CONTRATO DE MÚTUO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL
JUROS
Sumário

I - Prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, relativas a contrato de mútuo – artigo 310º al. e) do CC.
II - A antecipação do vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo por incumprimento nos termos do artigo 781º do CC não altera a natureza do crédito e assim o regime prescricional ao mesmo aplicável mantém-se.

Texto Integral

Processo nº. 17977/19.5T8PRT-A.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto– Jz. de Execução do Porto
Apelante/“B…, Limited”
Apelada/C…

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
C… deduziu por apenso à execução contra si instaurada por “B…, Limited” a presente oposição por embargos à execução, concluindo pela procedência da mesma:
“(…)
b) Deve a exceção perentória extintiva da prescrição ser julgada procedente por provada, absolvendo-se a executada do pedido;
c) Caso assim não se entenda, deve a exceção perentória extintiva da prescrição dos juros ser julgada procedente por provada, absolvendo-se a executada parcialmente do pedido;
d) Caso assim se não entenda, deve a exceção dilatória ser declarada procedente por provada absolvendo-se a executada da instância;
e) Mais, julgar procedentes por provados os presentes Embargos ficando a cargo da Exequente as custas, honorários e despesas com o Sr. Agente de Execução.”

Fundou a embargante a oposição deduzida, entre o mais, na prescrição do crédito exequendo, porquanto estando em causa a amortização do capital mutuado em quotas com juros, é-lhe aplicável o prazo de cinco anos previsto no artigo 310º al. e) do CC.
Pelo que à data da instauração da execução em 27/09/2019, considerando a data da primeira prestação não paga, de acordo com o alegado pela embargante, em 02/04/2014 com o consequente vencimento das prestações seguintes, havia já decorrido o prazo de 5 anos correspondente à perda do direito de ação.
Implicando a absolvição da executada do pedido.

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Admitidos liminarmente os embargos e notificada a exequente para querendo os contestar, apresentou esta contestação onde concluiu, entre o mais, pela improcedência da invocada exceção de prescrição.
Para tanto alegou não ser aplicável ao crédito em questão o prazo de prescrição invocado pela embargante, antes sendo-lhe aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, porquanto sendo resolvido o contrato de mútuo bancário, a dívida global relativa às prestações em falta deixa de enquadrar no conceito de “quota de amortização” e assim passa a ser aplicável o já referido prazo ordinário de prescrição.
Invocou em abono da sua tese o decidido nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-06-2018 (proc. 17012/17.8YIPRT.C1) e de 20-09-2016 (proc. 183554/14.0YIPRT.C1), e da Relação de Évora de 08-06-2017 (proc. 2324/15.3T8STR.E1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
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Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador.
Apreciada a invocada exceção de prescrição do crédito, foi a mesma julgada procedente e consequentemente na procedência dos embargos, julgada extinta a execução.
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Do assim decidido apelou aexequente/embargada, oferecendo alegações e formulando as seguintes

Conclusões:
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A recorrida/executada não apresentou contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos (da oposição) e com efeito meramente devolutivo.
Foram dispensados os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante ser questão única a apreciar o invocado erro na subsunção jurídica dos factos aos direito: em causa a prescrição do direito da exequente que o tribunal a quo julgou verificada.
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III- Fundamentação.
O tribunal a quo tomou como assentes os seguintes factos:
«Com base no teor dos documentos infra referidos e por acordo das partes (…):
1. Foi apresentado à execução de que estes autos constituem um apenso, o documento de fls. 25v a 27v, subscrito pela aqui executada e pelo Banco D…, SA, com o título “Contrato de crédito Pessoal”, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e o qual tem o seguinte teor:
“(…)
Entre o Banco D…, S.A. (…), na qualidade e primeiro outorgante,
E,
C… (…), na qualidade de mutuário (…)
Condições particulares:
Montante do empréstimo: 22.924,12€
Finalidade do empréstimo: Diversas finalidades
(…)
Condições de Reembolso: 84 (MESES); A percentagem de 35,00000% do capital do empréstimo inicialmente em dívida será paga simultaneamente com a última prestação de juros, e o remanescente do capital em dívida e os juros remuneratórios serão pagos em 84 prestações mensais e sucessivas de capital, juros e imposto de selo, vencendo-se a primeira prestação e, 2008/04/02 e a última em 2015/03/02. (…)
(…)
Data: 2008/02/04
(…)”
2. A embargante não procedeu a pagamento da prestação devida no dia 02.04.2014, não tendo procedido a qualquer outro pagamento desde essa data.
3. No dia 28 de junho de 2016, o Banco D…, SA, e a exequente outorgaram um documento denominado “Contrato de Cessão de Carteira de Créditos não garantidos”, documento de fls. 3v a 25, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta que:
“(…)
BANCO D…, S.A. (o Cedente) (…)
B…, LIMITED (o Cessionário) (…)
Nos termos do presente contrato, o cedente vende e transmite ao cessionário, que por sua vez compra e adquire, a carteira de créditos, livre de todos os ónus, como contrapartida pelo pagamento do preço de aquisição, adquirindo a titularidade plena dos créditos que compõe a referida carteira de créditos na data de determinação da carteira de créditos, nos termos do presente contrato, sem prejuízo do disposto a cláusula 5.3 (…)
Em conformidade com o disposto no artigo 582º do Código Civil, o cessionário adquire, também, todos os Direitos Acessórios dos Créditos (…)”.
4. No dia 9 de agosto de 2016, foi enviada carta à executada/embargante, fls. 22, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e da qual consta: “(…) serve a presente para informar V/Exa(s), de que, por meio de contrato de cessão de créditos com data de 28/06/2016, o Banco D…, SA cedeu à B…, LIMITED, que adquiriu, o(s) crédito(s) que até então titulava(m) sobre V. Exa(s). (…)”.
5. A execução a que estes autos se encontram apensos foi instaurada no dia 29.08.2019.”
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Conhecendo.
A presente oposição à execução foi deduzida por apenso a execução baseada em “Contrato de Crédito Pessoal”, nos termos do qual [tal como consta dos factos assentes] o mutuante concedeu à mutuária aqui executada um empréstimo no valor de € 22.924,12 a reembolsar em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas de capital, juros e imposto de selo, vencendo-se a primeira (nos termos acordados) em 2008/04/02 e a última em 2015/03/02.
Mais resulta dos factos assentes que a mutuária não procedeu ao pagamento da prestação devida no dia 02/04/2014, nem a qualquer outra desde essa data.
Com base em tal incumprimento e no pressuposto vencimento imediato de todas as prestações vincendas nessa mesma data, considerou o tribunal a quo que a dívida exequenda estava prescrita à data da instauração da execução. Tal como invocara a embargante, agora recorrida.
Para tanto julgando aplicável à dívida exequenda o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310º al. e) do CC associada a uma inexistente causa interruptiva do prazo de prescrição desde o início da contagem de tal prazo – a já referida data de 02/04/2014.

