ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
PLURALIDADE DE INFRACÇÕES
CRIME DE TRATO SUCESSIVO
Sumário


1 - Considerando a localização temporal dos factos provados (em tempos definidos, autónomos e distintos), a situação espacial dos mesmos (não exactamente nos mesmos locais) e as demais circunstâncias modais que consubstanciam cada um dos comportamentos lesivos isoladamente considerados (e autonomamente descritos nos factos provados), resulta que o arguido, por um lado, agiu sempre com uma diferente e renovada intenção criminosa (inexistindo por isso unidade de resolução) e, pelo outro, os demais índices de ponderação (como os elementos espácio-temporais e os demais referidos) apontam igualmente no sentido de uma pluralidade de sentidos de ilicitude.

2 - Assim, a afirmação da pluralidade de crime(s) é o que resulta, em concreto, da aplicação do art. 30.º, n.º 1, do CP. e, estando em causa abuso sexual de criança, está afastada a figura do trato sucessivo.

Texto Integral



Acordam na Secção Criminal:
1. No Processo Comum Colectivo n.º 64/19.3T9EVR, da Comarca de Évora, foi proferido acórdão a:
“a) Absolver o Arguido (...) da prática, na forma consumada, de cinco crimes de abuso sexual de criança agravados, p. e p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 177.º n.º 1, alínea b), do Código Penal;
b) Condenar o Arguido (...) pela prática, na forma consumada, e em concurso efetivo de quatro crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de quatro (4) anos de prisão para cada um deles;
c) Condenar o Arguido pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º n.º 1, do Código Penal, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão;
d) Condenar o Arguido pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de coação agravada, p. e p. pelos artigos 154.º n.º 1 e 155.º n.º 1, alíneas b) e c), do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão;
e) Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima mencionadas, condenar o Arguido na pena única de doze (12) anos e seis (6) meses de prisão;
f) Manter o Arguido sujeito à medida de coação de proibição de contactos, por si ou por interposta pessoa, com (…), até trânsito em julgado do presente acórdão, por se manterem inalterados os pressupostos que determinaram a aplicação dessa medida, os quais se mostram reforçados atenta a presente condenação.”
Foi ainda julgado procedente o pedido cível deduzido contra o arguido e condenado este a pagar a quantia de € 15000,00 (quinze mil euros) a (...), acrescida de juros desde a presente data até efetivo e integral pagamento.
Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:
“1. No que tange à incriminação, plasma o Ministério Público na acusação:
"Pelo exposto, o arguido (...) cometeu, como autor, em concurso real e sob a forma consumada, cinco crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, e um crime de coacção agravada, previsto e punido pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal."
2 Na primeira página do douto Acórdão recorrido, está plasmado: “ I. RELATÓRIO
Em processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo, o Ministério Público deduziu acusação contra (...), atualmente preso preventiva à ordem do Processo n.º 1ü29/19.üT9EVR, no Estabelecimento Prisional de Elvas;
Imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de cinco crimes de abuso sexual de criança agravados, p. e p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 177.º n.º 1, alínea b,, do Código Penal, e um crime de coação agravada, p. e p. pelos artigos 154.º n.º 1 e 155.º n.º 1, alíneas a) e b,, do Código Penal."
3. O douto acórdão recorrido altera o enquadramento jurídico dos factos constantes da acusação, expurgando ilicitamente a referência ao crime previsto no Artigo 171º/1-a) do Código Penal.
4. O arguido pugnou no Tribunal recorrido, pela inexistência de qualquer ilícito criminal previsto no Artigo 171º/1-a) do Código Penal.
5. A douta decisão recorrida do Tribunal a que, ao proceder ilicitamente à alteração da qualificação jurídica dos factos, contraria o previsto na Constituição da República Portuguesa, e o previsto nas disposições penais aplicáveis, substantivas e adjectivas.
6 . O Tribunal a quo nunca informou o arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos, em violação do previsto no Artigo 358º/1 e 3 do Código de Processo Penal.
7. A violação de tais normas, tem como consequência a nulidade da douta decisão recorrida por omissão de pronúncia, atento ao previsto no Artigo 379/1-c) do Código de Processo Penal.
8. O enquadramento legal plasmado na acusação, na parte que tange à eventual prática pelo arguido do crime previsto e punido no Artigo 171º/1-a) do Código Penal, denota violação pelo previsto no Artigo 32º/5 da Constituição da República Portuguesa, e o previsto no Artigo 1º/1 do Código Penal.
9. A condenação do arguido na douta decisão recorrida, assenta na prática por este de pretensos factos, cuja punibilidade, em parte, não está prevista no Código Penal.
10. O ilícito criminal atribuído ao arguido, p.p. no Artigo 171º/1-a) do Código Penal, em parte da acusação pública, porque tal previsão não existe no C.P., impede a condenação deste, atento ao que decorre do princípio da legalidade previsto no Artigo 1º/1 do Código Penal.
11. Acresce que a douta decisão recorrida, ao alterar ilicitamente a qualificação jurídica dos factos, viola o princípio da independência do Tribunal em relação à acusação, previsto no Artigo 32º/5 da CRP.
Sem transigir, por dever de patrocínio se alega;
12. O ser humano arguido nestes autos, sente que, injustamente, o pretendem privar injustamente, da sua liberdade e da sua honra.
13. A privação da liberdade e da honra de alguém, não deve, especialmente in casu, proceder, mesmo que, a mentira, se funde em aparente verdade.
14. Resulta do texto da douta decisão recorrida, além do mais, a evidente falta de ponderação de forma crítica, das declarações do arguido, nas quais nega a prática de qualquer um dos factos que lhe são atribuídos na acusação.
15. A douta decisão recorrida do Tribunal a que, estriba-se essencialmente nas declarações prestadas pela menor, o que resulta no texto desta.
16. Brota com evidência no texto da douta decisão recorrida que, as declarações da menor não são devidamente sopesadas, o que ofende regras da experiência comum.
17. Resulta evidente no texto da douta decisão recorrida, a inexistência de ponderação pelo tempo decorrido desde os pretensos factos, em notório prejuízo para a descoberta da verdade material.
18. No texto da douta decisão recorrida é consagrada uma deficiente ponderação das declarações da menor, as quais se mostram de extrema imprecisão, devido especialmente ao tempo decorrido desde os pretensos factos.
19. É perceptível, pela análise ao texto da douta decisão recorrida que, as declarações da menor, impossíveis de confirmar por outros elementos de prova, são totalmente insuficientes para estribar a condenação do arguido.
20. Do texto da decisão do Tribunal a quo de que ora se recorre, brota a notória falta de análise crítica e ponderada, de toda a prova.
21. O texto da decisão recorrida não espelha a ponderação das declarações de negação da prática dos factos, que foi efectuada pelo arguido.
22. O texto da douta decisão recorrida reflete a excessiva credibilidade atribuída às declarações da menor, não sopesando as do arguido.
23. Destarte, mostra-se evidente no texto da douta decisão recorrida a violação pelo princípio in dubio pro reo, o qual é uma das vertentes do princípio constitucional da presunção de inocência, contemplada no Artigo 32º/2, 1ª parte, da Constituição da República Portuguesa.
24. Sobre tal matéria, na perspectiva de uma melhor aplicação do direito, mormente os Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março 2009, no processo com o n.º 07P1769, e de, 06 de Fevereiro de 2013, P. 593/09.7TBBGC.P1.S1, 3ª secção, acessíveis nomeadamente em www.dgsi.pt/jst], para cujos textos integrais se remete para todos os efeitos legais, sumariado, se decide:
No primeiro Acórdão a que se alude;
II - O «ln dubio pro reo é um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão-de-direito que cabe, como tal, na cognição do STJ. Nem contra isto está o facto de dever ser considerado como princípio de prova: mesmo que assente na lógica e na experiência (e por isso mesmos, conforma ele um daqueles princípios que ( ... ) devem ter a sua revisibilidade assegurada, mesmo perante o entendimento mais estrito e ultrapassado do que seja uma «questão-de¬direito» para efeito do recurso de revista» - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª ed. (1974L Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs, 217-218; cf., ainda, Cristina Líbano Monteiro, ln Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997, e Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 437.
111- O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.
No segundo Acórdão;
VII - O princípio in dúbio pro reo é princípio geral do processo penal decorrente do princípio da presunção de inocência do arguido. Como tal, assume a natureza de uma questão de direito de que o STJ deve conhecer quando da globalidade do próprio texto da decisão resultar que o tribunal, apesar da hesitação sobre a prova de determinado facto, decidiu em sentido desfavorável ao arguido.
25. A apreciação da prova efectuada pelo Tribunal a que, aferível a partir do texto da douta decisão recorrida, viola de forma notória os princípios comuns da lógica e da razão.
26. Igualmente resulta no texto da douta decisão recorrida a violação pelo princípio da objectividade.
27. Resulta insuficiente a ponderação crítica pelo Tribunal recorrido, do tempo verificado desde os pretensos factos atribuídos ao arguido, conforme plasmado no texto da douta decisão recorrida.
28. Tal período, situado em mais de seis anos, na vertente factual e de direito, mostra-se de extrema relevância para a formação da convicção decisória.
29. O tempo decorrido desde os pretensos factos, releva em todas as vertentes, o que já havia sido judicialmente ponderado quando foram fixadas as medidas de coacção ao arguido, o que contudo, na douta decisão recorrida, é totalmente ignorado.
30. A convicção do Tribunal plasmada no texto da douta decisão recorrida, além do mais, viola o previsto no Artigo 340º/1 e 2 do CP, porque não pondera o facto de a menor ser filha de Pai ausente e de Mãe nomeadamente com problemas alcoólicos, o que faz com que esta esteja à guarda dos Avós maternos, sem avaliar as repercussões que tal factualidade tem tido na vida da menor, olvidando a análise crítica de todos os elementos de facto, com evidente prejuízo pela descoberta da verdade material.
31. A douta decisão recorrida, o que pode ser verificado no seu texto, contraria o decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1165/96, de 19 de Novembro, D.R., II Série, de 6-2-1997, sumariado, nomeadamente se decide: .... a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
32. A douta decisão recorrida, no que tange à condenação do arguido pela prática de cinco crimes de abuso sexual de criança, contraria, além do mais, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2012, P. 862/11.6TAPFR.Sl, acessível nomeadamente em www.dgsi.pt/jst], para cujo texto integral se remete para todos os efeitos legais, neste, sumariado, mormente se decide:
I - Quando os crimes sexuais são atos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem.
II - O mesmo sucede com outro tipo de crimes que, tal como o sexo, facilmente se transformam numa "atividade", como, por exemplo, com o crime de tráfico de droga. Pergunta-se, por isso, se nesses casos de "atividade criminosa", o traficante de rua que, por exemplo, se vem a apurar que vendeu droga diariamente durante um ano, recebendo do «fornecedor» pequenas doses de cada vez, praticou, «pelo menos», 200, 300 ou 365 crimes de tráfico [o que aparenta ser uma contagem arbitrária ou, pelo menos, "lmaginativa"] ou se praticou um único crime de tráfico, objetiva e subjetivamente mais grave, dentro da sua moldura típica, em função do período de tempo durante o qual se prolongou a atividade.
III - A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime - apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido.
IV - Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável
IV - Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta [ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável»]. Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por atas que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os atas se repetem.
V - O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no "Cádiqo Penal anotado" de P. P. Albuquerque).
VI - Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma.
33. Nomeadamente a pena fixada ao arguido pelo Tribunal a quo na douta decisão recorrida, contraria amplamente o decidido em várias decisões deste STJ, e, em especial, a decisão plasmada no Acórdão mencionado no ponto anterior.
34. O douto acórdão recorrido, no que tange à apreciação da culpa do arguido, contraria nomeadamente o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2012, no Processo n.º 85/09.4BPST.L.1.S1, 3ª Secção, acessível mormente em, www.dgsi.pt, no qual, ora sumariado, se decide:
III - ... a culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente uma finalidade da mesma.
IV - Uma das principais ideias presente no princípio da proporcionalidade é justamente, invadir o menos possível a esfera de liberdade do indivíduo, isto é, invadir na medida do estritamente necessário à finalidade da pena que se aplica, porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido.
35. A douta decisão recorrida, no que tange à valoração dos factos e à determinação da pena, contraria nomeadamente o decidido nos seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos acessíveis em www.dgsí.pt.:
No P. 07P1769, JSTJOOO, de 12-03-2009. No P. 68/08.1GABNV.L1, 3º SECÇÃO, de 23-04¬2014. No P. 2430/13.9JAPRT.Sl, 3.ª SECÇÃO, de 30-09-2015. No P. 735/14.0JAPRT.51, 3.º SECÇÃO, de 28-10-2015. No P. 27/14.5JAPTM.Sl, 3ª SECÇÃO, de 25-11-2015. No P. 351/16.2JAPRT.Sl, 5.º SECÇÃO, 22-02-2018. No P. 129/16.3GILRS.L1.S1, 3ª SECÇÃO, de 19¬12-2018. No P. 234/15.3JAAVR.51, 5º SECÇÃO, de 20-02-2019. No P. 2165/15.8JAPRT.P1.S1, 3ª SECÇÃO, de 27-02-2019. No P. 610/16.4JAAVR.Cl.Sl, 3º SECÇÃO, de 13-03-2019. No P. 98/17.2GAPTL.Sl, 3ª SECÇÃO, de 13-03-2019, e ainda no, P. 784/18.0JAPRT.Gl.Sl, 3º SECÇÃO, de 27-11-2019. Para cujos sumários e textos integrais se remete para todos os efeitos legais, sendo que as decisões incidem sobre idênticas ou muito próximas matérias de facto e de direito, pelo que são de elevada relevância para a concretização do desiderato, de uma melhor aplicação do direito.
36. Está plasmado na acusação deduzida pelo Ministério Público, haver o arguido praticado um crime de coacção agravada na pessoa da menor (…), previsto e punido nos Artigos 154º/1, 155º/1-a) e b), todos do Código Penal.
37. O texto da douta decisão recorrida, no primeiro parágrafo de suas folhas 23, plasma indevido enquadramento jurídico.
38. O arguido nega veementemente a prática de tal crime.
39. Resulta, mormente no texto da douta decisão recorrida que, a verificação deste eventual crime, se encontra numa relação de dependência.
40. Está plasmado na página 4, ponto 10 da douta decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, o seguinte: "lO. Entretanto, o telemóvel do Arguido tocou e este largou (...), a quem disse para não relatar os factos ocorridos, pois se o fizesse fazia mal à irmã dela."
41. Mesmo que tal afirmação fosse verdadeira, o que o arguido recorrente nega, inexiste fundamento para que o Tribunal a quo conclua pelo preenchimento dos requisitos do Artigo 154º/1 do Código Penal.
