RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
CONTRATO-PROMESSA
NULIDADE DO CONTRATO
SIMULAÇÃO
ABUSO DE PODERES DE REPRESENTAÇÃO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
MATÉRIA DE FACTO
Sumário


I - Para os efeitos do disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC apenas releva a fundamentação essencial, em cada uma das decisões em confronto, na resolução das questões a decidir.

II - Não constitui fundamentação essencialmente diferente, em termos de afastar a dupla conformidade das decisões, o aditamento pela Relação de fundamentos fácticos e jurídicos diversos que não tenham tido reflexo no segmento decisório.

III - Havendo, como houve, convergência das decisões na resposta dada à questão principal, entendendo ambas as instâncias que o contrato-promessa é nulo por simulação, são inócuas as considerações feitas pela Relação acerca do abuso de representação, não afastando estas a verificação da dupla conforme.

IV - A eventual existência de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, nos termos do art. 674.º, n.º 3, do CPC, não constitui um fundamento autónomo de admissibilidade da revista.

Texto Integral

Processo n.º 7751/16.6T8VNG.P2.S1


*

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[1]:


I. Relatório

Frenética Tarefa-Unipessoal, Lda., instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra AA e BB, todos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:

a) Ser declarado nulo o contrato promessa de compra e venda supostamente celebrado em 23-03-2016, entre a 1.ª Ré, em nome da Autora, e o 2.º Réu;

b) Condenar a 1.ª Ré e o 2.º Réu solidariamente ao pagamento da quantia de 14.000,00€ (catorze mil euros) à Autora a título de danos sofridos em virtude de a mesma se encontrar impossibilitada de cumprir os seus impostos juntos da Autoridade Tributária e Aduaneira, acrescida de juros a taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento.

c) Em alternativa, caso não seja declarada a nulidade do contrato promessa de compra e venda, a Autora desde já requer que a 1.ª Ré proceda a apresentação de contas referente à quantia de 400.000.00€ (quatrocentos mil euros) que supostamente recebeu a título de sinal do 2.º Réu e uma vez aprovadas as contas, seja condenada no pagamento da referida quantia acrescida dos respetivos juros.”

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:

No exercício da sua actividade de mediação e angariação imobiliária comprou à Imovertigo – Empreendimentos Imobiliários, S.A., cinco fracções autónomas pelo preço global de 605.000,00 €, para revenda.

Na respectiva escritura de compra e venda, celebrada em 23/3/2016, interveio a 1.ª ré na qualidade de procuradora da autora, com poderes para o acto, conforme procuração que juntou.

Nesse mesmo dia, a autora abateu a quantia de 95.000,00 € ao valor de 540.000,00 € que lhe havia sido emprestado por um cliente da 1.ª ré.

A autora revendeu três dessas fracções e, quando se preparava para vender as duas restantes, constatou que a 1.ª ré outorgou, em seu nome, um contrato-promessa entre a autora e o 2.º réu, fazendo uso de uma procuração datada de 23/3/2016, no qual declarou prometer vender a este quatro fracções que havia adquirido, nesse mesmo dia, pelo preço de 540.000,00 € e que havia recebido de sinal 400.000,00 €, dando a respectiva quitação e procedendo ao correspondente registo predial.

A autora desconhecia este contrato e nunca recebeu qualquer quantia a título de sinal, pelo que revogou de imediato a procuração.

Suspeita da genuinidade da assinatura do 2.º réu.

E a 1.ª ré preparava-se para exigir o sinal em dobro.

Tudo isto lhe causa prejuízo, impedindo-a de revender as fracções e liquidar os impostos.

Os réus contestaram, em conjunto, por impugnação e deduziram reconvenção, alegando, em síntese, que a 1.ª ré comprou directamente à Imovertigo as aludidas fracções, por indicação do representante da autora, e invocaram o incumprimento definitivo do contrato-promessa por esta. Concluíram pela improcedência da acção, com a consequente absolvição dos pedidos, c pela condenação da autora como litigante de má fé, em multa e indemnização, esta não interior a 20.000,00 €. Em sede de reconvenção, pediram que seja declarada a “resolução do contrato-promessa de compra e venda outorgado entre a A. e o 2.º R., por incumprimento definitivo imputável à A. e condenando-se esta a restituir ao 2.º R., o sinal em dobro, no montante de 1.080.000€, acrescido de juros legais desde a citação até integral pagamento.

O tribunal de 1.ª instância proferiu sentença, em 13/5/2019, com o seguinte dispositivo:

Nos termos e fundamentos expostos julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

c) Vai declarado nulo o contrato promessa de compra e venda supostamente celebrado em 23-03-2016, entre a 1.ª Ré, em nome da Autora, e o 2.º Réu.

d) No mais vão os RR. absolvidos do pedido.

Mais julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional, e em consequência vai a A. absolvida do pedido.

Mais vão os R. condenados como litigantes de má fé, e em consequência, vão condenados pagar à A., indemnização no montante 20 UCs e bem como na multa no valor de 20 UCs.
Considerou, para tanto e por um lado, que, encontrando-se preenchidos, face ao acervo factual dado como provado, os requisitos da simulação, o contrato-promessa em causa nos autos se mostra ferido de nulidade e, por outro, que, não tendo a autora logrado fazer prova de qualquer dano, o pedido de indemnização teria de improceder.
Já no que se refere à reconvenção, o tribunal ancorou a sua improcedência no facto de não se ter sequer provado o pagamento de qualquer sinal e de, como tal, não se estar perante uma situação de incumprimento definitivo – única que justificaria a restituição do sinal em dobro.
Por último e para a condenação dos réus como litigantes de má fé, relevou a circunstância de o tribunal ter entendido que os mesmos não só alteraram dolosamente a verdade dos factos, como omitiram factos relevantes para a decisão da causa, ao terem sustentado a existência de um contrato-promessa que sabiam que não correspondia à realidade nele plasmada.

Interposto recurso de apelação por ambos os réus, o Tribunal da Relação do ………, não obstante ter julgado parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, julgou-os improcedentes e, consequentemente, confirmou, sem voto de vencido, a sentença.
Entendeu, para o efeito, a Relação que, para além de o negócio ser nulo, por simulação, tal como foi declarado na sentença, se estava perante um abuso de representação e que a condenação dos réus como litigantes de má fé se deve manter.


Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso de revista normal e, subsidiariamente, excepcional, pedindo, a final, que o acórdão da Relação seja revogado e a autora condenada no pedido reconvencional.
Invocou, com vista a justificar a admissibilidade do recurso de revista normal, que, apesar de o acórdão ter confirmado a decisão da 1.ª instância, o fez com base em fundamentação essencialmente diferente, já que enquanto a decisão da 1.ª instância assentou na nulidade do contrato-promessa por simulação absoluta, a Relação considerou o aludido contrato ineficaz em relação à autora por abuso de representação, sendo que a nulidade e a ineficácia são distintas.
Acrescentou, para além disso, que o facto de a subsunção jurídica feita no acórdão ter assentado em base factual diversa da valorada pela 1.ª instância consubstancia percurso jurídico diverso e essencial, que afasta a dupla conforme, impeditiva do recurso de revista.
Por fim e para o caso de assim não se entender, requereu a revista excepcional ao abrigo do art.º 672.º, n.º 1, al. a), do CPC, sustentando, para o efeito, que a apreciação da questão do abuso de representação quando existe procuração, sendo complexa e controversa, atendendo aos seus contornos e limites, não só na doutrina, mas também na jurisprudência, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, face à relevância jurídica da questão polémica da simulação e da ineficácia dos negócios, no âmbito do comércio jurídico, o que aconselha a intervenção do STJ com vista à formação de uma orientação jurisprudencial, na consecução da sua tarefa uniformizadora.

Remetidos os autos a este Supremo Tribunal, o Relator não admitiu a revista normal, dado verificar-se, no caso, o obstáculo da dupla conforme, resultante do art.º 671.º, n.º 3, do CPC, e, porque também foi interposta, subsidiariamente, a revista excepcional, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do art.º 672.º do mesmo Código, ordenou a remessa à “Formação” a que alude o n.º 3 deste último preceito, a fim de verificar, ou não, o requisito específico invocado, por ser a competente, como melhor explicou no despacho do passado dia 14 de Outubro, com os fundamentos que aqui se dão por reproduzidos e que adiante se reproduzirão, novamente, na parte tida como relevante.

É desta decisão que vem interposta a presente reclamação para a conferência, insistindo a reclamante pela admissibilidade do recurso de revista normal, pelos motivos que anteriormente invocara, nada trazendo de novo, se bem a interpretamos, ou seja, sustentando que inexiste dupla conforme, por considerar que a fundamentação da sentença e do acórdão recorrido é diversa.

A parte contrária não respondeu.

           

Cumpre, pois, apreciar do acerto da decisão do relator sobre a rejeição do recurso de revista normal.

II. Fundamentação

            No despacho objecto da presente reclamação pode ler-se a seguinte fundamentação:

“Como é sabido, ressalvados os casos de admissibilidade irrestrita do recurso, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância (art.º 671.º, n.º 3, do CPC).
Ora, considerando que, no caso, o acórdão impugnado, que confirmou a sentença, foi lavrado sem voto de vencido, importa apenas apreciar se a fundamentação nele acolhida é essencialmente diferente da fundamentação ínsita na decisão da 1.ª instância, posto que apenas esta poderá afastar a dupla conforme impeditiva do recurso de revista normal.
Como o STJ tem afirmado, repetidamente, só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radical ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância (Cf., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 28-04-2014, Revista n.º 473/10.3TBVRL.P1-A.S1 – 2.ª Secção, Relator Abrantes Geraldes; de 18-09-2014, Revista n.º 630/11.5TBCBR.C1.S1 – 7.ª Secção, Relator Silva Gonçalves; de 19-02-2015, revista n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S – 7.ª Secção, Relator Lopes do Rego; de 27-04-2017, Revista n.º 273/14.1TBSCR.L1.S1 – 2.ª Secção, Relator Tomé Gomes; de 29-06-2017, Revista n.º 398/12.8TVLSB.L1.S1 – 7.ª Secção, Relator António Joaquim Piçarra; de 30-11-2017, Revista n.º 579/11.1TBVCD-E.P1.S1 – 7.ª Secção, Relator António Joaquim Piçarra; de 15-02-2018, Revista n.º 28/16.9T8MGD.G1.S2 – 2.ª Secção, Relatora Rosa Ribeiro Coelho; de 12-04-2018, Revista n.º 1563/11.0TVLSB.L1.S2-A – 7.ª Secção, Relator Hélder Almeida; todos disponíveis em www.dgsi.pt).
São, portanto, de desconsiderar, para este efeito, as discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não revelam um enquadramento jurídico alternativo, os casos em que a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não-aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido ou ainda no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de 1.ª instância.
No caso sub judice, a questão essencial em discussão nos autos era a de saber se o contrato-promessa celebrado entre a autora, aí representada pela 1.ª ré, e o 2.º réu, estava ferido de invalidade ou, ao invés, se, sendo válido, a autora incorreu em incumprimento definitivo e se, consequentemente, devia ser declarada a resolução daquele e a autora condenada a restituir ao 2.º réu o sinal em dobro.
As instâncias convergiram na resposta que deram a esta questão, entendendo, em sentido coincidente entre si, que o aludido contrato-promessa é nulo por simulação.
Para tanto, relevou o facto de o tribunal de 1.ª instância ter concluído que, mostrando-se preenchidos, em face da factualidade provada, todos os requisitos do vício de simulação negocial previstos no art.º 240.º do CC, tal contrato está ferido de nulidade.
Por seu turno, também a Relação entendeu, ainda que com fundamentação mais desenvolvida, que, atendendo ao quadro factual que foi apurado, se mostram preenchidos os requisitos da simulação enunciados no citado normativo, concluindo, por isso, ser totalmente acertada a decisão do tribunal de 1.ª instância ao ter declarado a nulidade do contrato-promessa de compra e venda em causa nos autos.
É certo que, tal como sustenta a recorrente, a Relação alterou a matéria de facto (dando como provados os factos descritos sob as als. ff), gg) e tt) que, na sentença, tinham sido dados como não provados), todavia, já não lhe assiste razão quando defende que essa alteração consubstanciou percurso jurídico diverso e essencial, visto que a dita alteração acabou por não ter reflexo na decisão de direito das instâncias que, como se disse, foi coincidente entre si no que toca ao preenchimento dos requisitos da simulação.
Refira-se, de resto, que a irrelevância da alteração de parte da factualidade em questão para a decisão da causa vem expressamente referida no acórdão impugnado, no qual se consignou, a esse propósito, que a modificação em questão, apesar de irrelevante para a decisão da causa, se encontrava justificada por permitir uma melhor compreensão da “realidade” que foi possível apurar nos autos.
Acresce que, como o STJ vem reiteradamente afirmando, é no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para o resultado declarado pelas instâncias que se tem de verificar se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais e não na decisão da matéria de facto. Pelo que, tendo a alteração empreendida pela Relação sido indiferente para o desfecho do caso, não se pode afirmar que esteja afastada, por esta via, a dupla conforme, tanto mais que, tanto no caso da sentença, como no do acórdão, foi, afinal, a circunstância de se mostrarem preenchidos os requisitos da simulação que foi determinante para a conclusão a que chegaram as instâncias.
Alega ainda a recorrente, neste particular, que o recurso vem interposto do acórdão que declarou o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 23-03-2016 entre a 1ª Ré, em nome da A. e o 2º R., ineficaz em relação à A. por abuso de representação. Não é, porém, verdade que assim suceda.
Com efeito, o acórdão recorrido limitou-se a confirmar, sem voto de vencido, a sentença e esta, na realidade, declarou o contrato-promessa em questão nulo e não ineficaz, sendo, por isso, essa declaração de nulidade que o acórdão posto em crise manteve.
É certo que na fundamentação, a Relação, divergindo neste ponto da 1.ª instância, considerou que se deviam considerar preenchidos os requisitos do abuso de representação. Todavia, tal fundamento não teve qualquer reflexo no segmento decisório.
Na verdade, da comparação que se faça das fundamentações ínsitas nas decisões em confronto resulta que o que verdadeiramente relevou para a parcial procedência da acção e para a consequente improcedência da reconvenção (posto que esta pressupunha a validade ao contrato), tanto num, como no outro caso, foi a circunstância de as instâncias terem considerado preenchidos, à luz da factualidade dada como provada, os requisitos da simulação consignados no art.º 240.º do CC.
Em consequência, tendo o diferente entendimento da Relação acerca do preenchimento dos pressupostos do abuso de representação se revelado inócuo para o desfecho do caso (tanto mais que não vem espelhado no segmento decisório), forçoso é concluir que essa diversidade de fundamentação apenas se traduziu, afinal, no aditamento de outro fundamento jurídico, que tinha sido rejeitado pelo tribunal de 1.ª instância, sem todavia pôr em causa a fundamentação usada por este no que tange ao vício da simulação, que teve como consequência a declaração de nulidade do contrato-promessa – sendo que foi esta decisão que a Relação confirmou.
Pelas razões aduzidas, ainda que se reconheça que a fundamentação plasmada no acórdão recorrido foi diferente no que tange especificamente ao indicado fundamento, já não se afigura que seja essencialmente diferente em termos de afastar a dupla conformidade das decisões, posto que, como se referiu, esse diferente entendimento não só não foi crucial para o resultado declarado, como não teve nele qualquer reflexo.
Dito de outro modo, não podendo afirmar-se que o alcance do caso julgado material formado seja diverso, afigura-se que nem o diferente entendimento acerca do abuso de representação, nem a alteração da matéria de facto levada a cabo pela Relação, são susceptíveis de integrar o conceito de fundamentação essencialmente diferente, não estando, como tal, afastada a dupla conformidade decisória (art.º 671.º, n.º 3, do CPC).

