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PRISÃO PREVENTIVA
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
COMPETÊNCIA DO JUIZ DE INSTRUÇÃO
Sumário
1 - Pretendendo o arguido em concreto infirmar, quer a persistência dos indícios da prática do crime imputado (fazendo-o ao nível da ilicitude e da culpa), quer a adequação e proporcionalidade da prisão preventiva na parte referente aos pericula libertatis, e sendo esta uma decisão a proferir exclusivamente pelo juiz de instrução, a este compete conhecer das eventuais alterações de circunstâncias trazidas ao processo.
2 - E tendo-as o arguido alegado e pretendendo demonstrá-las através de requerimento correctamente dirigido ao juiz das liberdades, é a este juiz que cabe conhecer dele. Ou seja, é o juiz de instrução que deve apreciar da pertinência, relevância e necessidade de tais diligências de prova, porque as diligências são instrumentais da decisão que só ele pode proferir e tem de proferir. E ao fazê-lo, o juiz de instrução em nada se confunde com o dominus do inquérito, inexistindo qualquer violação do acusatório, pois ele não está a ordenar diligências de investigação ou para a investigação, está sim a dotar-se de todos os elementos para poder decidir esclarecidamente.
Texto Integral
Acordam na Secção Criminal: 1. No processo de Inquérito n.º 6/20.3GARMZ, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o arguido (…) veio recorrer do despacho do Sr. Juiz de Instrução Criminal que lhe manteve a prisão preventiva anteriormente aplicada nos autos, indeferindo-lhe também as diligências requeridas que visavam a demonstração da atenuação, por si alegada, das exigências cautelares identificadas no despacho inicial que aplicara a prisão preventiva.
Apresentou as seguintes conclusões:
“a) O arguido encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos, pela alegada prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93.
b) Naturalmente, aquando da decisão que optou pela aplicação da medida de coacção mais gravosa, o tribunal socorreu-se dos elementos de prova de que dispunha nesse particular momento; o arguido – detido quase dois dias antes, não teve a oportunidade de reunir uma série de documentos que pudessem comprovar a sua versão dos factos e, bem assim, de prestar cabais explicações e justificações aos factos que lhe eram imputados, nomeadamente sobre as suas fontes de rendimentos, a actividade desenvolvida pela sua empresa, a existência de uma autorização escrita por parte do Presidente da Câmara Municipal do (…), a instrução do pedido de licenciamento para o cultivo de canábis para fins medicinais, a existência de acordos de confidencialidade com a (…), a constituição formal da empresa, o CAE a comprovar que a empresa estava inscrita em diversas actividades nomeadamente a investigação científica, documentação que demonstra que a única finalidade da produção de canábis era a sua utilização médica, e outros documentos que demonstram que a intenção do arguido era legítima e apenas para fins de tratamento oncológico e de Parkinson.
c) Para tanto, o arguido requereu a junção de documentos, requereu a audição do Dr. (…), do Dr. (…), do Arq.º (…) e de (…), cujos depoimentos poderiam confirmar as fontes de rendimento e demonstrar que a representação da conduta não passaria nunca pela distribuição ilícita de estupefacientes.
d) Mais requereu, e perante estas novas provas que só a posteriori pôde juntar, ao abrigo do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, al g) e 144.º do Código de Processo Penal que fosse ouvido em sede de interrogatório complementar.
e) O requerimento termina com o pedido de revisão da medida de coação, nos termos do art.º 212.º, CPP
f) Sobre o requerido, o Ministério Público veio-se pronunciar no sentido de relegar para momento posterior a sua tomada de posição sobre a substituição da medida de coacção, nos termos dos artigos 61.º, n.º 1, al. b), 212.º, n.ºs 2 e 4Do CPP e art.º 130.º do CPC – economia processual.
g) O douto despacho recorrido decidiu no sentido de:
a. Considerar desnecessária a audição dos arguidos;
b. Declara-se materialmente incompetente para se pronunciar sobre a inquirição das testemunhas, nos termos dos artigos 262.º, 267.º e 268.º do CPP, e assim indeferiu “a inquirição das testemunhas arroladas pelos arguidos”;
c. Considerando que não foi carreado aos autos qualquer facto por parte dos arguidos que influísse nas exigências cautelares do caso, e tendo em conta o curto hiato de tempo decorrido entre o primeiro interrogatório e o despacho (dois meses), foi sem mais indeferida a revisão da medida de coacção.
h) Analisando o douto despacho e com o devido respeito, existe incompetência material por parte do Juízo de Instrução em indeferir as diligências de prova requeridas, uma vez que a direcção da fase de inquérito é da exclusiva competência do Ministério Público – cf. 263.º e 264.º do CPP; assim, do Meritíssimo Senhor Juiz deveria oficiosamente remeter os requerimentos probatórios à apreciação do ministério Público, para que este, no caso concreto sobre eles se pronunciasse e findas as requeridas diligências de prova, então aí despachar fundamentamente sobre a necessidade de ouvir os arguidos em sede de interrogatório complementar para a revisão da prisão preventiva. Sem a análise crítica das novas provas carreadas aos autos e das diligências de prova requeridas e sem ouvir os arguidos, nunca será possível analisar as exigências cautelares no momento concreto, em violação dos princípios da oportunidade, da legalidade, da objectividade e da presunção de inocência.