42. Na perspectiva de uma melhor aplicação do direito, veja-se o decidido, mormente, nos dois acórdãos seguintes, acessíveis, além do mais em, www.dgsi.pt, para cujos textos integrais se remete para todos os efeitos legais, nestes, sumariado, se decide:
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8-09-2014;
I. Para que estejam preenchidos todos os elementos típicos do crime de coação, não basta que alguém seja «impedido» de ter determinado comportamento. É necessário que a omissão se deva ao uso de violência ou de ameaça de mal importante por parte do agente.
Acórdão da mesma Relação, de 30-05-2012;
I. Para o preenchimento do crime de coacção não basta que alguém seja impedido de ter determinado comportamento, é, ainda, necessário que a omissão se deva ao uso de violência ou de ameaça de um mal importante.
II. O conceito de violência abrange quer o uso da força física, que tem um efeito corporal, quer a chamada violência psíquica, que é uma pressão anímica exercida sobre a vítima, que anula, ainda que parcialmente, a sua vontade ou que a coloca numa situação de inferioridade que a impede de reagir como quer.
43. Embora por mera hipótese, se o arguido proferiu a expressão que lhe é atribuída, desta não é de concluir a existência de violência, ou de ameaça com mal importante, pelo que não pode ser presumido que foi preenchido qualquer dos requisitos do Artigo 154º/1 do Código Penal.
44. O entendimento vertido na douta decisão recorrida que estriba a condenação do arguido pelo crime de coacção, é ilógico, contrário aos factos, ao previsto na norma incriminadora, a diversas decisões judiciais, mormente as dos Acórdãos de 20 de Setembro de 2017, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 1408/12.4PBVIS.Cl, bem como, no de 27 Novembro de 2013, pelo Tribunal da Relação do Porto, Proc. 107/12.1GDVFR.Pl, acessíveis nomeadamente em, www.dgsi.pt.
45. Acresce que, no mesmo segmento da douta de cisão recorrida, no que tange aos factos provados, está plasmado; "lI. Por ter sentido receio pela integridade física e vida de sua irmã, (...) não contou o que o Arguido lhe tinha feito."
46. O eventual receio que a menor parece demonstrar nas suas declarações, mais de seis anos depois dos pretensos factos, conforme plasmado na douta decisão recorrida, não se alcança, com a certeza que na douta decisão recorrida, se quer fazer crer.
47. A douta decisão recorrida presume a existência da frase, e o suposto efeito desta na menor, sem apoio em qualquer lógica de pensamento.
48. É totalmente infundado concluir que da suposta frase atribuída ao arguido, se atinge a certeza de que este manifestou o propósito de colocar em risco a integridade física, ou a vida da irmã da menor.
49. É totalmente errada, mormente por ofensa aos principias da lógica e da razão, a conclusão plasmada no texto da douta decisão recorrida no que tange à condenação do arguido pela prática de um crime de coacção agravada.
50. No douto acórdão recorrido é igualmente decidido condenar o arguido a pagar indemnização no valor de €l5.000,00 (quinze mil euros).
51. Atento mormente ao que resulta do texto da douta decisão recorrida, foi formulado pedido de indemnização civil pela avó materna da menor.
52. O facto da menor se encontrar por decisão judicial entregue aos cuidados da avó materna, não legitima esta a requerer o pedido cível formulado nos autos.
53. Deve ser decidido que inexiste legitimidade da avó materna para requerer pedido cível em representação da menor (…).
Em todo o caso;
54. A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo; a indemnização determinada no processo penal, emerge dos factos constitutivos das infracções criminais imputadas ao demandado, se e na medida em que puderem reconduzir-se aos pressupostos da responsabilidade civil, veja-se o Acórdão do STJ de 06-06-2002, proferido no Proc. n.º 1671/02. A fonte da obrigação de indemnizar não é a prática do crime, mas sim a lesão dos direitos e interesses jurídicos tutelados que os factos constitutivos do crime tenham causado.
55. A douta decisão recorrida não realiza Justiça no que tange à parte decisória criminal.
56. No segmento em que a douta decisão recorrida fixa o montante indernnlzatório, contraria o princípio da equidade, decidindo em violação do previsto no Artigo 496º/3 do Código Civil, aplicável por remissão do Artigo 129º do Código Penal.
57. A douta decisão recorrida, ao condenar o arguido a pagar a quantia de €15.000,00, não pondera o grau de culpa do arguido, a sua situação económica, a do lesado, as demais circunstâncias do caso e os padrões geralmente adoptados na Jurisprudência, violando especialmente o previsto nos Artigos 494º e 496º/3 do Código Civil.
58. A douta decisão recorrida, no que tange ao pedido de indemnização civil, é contrária, mormente ao decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Justiça de 22-02-2018, P. n.º 351/16.2JAPRT.S1, 5.ª Secção, nomeadamente acessível em www.dgsí.pt, pelo qual:
VI - Na fixação do montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais importa atentar que o n.º 3 do art. 496.º do CC (ex vi art.129.º do CP) remete a sua determinação para juízos de equidade, a partir do grau de culpa do responsável, da sua situação económica, bem como do lesado, das demais circunstâncias do caso e dos padrões geralmente adoptados na jurisprudência (art. 494.º, do CC,.
59. Também neste segmento, carece a douta decisão recorrida de ser reformada, porque fixa uma quantia indemnizatória que, de forma evidente, viola os princípios da equidade.
60. Decorre do texto da douta decisão recorrida que o arguido não apresenta qualquer antecedente criminal com relevo para a matéria colocada a julgamento nos presentes autos.
61. A partir do texto da douta decisão recorrida se alcança que, o arguido é pessoa socialmente integrada.
62. Sem transigir, admitindo-se como mera possibilidade a condenação do arguido, caso assim se decida, deve ser condenado em pena que respeite, além do mais, o previsto nos Artigos 40º e 71º/1 do Código Penal, pelo que tudo ponderado, deve ser fixada em medida não superior a três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, devendo o valor da indemnização ser fixado em quantia que não exceda dois mil euros.
Atento ao supra alegado, nos demais termos de direito aplicáveis, com o douto suprimento dos Calendas Conselheiros, respeitosamente se requer:
I - Se decida pela impossibilidade legal de o arguido ser condenado pela prática de factos integradores do crime constante da acusação formulada pelo Ministério Público, em respeito pelos princípios constitucionais essenciais que regulam o processo criminal, bem como em respeito pelo princípio da legalidade.
II - Na parte em que a douta decisão recorrida do Tribunal a que, altera ilicitamente a qualificação jurídica dos factos, se decida julgar procedente a nulidade invocada.
III - Sem transigir, caso seja entendido que é sustentável condenar o arguido, tudo ponderado, a pena a fixar não deve exceder três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeito a regime de prova, bem como em quantia que não exceda dois mil euros de montante indemnizatório, com o que se fará JUSTiÇA.”
O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:
“1. A referência na incriminação, aquando da dedução da acusação, à al. a) do preceito em causa -que se detecta nos autos desde a prolacção do despacho que determinou a detenção do arguido- e que se manteve nas demais peças processuais, afigura-se constituir um mero "erro de simpatia", um simples lapso de escrita, que o Tribunal Colectivo corrigiu no Acórdão, não justificando o recurso ao instituto da alteração não substancial de factos, previsto no art. 358°, do Cód. Proc. Penal.
2. O testemunho de (...) é plenamente válido, espontâneo, claro, descritivo e emocionado, revelando um real sofrimento que só pode resultar da vivência dos factos relatados, nos termos indicados na fundamentação do Acórdão.
3. As circunstâncias ali descritas, conferem total credibilidade às declarações de (…), as quais são válidas, e foram apreciadas pelo tribunal em aplicação do disposto no art. 127°, do Cód. Proc. Penal, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
4. No caso, contrário às regras da experiência seria considerar que a vítima relatou os factos que agora descreveu em julgamento, já então com o propósito de conseguir a condenação do arguido no pagamento de uma indemnização.
5. Essa suposta justificação é completamente descabida e sem sentido, não podendo seu considerada, tanto mais que os factos só foram revelados na sequência da descoberta fortuita da avó da menor ao ler o que esta escreveu no seu diário, vários anos após os factos e num momento em que a menor e a sua família não tinham há muito quaisquer contactos com o arguido.
6 . Pelo contrário, todas as declarações de (...) revelam verdade e um real sofrimento, pelo que bem andou o tribunal recorrido ao atender ao seu depoimento em obediência ao disposto no art° 127°, do Cód. Proc, Penal.
7. O recorrente efectua uma diferente valoração da prova produzida nos autos mas sem demonstrar uma incompatibilidade entre a valoração efectuada pelo tribunal e a própria decisão recorrida ou as regras da experiência comum, elemento essencial à verificação do apontado erro de julgamento
8. Bem andou o tribunal ao considerar a prova produzida, nomeadamente, as declarações para memória futura proferidas pela menor, as quais, conjugadas com os demais elementos probatórios indicados na fundamentação da matéria de facto, revelam que as respostas adoptadas pelo Tribunal Colectivo são as correctas face à prova produzia, ali indicada especificadamente e articulada entre si, justificando o julgamento como provados os factos, não se verificando qualquer dúvida razoável que exija a aplicação do princípio "in dubio pro reo".
9. Esse juízo em nada se mostra abalado pelas considerações vagas, genéricas e conclusivas aduzidas pelo arguido em sede de motivação do recurso, que nunca explicita os motivos pelos quais o tempo decorrido impõe outra solução, em que medida os princípios da lógica e da razão foram violados pelo decidido, ou como as alegadas circunstâncias do pai da (...) estar ausente ou a mãe sofrer de problemas de alcoolismo afectam a decisão tomada pelo Tribunal.
10. Conforme decidido no Ac. do STJ de 22.04.2015, proferido no Proc. n° 45/13.0JASTB.L1.Sl, não é «a unidade de resolução que pode conferir a uma reiteração de actos homogéneos o cariz de crime de trato sucessivo, que se identifica com a categoria legal do crime habitual, mas somente a estrutura do respectivo tipo incriminador, que há-de supor a reiteração.»
11. O crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art° 171°, n°. 1, do Cód. Penal não possui tal estrutura pois não pressupõe essa reiteração.
12. Pelo que deve ser mantida a condenação do arguido (…) na prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso real, de cinco (5) crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo art. 171.° n.". 1, do Cód. Penal.
13. Os factos julgados provados nos nºs. 10, 11,29 e 30, da matéria julgada assente preenchem todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo do crime de coação agravada, p. e p. pelos artigos 154.° n.º 1 e 155.° n." 1, alíneas b) e c), do Código Penal.
14. As penas parcelares aplicadas ao arguido mostram-se conformes aos critérios legais previstos no art° 71°, n° 2, do Cód. Penal, tendo o tribunal colectivo ponderado, adequadamente, a medida da culpa e as necessidades de prevenção exigidas pelo caso.
15. Tal como está ajustada, face ao disposto no art° 77°, n° 1, do Cód. Penal, a pena única de doze anos de prisão que, atento o limite mínimo ficado no art. 50°, daquele código não pode ser suspensa na sua execução.”
Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto referiu acompanhar a resposta ao recurso, o arguido reiterou a posição anterior, e, colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. O acórdão, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor:
“Factos Provados
Da discussão da causa resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. A menor (...), atualmente com catorze anos de idade, é filha de (…).
2. Em data não concretamente apurada, mas em agosto de 2012, o Arguido iniciou um relacionamento amoroso com (…), com quem passou a viver em comunhão de leito, mesa e habitação, na Rua (…), em outubro de 2012.
3. Juntamente com o Arguido e com (…), a seu cargo e sob a sua assistência e proteção, viviam as filhas menores desta, (...) e (…), bem como a filha daquele, (…), nascida a 7 de julho de 2002.
4. Em data não concretamente apurada, mas depois de 29 de outubro de 2012, data em que (...) completou sete anos de idade, aproveitando-se do ascendente que tinha sobre a menor que se encontrava, por vezes, à sua guarda e cuidados, bem como da confiança que, enquanto padrasto, lhe era votada por (…), o Arguido começou a procurar (...) para com ela satisfazer os seus instintos libidinosos e obter prazer sexual.
5. Nesse quadro, em data não concretamente apurada, mas entre 29 de outubro de 2012 e meados de março de 2013, o Arguido encontrava-se sozinho naquela residência com (...), então com sete anos de idade, pegou na mesma ao colo e levou-a para o quarto onde ela pernoitava.
6. Já no quarto, o Arguido disse a (...) para se despir, o que esta recusou, tendo aquele despido toda a roupa que aquela vestia e, em seguida, despiu-se.
7. Ato contínuo, o Arguido agarrou numa das mãos de (...), colocou-a sobre o seu pénis e movimentou-a para cima e para baixo, até obter uma ereção.
8. Após, o Arguido, que se encontrava de pé, deitou a menor (...), puxou-a até à beira da cama, abriu as pernas da mesma e colocou o seu corpo entre estas.
9. Ato contínuo, enquanto mantinha as mãos na cintura de (...), puxando-a para si, o Arguido tentou inserir o pénis ereto na vagina da mesma, aí o friccionando, obtendo, desse modo, gratificação sexual.
10. Entretanto, o telemóvel do Arguido tocou e este largou (...), a quem disse para não relatar os factos ocorridos, pois se o fizesse fazia mal à irmã dela.
11. Por ter sentido receio pela integridade física e vida de sua irmã, (...) não contou o que o Arguido lhe tinha feito.
12.Em data não concretamente apurada, mas entre 29 de outubro de 2012 e meados de março de 2013, o Arguido pediu a (...) que o acompanhasse ao quarto onde ele pernoitava com a mãe dela.
13. Nesse quarto, o Arguido despiu (...), em seguida, despiu-se e colocou uma das suas mãos sobre o pénis e fez, com a mesma, movimentos ascendentes e descendentes.
14. Ato contínuo, depois de deitar (...) e de lhe abrir as pernas, colocando o seu corpo entre as mesmas, o Arguido tentou inserir o pénis ereto na vagina daquela, aí o friccionando, obtendo, assim, prazer sexual.
15. Entretanto, a menor (...) bateu à porta do quarto e o Arguido largou (...).
16.lgualmente em data não concretamente apurada, mas entre 29 de outubro de 2012 e meados de Março de 2013, o Arguido levou (...) para o quarto onde ele pernoitava, despiu-a e, de seguida, despiu-se.
17.Depois de pôr uma das suas mãos sobre o pénis e de fazer, com a mesma, movimentos ascendentes e descendentes até obter uma ereção, o Arguido deitou (...) na cama, abriu as pernas da mesma e colocou o seu corpo entre estas.
18. .Ato contínuo, enquanto mantinha as mãos na cintura de (...), puxando-a para si, o Arguido tentou inserir o pénis ereto na vagina da mesma, aí o friccionando até ejacular, obtendo, desse modo, gratificação sexual.
19.De seguida, o Arguido largou (...), ordenando à mesma que se fosse lavar.
20.Posteriormente, em data não concretamente apurada, mas entre 29 de outubro de 2012 e meados março de 2013, o Arguido pediu a (...) que o acompanhasse ao quarto onde ele pernoitava.
