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COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE TRABALHO
REVISÃO DE INCAPACIDADE
DOENÇA PROFISSIONAL
REQUISITOS
Sumário
I- Os tribunais do trabalho são materialmente competentes para decidir dos pedidos de revisão de incapacidade para o trabalho decorrente de doença profissional. II- Os mesmos só podem conhecer do pedido de revisão de incapacidade para o trabalho por doença profissional após o serviço, com competência na área de protecção contra os riscos profissionais (CNPCRP), ter proferido decisão a manter ou a alterar o grau de incapacidade para o trabalho anteriormente fixado e caso o doente não se conforme com tal decisão. III- Se o doente não esgota primeiramente esta “fase administrativa”, não aguardando pela decisão administrativa, e apresenta requerimento de fixação de incapacidade para o trabalho junto do tribunal, ocorre, não uma incompetência material, mas sim uma excepção dilatória inominada, a qual veda a apreciação de mérito e leva ao indeferimento liminar do requerimento inicial, por falta da prévia tramitação obrigatória no CNPCRP.
Texto Integral
I. RELATÓRIO
M. S. apresentou incidente de revisão de incapacidade para o trabalho por doença profissional contra Instituto da Segurança Social – IP, Centro Nacional de Protecção Contra Riscos Profissionais.
Alegou que, em 2000/2001, foi-lhe diagnosticada doença, nomeadamente silicose pulmonar, que a requerida qualificou como doença profissional, sendo-lhe reconhecida uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 5%, à qual correspondeu a atribuição de uma pensão, a partir do ano de 2002, no valor mensal de 15,00€. O seu estado de saúde tem-se agravado, estando de baixa médica e, por diversas vezes, interpelou a requerida para proceder à revisão da sua incapacidade, a última das quais em 07-02-2020. Até hoje não obteve qualquer resposta, motivo pelo qual requerer ao tribunal a revisão da incapacidade sofrida em consequência da doença profissional de que padece, juntando para tanto os respetivos quesitos
Foi proferido despacho liminar, declarando o tribunal incompetente em razão da matéria, absolvendo-se o requerido do pedido.
O requerente recorre deste despacho.
FUNDAMENTOS DO RECURSO-CONCLUSÕES:
I. Face à sentença proferida, a única questão essencial decidenda centra-se em saber se o Tribunal do Trabalho é competente, em razão da matéria, para conhecer da presente ação. II. A questão (principal e única) a discutir nos autos consistia em apurar (fixar) a incapacidade de que o autor padece atualmente em consequência da doença profissional que lhe foi diagnosticada e que, aliás, é reconhecida pelo CNPCRP, que fixou/reconheceu ao autor uma incapacidade permanente parcial de 5% a partir do ano de 2002. III. Ora, a tramitação dos processos emergentes de acidentes de trabalho e de doença profissional vem regulada no Título VI – Capítulo I – artigos 99.º e seguintes do Código Processo Trabalho. O regime instituído caracteriza-se pela divisão do processo em duas fases: a fase conciliatória e a fase contenciosa, sendo que a fase conciliatória é sempre dirigida pelo Ministério Público ficando ao juiz reservada apenas a tarefa de homologar ou não os acordos celebrados. No caso das doenças profissionais o artigo 155.º do Código Processo Trabalho, refere que o disposto nos artigos 117.º e seguintes (fase contenciosa) aplica-se, com as necessárias adaptações, aos casos de doença profissional em que o doente discorde da decisão do CNPCRP. IV. In casu, o procedimento administrativo no âmbito do qual foi diagnosticada ao A. uma doença profissional, com a consequente atribuição da incapacidade, correu os seus termos no CNPCRP. V. Ora, na lógica de todo este sistema instituído, os tribunais de trabalho são chamados a intervir para dirimir as eventuais divergências entre os interessados e o CNPCRP e só na medida estrita dessas divergências, o que manifestamente sucede in casu. VI. Com efeito, o A. requereu a revisão da sua incapacidade junto da R., em 20.06.2017, ou seja, há mais de três anos, (cfr. Doc. n.º 3 junto à petição inicial) e até hoje não obteve qualquer resposta da mesma, não tendo sido chamado para qualquer junta médica. VII. Entre o A. e R. existe divergência quanto à incapacidade de que padece o A. relativamente à doença profissional que lhe foi diagnosticada. VIII. A R. entende que o A. padece apenas da IPP de 5% e, por isso, não obstante o pedido de revisão, nada fez, decorridos que se mostram mais de três anos desde a data de entrada do pedido por parte do A. IX. O A. não aceita essa incapacidade, entendendo que a mesma é, neste momento, superior e, por isso, deve ser revista. X. Perante esta situação de divergência quanto à incapacidade efetivamente sofrida pelo A. em virtude da doença profissional de que padece, deve iniciar-se a fase contenciosa nos termos do artigo 155.º do Código Processo Trabalho, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 117.º e seguintes do mesmo diploma legal, como daquele (primeiro) preceito legal se retira. XI. Retira-se, ainda, de tal legislação que, no âmbito da tramitação do processo (no Tribunal do Trabalho e na fase contenciosa), quando estiver em causa apenas uma divergência acerca do grau de incapacidade, o processo prossiga os seus termos sujeito à tramitação prevista no artigo 117.