i) O arguido ao requerer ser ouvido em sede de interrogatório complementar, nos termos dos artigos 61.º e 144.º do CPP, está a efectivar o seu direito a intervir no inquérito ajudando na descoberta da verdade material, sendo esta uma diligência de prova essencial ao encerramento do inquérito, pois é aquela o objectivo primário da actividade de investigação.
j) Tendo sido liminarmente recusado, pelo MM. Senhor Juiz de Instrução, o direito ao arguido de ser ouvido sobre toda a prova que carreou aos autos e sobre a sua situação pessoal ao momento do requerimento, verifica-se uma violação do disposto nos artigos 32.º da CRP, e art.ºs 61.º, 144.º, 262.º e 263: é o mesmo que reconhecer tacitamente que a estrutura presente na fase de inquérito é exclusivamente acusatória, reduzindo os direitos e garantias do arguido à mera espera passiva dos actos que venha o Ministério Público decidir praticar.
k) O arguido considera que da conjugação dos artigos 61.º, n.º 1, al. g) e 144.º do CPP, o interrogatório complementar, desde que recaia sobre novas provas e circunstâncias desconhecidas pelo tribunal aquando do primeiro interrogatório, se torna num verdadeiro “poder-dever” que recai sobre o Ministério Público, que deve dirigir a investigação de forma isenta, e realizando todas as diligências de prova (contra ou a favor do arguido), tendo exclusivamente em vista a descoberta da verdade.
l) Nos termos conjugados dos artigos 48.º, 61.º, 118.º n.º 1, 119.º, 144.º e 263: comporta uma nulidade insanável o despacho do juiz de instrução que indefere, na fase de inquérito, a audição das testemunhas arroladas pelos arguidos e a audição destes em sede de interrogatório complementar, na realidade, tendo os arguidos carreado prova nova aos autos que deve ser considerada tanto para a descoberta da verdade como para a reapreciação da medida de coacção.
m) Do acima exposto, e no caso concreto, verifica-se ainda um conflito negativo de competências quando o Ministério Público relega para momento posterior à apreciação da prova a sua posição sobre as exigências de prevenção e, por outro lado, o Juiz de Instrução vem indeferir a produção dessa prova.
n) Nos termos dos artigos 61.º, n.º 1, al. g) do CPP e 144.º, 118.º, 120.º n.º 2, al d) do Código de Processo Penal e do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, encontramos na decisão uma nulidade, uma vez que o indeferimento do requerido interrogatório complementar comporta necessariamente uma omissão da produção de um meio de prova essencial à descoberta da verdade material; desde logo, a apologia de que qualquer interrogatório complementar – quando requerido pelo arguido – não comporta nenhuma nulidade nos termos do artigo 120.º do CPP, é por um lado, afirmar a ineficácia do conjunto de garantias constitucionais do arguido na fase de inquérito, e por outro lado, afirmar aos agentes da Justiça (à comunidade em geral, à comunidade internacional e académica em especial) que na fase de inquérito é exclusivamente regida pelo princípio do inquisitório, não sendo permitido ao arguido construir de forma efectiva a sua defesa; mais, nos casos – como no presente – em que os arguidos se encontram detidos, tal significa que aos arguidos apenas será dada a oportunidade de defesa em sede de instrução (fase facultativa do processo penal) ou então em sede de audiência de discussão e julgamento.
o) Por todas as razões já aduzidas, considera o arguido que o despacho ora recorrido é inconstitucional, por violação directa do artigo 32.º, n.ºs 1, 2, 5 e 7:
- Por violação directa do n.º 1, uma vez que ao arguido não estão a ser dadas todas as garantias de defesa, nomeadamente recusando o seu direito a prestar depoimento complementar para amoldurar a sua defesa e explicar os factos que lhe são imputados perante a luz de nova prova que o arguido juntou ao processo; viola as garantias de defesa do arguido a interpretação segundo a qual não são necessárias as declarações complementares do arguido, mesmo quando este apresenta novas provas que podem determinar a atenuação das exigências de prevenção que determinaram a sua prisão preventiva;
- A recusa patente no douto despacho em ouvir o arguido em sede de interrogatório complementar é inconstitucional, na medida em que viola o n.º 2, do artigo 32.º da CRP, porque, mesmo que de forma sub-reptícia, torna “unilateral” e “preferencial” os factos constantes da promoção do MP no que concerne à imputação ao arguido do artigo 21.º do DL 15/93, em detrimento da inocência do arguido quanto à prática daqueles – o artigo 32.º da Constituição não deve ser entendido como uma garantia constitucional que apenas aparece plena em determinado momento do processo, mas antes uma norma constitucional que deve estar presente em todas as fases do processo, incluindo a fase de inquérito;
- Verifica-se a inconstitucionalidade do despacho na parte em que indefere a audição do arguido em sede de interrogatório complementar, por violação do n.º 5, porque ao arguido foi negado, pelo Juízo de Instrução, o direito ao contraditório, ao indeferir a audição das testemunhas e dos arguidos em interrogatório complementar: é inconstitucional o despacho que interpreta o disposto nos artigos 32.º da CRP, 61.º, n.º 1, 144.º, 262.º e 263.º do Código de Processo Penal no sentido de, perante nova prova junta pelo arguido, pela qual ele pretende demonstrar não só a inexistência de culpa ou a diminuição da mesma, em fase de inquérito tal não se afigura necessário ao tribunal para efeitos da revisão da revisão da medida de coação, nos termos do artigo 212.º do CPP.