No sentido vindo de expor, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal:
(i) Sobre a alteração da matéria de facto

A alteração da matéria de facto que não se projecte na fundamentação de direito não implica que se considere que, na Relação, se adoptou uma fundamentação essencialmente diferente, sendo, pois, de concluir pela ocorrência de dupla conforme obstativa da admissão do recurso de revista já que ambas instâncias se moveram no quadro da mesma previsão legal e coincidiram no segmento decisório.

08-09-2016
Revista n.º 1831/14.0TBOER-A.L1-A.S1 - 7.ª Secção
Orlando Afonso (Relator)
Távora Victor
Silva Gonçalves

I - A dupla conforme, tal e qual está normativamente descrita no art. 671.º, n.º 3, do CPC, não se concretiza sempre que a Relação, muito embora confirme a sentença proferida na 1.ª instância, assente a sua deliberação em fundamento “essencialmente diferente” daquele que motivou o decretamento tomado na sentença apelada.
II - Uma modificação essencial da matéria de facto provada ou não provada apenas será relevante para aferir da diversidade ou da conformidade das decisões quando implique uma modificação, também essencial, da motivação jurídica.
III - Não tendo a alteração da matéria de facto provada em julgamento, superiormente concretizada pela Relação, consentido motivação diferenciada direcionada a ajuizar a justa decisão da causa, é de concluir que a apelação se contém no enquadramento de idêntica fundamentação proposta na decisão proferida na 1.ª instância, não sendo, consequentemente, admissível o recurso de revista.
(…)

09-03-2017
Revista n.º 95/10.9TJVNF.G1.S1 - 7.ª Secção
Silva Gonçalves (Relator)
António Joaquim Piçarra
Fernanda Isabel Pereira

I - O actual regime recursório consagra, com o deliberado objectivo de racionalizar o acesso ao STJ e acentuar as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência, a regra geral da chamada “dupla conforme” (art. 671.º, n.º 3, do CPC), traduzida na pronúncia com o mesmo sentido decisório das duas instâncias e que implica a inadmissibilidade do recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância.
II - Para que o recurso de revista seja admissível, mesmo quando o acórdão da Relação confirma integralmente a sentença do tribunal de 1.ª instância, sem voto de vencido, é necessário que a fundamentação da sentença e do acórdão seja diversa e que tal diversidade tenha natureza essencial, desconsiderando-se, para este efeito, discrepâncias marginais, secundárias ou periféricas, que não representem efectivamente um percurso jurídico diverso e bem ainda a mera diferença de grau, no tocante à densidade fundamentadora, e divergências meramente formais ou de pormenor.
III - Não releva, para este efeito, a alteração factual operada pela Relação, pois que conhecendo, em regra, o STJ de matéria de direito (arts. 46.º da Lei n.º 62/2013, de 26-08, e 682.º, n.os 1 a 3, do CPC), «os elementos de aferição das aludidas “conformidade” ou “desconformidade” das decisões das instâncias (os chamados elementos identificadores ou diferenciadores) têm de circunscrever-se à matéria de direito (questões jurídicas); daí que nenhuma divergência das instâncias sobre o julgamento da matéria de facto seja susceptível de implicar, a se, a “desconformidade” entre as decisões das instâncias geradora da admissibilidade da revista. Tal “desconformidade” terá sempre de reportar-se a matérias integradas na competência decisória (ou seja, nos poderes de cognição) do STJ».
IV - Não tendo a alteração factual feita pela Relação interferido em absolutamente nada (foi até desconsiderada) na apreciação da decisão de direito sobre a verificação dos pressupostos da impugnação pauliana relativamente aos actos declarados ineficazes pela 1.ª instância, é patente a conformidade das decisões, o que obsta à admissibilidade da revista normal.
V - Inscrevendo-se as decisões da 1.ª e 2.ª instância no mesmo quadro normativo, circunscrito ao instituto da impugnação pauliana, e mantendo-se fiéis ou conformes no modo como o caracterizam e nas consequências decorrentes da verificação dos aludidos pressupostos, não existe fundamentação essencialmente diferente e, nessa medida, o recurso de revista normal ou revista-regra não é admissível, por força da dupla conforme.
(…)

29-06-2017
Revista n.º 398/12.8TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção
António Joaquim Piçarra (Relator)
Fernanda Isabel Pereira
Olindo Geraldes
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/97587a900d5cfab98025814f0054d5d4?OpenDocument

I - A alteração da decisão da matéria de facto empreendida pela Relação, ao abrigo do art. 662.º do CPC, apenas releva, para efeito de determinação da existência de "dupla conforme" quando implique também uma modificação essencial da motivação jurídica, na medida em que apenas esta servirá de elemento aferidor da diversidade ou da conformidade das decisões centrada na respectiva motivação.
(…)

11-01-2018
Revista n.º 1297/13.1TBTMR.E1.S1 - 2.ª Secção
Rosa Tching (Relatora) *
Rosa Ribeiro Coelho
João Bernardo

I - Não obsta à dupla conforme a circunstância de o tribunal da Relação, face ao recurso interposto quanto à decisão de 1.ª instância incidente sobre a matéria de facto, ter modificado em parte a matéria de facto quando essa alteração não teve nenhuma influência no sentido de ser alterada a decisão recorrida ou a sua fundamentação, constatando-se que a Relação confirmou integralmente a sentença de 1.ª instância (art. 671.º, n.º 3, do CPC).
(…)

03-05-2018
Revista n.º 1345/13.5TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção
Salazar Casanova (Relator) *
Távora Vítor
António Joaquim Piçarra
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3e7de2080726218980258282004c9cd5?OpenDocument

Uma alteração parcial da matéria de facto dada como provada, que não conduz à alteração dos argumentos decisivos do acórdão de revista, não integra o conceito de “fundamentação essencialmente diferente” que obste à verificação de dupla conforme.