º n.º 1 al. b), do Cód. Proc. Trabalho, ou seja, o interessado poderá através de mero requerimento solicitar que seja submetido a junta médica para que lhe seja fixada o grau de incapacidade resultante da doença profissional que já lhe foi reconhecida pelo CNPCRP. XII. Resolvida esta questão pela junta médica, o tribunal limita-se a fixar a incapacidade de acordo com os elementos do processo, devolvendo de seguida os autos ao CNPCRP para que seja fixado, se for caso disso, o montante da pensão anual, decisão esta que será (posteriormente) integrada em ato administrativo do CNPCRP, que em caso de discordância da parte do doente poderá ser impugnada para o tribunal de trabalho – neste sentido cfr. Ac. do Tribunal de Évora, proc. 2348/03.3, de 18/11/2003, acessível in www.dgsi.pt. XIII. Assim, por tudo o exposto, entende o A. que este Tribunal é materialmente competente para decidir o pedido por si formulado nestes autos. XIV. A douta decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 93º e seguintes da LAT, 99.º e ss, 117.º e ss e 155.º, todos do CPT.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão deve ser dado integral provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida e ordenar-se a sua substituição por outra que considere o Tribunal de Trabalho competente em razão da matéria para decidir os presentes autos, ordenando o seu prosseguimento, com a consequente submissão do A. à competente junta médica para lhe ser fixada a IPP de que é portador por causa da doença profissional de que padece.
CONTRA-ALEGAÇÕES - a decisão recorrida deve ser mantida, porque, entre o mais, a revisão da incapacidade ainda não foi objeto da respetiva análise e parecer pelos médicos do Centro Nacional de Protecção Contra Riscos Profissionais.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: a apelação deve ser julgada improcedente.
Não foram apresentadas respostas a este parecer.
O recurso foi apreciado em conferência.
QUESTÃO A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)): será o tribunal de trabalho materialmente competente ou estará em condições de conhecer do pedido de revisão da incapacidade permanente do requerente resultante de doença profissional?
I.I. FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS:
São os constantes do relatório.
B) DIREITO
No despacho recorrido considerou-se que “…de acordo com o disposto nos artigos 93º e seguintes da LAT, designadamente do art. 96º deste diploma legal, não se pode deixar de concluir que por se tratar de doença profissional este Tribunal carece de competência para a respectiva apreciação, recaindo a mesma sobre o Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, do Instituto da Segurança Social. “
E absolveu-se a requerida do pedido, o que, ainda que ocorresse a dita excepção de incompetência material, nunca daria lugar a esta consequência, mas sim a absolvição da instância ou indeferimento liminar do requerimento inicial- 99º, 1, CPC. Esta estatuição, além de desprovida de suporte legal, impediria o requerente de ver a sua causa apreciada noutra instância.
Contudo, cremos que não estamos propriamente perante uma questão de incompetência material, dado que este pressuposto processual visa delimitar a competência entre diferentes jurisdições. Efectivamente, a competência “designa a repartição do poder jurisdicional pelos diversos tribunais do Estado…”. Visa-se “…determinar se o poder de julgar uma certa causa pertence, não ao tribunal a que está afecta, mas a um outro tribunal…” José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol.1, 2º ed., p 104. É certo que a distribuição da competência interna entre os tribunais portugueses é feita com recursos a diversos critérios, entre eles a matéria - 60º CPC. Sendo da competência dos tribunais judiciais (comuns) todas as causas que não sejam atribuídas a outra ordem judicial, designadamente aos tribunais administrativos e fiscais, ao tribunal de contas, ao tribunal constitucional, etc… – 60º, 64º CPC, 29º, 40º, 1 LOSJ (Lei 62-2013, de 26-08, com as posteriores alterações).
Segundo o artigo 126º (competência cível) deste ultimo diploma, LOSJ:
“1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:… c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;”
Segundo esta disposição, o tribunal do trabalho tem, assim, competência para apreciar a revisão da incapacidade para o trabalho por doença profissional.
Contudo, no caso o que está em causa não é a repartição de competência entre diferentes tribunais, mas sim entre o tribunal e uma entidade administrativa, o CNPCRP. Logo, não se trata de uma questão de competência, mas de um outro requisito.
Vejamos, então, o que dispõe a lei em matéria de avaliação e reparação de dessas profissionais e a quem atribui em primeiro lugar o poder de decidir a revisão da incapacidade permanente resultante de doença profissional.
Atenta a data do diagnóstico da doença profissional é aplicável a Lei 100/97, de 13-09 (41º, 1, b), -doravante LAT- e a regulamentação dada pela Lei 248/99, de 2 de Julho (2).
Segundo o artigo 29º da LAT (3) “aavaliação,graduaçãoereparaçãodasdoençasprofissionaisdiagnosticadasapartirdasuaentradaemvigorédaexclusivaresponsabilidadedoCentroNacionaldeProteçãocontraosRiscosProfissionais.