21.Depois de a despir e de se despir e deitar (...), o Arguido acariciou a vagina da mesma com as mãos e os dedos.
22.De seguida, o Arguido tentou inserir o pénis ereto na vagina de (...), aí o friccionando, obtendo, assim, prazer sexual.
23.lgualmente, em data não concretamente apurada, mas entre 29 de outubro de 2012 e meados de março de 2013, o Arguido, conduzindo um veículo ligeiro, de marca, modelo e com matrícula não apurados, levou (...) para um descampado.
24.Com o veículo imobilizado, o Arguido deitou para trás o banco onde (...) se encontrava, deitando-a, e colocou o seu corpo sobre o corpo da mesma, encontrando-se ambos vestidos.
25.Após, o Arguido friccionou o seu corpo no corpo (...), assim obtendo gratificação sexual.
26.(...) só contou a terceiros as condutas praticadas pelo Arguido, após três anos da sua ocorrência.
27.Ao atuar da forma descrita, nas cinco ocasiões atrás descritas, ciente de que (...) era filha da sua companheira, com a qual residia e que, por vezes, ficava à sua guarda e cuidados, o Arguido agiu com o propósito concretizado de obter prazer sexual e de satisfazer os seus instintos libidinosos.
28. O que fez com consciência de que (...) tinha sete anos de idade e de que as zonas do corpo em que lhe tocou constituem património íntimo e de reserva pessoal da sua sexualidade, de que punha em causa o são desenvolvimento da consciência sexual e de que ofendia os respetivos sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, causando-lhe grande sofrimento físico e psíquico, o que também pretendeu e fez, interrompendo o percurso normativo do desenvolvimento psicossexual, erotizando a menor antes de esta dispor de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizar a sua sexualidade, bem como para evitar o contacto sexual com um adulto.
29. Ao dizer à (...), então com sete anos de idade, que fizesse fazia mal à irmã, à data com três anos de idade, no sentido de atentar contra a sua integridade física ou vida, se ela relatasse os factos ocorridos, intimidando-a e fazendo-a recear pela vida daquela, o Arguido agiu com o propósito concretizado de a compelir a manter-se em silêncio, condicionando a sua liberdade de determinação, ação e expressão.
30.Ao atuar do modo descrito, o Arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.
31.As condutas dos Arguido causaram a (...) perturbação psicológica, experienciando esta, atualmente, sentimentos de vergonha, embaraço, desconforto com o seu corpo e repugnância por assuntos sexuais.
32.Também em consequência das condutas do Arguido, (...) demonstra postura de revolta pelo que foi vítima.
33. 0 Arguido é filho único, o progenitor era (…) e a progenitora (…).
34.Teve uma infância pautada por alguma violência, devido ao consumo em excesso de bebidas alcoólicas por parte do progenitor que tornava agressivo e, por vezes, violento.
35.0 Arguido frequentou a escola em idade própria e abandonou os estudos, aos 16/17 anos, sem concluir o 9.º ano de escolaridade.
36.lniciou atividade laboral aos 17 anos como empregado de balcão numa loja de comércio, onde se manteve durante cerca de 3 anos, e passou, posteriormente, a trabalhar como vendedor em feiras e mercados até ingressar no serviço militar obrigatório.
37.Após, trabalhou numa pedreira, vindo a alterar de entidade patronal, por melhores condições económicas.
38. 0 Arguido dedicou-se a esta profissão até aos 54 anos, idade com que se reformou por invalidez.
39. 0 Arguido iniciou o consumo de bebidas alcoólicas, aos 26/27 anos e, embora consuma apenas em situações pontuais, quando faz fá-lo de forma excessiva.
40. Nunca foi sujeito a tratamento médico a esta problemática.
41.0 Arguido casou aos 24 anos de idade, tendo tido deste relacionamento um filho deficiente que faleceu aos 21 anos de idade.
42.0 casamento terminou após 17 anos.
43.0 Arguido voltou a constituir família com 38 anos, que manteve durante cerca de 6 anos, tendo deste relacionamento dois filhos, atualmente com 17 e 15 anos de idade, que se encontram a residir com a progenitora e, com os quais mantém relação.
44.A filha do Arguido de 17 anos, após a separação, residiu consigo e com os seus pais, até ao falecimento destes, há cerca de 4 anos.
45.Há cerca de 2 anos, iniciou novo relacionamento amoroso.
46.0 Arguido encontra-se preso preventivamente, desde 17 de outubro de 2019, à ordem do processo 1D29/19.0T9EVR.
47.Nessa data, o Arguido desenvolvia tarefas no bar da (…).
48.Residia sozinho em casa que herdou dos progenitores.
49.0 Arguido apresenta uma visão da sexualidade fundamentada em valores tradicionais, remetendo esta questão para a esfera íntima do casal.
50. 0 Arguido manifesta necessidade de aceitação social e preocupação com a construção de uma imagem positiva.
51. No Estabelecimento Prisional, o Arguido mantém uma atitude cordata com colegas e superiores.
52. Em ambiente prisional, recebe visitas de um casal amigo, da filha e do filho.
53. 0 Arguido negou os factos em causa neste processo, apresentando uma postura de desculpabilização.
54. Não manifesta consciência crítica.
55. Estamos perante um indivíduo cujo processo de socialização, decorreu aparentemente num ambiente normativo.
56. É parecer da DGRSP que o Arguido, em caso de condenação, deve ser sujeito a uma intervenção técnica que contemple acompanhamento no âmbito da sexualidade, de modo a trabalhar condutas que eventualmente venham a apurar-se como desviantes.
57.0 Arguido conta com as seguintes condenações:
• Foi condenado, no âmbito do processo comum n.º 19/08.3GBVVC, do Tribunal Judicial de Vila Viçosa, por sentença proferida no dia 21.04.2009, transitada em julgado em 21.05.2009, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 17.04.2008, de um crime de ofensa à integridade física simples, declarada extinta por despacho de 18.03.2010;
• Foi condenado, no âmbito do processo comum n.º 171/08.8TAVVC, do Tribunal Judicial de Vila Viçosa, por sentença proferida no dia 09.10.2009, transitada em julgado em 09.11.2009, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 09/2008, de um crime de difamação, declarada extinta por despacho de 24.06.2010;
• Foi condenado, no âmbito do processo sumário n.º 16/15.2GAVVC, do Juízo de Competência Genérica de Vila Viçosa, por sentença proferida no dia 02.03.2015, transitada em julgado em 10.04.2015, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de três meses, pela prática, em 01.03.2015, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, declaradas extintas por despachos de 20.07.2015 e 02.10.2015.
Factos não provados
(…)
Motivação da Decisão de Facto
A decisão respeitante à factualidade considerada por provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do julgador.
Por sua vez, no que toca à factualidade considerada por não provada, a decisão estriba-se no facto de os elementos probatórios produzidos a esse respeito não terem logrado atingir um valor persuasivo e razoável que permitisse sustentar a convicção do Tribunal quanto à certeza da sua verificação, além da dúvida razoável.
Os factos consignados por provados nos pontos 1 a 26 resultaram da prova pericial e documental produzida nos autos - relatórios das perícias de natureza sexual e psicológica realizadas a (...) (ctr. fls. 53 a 55 e 38 a 42, respetivamente); certidão de Processo Administrativo (promoção e proteção) n.º 15/19.5Y2EVR (ctr. fls. 2 e 3); cópia de página de diário escrito por (...) (ctr. fls. 8); certidões do assento de nascimento de (...) (cfr. fls. 19, 20, 287 e 288); - que foi devidamente conjugada com as declarações prestadas pelo Arguido, em primeiro interrogatório judicial, com as declarações para memória futura da vítima (...) (ctr. transcrições a fls. 355 a 373 e gravações vídeo e áudio a fls. 234 e 235), com as declarações da Demandante (…), avó de (...), e com os depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação, (…), respetivamente, progenitora de (...) e filha do Arguido.
Como se disse, todos os referidos elementos foram devidamente conjugados com as declarações prestadas pelo Arguido, em primeiro interrogatório judicial, uma vez que em julgamento este manteve as declarações prestadas nesse primeiro momento, e com as declarações para memória futura prestadas por (...), as quais se encontram transcritas.
O Arguido refutou integralmente o cometimento dos factos que lhe são imputados, apresentando-se surpreso com o processo e com o que lhe deu origem, considerando o lapso temporal, entretanto decorrido, desde o termo da relação amorosa que manteve com (…), progenitora da menor.
Confirmou ter coabitado por um período inferior a um ano, entre 2012 e 2013, com (…), as filhas desta, (...) e (…), e com a sua filha, (…), na residência sita na morada constante do libelo acusatório.
Segundo a sua descrição, não passava quase tempo nenhum sozinho com as menores, uma vez que trabalhava cerca de 12 horas por dia.
Questionado, ainda, sobre a razão ou as motivações subjacentes a este processo, que o próprio apelida de "um mal-entendido", o Arguido referiu tratar-se de uma vingança por problemas decorrentes da separação do casal e que a avó de (...) nunca gostou de si, nem aprovou a relação.
Por seu turno, (...) apresentou uma versão diferente dos factos nas declarações para memória futura.
Como resulta da análise da transcrição das suas declarações, esta descreve de modo coerente -sendo que o seu discurso deverá ser apreciado por referência à sua idade atual de 14 anos, tendo presente que os factos ocorreram quando aquela tinha 7 anos - as circunstâncias em que o Arguido manteve, por quatro ocasiões distintas, os contactos de natureza sexual consigo, no interior da residência, quer no seu quarto, quer no quarto do casal e, num quinto momento, no interior da sua viatura.
Para além da coerência do relato apresentado, (...) evidenciou uma descrição pormenorizada dos atos sexuais mantidos com o Arguido, designadamente: (i) foi perentória ao referir que tais condutas ocorreram quando já tinha perfeito os 7 anos de idade (posicionando, cronologicamente, os eventos em data posterior a 29 de outubro de 2012); (ii) narrou com minúcia as cinco situações distintas, referindo com detalhe as situações em que o Arguido se masturbou, ou que fez com que a menor lhe tocasse no pénis, por exemplo, referiu que lhe abria as pernas e tentava penetrá-la, sem lograr assegurar que o tivesse efetivamente conseguido; (iii) diferenciou as situações (três) em que o Arguido tentou penetrá-la de outra situação distinta em que ejaculou, o que só aconteceu uma única vez; (iv) revelou um discurso coerente, lógico e descritivo, bem como emocionado, o que é patente na visualização da diligência, sendo ilustrativo e impressivo observar que a sua linguagem corporal acompanhava a sua descrição dos factos com gestos e sinais compatíveis com o temor e a vergonha que tal relato lhe causava.
No mais, no tocante ao motivo que a levou a não revelar o que se passava à progenitora ou a qualquer outro adulto que lhe fosse próximo, justificou que na primeira situação o Arguido lhe disse para não contar a ninguém o sucedido, sob pena de a irmã mais nova (…) poder vir a sofrer alguma consequência, dando-lhe a entender que lhe faria mal, atentando contra a sua integridade física ou até vida. Esta perceção é compreensível atenta a idade da menor, à data dos factos.
Tal constrangimento, como também alguma ignorância e desconhecimento, típicos para a sua idade, da natureza e do jaez da conduta do Arguido, foram suficientes para a dissuadir de contar a terceiros o sucedido, o que só veio a fazer passados três anos.
Volvidos três anos, reportou à progenitora, mas esta não logrou desencadear os mecanismos judiciais necessários.
Mais tarde, quando passou a residir com a avó (…), esta veio a ler uma página do diário escrito por (...) (ctr. fls. 8) e ao confrontá-la, a menor contou-lhe o sucedido.
Da análise das declarações prestadas por (...) (quer as transcrições, quer as gravações áudio e visual) é patente a espontaneidade da descrição que tece, exponenciada pelo facto de não se cingir à mera confirmação ou ao mimetismo das perguntas que lhe são dirigidas.
Veja-se que, quando questionada pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal que presidiu à diligência sobre aspetos comuns das diversas situações em que o Arguido manteve contactos sexuais consigo, a menor diferencia as condutas praticadas, nega e afasta o que não se passou e, nas situações em que não tem presente o que se passara, ou não consegue assegurar determinada conduta, fá-lo de modo voluntário, o que torna o seu discurso credível, verosímil e verdadeiro, aos olhos do Tribunal.
A isto acresce - como é salientado pela perícia médico-legal de psicologia a que foi submetida para avaliação da sua capacidade para conservar memórias, reproduzir acontecimentos por si vivenciados, bem como para compreender, avaliar e relatar factos - que o seu relato apresenta características frequentemente associadas a plausilibilidade, é espontâneo e não orientado por perguntas fechadas, tem coerência, lógica e realismo, sem contradições internas (ctr. fls. 41v).
Conclui-se, ainda, nesse relatório pericial que há coerência entre relatos, no que se refere aos detalhes centrais, "tem detalhes suficientes para permitir compreensão do local, do contexto e das interações; há convergência entre o conteúdo do relato e a expressão emocional concomitante (vergonha, angústia e relutância)", sendo que não apresenta sugestionabilidade ou alteração conveniente das respostas em função das questões, não se observa qualquer pressão para revelar, nem relato realizado num atmosfera ameaçadora ou sugestionável (ctr. fls. 41v).
A prova pericial identificada e produzida nos autos encontra-se subtraída à livre convicção do julgador, sendo certo que não emerge qualquer fundamento que permita ao Tribunal radicar divergência quanto ao teor do relatório pericial apresentado (artigo 163.Q, do c.P.P.).
Nenhum elemento das declarações prestadas por (...) aponta no sentido de esta deter uma personalidade e discurso de cariz imaginativo ou delirante.
Ademais, as suas declarações patenteiam verosimilhança e capacidade de concretização de factos genuínos e por ela experienciados, não se verificando qualquer indício de que o seu relato seja minimamente efabulado.
Aqui chegados, perante as descrições contraditórias apresentadas pelo Arguido e por (...), situação típica da instrução de crimes de natureza sexual em que escasseia a perceção direta dos factos por parte de terceiros, impõe-se ao Tribunal aquilatar qual das versões encontrou arrimo e eco no restante acervo probatório, evidenciando, por essa via, e por recurso a regras de experiência comum, maior credibilidade.
A resposta terá que ser, necessariamente, a favor da versão da menor (...).
Para além das suas declarações, reputadas por coerentes, não se pode olvidar que os restantes elementos probatórios corroboram a sua versão.
No tocante à prova testemunhal, os depoimentos das testemunhas (…), respetivamente avó e progenitora da menor, estão em sintonia com a descrição tecida pela vítima, ao confirmarem os momentos certos em que a aquela lhes confidenciou que havia sido sexualmente abusada pelo Arguido.
o mesmo se diga no tocante à página do diário da menor que deu origem à descoberta pela avó da sua situação. Considerando os sentimentos de vergonha, vexame e humilhação que tais situações lhe causaram é natural e compreensível que a menor se tenha refugiado na escrita, como uma forma de expressar, e até desabafar, o que havia experienciado.