09-04-2019
Revista n.º 18/10.5TBPST.L1.S1 - 6.ª Secção
Maria Olinda Garcia (Relatora) *
Raimundo Queirós
Ricardo Costa

I - Para efeitos de aferição da conformidade ou da desconformidade decisória, não pode ser atribuído significado a alterações irrelevantes e sem reflexo na decisão final, sob pena de, no caso contrário, o disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC, ficar destituído da sua função substancial (que é a de efectuar a selecção dos casos em que é justificado o acesso ao terceiro grau de jurisdição).
II - A alteração de um único ponto da decisão sobre a matéria de facto que visa precisar ou explicitar o teor de um facto provado e não tem reflexo na decisão não é apta a descaracterizar a dupla conformidade, verificando-se, da mesma forma, este bloqueio recursório.

07-11-2019
Revista n.º 2449/15.5T8PDL.L1.S1 - 2.ª Secção
Catarina Serra (Relatora) *
Bernardo Domingos
João Bernardo
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/88392bef2ec9b9ac802584ab006214ea?OpenDocument


(ii) Sobre o conceito de fundamentação essencialmente diferente


I - O art. 671.º, n.º 3, do NCPC (2013) prevê que deixe de existir dupla conforme quando a Relação empregar fundamentação essencialmente diferente para a confirmação da decisão da 1.ª instância.
II - A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade de fundamentação induz a desconsideração de discrepâncias secundárias que não revelem um enquadramento jurídico alternativo, bem como a não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, o aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido.
III - A alteração legal não pode servir de pretexto para se restaurar irrestritamente o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007, sustentado nas vantagens que são propiciadas por se evitar um recurso indiscriminado ao STJ, limitou.
IV - Assim, a admissão do recurso de revista interposto de um acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1.ª instância depende da verificação de uma situação em que o núcleo essencial da fundamentação jurídica é diverso, o que não sucede se for substancialmente idêntica a resposta que as instâncias deram à questão ou questões jurídicas que, em concreto, se revelem essenciais para o resultado, já que estas situações se contêm nos limites da dupla conforme.
V - Verifica-se uma situação de dupla conforme se, tanto na decisão da 1.ª instância como na decisão da Relação, a pretensão da autora foi afastada com base no mesmo fundamento, sendo irrelevante, para a admissibilidade da revista, o facto de na 1.ª instância se ter negado a existência do crédito que a Relação acabou por reconhecer antes de declarar a sua extinção por prescrição, confirmando o que já fora prevenido na sentença.

03-07-2014

Revista n. º 1122/08.5TBAMD.L1.S1 - 2.ª Secção

Abrantes Geraldes (Relator)

Bettencourt de Faria

João Bernardo


I - A verificação da dupla conformidade prevista no n.º 3 do art. 671.º do NCPC (2013) tem, ademais, como óbice o emprego, pela 2.ª instância, de “fundamentação essencialmente diferente” na manutenção do decidido na 1.ª instância, expressão que enquadra os casos em que a confirmação da sentença na 2.ª instância assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª instância, o que equivale por dizer que irrelevam uma eventual modificação da decisão de facto efectuada nesta última sede, dissensões secundárias, a não aceitação de um dos caminhos percorridos, ou a mera adição de fundamentos.
II - Tendo o aresto recorrido sido lavrado sem voto de vencido e se movido dentro do mesmo quadro jurídico em que se moveu a sentença de 1.ª instância para alcançar, no que toca aos pedidos contidos na petição inicial, um resultado idêntico àquele que se obtivera na 1.ª instância e limitando-se a rejeitar uma das vias ali seguidas é de concluir que, na Relação, não se adoptou uma fundamentação que deva ser tida como essencialmente diferente, o que impede o conhecimento do objecto do recurso, no segmento em que versa sobre esse aspecto, independentemente de não ter sido admitido o recurso interposto pela recorrente da decisão de 1.ª instância.
III - Como as questões em sentido técnico não podem ser confundidas com factos, a falta de consideração de um facto tido pela recorrente como demonstrado ou um suposto erro na apreciação da prova, não integra a nulidade prevista na primeira parte da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC (2013), o mesmo se podendo afirmar relativamente a argumentos ou invocações que não integram os fundamentos da causa de pedir (da acção ou da reconvenção) ou de excepções.

(…)

08-01-2015

Revista n.º 129/11.0TCGMR.G1.S1 - 2.ª Secção

João Trindade (Relator) *

Tavares de Paiva

Abrantes Geraldes
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fe590e765f02909580257dc8003e9214?OpenDocument


I - A alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual NCPC (2013) (mandando atender a uma diferença essencial nas fundamentações que suportam a mesma decisão das instâncias), obriga o intérprete e aplicador do direito a – analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios – distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diversa.
II - Não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele assumida para manter a decisão já tomada em 1.ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme.
III - Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações, normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância.

19-02-2015

Revista n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1 - 7.ª Secção

Lopes do Rego (Relator) *

Orlando Afonso

Távora Victor
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9465e7c3ce8fce1180257df1005b84f0?OpenDocument

Se, quer a sentença da 1.ª instância, quer o acórdão recorrido decidiram no sentido na improcedência da acção, com fundamento no facto da ré/recorrida não ter incorrido em responsabilidade civil contratual, atenta a inverificação de um dos pressupostos de tal responsabilidade – ausência de danos –, tendo a Relação se limitado a aditar a ausência de outro dos pressupostos daquela responsabilidade – ausência de prova de qualquer ilicitude contratual por parte da ré –, a fundamentação das decisões é essencialmente a mesma e idêntica, traduzindo-se na invocação do mesmo quadro normativo.