Ou seja, as doenças profissionais integram-se no âmbito material do regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e dos independentes, tendo, por isso, um regime de cobertura de responsabilidade pelo risco diferente dos acidentes de trabalho, desde logo porque a responsabilidade não tem carácter privado, estando transferida para uma instituição de segurança social, o que molda o seu regime – Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, p. 139-140.
Por sua vez, o regulamento referido (4), no seu artigo 77º (5) dispõe:
1-Acertificaçãodasincapacidadesabrangeodiagnósticodadoença,asua caraterizaçãocomodoençaprofissionaleagraduaçãodaincapacidade,bemcomo, seforocaso,adeclaraçãodenecessidadedeassistênciapermanentedeterceirapessoaparaefeitosdeprestaçãosuplementar. 2-AcaraterizaçãodasdoençasprofissionaisegraduaçãodasincapacidadespermanentespodeserrevistapeloCNPCRP,oficiosamente,ouarequerimentodobeneficiário,independentementedaentidadequeatenhafixado. 3-AcertificaçãoearevisãodasincapacidadesédaexclusivaresponsabilidadedoCNPCRP,semprejuízododiagnósticopresuntivopelosmédicosdosserviçosdesaúde,paraefeitosdaatribuiçãodaindemnizaçãoporincapacidadetemporária.
Assim sendo, segundo as disposições citadas, compete ao CNPCRP quer o diagnóstico, quer a fixação do grau de IPP, quer a revisão do grau de IPP anteriormente atribuído.
Ou seja, à semelhança do que acontece com os acidentes de trabalho, corre perante o Centro Nacional de Protecção Contra Risco Profissionais uma fase conciliatória, com a diferença que no primeiro caso a mesma é dirigida pelo Ministério Público e processa-se no tribunal de trabalho, ao passo que na doença profissional processa-se perante uma entidade administrativa e não nos tribunais.
Mas também à semelhança do que acontece no caso dos acidentes de trabalho, caso o doente não se conforme com a decisão do CNPCRP, designadamente quanto ao reconhecimento de doença profissional, quanto à fixação do grau de incapacidade ou quanto ao pedido de revisão de incapacidade permanente pode dar inicio à fase contenciosa agora já no tribunal de trabalho.
O que decorre da lei adjectiva. Atente-se no que diz o artigo 155º do CPT:
O artigo 117º do CPT, refere-se precisamente à supra mencionada fase contenciosa que se inicia com um requerimento para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho se só estiver em causa esta questão, ou com uma petição inicial se houverem mais questões controvertidas.
Deste esquema tramitacional resulta que o doente profissional pode requerer ao tribunal de trabalho que reveja a incapacidade que o CNPCRP lhe atribui, decisão para a qual o tribunal é competente. Para tanto é pressuposto que esta entidade tenha proferido decisão na matéria.
No caso, o requerente precipitou-se dado que deu início à fase contenciosa em tribunal de trabalho, sem que a fase conciliatória junto da entidade administrativa tivesse sido esgotada e concluída, na medida em que ainda não foi proferida decisão, o que impede que o tribunal possa de imediato apreciar o pedido. A fase contenciosa que se processa no tribunal do trabalho pressupõe um procedimento prévio obrigatório que decorre junto da referida entidade administrativa até que esta profira decisão.
Se o requerente entende que o organismo administrativo tarda na decisão deve socorrer-se dos mecanismos de reclamação previstos na lei para os actos e omissões desta entidade.
Assim sendo, o presente processo não pode ter seguimento e o tribunal não pode apreciar o mérito, faltando um requisito ou pressuposto processual inominado (a prévia tramitação e decisão junto do CNPCRP), excepção dilatória que leva ao indeferimento liminar (ou absolvição da requerida da instância se detectado mais tarde) e é de conhecimento oficioso- 278º, 1, e), 576º, 1 e 2, 578º, 590º, 1, CPC – ac. TRC de 25-09-2008, proc. 305/05.4TTCTB.C1.
Donde, o recurso improcede embora por fundamentação diferente, não se tratando de um caso de incompetência material, nem tão pouco de erro sobre a forma do processo dado que a primeira fase não é judicial.
I.I.I. DECISÃO
Pelo exposto, embora reconhecendo a competência do tribunal de trabalho em matéria de doença profissional, acorda-se em indeferir liminarmente o requerimento inicial por ocorrência de excepção dilatória inominada e, consequentemente, em negar provimento ao recurso - 87º, CPT e 663º, CPC.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.
21-01-2021
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Antero Dinis Ramos Veiga Alda Martins
1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
2. Com actual paralelo na Lei 98/2009, de 4-09, que a revogou e é aplicável aos diagnósticos e respectivas revisões após 1-01-2010.
3. Correspondente ao artigo 96º da Lei 98/2009, de 4 de setembro.
4. Lei 248/99, de 2 de Julho.
5. Com paralelo actual no artigo 138ºda NLAT.