Das suas declarações resulta de modo evidente e cristalino que o autor de tais abusos era o Arguido e não qualquer outro companheiro da sua progenitora com quem coabitara.
Acresce a isto que (…) referiu em juízo que, após dois anos do termo da relação do Arguido com a progenitora de (...), esta discutiu com ela na escola alegando que o pai lhe teria feito mal.
Tudo ponderado, o Tribunal formou convicção segura quanto à factualidade consignada por provada (cfr. pontos 1 a 26), não só devido à credibilidade e fiabilidade do seu relato, mas também porque essa versão se alicerça na restante prova pericial e testemunhal produzida nos autos.
No tocante ao lapso temporal em que ocorreram as condutas do Arguido, o Tribunal conjugou as declarações das testemunhas (…), sendo que esta última coabitou na residência conjuntamente com o Arguido, a primeira e as suas filhas.
Ora, segundo (…) o relacionamento amoroso mantido com o Arguido iniciou-se em agosto de 2012, tendo começado a coabitar com o mesmo a partir de outubro desse ano, o que durou até fevereiro de 2013.
Por seu turno, (...) referiu de modo seguro e convincente que o casal se separou antes da Páscoa desse ano, quando ainda se encontrava no segundo período da escola.
Considerando que a Páscoa, nesse ano, foi no dia 31 de março, o Tribunal formou convicção segura que as condutas dos Arguido ocorreram no lapso temporal que mediou entre 29 de outubro de 2012, data em que a vítima completou 7 anos de idade, e meados de março de 2013.
O facto de a menor (...) ter localizado os factos na primavera e no verão de 2013, em declarações para memória futura, não lhe retiram qualquer credibilidade, nem debilitam a sua verosimilhança.
Na verdade, há que ter em conta que as declarações foram prestadas volvidos cerca de sete anos da verificação dos factos e não é exigível a uma criança e adolescente que consiga precisar as datas concretas em que tais factos ocorreram, sendo a referência às estações do ano meramente indicativas e balizadoras do seu discurso.
Veja-se que, em sede de declarações para memória futura, é a própria menor que refere que, em outubro, ter-se-á iniciado o relacionamento amoroso e início da coabitação, referindo que o mesmo durou entre seis a sete meses.
Sempre se dirá que as declarações de crianças vítimas de abusos sexuais revestem difícil e complexa análise, uma vez que estão sujeitas a fatores de influência internos e externos, como sejam, a idade das menores, o melindre e a exposição do thema probandum, o número de vezes que tiveram que falar com diferentes pessoas sobre a mesma matéria (pais, polícia judiciária, médico/psicólogo, juiz de instrução) e o tempo que vai decorrendo entre a ocorrência dos factos.
Por todas essas razões, não é de estranhar a existência de lacunas ou mesmo de algumas discrepâncias, este caso com respeito à data em que ocorreram os eventos, uma vez que foi possível colher um lapso temporal concreto, em que durou o período da coabitação do casal, tendo sido durante esse período que todos os episódios ocorreram.
Assim, tudo ponderado e conjugado, o Tribunal deu prevalência à versão da vítima (...), cuja verosimilhança foi patente nos termos acima expendidos.
O Tribunal deu como provado a data de nascimento da menor (...) com base nas certidões de assento de nascimentos juntas as fls. 19 e 288.
No que concerne à factualidade referente à intenção e representação inerentes às condutas do Arguido (ctr. pontos 27 a 30), ou seja, vetores intelectuais da sua conduta, o conhecimento da idade da vítima e do aproveitamento da relação familiar que mantinha com a mesma, em virtude dessa coabitação, o Tribunal ponderou a matéria consignada por provada e conjugou-a com critérios de razoabilidade e com regras de experiência comum, daí extraindo, sem margem para dúvida, a intenção que presidiu à sua realização e exteriorização, bem assim a representação dos resultados da mesma por parte do arguido.
A matéria referente ao abalo psicológico, comportamento e sentimentos manifestados pela vítima (...) foi descrita e afiançada pelas testemunhas (…), sendo que tais depoimentos encontram eco nas conclusões gizadas no relatório de perícia médico-legal psicológica realizada nos autos (ctr. fls. 41v ponto 4 das conclusões do relatório da perícia médico-legal de psicologia).
Os sobreditos efeitos emocionais são comuns a vítimas deste tipo de abusos, razão pela qual o Tribunal logrou formar convicção no sentido da verificação de um nexo causal entre as condutas do Arguido e a manifestações psicológicas patenteadas por (...).
Acresce a isto que, atendendo ao cariz sexual das condutas do Arguido, à ingenuidade da vítima decorrente da sua idade aquando do cometimento dos factos, é adequado afirmar e concluir, à luz das regras da experiência, que tais atos tiveram consequências psicológicas consideráveis, causando-lhe vergonha, desconforto e atentando contra a sua intimidade e equilíbrio emocional (ctr. pontos 31 e 32).
Para efeitos da consignação dos factos relativos à situação económica e pessoal do Arguido, o Tribunal teve em conta o teor do relatório social elaborado pela DRGSP (ctr. fls. 308 a 311) e do certificado de registo criminal (ctr. fls. 299 a 305).
No tocante à factualidade consignada por não provada, considera o Tribunal que não foi carreada aos autos prova suscetível de sustentar a sua convicção quanto à verificação dos mesmos.
Vejamos.
Sobre as datas precisas que constam da acusação, o Tribunal formou convicção nos termos acima vertidos na motivação da matéria de facto, que se encontra devidamente sustentada na da prova testemunhal produzida.
Como tal, deu como não provada a matéria vertida nos pontos A e B.
Quanto às restantes condutas praticadas pelos Arguido e demais circunstancialismos mencionados nos pontos C a F, o Tribunal considerou que das declarações prestadas pela vítima não decorre qualquer concretização segura dessa matéria e, nessa medida, consignou-a por não provada.
(…)
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
3.1. Enquadramento Jurídico-Penal
Apurados os factos, importa proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
Para que um agente possa ser jurídico-penalmente responsabilizado tem de praticar um facto típico, ilícito e culposo e o facto é típico quando a conduta do agente preenche objetiva e subjetivamente os elementos constitutivos do tipo legal de crime.
a) Do crime de abuso sexual de crianças simples agravado - artigo 171.º n.ºs 1 e 177.º do Código Penal
Estatui o artigo 171.º do Código Penal, na redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 04/092, em vigor à data dos factos que "quem praticar ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos" (n.º 1) e "se o ato sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos" (n.º 2). (Redação em vigor à data dos factos, anterior à que foi conferida pela Lei n.º 103/2015, de 24/08, aplicável, in casu, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, do Código Penal.)
No atual figurino penal do nosso ordenamento, a tipificação dos crimes sexuais encontra-se dividida em duas secções: os crimes contra a liberdade sexual (artigos 163.º a 170.º) e os crimes contra a autodeterminação sexual (práticas sexuais com menores: artigos 171.º a 176.º).
A primeira destas categorias aplica-se a menores e a adultos, sem exceção de idade ou de sexo, com exceção do tipo de ilícito previsto no artigo 168.º que se refere à procriação artificial em mulher.
A segunda categoria tutela situações que não seriam crime se praticados entre adultos, ou que o seriam, mas com outros limites, em que a vítima ou é menor de 14 anos ou é, em todo o caso, um menor.
Neste último caso, o bem jurídico tutelado, para além da liberdade e a autodeterminação sexual, consiste ainda no livre desenvolvimento da personalidade do menor no plano sexual.
O crime de abuso sexual de menor insere-se neste segundo grupo e visa, primordialmente, proteger esse livre desenvolvimento da personalidade de menor até aos 14 anos de idade, de uma forma adequada e sem perturbações (cfr. Inês Ferreira Leite, "A tutela Penal da Liberdade Sexual", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 21, n.º 1, Janeiro-Março 2011, pp. 71-73, Simas Santos e Leal Henriques in Código Penal, /I, pág. 368, Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense, I, pág. 449, Maria do Carmo Silva Dias, "Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 4/9 nos crimes contra a liberdade sexual, Revista do CEJ, 1.º Semestre de 2008, Número 8).
Pune-se no n.º 1 do artigo 171.º o agente que mantenha ato sexual de relevo com menor de 14 anos, sendo que autor do crime apenas pode ser uma pessoa maior de idade, de qualquer sexo, caracterizando-se, nesta perspetiva, como um crime específico próprio, sendo que a vítima pode ser do sexo masculino ou feminino.
A expressão "ato sexual de relevo" foi introduzida na alteração legislativa de 1995, ao passo que a cópula, coito anal, coito oral, introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos constituem formas qualificadas desse ato, punidas pelo n.º 2 do artigo 171.º.
Como assinala M. Miguez Garcia, "doutrinal e jurisprudencialmente tem-se considerado "ato sexual de relevo" toda a conduta que ofenda bens jurídicos fundamentais ou valores essenciais das pessoas quanto à sua livre expressão do sexo. A conduta, para ser de relevo, terá de ser intensa, objetivamente grave e traduzir intuitos e desígnios sexuais que frontalmente sejam atentatórios da autodeterminação sexual da vítima (acórdão do STJ de 15 de Junho de 2000, (J, 2000, tomo /I, p. 226)" (cfr. "O Direito Penal- Passo a Passo", VaI. I, Almedina, p. 283).
Outrossim, como se lê no Acórdão do TRG de 8/02/2016, processo n.º 624/12.3GBBCL.G2, "a doutrina e a jurisprudência coincidem no entendimento de que ato sexual de relevo será o ato dotado de conotação sexual objetiva identificável por um observador externo, que seja abstratamente idóneo à satisfação de instintos sexuais e que seja apto a ofender o adequado desenvolvimento sexual de uma criança ou jovem menor de 14 anos, e que, por isso mesmo, seja suscetível de vir a condicionar a sua liberdade e autonomia sexual. Aqui se incluem aqueles atos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade sexual do sujeito passivo, sendo por isso de excluir do âmbito de proteção os atos insignificantes ou bagatelares, e os que não representem entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima, V.g. atos que, embora pesados ou em si significantes por impróprios, desonestos, da mau gosto ou despudorados, todavia, pela sua pequena quantidade, ocasionalidade ou instantaneidade, não entravem de forma importante a livre determinação sexual da vítima" (disponível para consulta em www.dgsi.pt).
No que concerne ao tipo subjetivo do crime, exige-se que o agente atue com dolo em qualquer uma das suas modalidades previstas no artigo 14.º•
Subsumindo a factualidade provada ao direito, ficou demonstrado da instrução da causa que, entre 29 de outubro de 2012 a meados de março de 2013, o Arguido, por cinco vezes, manteve contactos de natureza sexual com (...), consubstanciando tais práticas, objetivamente, atos sexuais de relevo, a saber:
(i) Por quatro vezes tentou penetrar com o seu pénis na vagina da menor (...), aí o friccionando, tendo ejaculado numa das situações (cfr. pontos 9, 14, 18 e 22);
(ii) Numa dessas quatro ocasiões, ainda, colocou a mão de (...) sobre o seu pénis, fazendo movimentos descentes e ascendentes, até obter ereção, antes de tentar penetração vaginal (cfr. ponto 7);
(iii) Em duas situações das quatro referidas em (i), o Arguido tocou no seu pénis, masturbando-se, perante a menor (...), até obter ereção, antes de a tentar penetrar vaginalmente (cfr. pontos 13 e 17);
(iv) Numa outra situação das quatro referidas em (i), o Arguido acariciou a vagina de (...) com as mãos e os dedos, antes de tentar penetrá-la vaginalmente (cfr. ponto 21);
(v) Numa quinta situação, dentro do veículo, o Arguido deitou para trás o banco onde (...) se encontrava e colocou o seu corpo sobre o corpo da mesma, encontrando-se ambos vestidos, obtendo gratificação sexual (cfr. pontos 23 a 25).
Considerando a factualidade provada, o Tribunal entende que as condutas do Arguido cometidas em cinco ocasiões distintas, embora no mesmo lapso temporal, correspondem cada uma delas a uma resolução criminosa distinta, não devendo, por isso, recorrer-se à figura do trato sucessivo.
Veja-se a este respeito, as conclusões tecidas no Acórdão do STJ de 4/05/2017, Processo n.º 11D/14.7JASTB.E1.S1, que perfilhamos inteiramente e julgamos aplicáveis ao caso vertente:
Porém, ideia de sucessão de condutas que parece querer-se atingir com a designação de "trato sucessivo" implica necessariamente que haja uma sucessão de tipos legais de crime preenchidos e, portanto, segundo a lei, uma punição em sede de concurso de crimes. A unificação de todos os crimes praticados em apenas um crime, quando o tipo legal de crime impõe a punição pela prática de cada ato sexual de relevo, e sem que legalmente esteja prevista qualquer figura legal que permita agregar todos estes crimes, constitui uma punição contra a lei, desde logo, por não aplicação do regime do concurso de crimes. Isto é, não podendo unificar-se a prática de todos aqueles atas no crime continuado, previsto no art. 30.º, n.s 2, do CP, por força do disposto no art. 30.º, n.s 3, do CP, então apenas nos resta aplicar o disposto no art. 30.º, n.s 1, do CP. Entender que tendo sido o mesmo tipo legal de crime preenchido diversas vezes pela conduta do arguido, ainda assim devemos entender como estando apenas perante um único crime, será decidir contra legem.
VIII - Além do mais, a designação de "trato sucessivo" constitui uma designação com um significado juridicamente muito preciso e decorrente do Código de Registo Predial (cf art. 34.º) pretendendo-se documentar o trato, a traditio da coisa, sucessivamente; ora, num crime sexual não há traditio.
IX - E crime exaurido ou consumido dá a ideia de que logo no primeiro ato se consuma, tornando irrelevantes os atas sucessivos. Ora, o exaurimento do crime assume importância em todos aqueles casos em que, após a consumação, ocorre a terminação do crime, sendo relevante a desistência da tentativa entre um e outro momento. Mas a prática de um crime sexual seguida da de outros crimes sexuais não impede a consumação de um crime sexual em cada um dos atas.
X - O "crime de trato sucessivo" tal como tem sido caracterizado pela jurisprudência corresponde ao crime habitual, ou seja, "aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada, até ao ponto de ela poder dizer-se habitual" (Figueiredo Dias). No entanto, o entendimento de um crime como sendo crime habitual tem necessariamente que decorrer, atento o princípio constitucional da legalidade criminal (art. 29.º, n.s 1, da CRP), do tipo legal de crime previsto na lei.
XI - A punição de uma certa conduta a partir da reiteração, sem possibilidade de análise individual de cada ato, apenas decorre da lei, ou dito de outro modo, do tipo legal de crime. Ora, unificar diversos comportamentos individuais que têm subjacente uma resolução distinta sem que a lei tenha procedido a essa unificação constitui uma clara violação do princípio da legalidade, e, portanto, uma interpretação inconstitucional do disposto nos arts. 171.º e 172.º, ambos do CP (disponível para consulta em www.dqsi.ptJ.