12-03-2015

Incidente n.º 2495/11.8TBVFR.P1.S1 - 6.ª Secção

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida


I - O Novo Código de Processo Civil, ao não admitir o recurso para este STJ no caso de dupla conforme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, e não nos fornecendo a lei qualquer definição deste último conceito, que é, afinal, um conceito indeterminado e aberto, obriga o julgador (intérprete), desde logo, a distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente.
II - Não se bastando o conceito de fundamentação essencialmente diferente com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença de 1.ª instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.
III - Só pode, pois, considerar-se estarmos perante uma fundamentação essencialmente diferente quando ambas as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão, mostrando-se o mesmo decisivo para a solução final: ou seja, se o acórdão da Relação assentar num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na sentença de 1.ª instância. Ou, dito ainda de outro modo: quando o acórdão se estribe definitivamente num enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado do perfilhado na 1.ª instância.
IV - Tendo ambas as instâncias tomado idêntica posição quanto à existência da prescrição, com a consequente extinção do direito da autora, não é o facto de 1.ª instância não ter tomado expressa posição sobre a alegada suspensão da prescrição, que afinal não ocorreu, que pode, só por isso, haver em ambas as decisões fundamentação essencialmente diferente.

30-04-2015

Revista n.º 1583/08.2TCSNT.L1.S1 - 2.ª Secção

Serra Baptista (Relator) *

Fernando Bento

João Trindade
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1b6d82c05bd326b480257e3d004da0c9?OpenDocument

I - A verificação da dupla conforme constitui factor impeditivo do acesso ao recurso para o STJ, assim não sendo se o acórdão da Relação que confirma a decisão proferida na 1.ª instância tiver voto de vencido e a sua fundamentação for essencialmente diferente da adoptada nesta última (cfr. art. 671.º, n.º s 1 e 3 do NCPC (2013)).
II - Não existe diversidade de fundamentação se as respostas que as instâncias deram às questões que, em concreto, se vieram a revelar essenciais para a improcedência da acção, são substancialmente idênticas, nela se enquadrando apenas mais uma das “vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico”.
(…)

26-05-2015

Revista n.º 1254/09.2TBVNO.C1.S1 - 1.ª Secção

Martins de Sousa (Relator)

Gabriel Catarino

Maria Clara Sottomayor


I - Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no art. 672.º do CPC (art. 671.º, n.º 3, do CPC).
II - Se em ambos os arestos se considerou como fundamentação jurídica das respetivas decisões a inverificação de qualquer ilícito pré-contratual, contratual ou extracontratual por parte dos réus, ao que a Relação aditou que também não era caso de preenchimento da denominada “eficácia externa das obrigações”, nem de ocorrência de enriquecimento sem causa, esta diferenciação não tem a idoneidade para se subsumir ao conceito legal de “fundamentação essencialmente diferente”, referido em I.
III - Reportando-se a fundamentação jurídica, a diferença essencial não se verifica só porque a Relação alterou a decisão proferida sobre a matéria de facto na 1.ª instância.

(…)

19-01-2016

Revista n.º 1279/08.5TBCBR.C1.S2 - 6.ª Secção

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida


I - O tribunal, tratando-se de apreciar se existe entre as decisões uma fundamentação essencialmente diferente, não tem obviamente de entrar na apreciação do mérito.
II - Não constitui fundamentação essencialmente diferente, para os efeitos do art. 671.º, n.º 3, do NCPC (2013), o acórdão da Relação que, não pondo em causa o entendimento e as razões de improcedência da ação de demarcação constantes da sentença, acrescenta à fundamentação um elemento adjuvante que corrobora e justifica, no seu entender, a decisão de improcedência.

05-05-2016

Revista n.º 18/12.0TBADV.E1.S1 - 7.ª Secção

Salazar Casanova (Relator) *

Lopes do Rego

Orlando Afonso


I - Os pressupostos de admissibilidade do recurso aferem-se à data da sua interposição – momento em que se inicia a instância de recurso.
II - No caso de pedidos múltiplos ou cumulativos, a conformidade ou desconformidade a que se refere o art. 671.º, n.º 3, do NCPC (2013), deverá ser aferida em relação a cada um dos segmentos da decisão final em que há pronúncia sobre esses pedidos, separando as respostas dadas aos diversos pedidos formulados.
III - Para além disso, a jurisprudência consolidou o entendimento de que a ratio – elemento teleológico da interpretação – do preceito referido em II se aplica aos casos em que a decisão recorrida represente para o recorrente uma situação mais vantajosa do que a que por ela foi apreciada. Trata-se de solução que se funda no argumento “por maioria de razão”.
IV - Importa distinguir as figuras de “fundamentação diversa” e de “fundamentação essencialmente diferente”.
V - Não constitui “fundamentação essencialmente diferente”, para efeitos de admissibilidade de recurso de revista, se a 1.ª instância concluiu pela impossibilidade de resolução dos contratos por alteração das circunstâncias em virtude do não preenchimento dos “pressupostos positivos” desse instituto (art. 437.º do CC) e o acórdão recorrido alcançou o mesmo resultado mas pela constatação da verificação do “pressuposto negativo” da existência de mora da parte lesada (art. 438.º do CC).
V - O conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração da fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença da 1.ª instância, sendo antes indispensável que, naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa.

16-06-2016

Revista n.º 1320/11.4TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção

João Trindade (Relator)

Tavares de Paiva

Abrantes Geraldes


I - Na aferição de fundamentação essencialmente diferente, para os efeitos do disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC, apenas relevam as divergências relativas a questões essenciais, sendo insuficientes as que apresentem natureza meramente complementar ou secundária ou que não revelem um decisivo enquadramento jurídico alternativo.
II - Não preenche a divergência constitutiva da fundamentação essencialmente diferente, a circunstância de a Relação corroborar a interpretação das declarações negociais operada pela 1.ª instância como fundamento da decisão e fazer acrescer o argumento de que o sentido extraído dessa interpretação conduz ao maior equilíbrio das prestações.

08-11-2016

Revista n.º 4479/11.7TBBRG.G1.S1 - 1.ª Secção

Alexandre Reis (Relator)

Pedro Lima Gonçalves

Sebastião Póvoas


I - A modificação da matéria de facto não implica necessariamente a alteração da decisão jurídica do pleito, sendo certo que, para efeitos de aferição da dupla conforme, apenas relevam as modificações que, neste domínio, possam ser tidas como essenciais.
II - A parcial coincidência entre as fundamentações empregues na sentença apelada e no acórdão recorrido não implica que exista entre ambas uma divergência essencial.
III - Deve ser tida como questão nova aquela que não foi atempadamente expendida pelos apelantes no tribunal de 1.ª instância.