- Sofre de inconstitucionalidade e ilegalidade, por violação directa dos artigos 32.º, n.º 7 da CRP e do artigo 61.º, n.º 2, al, g) do CPP o despacho proferido pelo Tribunal de Instrução que indeferiu o requerimento para interrogatório complementar do arguido e também indeferiu o requerimento para a produção de prova complementar, nomeadamente a audição de testemunhas e apreciação de documentos tendo em vista a revisão da medida de coação nos termos do artigo 212.º do CPP, uma vez que ao arguido, nesta fase do processo, apenas pode intervir no processo requerendo diligências de prova – e dúvidas não existirão de que o interrogatório do arguido, feito perante magistrado, é um meio de prova previsto na lei.
p) Logo, o Meritíssimo Senhor Juiz de Direito, e salvo o devido respeito, não poderia apreciar, e consequentemente indeferir o requerimento para interrogatório complementar dos arguidos (vd. Ac. 395/2004 do Tribunal Constitucional), devendo, isso sim, declarar-se materialmente incompetente para a apreciação do mesmo e remetendo essa decisão para a apreciação do Ministério Público.
q) O Ministério Público, implicitamente, deferiu o requerido, ao dizer que se iria pronunciar «em momento posterior àquela diligência (interrogatório complementar dos arguidos)». Tal diligência nunca teve lugar, por ter sido indeferida por Juiz de Instrução, verificando-se, pois, uma incompetência material, da qual resulta, directa e necessariamente uma nulidade insanável, nos termos e para efeitos do artigo 120.º, n.º 2, al. d) do CPP: insuficiência do inquérito, porquanto não se ter realizado uma diligência essencial à descoberta da verdade material, que desde já, e para todos os efeitos expressamente se invoca.
r) Os arguidos juntaram prova documental e testemunhal que contraria informações e outros documentos que se encontram nos autos (inclusivamente informações por parte da CMA, do Infarmed e da DGAV – vg. Declaração assinada pelo Presidente da Câmara a declarar pretender autorizar a plantação de canábis para fins medicinais emitida em nome dos arguidos e assinada por aquele); logo, não sendo os arguidos ouvidos em sede de interrogatório complementar e não sendo ouvidas as testemunhas sobre estes factos e de forma a respeitar o contraditório, estamos perante a violação a nulidade de insuficiência do inquérito, violação do princípio da legalidade e inconstitucionalidade, por violação directa dos artigos, 32, n.ºs 1, 5 e 7 da CRP e dos artigos 56.º, 61.º, 118.º, 120, n.º 2, al a), 144.º e 262.º do CPP.
s) Tendo em consideração todos os elementos de prova (documental e testemunhal) que colocam em crise prova anteriormente carreada ao processo durante a investigação, a errónea interpretação da lei de licenciamento de canábis para fins medicinais (cf. DL 8/2019), o conflito de competências entre a DGAV e o Infarmed, a existência de uma declaração de autorização por parte da CMA, a existência de vários documentos que comprovam a instrução de um pedido de licenciamento para o cultivo de canábis, a existência de documentos que demonstram que o cultivo de canábis se destinava à investigação científica para fins medicinais, nunca se poderá afirmar que não existem novos elementos no processo; também nunca se poderá afirmar a desnecessidade de se ouvirem testemunhas e os próprios arguidos sobre estes factos.
t) Assim, também o douto acórdão recorrido deve ser declarado nulo, por violação do princípio da adequação, por se centrar apenas na gravidade objectiva e abstracta das imputações ao momento da decisão e não tem em consideração as novas circunstâncias.
u) É nulo por violar o princípio da adequação por não ter em conta a situação pessoal do arguido e o circunstancialismo atenuante e mais favorável, por não considerar relevantes as provas e a situação actual do arguido nem tem elva em consideração as provas invocadas pelos arguidos tendo em vista a sua libertação (ac. TEDH 23.3.1999 e 31.7.2000).
v) O douto despacho é nulo por violar o princípio da legalidade e da oportunidade ao fundamentar a sua decisão no «breve hiato temporal decorrido entre o primeiro interrogatório judicial e a presente data(que ocorreu exactamente há dois meses)»: o hiato de tempo em que uma pessoa se encontra sujeita a prisão preventiva não pode servir como fundamento para a manutenção da sua prisão.
w) O Tribunal a quo, estando perante elementos novos de prova – impossíveis de apresentar, pela sua relativa complexidade de recolha, em sede de primeiro interrogatório – fundamenta o indeferimento de reapreciação da medida de coação aplicada por não terem sido apresentados novos elementos ao processo e por ter decorrido um pequeno hiato de tempo de dois meses sobre o primeiro interrogatório judicial, viola manifestamente o princípio da audição prévia.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, e com o muito douto e sempre necessário suprimento de VV. Digníssimas Exas, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, declarando-se a nulidade, ilegalidade e inconstitucionalidade do mesmo, e substituindo-o por outro que defira tudo quando foi requerido, determinando a imediata reapreciação da prisão preventiva dos arguidos, fazendo-se, assim a costumada Justiça.”