No caso concreto, não tendo ficado demonstrado que o Arguido praticou, efetivamente, ato de penetração vaginal, com o seu pénis ou dedo, cada uma das condutas por si cometidas, nas cinco situações concretizadas nos factos provados, cingem-se ao tipo de crime previsto no n.º 1 do artigo 171.º, do Código Penal, devendo aquele ser condenado pela prática de cinco crimes, uma vez que se encontram preenchidos os elementos, quer objetivo, quer subjetivo, inexistindo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Uma palavra final relativa à agravação prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 177.º, do Código Penal, pela qual o Arguido vem acusado.
Atualmente, na versão conferida pelas Lei n.º 103/2015, de 24/08, e pela Lei n.º 101/2019, 6/09, aquele normativo legal consagra a agravação das penas previstas, entre outros, no artigo 171.º, se a vítima "se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação".
À luz desta redação atual, aplicável apenas às condutas cometidas durante a sua vigência, diríamos que os atos praticados pelo Arguido subsumir-se-iam nesta agravação, uma vez que os atos sexuais de relevo praticadas com (...) ocorreram durante o período de coabitação do Arguido com a vítima.
Sucede, porém, que à data da prática dos crimes em causa, ou seja, entre 29 de outubro de 2012 e meados de março de 2013, vigorava uma redação distinta desta norma que não compreendia como circunstância agravante a relação de coabitação entre o agente e a vítima do crime.
Com efeito, essa agravante foi introduzida tão-só pela Lei n.º 103/2015, de 24/08.
Dispõe o n.º 4 do artigo 2.º, do Código Penal, no que concerne à matéria da aplicação da lei penal no tempo, que "quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior".
Para além da regra basilar do sistema penal assentar na aplicação da lei vigente à data da prática dos factos, impera, ainda, o princípio de que uma lei penal apenas poderá ser retroativamente aplicada caso se afigure mais favorável ao agente.
No caso concreto, a nova redação da alínea b), do n.º 1 do artigo 177.º, do Código Penal, é manifestamente mais gravosa para o Arguido, porquanto agrava as molduras penas aplicáveis aos crimes pelos quais será condenado.
Uma vez que à data dos factos, tal norma apenas previa a agravação das penas, no caso de a vítima "se encontrar numa relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação", dúvidas inexistem de que a situação dos autos não se integra em nenhuma das situações aí previstas.
Por conseguinte, outra solução não resta do que absolver o Arguido pela prática dos crimes por que vinha acusado, na sua forma agravada.
Do Crime de coação agravada
O Arguido vem, ainda, acusado da prática de um crime de coação agravada, previsto e punido pelos artigos 154.º n.º 1 e 155.º n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
Dispõe o primeiro preceito elencado que é punido "quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma ação ou omissão, ou a suportar uma atividade".
o tipo de crime de coação constitui o tipo fundamental de ilícito contra a liberdade de decisão e de ação, protegendo todas as possíveis e legítimas manifestações da liberdade pessoal.
o tipo objetivo de ilícito da coação consiste em constranger outra pessoa a adotar um determinado comportamento que pode traduzir-se na prática de uma ação, na omissão de determinada conduta ou no ato de suportar uma atividade.
Os meios de coação exigidos pelo tipo de crime respeitam ao uso de violência (vis corporalis) ou à ameaça com mal importante (vis compulsiva), pelo que estamos perante um crime de execução vinculada ou de processo típico, sendo certo que a violência pode dirigir-se tanto contra a pessoa do coagido como contra a pessoa de terceiros.
O crime de coação, enquanto crime de resultado, exige a verificação do resultado objeto da conduta do agente para a sua consumação.
ln casu, para a consumação do crime de coação é necessário que a pessoa objeto de coação tenha efetivamente sido constrangida a praticar a ação, a omitir a ação ou a tolerar a ação, de acordo com a vontade do coator e contra a sua vontade.
Quer isto dizer que a ação, omissão e a conduta a suportar pelo coagido constituem esse resultado da conduta criminosa, sendo suficiente para a consumação, se o objeto da coação for a prática de uma ação, que o coagido a inicie, porquanto se não se verificar se quer um início de ação ou omissão, a conduta do agente terá apenas permanecido no mero estádio de tentativa, quando se verifiquem atos de execução, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 22.º, do Código Penal, e n.º 2 do artigo 154.º, do mesmo diploma legal.
Contudo, se é verdade que o tipo objetivo demanda que o agente empregue um meio coativo para constranger outra pessoa a uma ação ou omissão, ou a suportar uma atividade, importa reter que, à luz do n.º 3 do artigo 154.º, do Código Penal, para se alcançar um juízo positivo quanto à ilicitude da conduta é necessário estabelecer, em sentido positivo, a censurabilidade do facto.
Como bem elucida M. Miguez Garcia, citando autores germânicos como Arndt Sinn e Welzel, o legislador introduziu no n.º 3 uma cláusula travão que visa permitir, mesmo que no caso não emirja qualquer causa de justificação, a não punibilidade da conduta quando concorra algum caso das alíneas desse normativo, reputando-se, por essa via, a conduta como típica e licita (cfr. "O Direito Penal Passo a Passo", Vol. I, Almedina, pág. 141).
Ao abrigo do artigo 155.º n.º 1, do Código Penal, quando os factos previstos no artigo 154.º forem realizados a) por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou b) contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, as penas de prisão serão agravadas de um a cinco anos.
No que respeita ao elemento subjetivo, este tipo de crime exige o dolo em qualquer das suas modalidades, o qual consiste na representação ou conhecimento pelo agente da sua conduta e dos elementos típicos do crime e, ainda, na vontade de o cometer (artigo 14.º, do Código Penal).
Descendo ao caso concreto, resulta da matéria factual consignada nos pontos 10, 11 e 26 que, após a primeira situação de prática de ato sexual de relevo com (...), o Arguido disse-lhe para não contar o sucedido a terceiros, pois se o fizesse faria mal à sua irmã mais nova.
Tal conduta fez com que a vítima sentisse medo e receio pela integridade físicas da sua irmã, não tendo referido nem contado os abusos de que foi vítima pelo período de três anos.
Da imagem global dos atos, não é possível afirmar que a conduta do Arguido permaneceu no mero estádio de tentativa, em virtude de a menor e vítima de tais crimes ter vindo a reportar a terceiros o sucedido, sob pena de uma clara inversão interpretativa dos bens jurídicos em jogo e tutelados pela incriminação.
À data dos factos, a menor tinha 7 anos de idade e permaneceu em silêncio, sem contar a terceiros os atos sexuais e deploráveis a que tinha sido sujeita durante um período de três anos, precisamente em virtude de o Arguido ter ameaçado que se o fizesse atentaria contra a integridade física da sua irmã.
A conduta do Arguido foi idónea e adequada a causar medo e receio na menor, restringindo a sua liberdade, pelo que consideramos que o crime se consumou.
Assim, concluímos que, não emergindo da factualidade considerada provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, a conduta do Arguido abarca todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de coação agravado, sendo condenado pela prática do mesmo.
3.2. Da Pena Abstrata
Pela prática dos crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º n.º 1, do Código Penal, incorre o Arguido nas penas parcelares a fixar entre um a oito anos de prisão; e pela prática de um crime de coação agravado, p. e p. pelos artigos 154.º n.º 1 e 155.º n.º 1, alíneas b) e c), do mesmo diploma legal, incorre o Arguido na pena entre um a cinco anos de prisão.
3.3. Da Determinação da Medida da Pena
Uma vez que os crimes cometidos pelo Arguido são punidos apenas com pena privativa da liberdade, há que determinar a pena concreta a aplicar, tendo em consideração que essa operação é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal), ou seja, para a determinação concreta da medida da pena, a efetuar dentro dos limites legais, a culpa do agente e as finalidades de prevenção constituem o binómio fundamental.
O julgador deve atender, assim, às finalidades de prevenção geral (sobretudo positiva), no sentido da defesa dos bens jurídicos e do ordenamento jurídico, assegurando a estabilização das expectativas da comunidade, na vigência das normas jurídicas violadas.
Por outro lado, deve ponderar a finalidade de prevenção especial, uma vez que a pena aplicada ao Arguido deverá, igualmente, visar a reintegração ou ressocialização daquele, possibilitando a que no futuro aquele adote condutas conformes com os valores e bens tutelados pelo direito.
A culpa, ou juízo de censura que recai sobre o Arguido, constitui, por sua vez, o pressuposto-fundamento da validade da pena e tem, ainda, por função estabelecer o limite máximo da pena concreta a aplicar, como resulta do artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal.
Como tal, a culpa funciona como moldura de topo da pena, funcionando dentro dela as sub- molduras da prevenção.
Estabelece, ainda, o artigo 71.º n.º 2, do Código Penal, que, na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, sendo certo que não poderá valorar duplamente circunstâncias que o legislador já sopesou ao estabelecer a moldura penal aplicável ao crime em cotejo (princípio da proibição da dupla valoração, ínsito ao artigo 71.º n.º 2, do Código Penal).
Desçamos, então, o caso concreto.
As necessidades de prevenção geral são bastante acentuadas, atento o bem jurídico violado pela prática deste crime de natureza sexual, intimamente relacionado com a liberdade de autodeterminação ínsito ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana.
Numa sociedade evoluída, norteada pelo respeito pelos direitos fundamentais e pela dignidade da pessoa humana, o Estado tem o papel de proteger as crianças, conferindo-lhes proteção e cuidados especiais, designadamente proteção jurídica adequada, que deverá ser eficaz e concreta", (Como indicado na Declaração dos Direitos da Criança, adotada em 20 de Novembro de 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, «a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma proteção e cuidados especiais, nomeadamente de proteção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento»; artigo 19.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças, adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990; o artigo 20.º Convenção do Conselho de Europa de 2007 para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais (Convenção de Lanzarote); artigo 2.º alínea e) da Diretiva 2011/92/EU, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 13 de Dezembro de 2011.)
Nesta senda, o aparelho judiciário desempenha um papel fundamental na dissuasão da prática deste tipo de crimes, cabendo-lhe assegurar de forma eficaz a tutela das crianças vítimas destas condutas de cariz sexual, cujas repercussões físicas e psíquicas são gravíssimas nas suas pessoas, colocando em causa o seu normal desenvolvimento e a sua conceção de intimidade e sexualidade livre, autónoma e discernida.
o grau de ilicitude dos factos é acentuado por referência, quer ao contexto de coabitação/familiar em que os factos foram praticados, quer aos tipos de atos sexuais mantidos pelo Arguido com a menor, em cada uma das situações descritas nos factos provados.
Importa reter que o Arguido desempenhava o papel de pai para a vítima, durante o período de coabitação e de relação amoroso que aquele manteve com a sua progenitora, e não obstante isso, aquele tirou proveito dessa relação de proximidade e confiança para atentar contra um valor basilar do desenvolvimento da sua personalidade, a sua sexualidade.
Todavia, importa tecer uma diferenciação entre as quatros situações ocorridas no interior da residência da vítima daquela verificada no interior do veículo, uma vez que os intervenientes se encontravam vestidos, logo, embora grave, a condutas distingue-se das demais.
No tocante ao crime de coação agravado, o grau de ilicitude é grave, atenta a idade da vítima, a manipulação inerente à ameaça feita pelo Arguido e o período de tempo durante o qual a menor, (...), esteve em silêncio, sozinha e desacompanhada, experienciando sentimentos e abalos psicológicos decorrentes destes abusos, em consequência da conduta do Arguido.
A culpa do Arguido é intensa, já que deliberadamente quis praticar os factos, agindo com dolo direto.
No que tange às necessidades de prevenção especial, importa reter que o Arguido conta três condenações anteriores pela prática de crime, mas não de idêntica natureza.
Milita a seu favor o facto de se encontrar familiarmente inserido.
No que concerne à conduta do Arguido posterior à prática dos factos, aquele denotou uma total postura indiferença e alheamento face aos valores em jogo e às consequências nefastas causadas à vítima com as suas condutas.
Acresce que segundo parecer da DGRSP o Arguido carece de intervenção técnica que contemple o acompanhamento no âmbito da sexualidade, de modo a trabalhar condutas desviantes (ctr. ponto 56).
Nestes termos, tudo ponderado, mostra-se adequado aplicar ao Arguido as seguintes penas parcelares:
(i) Para cada um dos quatro crimes de abuso sexual de criança descritos nos pontos 5 a 22 dos factos provadas, penas parcelares de quatro (4) anos de prisão;
(ii) Para o crime de abuso sexual de criança descrito nos pontos 23 a 25 dos factos provados, a pena parcelar de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão;
(iii) Para o crime de coação agravado a pena de três (3) anos de prisão.
3.4. Cúmulo jurídico
Estando os dois crimes pelos quais o Arguido vai condenado em relação de concurso efetivo, ao abrigo do n.º 1 do artigo 30.º, do Código Penal, cumpre efetuar o cúmulo jurídico das penas parcelares acima determinadas, nesta sede, preenchidos que se encontram os pressupostos do n.º 1 do artigo 77.º, do Código Penal.
De harmonia com o disposto no artigo 77.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a pena mínima a aplicar ao Arguido é a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas, isto é, a pena de quatro anos de de prisão, sendo que o limite máximo deverá corresponder à soma de todas as penas parcelares, no caso, a pena vinte e um (21) anos e seis (6) meses de prisão.
Atendendo ao circunstancialismo atrás referido referente, em particular, às exigências de prevenção geral que o caso demanda, à ilicitude dos factos e à personalidade do Arguido nos termos supra expendidos, afigura-se ajustado fixar a pena única de 12 (doze) anos e seis (6) meses de prisão.
IV. PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Segundo o artigo 16.º, da Lei n.º 130/2015, de 04 de setembro, que estabelece o Estatuto da Vítima, "à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito de obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável".
Para esse efeito, dispõe o n.º 2, daquele artigo, que há lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º- A, do Código de Processo Penal, aos casos de vítimas especialmente vulneráveis, exceto no caso em que a vítima a tal expressamente se opuser.
Deve entender-se por "vítima especialmente vulnerável", aquela especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social (artigos 67.º-A n.º 1, alínea b), do CP.P.).
As vítimas de criminalidade violenta ou especialmente violenta, onde se integram os crimes pelos quais o Arguido vai condenado, deverão ser sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do n.º 3, do artigo 67.º-A do CP.P., por referências às alíneas j) e I) do artigo l.º do mesmo diploma legal.
Segundo o artigo 82.º-A, do CP.P., sob a epígrafe "reparação da vítima em casos especiais", o Tribunal está habilitado a arbitrar, oficiosamente, uma indemnização à vítima de um crime, que não tenha deduzido pedido de indemnização civil.
No caso concreto, (…) veio deduzir pedido de indemnização civil contra p Arguido, na qualidade de legal representante da menor e Vítima (...), peticionando uma compensação por danos não patrimoniais sofridos por esta que se cifra na quantia de € 15 000,00.