06-12-2016

Incidente n.º 464/12.0TBARC.P1.S1 - 1.ª Secção

Roque Nogueira (Relator)

Alexandre Reis

Lima Gonçalves


I - O actual regime recursório consagra, com o deliberado objectivo de racionalizar o acesso ao STJ e acentuar as suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência, a regra geral da chamada “dupla conforme” (art. 671.º, n.º 3, do CPC).
II - Esta é traduzida na pronúncia com o mesmo sentido decisório das duas instâncias e implica a inadmissibilidade do recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância.
III - Para que o recurso de revista seja admissível, mesmo quando o acórdão da Relação confirma integralmente a sentença do tribunal de 1.ª instância, sem voto de vencido, é necessário que a fundamentação da sentença e do acórdão seja diversa e que tal diversidade tenha natureza essencial.
IV - Ao eleger a “fundamentação essencialmente diferente” como óbice à verificação da dupla conforme o legislador teve em vista os casos em que a confirmação da sentença na 2.ª instância assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª instância.
V - Não relevam, para este efeito, dissensões secundárias, a não aceitação de um dos caminhos percorridos, ou o mero aditamento de fundamentos que não representem efectivamente um percurso jurídico diverso.
VI - Movendo-se as decisões das instâncias dentro do mesmo quadro jurídico (a nulidade do contrato de permuta de taxa de juro ajustado entre a autora e o réu por incumprimento, por este, dos deveres de informação a que, no âmbito da LCCG e do CMVM, está adstrito, com as consequências daí derivadas), é patente a conformidade das decisões, o que obsta à admissibilidade da revista normal.

(…)

13-07-2017

Revista n.º 1942/12.6TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção

António Joaquim Piçarra (Relator) *

Olindo Geraldes

Nunes Ribeiro

I - Sobre o alcance da locução fundamentação essencialmente diferente tem vindo a ser entendimento constante do STJ não bastar que a decisão que a decisão da 1.ª instância e o acórdão da Relação confirmativo daquela, sem vencimento, apresentem fundamentação diferente, exigindo-se que tal diferença se mostre essencial.
II - O STJ tem entendido que não se verifica tal obstáculo se o efeito do caso julgado material formado é relevantemente diverso.
III - Tendo a apreciação feita no acórdão recorrido da questão da denúncia dos defeitos, de modo a considerá-la irrelevante, em nada inovado no plano da fundamentação do julgado, mormente para efeitos de ampliação dos respetivos limites objetivos, a confirmação da sentença da 1.ª instância não repousa sobre fundamentação essencialmente diferente.

28-09-2017
Revista n.º 568/10.3TBETZ.E2-A.S1 - 2.ª Secção
Tomé Gomes (Relator)
Rosa Tching

Rosa Ribeiro Coelho

A sentença da 1.ª instância que julgou improcedentes os embargos à execução com o fundamento que os executados não provaram ter entregue à exequente a quantia exequenda, e o acórdão da Relação que a confirma, sem voto de vencido, com esse fundamento e com a outro, a irrelevância da sentença estrangeira, por não revista e confirmada, que declara ter ocorrido o pagamento, não patenteiam fundamentação essencialmente diferente que descaracterize a dupla conformidade entre ambas para efeitos de inadmissibilidade de recurso de revista – art. 671.º, n.º 3, do CPC.

09-01-2018
Revista n.º 231/08.5TBVRS-A.E1.S1 - 6.ª Secção
Roque Nogueira (Relator)
Alexandre Reis
Pedro Lima Gonçalves

I - O STJ tem observado repetidamente que, para afastar o obstáculo da dupla conforme, excludente da admissibilidade do recurso de revista (art. 671.º, n.º 3, do CPC), por ser essencialmente diferente a fundamentação das decisões das instâncias, não basta que a sentença e o acórdão da Relação que a confirmou por unanimidade apresentem fundamentação diferente; é exigido, como condição de admissibilidade da revista, que a diferença seja essencial.
II - Tendo ambas as instâncias situado o litígio no âmbito dos pressupostos da obrigação de pagamento da cláusula penal convencionada, mais especificamente, do incumprimento culposo da obrigação contratualmente assumida pelo réu, ainda que a fundamentação não tenha sido idêntica, não foi essencialmente diferente uma vez que a 1.ª instância concluiu que a presunção de culpa foi ilidida, enquanto a Relação confirmou a improcedência da acção mas por entender não provado o incumprimento definitivo e culposo.
III - Em consequência, por não ser admissível, é de julgar findo o recurso (art. 652.º, n.º 1, al. h), do CPC, conjugado com o art. 679.º do mesmo Código).

22-02-2018
Revista n.º 612/15.8T8VRL.G1.S1 - 7.ª Secção
Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)
Salazar Casanova
Távora Victor

I - Existe fundamentação essencialmente diferente sempre que a confirmação da decisão apelada se baseia num quadro normativo substancialmente diverso, havendo, concomitantemente, que desconsiderar discrepâncias marginais, a adição de fundamentos ou a recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas pela 1.ª instância.
II - Tendo as instâncias se movido dentro do campo normativo das formas de extinção das obrigações para concluir pela sua inverificação, é de concluir pela existência de dupla conforme, sendo que a mera rejeição da qualificação jurídica dos factos e o aditamento de um fundamento jurídico quase idêntico protagonizados pela Relação não representam uma essencialidade relevante.

01-03-2018
Revista n.º 5733/15.4T8GMR.G1.S1 - 7.ª Secção
Távora Vítor (Relator)
António Joaquim Piçarra
Fernanda Isabel Pereira

I - Não existe fundamentação essencialmente diferente, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, quando as decisões da 1.ª e da 2.ª instância se inscreveram no mesmo quadro normativo – regime do mandato forense e responsabilidade da ré advogada pelo negligente exercício do mandato forense que os autores lhe confiaram – e mantiveram-se fiéis ou conformes no modo como afastaram a responsabilização da ré, com fundamento no não preenchimento dos respectivos pressupostos.
II - A circunstância de na sentença se concluir pela falta de culpa da ré, dispensando-se, nessa medida, a apreciação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, e o acórdão recorrido, por seu turno, assentar na inexistência de nexo causal para afastar a responsabilidade da ré, não configura, nem constitui fundamentação essencialmente diferente susceptível de abrir aos recorrentes a normal porta recursória para o STJ.
III - A arguição de nulidades do acórdão da Relação ou o erro na apreciação da prova, não implicam, por si só, a admissibilidade do recurso de revista; podem é constituir fundamentos deste, como se alcança do art. 674.º, n.º 1, do CPC, se for admissível, o que é bem diferente.
(…)

12-04-2018
Revista n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1 - 7.ª Secção
António Joaquim Piçarra (Relator)
Fernanda Isabel Pereira
Olindo Geraldes
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/149006e690abf9348025826e00552b5c?OpenDocument

I - Para efeitos de aferir da existência ou não de dupla conforme, tem constituído entendimento constante do STJ que a locução “fundamentação essencialmente diferente” não se basta com uma fundamentação diferente, exigindo-se que a diferença se mostre essencial (art. 671.º, n.º 3, do CPC).
II - Sendo confluente a parte essencial das fundamentações ínsitas nas decisões em confronto, sem que, portanto, o caso julgado material formado seja diverso – posto que em ambas se considerou que o entupimento de uma caleira no exterior de um edifício consistia em sinistro de inundação coberto pelo risco do contrato de seguro em causa – não ocorre qualquer incremento inovatório relevante por via da fundamentação da Relação, na perspectiva da confirmação da decisão recorrida, pelo que se verifica a dupla conforme.