O Ministério Público respondeu ao recurso pugnando pela manutenção do despacho recorrido e concluindo:
“1. O arguido interpôs recurso do douto despacho proferido a 29.09.2020, alegando, em síntese, que o despacho recorrido está ferido de incompetência material, porquanto o Juiz de Instrução indeferiu diligência de prova cuja competência de direcção da fase de inquérito é exclusiva do Ministério Público; está ferido de nulidade insanável, por ter indeferido a inquirição de testemunhas de testemunhas arroladas e interrogatório complementar do arguido; e está ferido de inconstitucionalidade, por violação do art.º 32º, n.º 1, 2, 5 e 7 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).
2. O arguido demonstrou ter perfeito conhecimento de quem preside à fase de inquérito – o Ministério Público, que se trata de uma fase acusatória, assim como das competências do Juiz de Instrução nesta mesma fase.
3. Ao Juiz de Instrução estão incumbidas na fase de inquérito as funções previstas no art.º 268º e 269º do Código de Processo Penal, e delas não consta a inquirição de testemunhas sem que o Ministério Público o tenha requerido, e e as demais ali previstas, sempre a requerimento do Ministério Publico.
4. O arguido requereu a audição de testemunhas e o interrogatório complementar do arguido com vista à reapreciação da medida de coacção que lhe foi imposta, que efectuou o mesmo requerimento.
5. Não se compreende o que recorrente alega ao referir a existência de um conflito negativo de competências entre o Juiz de Instrução e o Magistrado do Ministério Público.
6. O requerimento que motivos a prolação do despacho proferido no dia 29.09.2020, foi dirigido ao Juiz de Instrução a quem competia reapreciar a medida de coacção suscitada nos teros do disposto no art.º 212º do Código de Processo Penal.
7. Por esse motivo não se percebe a estranheza do recorrente acerca do despacho aqui em recurso, no que diz respeito ao conflito de competências.
8. O arguido requereu a realização da inquirição de testemunhas e o seu interrogatório complementar para a tomada de decisão acerca da revogação da medida de coacção a que se encontrava sujeito.
9. O Juiz de Instrução pronunciou-se no âmbito das suas competências.
10. O momento em que o recorrente efectuou o requerimento de revogação da medida de coação foi extemporâneo, já que deveria ter previamente diligenciado junto de quem dirige o inquérito a produção dos meios de prova, e só após deveria ter solicitado ao Juiz de Instrução a revogação a medida de coacção.
11. O recorrente pretendia com o requerimento efectuado ao abrigo do disposto no art.º 212º do Código de Processo Penal, que a medida de coação de prisão preventiva fosse substituída por outra menos gravosa.
12. Não se compreende que o recorrente tenha alegado que o Juiz de Instrução tenha decido não inquirir as testemunhas arroladas pelo arguido ou a determinar o interrogatório complementar do mesmo, já que tal lhe estava constitucional e legalmente vedado, nos termos o disposto no art.º 219, n.º 1 da CRP conjugado como art.ºs 262º, n.º 1 e 263º, n.º 1 e 267º, do Código de Processo.
13. É incongruente o facto de o arguido alegar que o juiz era incompetente para tomar a decisão de inquirir as testemunhas, e depois vir alegar a nulidade do despacho proferido.
14. Não se mostrando o inquérito findo é também incongruente a alegada nulidade de insuficiência de inquérito.
15. O Ministério Público é o dominus do inquérito.
16. O Juiz de Instrução declarou-se incompetente para decidir sobre a inquirição das testemunhas em inquérito assim como pelo interrogatório complementar do arguido.
17. O Juiz de Instrução não indeferiu a produção de prova tendo em vista a descoberta da verdade material, tendo decidido indeferir a inquirição das testemunhas e o interrogatório complementar do arguido para efeitos da revogação da media de coação.
18. O inquérito tem estrutura acusatória - art.º 32º, n.º 5 da Constituição da Republica Portuguesa.
19. O contraditório ocorre durante a fase processual da instrução e na fase do julgamento.
20. Sendo o Juiz das liberdades, não incumbe ao Juiz de Instrução na fase de inquérito produzir prova, já que tal constituiria uma intromissão inadmissível e inaceitável na investigação e um atropelo a quem dirige a investigação.
21. É ao Ministério Público que incumbe a avaliação a pertinência das diligências e a realização das mesmas.
22. Só há inconstitucionalidade quando alguma entidade normalmente competente para a prática de determinado acto não o pratica, prejudicando o direito de defesa do visado.
23. Era apenas o Ministério Público, a entidade legal e constitucionalmente competente para decidir acerca da inquirição de testemunhas e interrogatório complementar do arguido.