Dispõe o artigo 129.º, do Código Penal, que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
O regime da responsabilidade civil aquiliana, decorrente do artigo 483.º do Código Civil ("CC") consagra que aquele que lesar ou provocar danos a outrem deve indemnizar o lesado.
De acordo com aquele preceito legal, tal dever de indemnizar o lesado fica dependente da verificação dos seguintes pressupostos: a) a prática pelo agente de uma ação ou omissão; b) considerada ilícita ou antijurídica, podendo esta ilicitude revestir a modalidade de violação de direito subjetivo ou de violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios; c) culpa do lesante em sentido amplo, analisada da perspetiva do homem-médio (art. 487.º, do c.c.), o que significa que a sua conduta deve merecer a reprovação ou censura do direito, podendo revestir a forma de dolo ou negligência; d) a verificação de dano ou prejuízo; e e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Da matéria de facto provada e da apreciação que dela foi feita no tocante à responsabilidade criminal do Arguido, resultam provados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - facto ilícito, culposo, verificando-se ainda a existência de nexo causal entre a prática dos factos e os danos que se consubstanciam no aviltante atentado contra a dignidade da vítima decorrente dos abusos sexuais de que foi alvo.
Com efeito, desde logo é evidente o carácter ilícito do comportamento do Arguido, dado que praticou os crimes de abuso sexual de criança, atingindo a sua integridade física, a sua liberdade e autodeterminação, atentando contra a sua dignidade enquanto pessoa.
Resulta ainda do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que devido à sua gravidade, mereçam tutela do direito".
O montante devido por danos não patrimoniais não corresponde propriamente a uma "indemnização", na medida em que não se pretende uma reintegração do mal sofrido no património do lesado, mas sim a atribuição de um determinado montante pecuniário que permita ao lesado alcançar uma compensação para a dor física e/ou psíquica que sofreu com a conduta ilícita, sendo mais preciso referirmo-nos a compensação.
A lei admite a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, mas limitando-se aos danos que pela sua gravidade, mereçam essa tutela, cabendo ao Tribunal, caso a caso, aquilatar se um dano não patrimonial concreto é ou não merecedor de tutela.
O montante indemnizatório será fixado equitativamente, ao abrigo, do n.º 3, do artigo 496.º, do Código Civil, devendo o julgador fazer uso de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, tendo sempre em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Deverão, igualmente, ser considerados os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência.
Nestes termos, levando em conta as necessidades de proteção das vítimas decorrentes da prática de crimes de natureza sexual, os danos graves psicológicos e emocionais que decorrem da prática deste tipo de crimes, as repercussões na formação da sua personalidade e na vivência da respetiva sexualidade, nos termos e com os contornos descritos nos pontos 31 e 32 dos factos provados, associado à idade da Vítima e as apuradas condições económicas do Arguido, decide-se adequado fixar a compensação devida a (...) em € 15 000,00 (quinze mil euros).
(…).”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (arts. 403º e 412º nº1 do CPP e AFJ nº 7/95 de 19.10.95), as questões a apreciar são as seguintes:
(a) correcção, no acórdão recorrido, de um erro de escrita da acusação
(b) impugnação da matéria de facto
(c) pluralidade de crimes relativamente ao tipo “abuso sexual de criança”
(d) erro de subsunção no que respeita ao crime de coacção
(e) medida da pena e suspensão da execução da prisão
(f) legitimidade para demandar da representante legal da menor ofendida
(g) quantificação do montante indemnizatório

(a) Da correcção, no acórdão recorrido, de um erro de escrita da acusação,
Começa o arguido por pugnar pela sua absolvição da prática dos crimes de abuso sexual de criança por, alegadamente, ter sido acusado de um (tipo de) crime inexistente no Código Penal. Simultaneamente invoca a nulidade do acórdão por, alegadamente, ter sido ali alterada a qualificação jurídica dos factos sem lhe ter sido dado prévio conhecimento.
Responde o Ministério Público, em primeira instância, que se tratou de um simples lapso de escrita da acusação, que o Tribunal Colectivo corrigiu no Acórdão, não se justificando o recurso ao instituto da alteração não substancial de factos, previsto no art. 358°, do CPP. E resulta claro que o respondente tem razão.
É certo que corresponde à realidade do processado que da acusação constava a imputação ao arguido de “cinco crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, e um crime de coacção agravada, previsto e punido pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal." E que logo no relatório do acórdão se menciona que “o Ministério Público deduziu acusação contra (…) imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de cinco crimes de abuso sexual de criança agravados, p. e p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 177.º n.º 1, alínea b, do Código Penal, e um crime de coação agravada, p. e p. pelos artigos 154.º n.º 1 e 155.º n.º 1, alíneas a) e b, do Código Penal."
Mas já é absolutamente irrazoável e destituída de fundamento legal a asserção do recorrente de que “o douto acórdão recorrido altera o enquadramento jurídico dos factos constantes da acusação, expurgando ilicitamente a referência ao crime previsto no Artigo 171º/1-a) do Código Penal”, que “a douta decisão recorrida do Tribunal a quo, ao proceder ilicitamente à alteração da qualificação jurídica dos factos, contraria o previsto na Constituição da República Portuguesa, e o previsto nas disposições penais aplicáveis, substantivas e adjectivas”, que “o enquadramento legal plasmado na acusação, na parte que tange à eventual prática pelo arguido do crime previsto e punido no Artigo 171º/1-a) do Código Penal, denota violação pelo previsto no Artigo 32º/5 da Constituição da República Portuguesa, e o previsto no Artigo 1º/1 do Código Penal.”
Desde logo, da leitura da acusação resultava imediatamente muito claro qual o tipo de crime realmente imputado. E assim sucede por decorrer, quer da correcta indicação do nome do crime (abuso sexual de criança), quer da correcta especificação do seu artigo e número do artigo (art. 171º., n.º 1, do CP), quer da constatada inexistência de qualquer alínea no referido n.º 1 do art. 171.º do CP..
Ou seja, resultava evidente qual a norma legal realmente imputada ao arguido pelo Ministério Público na acusação – o art. 171º., n.º 1, do CP (acrescia depois a norma que procedia à agravação da pena, o que agora não interessa ao recurso).
E assim o entendeu seguramente o arguido, pois, notificado da acusação e notificado da data designada para julgamento, nada disse a esse propósito. Nada mencionou, mas apresentou contestação. E nesta defendeu-se como achou por bem fazer, respondendo à imputação do crime e percebendo-a.
De tudo resulta que, não só o erro em causa é um evidente mero lapso de escrita, que cumpria corrigir logo que detectado (e assim se fez no acórdão), como o arguido revela, em concreto, tê-lo sempre percebido.
O que não faria nenhum sentido, e isso sim seria violador dos princípios da legalidade e da tipicidade penal, era acolher a tese de que lhe fora imputado um crime inexistente no ordenamento jurídico-penal e, como tal, que não poderia vir a ser condenado.
Tratando-se, como se disse, de um evidente lapso de escrita da acusação, o tribunal de julgamento procedeu à correcção, no acórdão. É certo que disso poderia ter informado o arguido, antes da leitura da decisão final, por se tratar de matéria com alguma sensibilidade. Seria um procedimento aconselhado pelas boas práticas, mas a sua omissão não integra, em concreto, nulidade.
Com efeito, em matéria de nulidades rege o princípio da legalidade (art. 118.º, n.º 1 do CPP) e nenhuma norma comina como tal a omissão em causa. Tanto mais que, seguramente, inexistiu qualquer “alteração da qualificação jurídica dos factos, em violação do previsto no Artigo 358º/1 e 3 do CPP”, como defende o recorrente.
Como se disse, o crime imputado e o crime conhecido no acórdão são efectivamente o mesmo (tipo de) crime. E mantendo-se assim inalterada a qualificação jurídica dos factos não tinha de haver lugar a cumprimento do art. 358.º do CPP, norma que prevê precisamente a situação inversa.

(b) Da impugnação da matéria de facto
O arguido impugna a matéria de facto defendendo que os factos dados como provados, e que realizam os crimes imputados, não resultaram suficientemente demonstrados em julgamento.
Argumenta que houve uma “evidente falta de ponderação de forma crítica, das declarações do arguido, nas quais nega a prática de qualquer um dos factos que lhe são atribuídos na acusação” e uma “ deficiente ponderação das declarações da menor, as quais se mostram de extrema imprecisão, devido especialmente ao tempo decorrido desde os pretensos factos”, que “as declarações da menor, impossíveis de confirmar por outros elementos de prova, são totalmente insuficientes para estribar a condenação do arguido”, que ocorreu uma “excessiva credibilidade atribuída às declarações da menor, não se sopesando as do arguido” e que se “mostra evidente no texto da douta decisão recorrida a violação pelo princípio in dubio pro reo, o qual é uma das vertentes do princípio constitucional da presunção de inocência, contemplada no Artigo 32º/2, 1ª parte, da CRP”.
Como se sabe, o recurso da matéria de facto pode realizar-se por duas vias:
- Através da arguição de um vício de texto previsto no art. 410.º, n.º 2, do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado por revista alargada (dos vícios da sentença previstos no art. 410º, nº 2, referimo-nos essencialmente ao erro notório na apreciação da prova);
- Por via do recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP.
O sujeito processual vencido com a decisão pode assim optar, na sua impugnação, ou pela invocação de um erro notório de facto, que é o erro evidente e visível, patente no próprio texto da sentença (sendo que os vícios da sentença sempre podem ser conhecidos oficiosamente, independentemente da arguição e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ de 19.10.95), ou de um erro não notório de facto, que a sentença, por si só, não demonstra.
Claro que o erro, a existir, materialmente será sempre o mesmo, e a classificação tem que ver apenas com a forma como aquele se exterioriza na decisão. No primeiro caso, a discordância traduz-se na invocação de um vício da sentença; no segundo, o recorrente terá de se socorrer das provas produzidas ou examinadas em audiência, nas correspondências seguintes: “erro notório /arguição de vício do art. 410º”, erro não notório/impugnação por via do art. 412º, nº3, do CPP.
No presente caso, e apesar da ausência de precisão na motivação do recurso, resulta claro que o recorrente só pode estar a proceder à invocação do vício “erro notório na apreciação da prova”, já que não procede a qualquer especificação de provas, abstendo-se de cumprir os ónus legais de impugnação previstos no art. 412.º, n.º 3, do CPP.
Mas no que respeita aos vícios de texto, que são aqueles que teriam de resultar logo visíveis no texto do acórdão, como se disse, constata-se que nenhum deles ocorre, assim sucedendo quanto ao erro notório na apreciação da prova.
Concretizando, do exame das provas realizado no acórdão (e ali objectivado) resulta claro que o tribunal se apercebeu devidamente da apresentação de duas versões dos factos principais em julgamento (que são os factos que relevam directamente na decisão sobre a tipicidade). Duas versões não coincidentes assim quanto aos factos impugnados em recurso: as declarações da menor vítima, que foram comprovativas dos factos provados, e as do arguido, que foram de negação desses mesmos factos.
Mas contrariamente ao afirmado no recurso, as declarações do arguido mostram-se correctamente valoradas no acórdão, de acordo com o texto da decisão, justificando-se ali, exemplarmente até, porque a negação não convenceu, e porque se optou, em termos de consistência de provas, pela versão da ofendida.
As declarações desta, por motivos que o acórdão sempre desenvolvidamente explica, repete-se, mostraram-se verosímeis e credíveis para o colectivo de juízes. E, de novo em oposição ao afirmado no recurso, encontraram ainda corroboração. Este aspecto é importante e o recorrente ignora-o no recurso.
Ou seja, não só o acórdão objectiva um meticuloso exame a se das declarações da menor, como as avalia no contexto geral da prova, distinguindo o que as corrobora e o que as contraria. Sendo que, em concreto, de toda a prova minuciosamente examinada apenas as declarações de negação do arguido não corroboram as declarações da ofendida. E sendo certo que inexiste um ónus de prova em processo penal, e que o arguido não tem de demonstrar a sua versão, bastando-lhe apenas fragilizar com alguma razoabilidade o sentido das provas da acusação, do acórdão não resulta que em momento algum o tribunal de julgamento se tenha desviado destes princípios e regras de prova. Justificando, designadamente, por que razão a “dúvida razoável” em concreto não se colocou, e por que não havia que fazer operar, em concreto também, o princípio do in dubio pro reo.
Dispensa-se a Relação de repetir por outras palavras o que tão bem se disse no exame crítico da prova e já se encontra transcrito em 2.. No entanto, não deixam de se destacar alguns excertos, que são a demonstração de tudo o que se acaba de afirmar.
Assim, o tribunal registou que “da análise das declarações prestadas por (...) é patente a espontaneidade da descrição que tece, exponenciada pelo facto de não se cingir à mera confirmação ou ao mimetismo das perguntas que lhe são dirigidas”, que “como é salientado pela perícia médico-legal de psicologia a que foi submetida para avaliação da sua capacidade para conservar memórias, reproduzir acontecimentos por si vivenciados, bem como para compreender, avaliar e relatar factos - que o seu relato apresenta características frequentemente associadas a plausilibilidade, é espontâneo e não orientado por perguntas fechadas, tem coerência, lógica e realismo, sem contradições internas”, que se conclui “nesse relatório pericial que há coerência entre relatos, no que se refere aos detalhes centrais, (…) que não apresenta sugestionabilidade ou alteração conveniente das respostas em função das questões, não se observa qualquer pressão para revelar, nem relato realizado num atmosfera ameaçadora ou sugestionável”, que “nenhum elemento das declarações prestadas por (...) aponta no sentido de esta deter uma personalidade e discurso de cariz imaginativo ou delirante”, que “as suas declarações patenteiam verosimilhança e capacidade de concretização de factos genuínos e por ela experienciados, não se verificando qualquer indício de que o seu relato seja minimamente efabulado” , que “para além das suas declarações, reputadas por coerentes, não se pode olvidar que os restantes elementos probatórios corroboram a sua versão”.
Destacam-se depois “os depoimentos das testemunhas (…), respetivamente avó e progenitora da menor”, “em sintonia com a descrição tecida pela vítima, ao confirmarem os momentos certos em que a aquela lhes confidenciou que havia sido sexualmente abusada pelo Arguido”, “o mesmo se diga no tocante à página do diário da menor que deu origem à descoberta pela avó da sua situação”.
Registe-se ainda a precisão e rigor na justificação da matéria de facto provada facto a facto, mormente no referente à sua localização espacial e localização temporal, o que inclui a concretização do número de vezes em que os episódios lesivos do bem jurídico ocorreram.
Para concluir, encontrando-se a Relação, por opção do recorrente, confinada à análise do texto do acórdão, constata-se sem dificuldade que o tribunal de julgamento justificou sempre racionalmente todas as opções que fez relativamente à escolha e à graduação dos vários contributos probatórios, fazendo-o com total observância das normas e princípios legais e constitucionais de prova. E, em suma, justificou exemplarmente até, porque razão deu maior valia à versão dos factos apresentada pela ofendida, nas partes divergentes das declarações do arguido.