17-05-2018
Revista n.º 1180/14.3T2AVR.P1.S1 - 2.ª Secção
Tomé Gomes (Relator)
Maria da Graça Trigo
Rosa Tching

I - Sobre o alcance da locução fundamentação essencialmente diferente, a que alude o art. 671.º, n.º 3, do CPC, tem vindo a ser entendimento constante do STJ não bastar que a decisão da 1.ª instância e o acórdão da Relação confirmativo daquela, sem vencimento, apresentem fundamentação diferente, exigindo-se que tal diferença se mostre essencial.
II - Numa ação, como a presente, em que estava em causa saber se os réus tinham incorrido em incumprimento definitivo do contrato-promessa, não se verifica a existência de fundamentação essencialmente diferente quando a Relação, ainda que com algum desenvolvimento analítico de reforço no sentido de rebater as razões da apelante, acabou por concluir, no essencial, como a 1.ª instância, no sentido de que ambas as partes contribuíram para a não celebração do contrato definitivo, com a consequente restituição, pelos réus, do sinal em singelo.
III - Tal conclusão não é alterada pela circunstância de a Relação ter procedido à alteração de um facto respeitante à qualidade de comerciantes dos réus, dado que não extraiu daí solução jurídica diversa da que havia sido seguida, a esse propósito, pela 1.ª instância.
IV - Verificando-se a dupla conforme, a revista é inadmissível (art. 671.º, n.º 3, do CPC).

24-01-2019
Revista n.º 614/15.4T8PVZ.P1.S1 - 2.ª Secção
Tomé Gomes (Relator)
Maria da Graça Trigo
Rosa Tching

I - A dupla conforme, como circunstância de irrecorribilidade da revista, afere-se pela confirmação da decisão, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente (art. 671.º, n.º 3, do CPC).
II - A aferição do requisito delimitador da conformidade de decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais.
III - Tendo o acórdão da Relação confirmado totalmente a sentença de 1.ª instância no que respeita à improcedência da reconvenção, sem voto de vencido, verifica-se a dupla conforme, impeditiva da admissibilidade do recurso de revista, dado que ambas as instâncias convergiram ao julgar que, dada a existência de justa causa para a resolução do contrato, o réu não tem direito às indemnizações que peticionou referentes aos danos que sofreu.

21-02-2019
Revista n.º 534/16.5T8CBR.C1.S1 - 7.ª Secção
Ilídio Sacarrão Martins (Relator)
Nuno Pinto Oliveira
Maria dos Prazeres Beleza

(…)
III - A dupla conforme, como circunstância de irrecorribilidade da revista, afere-se pela confirmação da decisão, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente (art. 671.º, n.º 3, do CPC).
IV - A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade de fundamentação induz a desconsideração de discrepâncias secundárias que não revelem um enquadramento jurídico alternativo, bem como a não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, o aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido.

28-02-2019
Revista n.º 1338/17.3T8AGD-A.P1.S1 - 7.ª Secção
Ilídio Sacarrão Martins (Relator)
Nuno Pinto Oliveira
Maria dos Prazeres Beleza

I - A “conformidade” a que se refere o n.º 3 do art. 671.º do CPC não implica a absoluta e perfeita coincidência entre as decisões em confronto, valendo igualmente como tal aqueloutra em que a dissemelhança entre a decisão da 1.ª instância e a do tribunal da Relação é meramente literal ou aparente.
II - A instituição da dupla conforme, enquanto obstáculo de acesso ao terceiro grau de jurisdição, resulta da combinação e ponderação, feitas pelo legislador, de dois interesses antagónicos: de um lado, o direito de aceder ao mais alto grau de jurisdição como via de, em abstrato, assegurar a obtenção de uma melhor justiça, e, de outro lado, a necessidade de reduzir o número de recursos, como meio de racionalizar o uso dos meios processuais e, principalmente, de valorizar a intervenção do Supremo.
III - Nenhuma justificação teria vedar o acesso ao STJ à parte que viu confirmada na Relação a decisão da 1.ª instância contra a qual se insurgira, mas permiti-lo no caso de ter obtido procedência parcial do seu recurso, com alteração da decisão em seu benefício, portanto em hipótese em que é menor a sua sucumbência.
IV - A existência de dupla conforme não é excluída pela atribuição de nulidades ao acórdão recorrido.
V - Trata-se de vício formal do acórdão que, sendo invocado, terá naturalmente de ser apreciado, ou pelo STJ se o recurso for admissível como revista normal ou excecional, ou, não o sendo, pelo tribunal da Relação.

02-05-2019
Revista n.º 77/14.1TBMUR.G1.S1 - 2.ª Secção
Rosa Ribeiro Coelho (Relatora) *
Catarina Serra
Bernardo Domingos

I - Para averiguar se se verifica uma “fundamentação essencialmente diferente”, relevante para efeitos do previsto no n.º 3 do art. 671.º do CPC há que atender ao núcleo fundamental de cada uma das decisões em confronto, desconsiderando as divergências marginais e secundárias que não se mostram decisivas para a solução.
II - Mesmo nos casos em que seja alegada a ofensa do valor probatório da prova tarifada, a interferência do Supremo, ao abrigo do art. 674.º, n.º 3, do CPC, não prescinde da inexistência de dupla conformidade decisória, pressuposto geral de admissibilidade da revista normal, tal como emerge do art. 671º, n.os 1 e 3, do CPC.
III - Sendo inadmissível a revista, arguição das nulidades do acórdão recorrido, previstas no n.º 1 do art. 615.º do CPC, apenas pode ter lugar perante a Relação (cf. art. 615.º, n.º 4, do CPC, ex vi do art. 679.º, do mesmo Código).

05-02-2020
Revista n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1 - 7.ª Secção
Maria do Rosário Morgado (Relatora)
Oliveira Abreu
Ilídio Sacarrão Martins
https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:983.18.4T8VRL.G1.S1/


Tudo para concluir que, verificando-se a dupla conforme, a revista normal não é, in casu, admissível.”

Os Juízes Conselheiros que integram este colectivo concordam, na íntegra, com a fundamentação acabada de transcrever, por estar em conformidade com a lei e a jurisprudência que vem sendo seguida por este Supremo Tribunal, como consta do despacho reclamado.

            Contrariamente ao afirmado pela reclamante, e com o devido respeito, a fundamentação da sentença e do acórdão recorrido não são “completamente diversas”, nem “tal diversidade tem natureza essencial” para a decisão, única que importa considerar.