24. O arguido foi formalmente constituído como tal e interrogado e foi sujeito a medida de coacção. Por esse facto beneficia de um conjunto de direitos e garantias que normalmente não beneficiaria.
25. O inquérito tem uma fase acusatória (art.º 32º, n.º 5 da CRP) que é temperada pelo princípio da legalidade, que a norma do art.º 32º, n.º 1 indiretamente prescreve.
26. O arguido não tem que ser ouvido cada vez que surjam novos elementos de prova. O ideal é que o mesmo seja confrontado com estes elementos numa fase em que os elementos de prova estão todos ou quase todos recolhidos, pelo menos, na sua maioria.
27. Não há uma obrigatoriedade que o arguido tenha que ter conhecimento de todos os elementos de prova durante o inquérito.
28. O Juiz de Instrução manteve a medida de coacção, porquanto não revogou a prisão preventiva, o que não quer dizer que haja uma presunção da culpabilidade do arguido.
29. Contrapõe-se ao princípio da presunção da inocência o princípio a culpa. O Juiz a quo não aflorou tão-pouco a culpabilidade do arguido ao decidir não revogar a medida de coacção aplicada.
30. Não há qualquer violação do princípio da presunção da inocência.
31. Não se vislumbra de que forma o Juiz de Instrução tenha violado o princípio do acusatório, seja no plano material (entre as várias fases do processo) ou na vertente orgânico-subjetiva (entre entidades competentes).
32. Ao Ministério Público cabe a direcção do inquérito, ao Juiz de Instrução, a fase da instrução, e ao juiz do Julgamento, presidir à fase do julgamento
33. O que o recorrente invoca é a violação do princípio do contraditório. Os elementos de prova indicados servem, na óptica do recorrente, para demonstrar a inexistência de culpa ou a sua diminuição, em ordem a decidir-se pela revogação a medida de coacção imposta.
34. No inquérito sobrelevam-se os princípios do acusatório e da legalidade, mas não o princípio do contraditório.
35. Sobre a negação do direito constitucionalmente consagrado, nos termos do disposto no art.º 32º, n. 7 da CRP, cabe referir que a aludida inconstitucionalidade não se verifica porquanto não competia ao Juiz de Instrução, em sede de inquérito, determinar a realização de diligências de prova.”
2. A decisão recorrida é a seguinte:
“Por requerimento apresentado nos autos em 10/09/2020 e 15/09/2020, vieram respectivamente os arguidos (…) em síntese, requerer a modificação da medida de coacção aplicada de prisão preventiva e a sua substituição por outra menos gravosa.
Para o efeito, alega (…), em síntese, que a actividade desenvolvida de âmbito agrícola ultrapassa sobejamente a produção de canábis, que pese embora o projecto de produção de óleo de canábis para fins medicinais em curso (resultante da sua experiência enquanto doente oncológica), foram armazenadas as produções experimentais cujo conhecimento técnico é detido pelo co-arguido (…), cujo resultado foi partilhado por duas ou três pessoas, doentes oncológicas, negando a comercialização; que desconhecia o carácter ilícito das actividades experimentais; que aufere um rendimento mensal de €4.330,00 a título de pensão de alimentos pagos por (…), à qual acresce uma pensão de alimentos a favor dos filho de €3.160,00, arguindo ainda dispor de disponibilidades financeiras significativas provenientes de um empréstimo que lhe foi efectuado, no valor de €50.000,00.
Foram juntos 28 documentos. Foi ainda requerida a tomada de declarações à arguida bem como a inquirição de (…).
Por seu turno, (…) alega para o efeito que se encontra inserido social e profissionalmente (desenvolvendo actividade remunerada como fotógrafo); que decidiu adquirir a propriedade para fins de produção pecuária e de produção agrícola de produtos biológicos através da sociedade (…) e mediante recurso à mara (…), e não exclusivamente para produção de canábis; que o arguido se encontrava a diligenciar por obter autorização para produção de canábis para fins medicinais tanto junto da INFARMED como da DGAV, tendo estabelecido contactos com a farmacêutica IBERFAR para esse fim; que não procedeu à comercialização de canábis dado que a exploração se centra noutros produtos.
Foram juntos 23 documentos. Foi ainda requerida a tomada de declarações ao arguido bem como a inquirição de (…).
Ambos os arguidos alegam a atenuação dos indícios e dos perigos constantes da decisão de aplicação de medida de coacção.
Notificado para exercer o contraditório, pronunciou-se o Ministério Público nos termos que constam dos autos e cujo teor se dá por reproduzido (ref.ª 29904209, em 28/09/2020).
Apreciando a requerida prestação de declarações por parte dos arguidos, considerado que a reapreciação promovida pelos mesmos através dos Il. Advogados (constituindo tal impulso um modo de intervenção processual), que não se mostra alegado ou indiciado qualquer facto relativamente ao qual os arguidos não tenham tido oportunidade de se pronunciar em sede de primeiro interrogatório judicial (em síntese, a participação dos arguidos nos factos de que se encontram indiciados, o projecto agrícola e a sua estruturação e, ainda, os seus rendimentos) e, ainda, o breve hiato temporal decorrido entre o primeiro interrogatório judicial e a presente data (que ocorreu há exactamente dois meses), considera o Tribunal que se mostra manifestamente dispensável a audição directa dos arguidos nesta sede, não se mostrando necessário à boa decisão do requerido diligenciar nesse sentido – artigo 212.º, n.º4 do Código de Processo Penal.