Da análise do acórdão no confronto da argumentação desenvolvida em recurso nada de censurável se retira, no sentido de se impor, agora aqui, a tomada de uma decisão em matéria de facto oposta à do colectivo de juízes de julgamento, pelo que improcede o recurso nesta parte

(c) Da pluralidade de crimes de abuso sexual de criança
O arguido suscita a questão da unidade ou pluralidade da infracção no referente aos crimes de abuso sexual de criança. E apesar da ausência de clareza e de rigor na sua argumentação, da motivação do recurso é ainda possível retirar que estará a apelar à figura do “trato sucessivo”, que pretenderá ver aplicada aqui. Mas para tanto limita-se a remeter para alguns acórdãos do Supremo tribunal de Justiça, que nomeia, sem nada mais do que se impunha concretizar.
Ora o problema da unidade e pluralidade da infracção não se resolve na abstracção, e sim na avaliação e ponderação dos concretos factos em apreciação. O recurso revela assim fragilidades que comprometem o seu sucesso, tanto mais que esbarra, mais uma vez, com uma completa e correctíssima fundamentação da decisão em matéria de direito, no acórdão.
Na verdade, o acórdão justifica desenvolvidamente, de facto e de direito, a decisão a que chegou sobre o concurso efectivo de crimes.
Desde logo, a apreciação da prova e a objectivação da convicção logrou conduzir a uma concretização factual muito precisa (atenta a natureza e características dos episódios de vida em apreciação). Precisa, designadamente no referente à localização espacial e temporal dos factos, o que se repercute favoravelmente, depois, na decisão sobre a sua relevância típica. A qual inclui a decisão sobre o número de crimes efectivamente cometidos pelo arguido.
Assim, pouco sentido fará, por exemplo, apelar em recurso a jurisprudência que procurou sobretudo resolver outras dificuldades, que não as que se colocam aqui. Referimo-nos às decorrentes das imprecisões temporais na matéria de facto provada. E que são tratadas por essa jurisprudência por, frequentemente, se colocarem efectivamente em processos por crimes de abuso sexual de criança (para a discussão desse problema contribuiu também a presente relatora, com o texto “Notas da teoria geral da infracção na prática judiciária da perseguição dos crimes sexuais com vítimas menores de idade”, in Revista do CEJ nº 15, pp 293-316).
É certo que o recorrente parece apelar à figura do “trato sucessivo” e essa solução de direito encontra expressão nalguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. E alguns dos casos tratados podem até ter similitudes com o presente.
Mas por razões que se explanarão, esta posição é de afastar. E é-o particularmente aqui, quando se logrou obter total concretização da base factual necessária para a decisão sobre a tipicidade e sobre o número de crimes efectivamente cometidos.
Olhando a argumentação do recurso, referimos já que o arguido pouco mais desenvolveu do que remeter para jurisprudência que cita, sem nada concretizar no que respeita a uma verdadeira impugnação do acórdão e da fundamentação do acórdão.
Refere que “a douta decisão recorrida, no que tange à condenação do arguido pela prática de cinco crimes de abuso sexual de criança, contraria, além do mais, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2012, para cujo texto integral se remete para todos os efeitos legais”. E depois, no sumário que transcreve integralmente pode designadamente ler-se:
“I - Quando os crimes sexuais são atos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem. (…)
III - A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime - apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido.”
Como se vê, o recorrente impugna a decisão limitando-se a remeter para acórdãos que, embora no âmbito do mesmo tipo de ilícito, visam tratar e resolver um outro problema: o da indefinição temporal dos factos delituosos. E às deficiências da impugnação contrapõe-se depois a exaustão e correcção do tratamento do problema realmente colocado, na fundamentação do acórdão.
Consignou-se ali, designadamente: “Subsumindo a factualidade provada ao direito, ficou demonstrado da instrução da causa que, entre 29 de outubro de 2012 a meados de março de 2013, o Arguido, por cinco vezes, manteve contactos de natureza sexual com (...), consubstanciando tais práticas, objetivamente, atos sexuais de relevo, a saber:
(i) Por quatro vezes tentou penetrar com o seu pénis na vagina da menor (...), aí o friccionando, tendo ejaculado numa das situações (cfr. pontos 9, 14, 18 e 22);
(ii) Numa dessas quatro ocasiões, ainda, colocou a mão de (...) sobre o seu pénis, fazendo movimentos descentes e ascendentes, até obter ereção, antes de tentar penetração vaginal (cfr. ponto 7);
(iii) Em duas situações das quatro referidas em (i), o Arguido tocou no seu pénis, masturbando-se, perante a menor (...), até obter ereção, antes de a tentar penetrar vaginalmente (cfr. pontos 13 e 17);
(iv) Numa outra situação das quatro referidas em (i), o Arguido acariciou a vagina de (...) com as mãos e os dedos, antes de tentar penetrá-la vaginalmente (cfr. ponto 21);
(v) Numa quinta situação, dentro do veículo, o Arguido deitou para trás o banco onde (...) se encontrava e colocou o seu corpo sobre o corpo da mesma, encontrando-se ambos vestidos, obtendo gratificação sexual (cfr. pontos 23 a 25).
Considerando a factualidade provada, o Tribunal entende que as condutas do Arguido cometidas em cinco ocasiões distintas, embora no mesmo lapso temporal, correspondem cada uma delas a uma resolução criminosa distinta, não devendo, por isso, recorrer-se à figura do trato sucessivo.
Veja-se a este respeito, as conclusões tecidas no Acórdão do STJ de 4/05/2017, Processo n.º 11D/14.7JASTB.E1.S1, que perfilhamos inteiramente e julgamos aplicáveis ao caso vertente:
Porém, ideia de sucessão de condutas que parece querer-se atingir com a designação de "trato sucessivo" implica necessariamente que haja uma sucessão de tipos legais de crime preenchidos e, portanto, segundo a lei, uma punição em sede de concurso de crimes. A unificação de todos os crimes praticados em apenas um crime, quando o tipo legal de crime impõe a punição pela prática de cada ato sexual de relevo, e sem que legalmente esteja prevista qualquer figura legal que permita agregar todos estes crimes, constitui uma punição contra a lei, desde logo, por não aplicação do regime do concurso de crimes. Isto é, não podendo unificar-se a prática de todos aqueles atas no crime continuado, previsto no art. 30.º, n.s 2, do CP, por força do disposto no art. 30.º, n.s 3, do CP, então apenas nos resta aplicar o disposto no art. 30.º, n.s 1, do CP. Entender que tendo sido o mesmo tipo legal de crime preenchido diversas vezes pela conduta do arguido, ainda assim devemos entender como estando apenas perante um único crime, será decidir contra legem.
VIII - Além do mais, a designação de "trato sucessivo" constitui uma designação com um significado juridicamente muito preciso e decorrente do Código de Registo Predial (cf art. 34.º) pretendendo-se documentar o trato, a traditio da coisa, sucessivamente; ora, num crime sexual não há traditio.
IX - E crime exaurido ou consumido dá a ideia de que logo no primeiro ato se consuma, tornando irrelevantes os atas sucessivos. Ora, o exaurimento do crime assume importância em todos aqueles casos em que, após a consumação, ocorre a terminação do crime, sendo relevante a desistência da tentativa entre um e outro momento. Mas a prática de um crime sexual seguida da de outros crimes sexuais não impede a consumação de um crime sexual em cada um dos atas.
X - O "crime de trato sucessivo" tal como tem sido caracterizado pela jurisprudência corresponde ao crime habitual, ou seja, "aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada, até ao ponto de ela poder dizer-se habitual" (Figueiredo Dias). No entanto, o entendimento de um crime como sendo crime habitual tem necessariamente que decorrer, atento o princípio constitucional da legalidade criminal (art. 29.º, n.s 1, da CRP), do tipo legal de crime previsto na lei.
XI - A punição de uma certa conduta a partir da reiteração, sem possibilidade de análise individual de cada ato, apenas decorre da lei, ou dito de outro modo, do tipo legal de crime. Ora, unificar diversos comportamentos individuais que têm subjacente uma resolução distinta sem que a lei tenha procedido a essa unificação constitui uma clara violação do princípio da legalidade, e, portanto, uma interpretação inconstitucional do disposto nos arts. 171.º e 172.º, ambos do CP (disponível para consulta em www.dqsi.pt.”
A fundamentação transcrita é de acompanhar, bem como as conclusões retiradas quanto ao número de crimes.
É certo que o problema da unidade ou pluralidade de crimes é “um dos mais torturantes problemas de toda a ciência do direito criminal”, como lhe chamou Eduardo Correia (“Unidade e Pluralidade de Infracções”, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1963 (pp. 7-291), p. 13). E que vários são os critérios propostos pela doutrina na interpretação e aplicação do art. 30.º do CP.
Mas quer à luz da doutrina de Eduardo Correia, quer da construção jurídica de Figueiredo Dias, se chega a uma convergência no sentido da pluralidade de infracção para o caso sub judice.
Para Eduardo Correia, sendo as normas penais não apenas normas de valoração objectiva, mas também normas de determinação (na medida em que intervêm e querem intervir decisivamente no processo de motivação do indivíduo), é na concreta violação desta norma de determinação que assenta o juízo de censura em que se estrutura a culpa. E assim conclui Eduardo Correia que a uma reiterada ineficácia da mesma norma de determinação corresponderão plúrimos juízos concretos de reprovação. E o critério para averiguar a existência dessa reiteração é o da pluralidade de resoluções – determinações da vontade – pelas quais o agente actuou: se foram tomadas duas ou mais resoluções no desenrolar da actividade criminosa, então duas ou mais vezes falhou a eficácia determinadora da norma. E por cada vez que tal sucedeu há um fundamento para o juízo de censura em que se estrutura a culpa (V. idem, pp. 94-95).
Para Figueiredo Dias, sendo o crime o facto punível, ele traduz-se numa violação de bens jurídico-penais que preenche um determinado tipo legal. O núcleo dessa violação não é o mero actuar do agente, nem o tipo legal que o integra, mas o ilícito-típico: o que está em causa é, assim, determinar a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica em que o significado do comportamento global do agente se traduz – e é essa determinação que decide da unidade ou pluralidade de crimes (Direito Penal: Parte Geral I. Questões Fundamentais: a Doutrina Geral do Crime, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007 (1ª ed., 2004), pp. 988 - 989). Este pensamento privilegia o significado do comportamento global no apuramento do(s) sentido(s) material(ais) de ilicitude, e é teleologicamente orientado a uma valoração normativa “a partir da consequência” (V. idem, p. 990). Em relação à posição de Eduardo Correia, a unidade ou pluralidade de processos de resolução é aqui apenas um indicador entre outros, e não é o critério decisivo (não dá resposta cabal aos casos de delitos negligentes; pode haver pluralidade de sentidos autónomos de ilicitude apesar da unidade de resolução; pode haver pluralidade de resoluções e, não obstante, um único sentido de ilicitude, ou um sentido dominante). Para Figueiredo Dias, concurso de crimes existe sempre que mais de uma norma jurídico-penal (mais que um tipo legal) é concretamente aplicável ou sempre que o mesmo tipo legal é preenchido mais que uma vez – independentemente de o comportamento ser levado a cabo através de uma pluralidade de acções ou de uma acção única. E será, depois, a unidade ou predominância de um sentido de ilicitude, de um lado, ou a pluralidade dos sentidos de ilícito do comportamento global, de outro, a decidir se esse concurso é, respectivamente, efectivo ou aparente (V. idem, pp. 1007-1008 e p. 1021).
Voltando aos concretos factos em apreciação, da localização temporal (em tempos definidos, autónomos e distintos), da situação espacial (não exactamente nos mesmos locais), das demais circunstâncias modais que consubstanciam cada um dos comportamentos lesivos isoladamente considerados (e autonomamente descritos nos factos provados), resulta que o arguido, por um lado, agiu sempre com uma diferente e renovada intenção criminosa (inexistindo por isso unidade de resolução), e, pelo outro, os demais índices de ponderação (como os elementos espácio-temporais e os demais referidos) apontam igualmente no sentido de uma pluralidade de sentidos de ilicitude.
Ou seja, à luz de qualquer um dos dois critérios propostos pela doutrina tão representativa a que aludimos, a afirmação da pluralidade de crime(s) é o que resulta, em concreto, da aplicação do art. 30.º, n.º 1, do CP.
De consignar ainda uma ausência de qualquer base factual que suscitasse a eventual ponderação da figura da continuação criminosa (art. 30.º, n.º 2, do CP), que o arguido nem sustentou em recurso, bem como o afastamento da figura do trato sucessivo, pela qual parece estar a pugnar.
A propósito do trato sucessivo, para além do já mencionado no acórdão recorrido no trecho que se transcreveu e aqui se acompanha, merece expressa menção o importante estudo da Sra. Conselheira Helena Moniz (disponível na revista Julgar online, Abril de 2018), que se considera ser também de acompanhar.
No sumário do seu estudo “Crime de trato sucessivo (?)”, a autora explica que “a jurisprudência introduziu a designação de “crime de trato sucessivo”. Numa primeira fase, aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes, mas num segundo momento, também aplicada aos crimes sexuais, nomeadamente, ao crime de abuso sexual de menor”. E anuncia: “Pretende-se demonstrar as diferenças estruturais entre estes dois tipos legais de crime. Apresenta-se uma visão crítica da designação utilizada, e conclui-se pela inadmissibilidade de unificação subsuntiva da prática de vários atos sexuais de relevo a apenas um crime.” (itálico nosso).
Após proceder à análise da evolução legislativa do tipo de crime em análise, ao seu enquadramento histórico na doutrina e na jurisprudência, discorre que:
. “(…) tal como os tipos legais de crime passaram a ser construídos, a ação típica e ilícita é uma só; a conduta ilícita não abrange unitariamente uma multiplicidade de atos, como não podemos considerar estarmos perante um caso de um crime cuja ação se prolonga no tempo, ou crime duradouro, uma vez que não temos uma situação inicial de preenchimento do tipo com propagação do resultado ao longo do tempo.
Ora, o entendimento dos crimes sexuais como crimes de trato sucessivo pretende abarcar uma multiplicidade de atos, a que corresponde uma multiplicidade de resoluções, num único ato globalmente unificado a partir de uma unidade resolutiva, todavia salientando que não estamos perante uma única resolução, mas perante uma “unidade resolutiva”, querendo com isto apenas evidenciar uma homogeneidade resolutiva. Mas, este entendimento que agrega múltiplos atos típicos e ilícitos numa globalidade de comportamento ilícito com uma unificação resolutiva aproxima-nos, contra a lei, da figura do crime continuado, pese embora a jurisprudência expressamente afirme não haver uma menor culpa do agente, ou uma situação de menor exigibilidade.