Reafirma-se que estamos perante uma situação de dupla conformidade, já que o acórdão foi proferido por unanimidade (o que não foi posto em causa) e “sem fundamentação essencialmente diferente” da sentença.
As instâncias convergiram na resposta que deram à questão da invalidade do contrato-promessa, entendendo que o mesmo é nulo por simulação.
As considerações feitas pela Relação acerca do abuso de representação não passam de um aditamento, sem nenhuma relevância para a decisão, já que o acórdão se limitou a confirmar, sem voto de vencido, a sentença e esta havia declarado o contrato em questão nulo por verificação dos requisitos da simulação.
A alteração da matéria de facto (dando como provados os factos das als. ff), gg) e tt) que, na sentença, tinham sido dados como não provados), não consubstancia percurso jurídico diverso e essencial, visto que ela acabou por não ter reflexo na decisão de direito das instâncias que, como se disse, foi coincidente entre si no que toca ao preenchimento dos requisitos da simulação.
De resto, essa irrelevância para a decisão da causa foi já adiantada pelo acórdão impugnado e referida no despacho reclamado, quando naquele se consignou, a esse propósito, que a modificação em questão, apesar de irrelevante para a decisão da causa, se encontrava justificada por permitir uma melhor compreensão da “realidade” que foi possível apurar nos autos.
Repete-se que a divergência verificada, relativamente ao abuso de representação, não teve qualquer reflexo no segmento decisório. O abuso de representação foi inócuo para o desfecho do caso, pois o que verdadeiramente relevou para a parcial procedência da acção e para a consequente improcedência da reconvenção (que pressupunha a validade do contrato) foi a verificação, em ambas as instâncias, do preenchimento dos requisitos da simulação consignados no art.º 240.º do Código Civil.
Portanto, o acórdão confirmou integralmente a sentença sem que a fundamentação tivesse sido diferente, na medida em que foram aplicados em sentido coincidente os mesmos institutos e regras jurídicas, chegando-se à mesma conclusão.
A alteração da matéria de facto, nos termos supra referidos na fundamentação do despacho reclamado, é irrelevante como ali também se diz.

Assim, a aludida alteração fáctica não é susceptível de integrar o conceito de “fundamentação essencialmente diferente”, não estando, como tal, afastada a dupla conformidade decisória (art.º 671.º, n.º 3, do CPC).

Acresce que a existência de dupla conforme impede a admissibilidade da revista no que concerne à invocada violação da prova legal.

É que a motivação da revista não se enquadra na sindicância dos poderes da Relação a respeito da impugnação da matéria de facto ou à reapreciação da prova, nos termos dos art.ºs 640.º e 662.º do CPC, “que não se vislumbra que tenha sido posta em causa, antes se referindo a um pretenso erro na apreciação das provas por parte do acórdão recorrido, subsumível ao disposto no art.º 674.º, n.º 3, do CPC”.

Simplesmente, conforme tem vindo a ser sublinhado pela jurisprudência do Supremo que expressamente analisou a questão, não sendo admissível a revista não haverá lugar à apreciação da eventual existência de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, nos termos do art.º 674.º, n.º 3, do CPC, por este não constituir um fundamento autónomo de admissibilidade da revista.

A reclamante insiste na “violação de disposições processuais nos poderes de reapreciação da decisão de facto pela Relação”.

Todavia, a recorrente refere-se a um pretenso erro na apreciação das provas, o qual só poderia ser apreciado, nos termos da parte final do n.º 3 do art.º 674.º do CPC, caso fosse admissível a revista, e como vimos, não é.

Não sendo admissível a revista, não haverá lugar à apreciação da eventual existência de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, nos termos do n.º 3 do citado art.º 674.º, por este não constituir um fundamento autónomo de admissibilidade da revista.

Tem sido esta a jurisprudência deste Supremo, como se pode ver, entre outros, dos seguintes arestos:

- Acórdão do STJ de 12-04-2018, Revista n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1, António Joaquim Piçarra (Relator), destacando-se do sumário:

«I - (…)

III - A arguição de nulidades do acórdão da Relação ou o erro na apreciação da prova, não implicam, por si só, a admissibilidade do recurso de revista; podem é constituir fundamentos deste, como se alcança do art. 674.º, n.º 1, do CPC, se for admissível, o que é bem diferente. 

IV - Só em relação aos aspectos adjectivos atinentes ao exercício ou não dos poderes da Relação no tocante à impugnação da matéria de facto impetrada na apelação (arts. 640.º e 662.º do CPC) é que não se verifica a limitação recursória derivada da dupla conforme.

V - ….»

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/149006e690abf9348025826e00552b5c?OpenDocument

- Acórdão do STJ de 28-01-2020, Revista n.º 1288/16.0T8CSC.L1.S1, José Raínho (Relator), destacando-se do sumário:

«I - É de equiparar à situação de dupla conforme a hipótese em que a Relação profere uma decisão que, embora não seja rigorosamente coincidente com a da 1.ª instância, se revela mais favorável à parte que recorre. 

II - E assim, tendo a Relação confirmado, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente (mas sim essencialmente coincidente) a sentença da 1.ª instância quanto a um dos réus, e decidido de forma mais favorável do que a 1ª instância quanto ao outro réu (reformatio in melius), está para todos os efeitos constituída uma dupla conformidade decisória impeditiva do recurso de revista ordinária. 

III - O art. 674.º do CPC não tem a ver com a questão da admissibilidade do recurso de revista ordinária, assunto que é regulado pelo art. 671.º do CPC, antes regula simplesmente sobre aquilo (o objeto, o fundamento) que é legalmente passível de ser tratado na revista, posto que esta seja admissível.»

https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1288.16.0T8CSC.L1.S1/

No mesmo sentido o nosso acórdão de 17/11/2020, proferido na conferência do processo n.º 19128/18.4T8SNT.L1.S1.

Por conseguinte, não tendo, na verdade, sido questionada qualquer actuação da Relação ao abrigo do art.º 640.º e 662.º do CPC – matérias em relação às quais se poderia justificar a admissibilidade da revista por se reconduzirem a uma questão de violação de lei processual – mas antes respeitando à apreciação e valoração da prova, nos termos do art.º 674.º, n.º 3, do CPC, não sendo admissível a revista normal, no caso, não há que proceder a qualquer apreciação das questões suscitadas a respeito da matéria de facto, nem a sua invocação impede a verificação da dupla conforme.

Destarte, o recurso de revista normal não pode ser admitido.

A reclamação tem, necessariamente, que improceder, havendo que confirmar o despacho reclamado.

Sumário:
1. Para os efeitos do disposto no art.º 671.º, n.º 3, do CPC apenas releva a fundamentação essencial, em cada uma das decisões em confronto, na resolução das questões a decidir.
2. Não constitui fundamentação essencialmente diferente, em termos de afastar a dupla conformidade das decisões, o aditamento pela Relação de fundamentos fácticos e jurídicos diversos que não tenham tido reflexo no segmento decisório.
3. Havendo, como houve, convergência das decisões na resposta dada à questão principal, entendendo ambas as instâncias que o contrato-promessa é nulo por simulação, são inócuas as considerações feitas pela Relação acerca do abuso de representação, não afastando estas a verificação da dupla conforme.
4. A eventual existência de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, nos termos do art.º 674.º, n.º 3, do CPC, não constitui um fundamento autónomo de admissibilidade da revista.

III. Decisão

           Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se inteiramente o despacho reclamado.


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Custas da reclamação pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.


*



Lisboa, 2 de Dezembro de 2020

Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.

            Fernando Samões (Relator, que assina digitalmente)

            Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

            António Magalhães (2.º Adjunto)

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[1] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães