc. n.º 447/15.8T8VFX.S1, de 28-01-2015, Proc. n.º 22956/10.5T2SNT.L1.S1, 28-01-2015, Proc. n.º 28/12.8TTCBR.C1.S1, de 05-03-2013 Proc. n.º 270/03.2TTVFX.1.L1.S1 e de 24-10-2012, Proc. n.º 383/10.4TTOAZ.P1.S1).
Na verdade, estamos perante uma questão que tem sido trabalhada desde há muito, como se refere no último Acórdão citado, de 24-10-2012, Proc. n.º 383/10.4TTOAZ.P1.S1), onde se pode ler:
«Adiante-se que este STJ foi já chamado a pronunciar-se sobre uma questão, em tudo idêntica à destes autos, no acórdão de 16/6/2004 (Revista 1144/04), […].
Nele se deixou exarado que “a determinação da incapacidade feita de acordo com a alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, permitindo a aplicação ao coeficiente de 30% de uma bonificação com uma multiplicação pelo fator 1,5 é situação distinta do cálculo da pensão devida à sinistrada, operado nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 17.º da Lei 100/97. Não ocorre, pois, qualquer incompatibilidade entre as indicadas normas suscetíveis de implicar a revogação tácita da alínea a) do n.º 5 da TNI, dado não se [divisar] nenhum conflito direto e substancial existente entre os respetivos preceitos, nem tão pouco a lei posterior estabelecer um novo regime, completo, das relações em causa.”
Tendo em atenção os argumentos que se deixaram expendidos, não [vemos] motivo sério para nos afastarmos de um tal entendimento.
Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação, porquanto a disposição em causa é similar à consignada nas Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, aqui aplicável.
3. Na verdade, mal se compreenderia que se tratasse de modo diferente uma situação em que o sinistrado continuasse a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que estivesse impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, em qualquer dos casos, haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua atividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afetado de uma IPATH, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo o mesmo ser também compensado com a aplicação do fator de bonificação em apreciação.
Acresce que não se desenha qualquer incompatibilidade entre a aplicação do assinalado fator de bonificação e o estipulado na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, na medida em que uma temática é o cálculo da prestação por incapacidade devida ao sinistrado, operado nos termos da citada alínea, outra é a aplicação da questionada bonificação.»
Como se refere no Acórdão do STJ de 24-10-2012 já citado (Recurso n.º 383/10.4TTOAZ.P1.S1 - 4.ª Secção) «a não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao posto de trabalho decorre da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atentas as sequelas resultantes do acidente de trabalho que sofreu.
Justifica-se, por isso, a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo fator 1,5 previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro».
No caso concreto, o A. ainda não atingiu os 50 anos, mas ficou provado que não tem atualmente condições físicas para exercer as funções que exercia, o que determinou que o Tribunal da Relação lhe tenha atribuído uma IPATH. Assim, a atribuição do fator de bonificação 1,5, previsto no ponto 5.º a) das Instruções Gerais da TNI, está em conformidade com o disposto na lei e com a jurisprudência referida.
B5) A recorrente veio questionar a sua responsabilidade nos termos do art.º 18.º, da LAT (atuação culposa do empregador).
O art.º 81º, nº 5, do Código de Processo do Trabalho, dispõe que à interposição do recurso de revista aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil.
O n.º 1, do art.º 671.º, do Código de Processo Civil, estatui que “Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.”
No entanto, o n.º 3, da mesma disposição legal, efetua uma restrição à admissibilidade do recurso de revista, nos seguintes termos:
“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”
Na doutrina e na jurisprudência existe consenso no sentido de que quando se verifica em relação a determinado segmento da decisão da 2.ª instância plena confirmação do resultado declarado na 1.ª instância, sem qualquer voto de vencido e com fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, quanto a esse segmento, a interposição de recurso normal de revista (Cfr. neste sentido Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3.ª edição, Almedina, pág. 322).
No caso concreto, quer a sentença de primeira instância, quer o acórdão do Tribunal da Relação foram unânimes a considerar que houve responsabilidade da R. pela ocorrência do acidente de trabalho, por violação de regras de segurança.
Nestes termos, quanto a esta questão a revista não é admissível.
B6) A recorrente questiona o montante fixado ao A. a título de indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 60.000,00.
Como já se referiu, em sede de apreciação das nulidades do acórdão recorrido, não existe quanto a esta questão qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, verificando-se também quanto a este segmento do Acórdão recorrido uma situação de dupla conforme, pelo que, como já se referiu no ponto anterior, a revista não é admissível – art.º 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
III
Decisão:
Face ao exposto acorda-se:
a) Julgar improcedentes as nulidades arguidas pela recorrente;
b) Não admitir o recurso de revista na parte em que a recorrente questiona a sua responsabilidade, nos termos do art.º 18.º, da LAT (atuação culposa do empregador), bem como no que concerne ao montante fixado ao Autor/recorrido, a título de indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 60.000,00, com o fundamento na existência de dupla conforme ̶ art.º 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
c) Negar a revista e, consequentemente, confirmar o acórdão recorrido.
Custas a cargo da recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.
Lisboa, 25 de novembro de 2020.
Chambel Mourisco (relator)
Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Juízes Conselheiros adjuntos Maria Paula Moreira Sá Fernandes e José António Santos Feteira votaram em conformidade.