Notifique.
Requerem, ainda, os arguidos a inquirição de quatro testemunhas cada (num total de seis, consideradas as testemunhas indicadas em comum) tendo em vista a reapreciação da medida de coacção vigente.
Da conjugação dos arts. 262.º, n.º 1 e 267.º do Código de Processo Penal resulta que incumbe ao Ministério Público praticar os actos e assegura os meios de prova necessários a investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
A intervenção do juiz de instrução criminal no âmbito do inquérito, nas vestes de juiz das garantias processuais, encontra-se delimitada pelo disposto no artigo 268.º do Código de Processo Penal, daqui resultando que lhe compete, entre o mais, proceder ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, à aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, a buscas e apreensões em escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário, tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, bem como declarar a perda a favor do Estado de bens apreendidos quando o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito.
Aqui chegados, resulta evidenciado que se encontra legal e constitucionalmente vedada a possibilidade de determinar ou realizar as diligências de inquérito que escapem às suas atribuições, não competindo ao Tribunal realizar inquirições (fora dos casos legalmente previstos) ou determinar ao Ministério Público a sua realização.
Sem prejuízo do que ficou dito, importa ainda ter presente que a reapreciação da decisão cautelar deverá ser realizada através dos meios probatórios existentes nos autos de inquérito, não se impondo ao Tribunal a produção adicional de meios de prova.
Considerando os arguidos que se impõe a produção de novos meios de prova, tal deverá ser diligenciado junto do titular do inquérito, o Ministério Público.
Assim, nos termos e fundamentos expostos, indefere-se a inquirição das testemunhas arroladas pelos arguidos.
Notifique.
*
Apreciando e decidindo o requerido,
Estabelece o artigo 212.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Penal que “quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução”, devendo essa apreciação da atenuação das exigências cautelares ser realizada oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e devendo ser ainda ouvida a vítima, sempre que necessário.
Na situação em concreto, por decisão de 29/07/2020 foi determinada a aplicação aos arguidos da medida de coacção de prisão preventiva, fundando-se, em síntese, na existência de perigo de perturbação do decurso do inquérito na vertente da aquisição, conservação ou veracidade da prova, de continuação da actividade criminosa e, ainda, de fuga.
Compulsados os autos e, desde logo, o alegado, não foi carreado qualquer facto pelos arguidos donde resulte a diminuição das exigências cautelares atempadamente assinaladas na decisão de 29/07/2020 e que por economia de meios, se dão por integralmente reproduzidas.
A colocação dos arguidos em plena liberdade (ou, pelo menos, a atenuação da medida de coacção vigente) consubstancia um efectivo perigo para aquisição da prova e continuação da actividade criminosa na medida em que, a partir desse momento, os arguidos teriam a possibilidade de regressar ao local onde ocorreram os factos indiciados e, desse modo, provir à destruição ou inutilização dos meios de prova, dessa através de uma intervenção directa em prova material que possa não ter sido ainda identificada ou através da intervenção junto aqueles que poderão ter conhecimento dos factos.
De igual modo, a circunstância dos arguidos terem sido directamente confrontados pela acção da justiça – a título cautelar, é certo – a respeito dos factos indiciados agudiza o perigo de fuga do país, considerando as actividades que cá desenvolvem e, ainda, que detém as fontes essenciais de rendimento em território estrangeiro.
De igual modo, os elementos probatórios trazidos não infirmam, de modo algum, as conclusões que se encontram vertidas na decisão de aplicação de medida de coacção.
Aliás, a circunstância dos arguidos, em teoria, se dedicarem à exploração agrícola com outros fins não impede, de todo, os factos de que se encontram indiciados, sendo aliás sobejamente conhecidas as empresas de produção e comercialização de produtos estupefacientes que operam sobre aparência de licitude, obstando desse modo à intervenção das autoridades competentes.
Por fim, a alegação carreada a respeito da putativa autorização para desenvolvimento da actividade encontra-se, desde logo infirmada pelo modo como decorria essa exploração, a sua extensão e, ainda, o volume de produtos encontrados na sua posse, sendo certo que é razoável inferir o carácter contrário ao Direito atentas as diligências desenvolvidas. Aliás, é legítimo inferir que os arguidos tinham conhecimento do carácter proibido da produção desde o momento em que desenvolveram contactos junto da citada sociedade farmacêutica, caso contrário a mesma certamente que teria mostrado a sua disponibilidade para receber a produção (de 3 anos, diga-se) que os arguidos detinham conscientemente na sua propriedade, assumindo ainda os mesmos que realizaram a sua distribuição para fins medicinais para amigos, sendo tal circunstância irrelevante para o preenchimento do tipo penal.
Assim, constata-se que inexiste qualquer circunstância verdadeiramente superveniente que tenha a virtualidade de colocar em crise o despacho que procedeu à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, não logrando a argumentação expedida enfraquecer os seus pressupostos e fundamentos.