Ou seja, a jurisprudência começou por considerar que, no âmbito do tipo, a conduta nele descrita abrange uma multiplicidade de atos (o que de todo está para lá da letra da lei, transformando o crime de abuso num crime de atentado, o que não foi o pretendido pelo legislador), para depois unificá-los sob uma ideia de unidade resolutiva, à semelhança do crime continuado e ao arrepio do entendimento, consagrado no atual art. 30.º, n.º 3, do CP, de que não existe crime continuado quando estamos perante condutas lesivas de bens jurídicos pessoais.
Isto é, tendo em conta o critério de uma mesma resolução inicial, a jurisprudência unifica os diversos atos praticados subsumindo-os a apenas um tipo legal de crime e considerando que este somente é preenchido uma vez. Perante este entendimento, cabe perguntar porque não entende como sendo também apenas um crime de violação da integridade física aquele que agride fisicamente a vizinha todos os dias?”
Por todo o exposto, a decisão recorrida é também de manter nesta parte.

(d) Do erro de subsunção relativo ao crime de coacção
O recorrente defende aqui a atipicidade do seu comportamento, ou seja, que os factos não realizam suficientemente o crime de coacção agravada (dos arts. 154º/1, 155º/1-a) e b), do CP). Mas em grande parte (ou mesmo na quase na totalidade) a impugnação alicerçou-se na refutação da matéria de facto. Ou seja, mostra-se feita na mera decorrência daquela, e, perante a improcedência da primeira, pouco resta para apreciar autonomamente.
No entanto, como sempre acrescentou ser “totalmente infundado concluir que da suposta frase atribuída ao arguido, se atinge a certeza de que este manifestou o propósito de colocar em risco a integridade física, ou a vida da irmã da menor”, dir-se-á que o acórdão é, mais uma vez, exaustivo e correcto na fundamentação da afirmação da tipicidade
Assim, perante a singeleza da impugnação, por um lado, e a correcção da decisão, pelo outro, resta consignar que se acompanha a fundamentação do acórdão, designadamente quando, após acertadas considerações gerais sobre o tipo de ilícito (e já transcritas em 2.), se concretiza: “(…) resulta da matéria factual consignada nos pontos 10, 11 e 26 que, após a primeira situação de prática de ato sexual de relevo com (...), o Arguido disse-lhe para não contar o sucedido a terceiros, pois se o fizesse faria mal à sua irmã mais nova. Tal conduta fez com que a vítima sentisse medo e receio pela integridade físicas da sua irmã, não tendo referido nem contado os abusos de que foi vítima pelo período de três anos. (…)
À data dos factos, a menor tinha 7 anos de idade e permaneceu em silêncio, sem contar a terceiros os atos sexuais e deploráveis a que tinha sido sujeita durante um período de três anos, precisamente em virtude de o Arguido ter ameaçado que se o fizesse atentaria contra a integridade física da sua irmã.
A conduta do Arguido foi idónea e adequada a causar medo e receio na menor, restringindo a sua liberdade, pelo que consideramos que o crime se consumou.
Assim, concluímos que, não emergindo da factualidade considerada provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, a conduta do Arguido abarca todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de coação agravado, sendo condenado pela prática do mesmo.”

(e) Da medida da pena
O recorrente defende que “a pena a fixar não deve exceder três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeito a regime de prova”. Depreendemos que se referirá à pena única, já que nada mais precisa ou concretiza.
E, para tanto, limita-se a remeter para uma série de acórdãos que identifica em bloco, dizendo: “a pena fixada ao arguido pelo Tribunal a quo na douta decisão recorrida, contraria amplamente o decidido em várias decisões deste STJ, e, em especial, a decisão plasmada no Acórdão mencionado no ponto anterior; o douto acórdão recorrido, no que tange à apreciação da culpa do arguido, contraria nomeadamente o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2012 (…); A douta decisão recorrida, no que tange à valoração dos factos e à determinação da pena, contraria nomeadamente o decidido nos seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos acessíveis em www.dgsí.pt.:
No P. 07P1769, JSTJOOO, de 12-03-2009. No P. 68/08.1GABNV.L1, 3º SECÇÃO, de 23-04¬2014. No P. 2430/13.9JAPRT.Sl, 3.ª SECÇÃO, de 30-09-2015. No P. 735/14.0JAPRT.51, 3.º SECÇÃO, de 28-10-2015. No P. 27/14.5JAPTM.Sl, 3ª SECÇÃO, de 25-11-2015. No P. 351/16.2JAPRT.Sl, 5.º SECÇÃO, 22-02-2018. No P. 129/16.3GILRS.L1.S1, 3ª SECÇÃO, de 19¬12-2018. No P. 234/15.3JAAVR.51, 5º SECÇÃO, de 20-02-2019. No P. 2165/15.8JAPRT.P1.S1, 3ª SECÇÃO, de 27-02-2019. No P. 610/16.4JAAVR.Cl.Sl, 3º SECÇÃO, de 13-03-2019. No P. 98/17.2GAPTL.Sl, 3ª SECÇÃO, de 13-03-2019, e ainda no, P. 784/18.0JAPRT.Gl.Sl, 3º SECÇÃO, de 27-11-2019. Para cujos sumários e textos integrais se remete para todos os efeitos legais, sendo que as decisões incidem sobre idênticas ou muito próximas matérias de facto e de direito, pelo que são de elevada relevância para a concretização do desiderato, de uma melhor aplicação do direito.”
De tudo se retira que o único argumento apresentado pelo recorrente para ver reduzida a sua pena para três anos de prisão suspensa será o de que a pena fixada no acórdão contrariaria o que se costuma designar por referente jurisprudencial.
Sucede que, por um lado, do referente jurisprudencial resulta apenas que a pena pretendida pelo recorrente, a ser proferida, essa sim, o desrespeitaria manifestamente. Por outro lado, o arguido nada mais contrapõe à fundamentação do acórdão, no sentido de permitir identificar ali um erro de decisão sobre a pena.
Já o Ministério Público, na resposta ao recurso, defendeu a confirmação do acórdão, reiterando a justeza dos fundamentos nela expressos. E fê-lo com razão.
Assim, e no que respeita à medida da(s) pena(s), começa por lembrar-se que a sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”. Tem sido esta a prática jurisprudencial dominante e é também a lição de Figueiredo Dias (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197)”.
Olhando o acórdão, constata-se que cumpre, mais uma vez exemplarmente e de per si, todas as exigências de fundamentação em matéria de pena, quer de facto, quer de direito, não só oferecendo resposta adequada ao problema colocado em recurso, como auto-sustentando-se amplamente. E fá-lo relativamente a cada uma das penas parcelares aplicadas, justificando-as individualmente, e distinguindo as situações de maior e de menor gravidade na lesão do bem jurídico. Fá-lo, por último, relativamente à pena única, procedendo a uma apreciação autónoma, e agora global, da pena aglutinadora a proferir, tendo em conta o “ilícito global perpetrado”. A tudo procedendo, após enunciar correcta e exaustivamente o quadro legal de referência, fazendo justificado apelo à melhor doutrina - quadro legal e sua interpretação constante da fundamentação da(s) pena(s) já transcrita em 2., para lá se remetendo sem necessidade de repetições. Procedeu-se assim à sua devida aplicação, transpondo-se para o caso concreto os correctos princípios legais e constitucionais que regem em matéria de pena. E a tudo se procedeu tendo sempre por base os factos provados do acórdão.
Constata-se assim o integral acerto no processo aplicativo das penas desenvolvido no acórdão, e a decisão sobre a pena traduz, repete-se, uma correcta compreensão do quadro legal punitivo e uma exacta aplicação, quer na parte referente às penas parcelares, quer no respeitante à pena única.
De destacar o grau da ilicitude dos factos, que foi sempre muito elevado, a atentar designadamente nos concretos actos perpetrados (de elevadíssimo grau lesivo do bem jurídico), no contexto em que ocorreram (no interior do próprio lar da menor, que deveria ser o seu refúgio, e perpetrados por alguém que deveria funcionar como seu protector e cuidador e não o oposto – note-se que esta circunstância, tendo deixado de relevar como qualificativa especial, tem de passar a funcionar como agravante geral), na concreta idade da menor vítima, e em todas as demais circunstâncias que o acórdão correctamente avalia.
De destacar o dolo, sempre directo, e todas as demais consequências do crime para a vítima, que estão muito longe de se esgotarem no “mal do crime” no momento da perpretação.
De tudo resulta que, em concreto, as exigências de prevenção geral são inquestionavelmente elevadíssimas, e com elas confluem as exigências de prevenção especial, que não deixam de ser também elevadas. Na verdade, como se consignou no acórdão, “o Arguido conta três condenações anteriores pela prática de crime, mas não de idêntica natureza” (e estas condenações, por si só, não elevariam muito as exigências de prevenção especial), mas também “denotou uma total postura indiferença e alheamento face aos valores em jogo e às consequências nefastas causadas à vítima com as suas condutas”, acrescendo que “segundo parecer da DGRSP o Arguido carece de intervenção técnica que contemple o acompanhamento no âmbito da sexualidade, de modo a trabalhar condutas desviantes”.
E visando a pena prosseguir tais finalidades (exclusivamente preventivas), e mostrando-se as mesmas devidamente avaliadas e correctamente mensuradas no acórdão (note-se que as penas foram fixadas sempre abaixo dos pontos médios das penas abstractas), resta à Relação confirmar integralmente a decisão sobre a pena.

(f) Da legitimidade da representante da menor ofendida para demandar
Pretende aqui o recorrente ver “decidido que inexiste legitimidade da avó materna para requerer pedido cível em representação da menor (...)”.
Da consulta do processo resulta que, após dedução do pedido cível e antes da prolação do despacho a que se refere o art. 78.º, n.º 1, do CPP, o tribunal diligenciou pela obtenção de elementos com vista a apurar da legitimidade da avó demandante, para agir em representação da menor sua neta, designadamente deduzindo o pedido cível nos presentes autos.
E da prova documental junta aos autos (certidão de nascimento da menor da qual consta averbamento sobre as responsabilidades parentais) resultou a certificação da referida representação da menor.
Só após junção dos documentos comprovativos dessa qualidade, proferiu o tribunal despacho (expresso e positivo) sobre a legitimidade da demandante, admitindo liminarmente o pedido cível e notificando o demandado/arguido para o contestar, querendo. E, logicamente, para se pronunciar sobre as questões que considerasse pertinentes.
O arguido contestou o pedido cível, mas nada disse sobre (e nada opôs à) legitimidade da demandante.
Sendo certo que o n.º 3 do art. 78.º determina que a falta de contestação não implica a confissão dos factos, fá-lo aqui numa necessária coerência com o regime processual penal, em que o silêncio do arguido não o poderá desfavorecer, e relativamente aos factos imputados. Assim é, tendo em conta a identidade do facto ilícito objecto do processo crime, que assume a dupla vertente de facto penal e civilmente ilícito, quando um pedido cível é deduzido.
Já a legitimidade processual para demandar é um pressuposto processual que nada tem que ver com os factos imputados ao arguido, estes sim, aqueles a que o n.º 3 do art. 78.º do CPP se refere.
Assim, notificado do despacho que considerou a legitimidade da demandante avó (decisão expressa e fundamentada sobre a legitimidade, repete-se), o arguido nada disse. E deveria, como demandado, ter agido no momento próprio, a ele reagindo. Nada disse e nada impugnou a esse respeito na contestação que apresentou, podendo e devendo tê-lo feito, querendo.
Por tudo, considera-se que tal decisão está coberta pelo caso julgado formal, já que o demandado a deixou consolidar no processo. Recorde-se que no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/95, de 16 de Maio de 1995, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a questão da (não) definitividade da decisão sobre a legitimidade, mas quando proferida em termos genéricos, o que não é o caso na situação presente (considerou então o STJ que “A decisão judicial genérica transitada e proferida ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre a legitimidade do Ministério Público, não tem o valor de caso julgado formal, podendo até à decisão final ser dela tomado conhecimento”.
E apesar do caso julgado formado no processo, não deixa de se consignar que a decisão sobre a legitimidade da demandante civil se mostra correcta nos seus fundamentos.

(g) Da fixação do montante indemnizatório
O recorrente não discute os pressupostos da responsabilidade civil e o arbitramento de indemnização, encontrando-se a questão colocada circunscrita à sindicância do quantum indemnizatório.
E na impugnação do montante indemnizatório, argumenta apenas que a decisão recorrida contraria o princípio da equidade, decidindo em violação do previsto no Artigo 496º/3 do Código Civil, e que “ao condenar o arguido a pagar a quantia de €15.000,00, não pondera o grau de culpa do arguido, a sua situação económica, a do lesado, as demais circunstâncias do caso e os padrões geralmente adoptados na Jurisprudência, violando especialmente o previsto nos Artigos 494º e 496º/3 do Código Civil.”
Mas sucede que do acórdão se retira o contrário, ou seja, que o tribunal atendeu a todos os factores legais de ponderação, decidindo segundo a equidade e com acertada fundamentação, de facto e de direito, e atendendo também ao referente jurisprudencial.
Assim, e destacando-se apenas o excerto mais impressivo, considerou-se ali, acertadamente, que “o montante indemnizatório será fixado equitativamente, ao abrigo, do n.º 3, do artigo 496.º, do Código Civil, devendo o julgador fazer uso de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, tendo sempre em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Deverão, igualmente, ser considerados os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência.
Nestes termos, levando em conta as necessidades de proteção das vítimas decorrentes da prática de crimes de natureza sexual, os danos graves psicológicos e emocionais que decorrem da prática deste tipo de crimes, as repercussões na formação da sua personalidade e na vivência da respetiva sexualidade, nos termos e com os contornos descritos nos pontos 31 e 32 dos factos provados, associado à idade da Vítima e as apuradas condições económicas do Arguido, decide-se adequado fixar a compensação devida a (...) em € 15 000,00 (quinze mil euros).”
Nada se oferece acrescentar.

(h) Uma nota final para correcção oficiosa de um lapso de escrita do acórdão recorrido.
A dado passo, pode ler-se ali: “3.4. Cúmulo jurídico: Estando os dois crimes pelos quais o Arguido vai condenado em relação de concurso efetivo (…)”. Ora, de toda a decisão resulta muito evidente que se pretendia escrever “estando os seis crimes pelos quais o Arguido vai condenado em relação de concurso efetivo (…)”, ou seja, pretendia consignar-se “seis” onde se escreveu “dois”.
Assim, e ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.º 1-b) e 2, do CPP, procede-se à pertinente correcção, determinando-se que onde se lê no acórdão “3.4. Cúmulo jurídico: Estando os dois crimes pelos quais o Arguido vai condenado em relação de concurso efetivo (…)” deve ler-se “3.4. Cúmulo jurídico: Estando os seis crimes pelos quais o Arguido vai condenado em relação de concurso efetivo” (…).

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão.
Custas pelo recorrente que se fixam em 5UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).
Évora, 24.11.2020
(Ana Barata Brito)
(Maria Leonor Esteves)