Deste modo, porque inalterados os pressupostos que determinaram a aplicação das medidas cautelares por decisão de 29/07/2020, indefere-se porquanto infundado o requerido pelos arguidos (…) – artigo 212.º, n.º4 do Código de Processo Penal.
Notifique.
Devolva os autos ao Ministério Público.
Alarme e conclua atempadamente para a revisão da medida de coacção.”
3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar respeitam à verificação da manutenção dos perigos que fundamentaram a prisão preventiva inicialmente decretada no processo, em despacho subsequente à apresentação do arguido detido para primeiro interrogatório judicial.
É deste segundo despacho, que manteve a prisão preventiva, que o arguido recorre.
A sua impugnação desdobra-se em três subquestões, na sequência do despacho recorrido que, por sua vez, procedera a uma análise separada dos três problemas colocados pelo arguido em requerimento dirigido ao juiz de instrução criminal com vista à atenuação do estatuto pessoal inicialmente fixado (pugna o arguido pela detenção domiciliária com vigilância electrónica): a sua audição em declarações complementares de arguido perante o juiz para esclarecimento de novos factos; a audição de testemunhas, que indica, para comprovação de factos respeitantes à atenuação das exigências cautelares e o exame de documentos que oferece para o mesmo efeito; a reapreciação da subsistência dos fundamentos da prisão preventiva na sequência da produção de prova sobre os factos que pretende demonstrar.
Tratando-se de recurso de despacho que cura do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, levado a cabo a requerimento do próprio detido, o âmbito do recurso circunscreve-se ao conhecimento das repercussões de eventuais vicissitudes processualmente relevantes, ocorridas após prolação do despacho que determinou a medida de coacção ora mantida.
Não estaria em causa rediscutir os fundamentos da prisão preventiva decretada cerca de dois meses antes, mas tão só apreciar da persistência das exigências cautelares que então se reconheceram.
Só que o impulso processual do arguido não se limitou ao pedido de reapreciação do seu estatuto pessoal, tendo sido antes também por si requeridas diligências de prova. E estas diligências visavam a estrita demonstração da alegada atenuação de exigências cautelares, ou seja, a prova de factos dos quais resultaria essa atenuação (das exigências cautelares).
De acordo com o requerimento do arguido, e de acordo com a impugnação agora renovada no seu recurso, são efectivamente alegados factos que, em abstracto, não são nada indiferentes à decisão sobre a medida de coacção. Assim sucede, pois os factos alegados pelo arguido podem relevar, por um lado, ao nível da ilicitude e da culpa (o que tem interesse neste momento processual atentos os princípios da adequação e proporcionalidade que regem a prisão preventiva e demais medidas de coacção), e, pelo outro, ao nível da dosimetria dos perigos que se visam prevenir, como o da continuação da actividade criminosa.
De tudo resulta que as diligências de prova concretamente requeridas pelo arguido não são diligências de investigação do inquérito, não são as diligências de prova que só ao dominus do inquérito compete ordenar e fazer produzir - embora, é claro, possam interessar à investigação e possam, ou mesmo devam, vir a integrar o inquérito e a ser aproveitadas como prova pelo Ministério Público.
As diligências de prova requeridas pelo arguido, sempre de acordo com o requerimento que então formulou e a motivação do recurso que agora apresentou, são diligências de prova dos factos que interessam à decisão sobre o seu estatuto pessoal. Pois com elas pretende o detido demonstrar uma alteração de circunstâncias relativas aos pressupostos de facto em que assentou a sua prisão preventiva.
Senão, releia-se nas conclusões: “… aquando da decisão que optou pela aplicação da medida de coacção mais gravosa, o tribunal socorreu-se dos elementos de prova de que dispunha nesse particular momento; o arguido – detido quase dois dias antes, não teve a oportunidade de reunir uma série de documentos que pudessem comprovar a sua versão dos factos e, bem assim, de prestar cabais explicações e justificações aos factos que lhe eram imputados, nomeadamente sobre as suas fontes de rendimentos, a actividade desenvolvida pela sua empresa, a existência de uma autorização escrita por parte do Presidente da Câmara Municipal do (…), a instrução do pedido de licenciamento para o cultivo de canábis para fins medicinais, a existência de acordos de confidencialidade com a Iberfar, a constituição formal da empresa, o CAE a comprovar que a empresa estava inscrita em diversas actividades nomeadamente a investigação científica, documentação que demonstra que a única finalidade da produção de canábis era a sua utilização médica, e outros documentos que demonstram que a intenção do arguido era legítima e apenas para fins de tratamento oncológico e de Parkinson.
Para tanto, o arguido requereu a junção de documentos, requereu a audição do Dr. (…), do Dr. (…), do Arq.º (…) e de (…), cujos depoimentos poderiam confirmar as fontes de rendimento e demonstrar que a representação da conduta não passaria nunca pela distribuição ilícita de estupefacientes.
Mais requereu, e perante estas novas provas que só a posteriori pôde juntar, ao abrigo do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, al g) e 144.º do Código de Processo Penal que fosse ouvido em sede de interrogatório complementar.
O requerimento termina com o pedido de revisão da medida de coação, nos termos do art.º 212.º, CPP.”
Na resposta ao recurso, o Ministério Público, apoiando o despacho recorrido, reitera que “O Ministério Público é dominus do inquérito…. O inquérito tem estrutura acusatória - art.º 32º, n.º 5 da Constituição da Republica Portuguesa…. Sendo o Juiz das liberdades, não incumbe ao Juiz de Instrução na fase de inquérito produzir prova, já que tal constituiria uma intromissão inadmissível e inaceitável na investigação e um atropelo a quem dirige a investigação. É ao Ministério Público que incumbe a avaliação a pertinência das diligências e a realização das mesmas.”
Na verdade, no despacho recorrido pode ler-se a dado passo: “…resulta evidenciado que se encontra legal e constitucionalmente vedada a possibilidade de determinar ou realizar as diligências de inquérito que escapem às suas atribuições, não competindo ao Tribunal realizar inquirições (fora dos casos legalmente previstos) ou determinar ao Ministério Público a sua realização.
Sem prejuízo do que ficou dito, importa ainda ter presente que a reapreciação da decisão cautelar deverá ser realizada através dos meios probatórios existentes nos autos de inquérito, não se impondo ao Tribunal a produção adicional de meios de prova.
Considerando os arguidos que se impõe a produção de novos meios de prova, tal deverá ser diligenciado junto do titular do inquérito, o Ministério Público.
Assim, nos termos e fundamentos expostos, indefere-se a inquirição das testemunhas arroladas pelos arguidos.”
Com este fundamento - de uma falta de competência material para fazer produzir a prova em causa - o senhor juiz de instrução criminal absteve-se de se pronunciar sobre a pertinência substancial das diligências de prova e sobre a relevância material dos factos alegados pelo arguido. Sendo que tal matéria respeitava a uma alegada alteração de circunstâncias que, a ocorrer, obrigaria à imediata ponderação e reapreciação da medida de coacção aplicada, para mais tratando-se da medida máxima prisão preventiva.
Na verdade, quer na averiguação oficiosa sobre a subsistência das circunstâncias que justificaram a prisão, quer na averiguação provocada, impõe-se a substituição da medida de coacção sempre que se verificar uma atenuação das exigências cautelares (art. 212º, nºs 1 e 3 do CPP). E só mantendo-se inalteradas essas circunstâncias, a prisão preventiva será de manter. Pois as medidas de coacção estão sujeitas à cláusula rebus sic stantibus.
No quadro assim definido, pretendendo o arguido em concreto infirmar, quer a persistência dos indícios da prática do crime imputado (fazendo-o ao nível da ilicitude e da culpa), quer a adequação e proporcionalidade da prisão preventiva na parte referente aos pericula libertatis, e sendo esta uma decisão a proferir exclusivamente pelo juiz de instrução, a este compete conhecer das eventuais alterações de circunstâncias trazidas ao processo.
E tendo-as o arguido alegado e pretendendo demonstrá-las através de requerimento correctamente dirigido ao juiz das liberdades, é a este juiz que cabe conhecer dele. Ou seja, é o juiz de instrução que deve apreciar da pertinência, relevância e necessidade de tais diligências de prova, porque essas diligências são instrumentais da decisão que só ele pode proferir e tem de proferir. E ao fazê-lo, o juiz de instrução em nada se confunde com o dominus do inquérito, inexistindo qualquer violação do acusatório. Pois ele não está a ordenar diligências de investigação ou para a investigação, está sim a dotar-se de todos os elementos para poder decidir esclarecidamente.
O juiz de instrução, agindo num papel que legal e constitucionalmente a ele está reservado – o de juiz das liberdades - limita-se a conhecer dos factos de que tem de conhecer para poder proferir a decisão que apenas a ele compete proferir. E para conhecer desses factos, relativos a eventuais alterações de circunstâncias que determinaram a prisão que ordenou, tem de os poder considerar como suficientemente indiciados, ou não. E para tanto, tem de poder proceder às diligências de prova que lhe foram requeridas para esse efeito, pelo arguido, e tem de as fazer, caso se lhe revelarem em concreto pertinentes.
Não pode é simplesmente nada decidir, sobre a pertinência em concreto de tais diligências, com a justificação de uma incompetência material e de uma violação do acusatório (que, repete-se, permanece incólume). Tem de poder proferir decisão sobre tais diligências de prova por ser o magistrado competente para decidir da subsistência da manutenção dos pressupostos da prisão preventiva que ordenou. Entender diferentemente seria esvaziar materialmente a intervenção do juiz de instrução no inquérito.
Por tudo, o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que conheça em concreto da pertinência das diligências de prova requeridas pelo arguido, levando-as a cabo se for caso disso, e proferindo-se depois decisão sobre a manutenção ou não da prisão preventiva.
3. Em face do exposto, dá-se provimento parcial ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que conheça da pertinência das diligências de prova requeridas pelo arguido, levando-as a cabo se for caso disso, e proferindo-se depois decisão sobre a prisão preventiva.
Sem custas.
Évora, 12.01.2021
(Ana Barata Brito)
(Leonor Vasconcelos Esteves)