A recorrente no seu recurso não questionou a factualidade dada como assente, nem aliás o enquadramento legal do contrato celebrado entre executada e a mutuária[1] enquanto contrato de mútuo.
Tão pouco o enquadramento do contrato de cessão de créditos celebrado entre a exequente e a mutuária (inicial outorgante) ao abrigo do qual esta última assumiu a posição contratual da primeira.
Igualmente não questionou a data considerada como o início da contagem do prazo de prescrição, correspondente à data em que o tribunal a quo considerou ter ocorrido o vencimento imediato de todas as prestações vincendas [data que aliás expressamente invocou a recorrente nas suas alegações de recurso], nem a inexistência de causas interruptivas do prazo de prescrição.
A única questão suscitada pela recorrente – e objeto do recurso, delimitado pelas respetivas conclusões – é assim a do prazo de prescrição aplicável ao crédito exequendo, defendendo ser-lhe aplicável o prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309º do CC.
Para tanto alegou em suma que sendo a dívida emergente de um contrato de mútuo, a obrigação de restituição do mutuário é única, instantânea, pré-determinada, sem dependência da duração da relação contratual, nessa medida sendo-lhe aplicável o prazo de prescrição ordinário.
Mais argumentou que o prazo de prescrição excecional previsto no artigo 310º do CC é aplicável às obrigações de natureza duradoura onde se integram as obrigações periodicamente renováveis a que correspondem duas frações distintas: uma de capital e outra de juros em proporção variável a pagar conjuntamente.
Situação que se não confunde com o modo de cumprimento de um contrato de mútuo, cuja obrigação foi fracionada no tempo em prestações.
Sendo que o plano de pagamentos inicialmente acordado deixou de estar válido com o vencimento imediato das prestações restantes, pelo que desfeita a ligação entre a obrigação de capital e a de juros, não subsiste qualquer razão para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 310º al. e) do CC.
Aduziu em suma a recorrente os argumentos apontados pela corrente jurisprudencial que adere à posição por si defendida[2], a qual defende voltarem os valores em dívida a assumir a natureza original de capital e juros nas situações em que o plano de pagamento acordado fica sem efeito.
Ficando como tal o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.

O caminho trilhado pelo tribunal a quo, por seu turno, seguiu o que se nos afigura ser a corrente jurisprudencial dominante e nomeadamente defendida pelo nosso tribunal superior e com a qual concordamos.
Subjacente ao prazo prescricional previsto na al. e) do artigo 310º do CC está a proteção do devedor, cuja ruína se visa evitar pela acumulação da dívida que o retardamento na cobrança das prestações que incluem capital e juros por parte do credor poderia provocar“Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ n.º 107, pág. 285).”
Para tanto o legislador equiparou“a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como no mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do CC.”já que a razão que “justifica a prescrição dos juros decorrido o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fracionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária.”[3]
Nesta medida e independentemente de o crédito cuja amortização foi estabelecida em prestações de capital e juros se ter antecipadamente vencido pelo incumprimento nos termos do artigo 781º do CC, não altera esta circunstância a natureza da dívida. O que continua a ser devido é a totalidade das frações, ou seja “todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida. E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cf. AUJ 7/2009, DR, I, 05MAI2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.”[4]
Nessa medida mantem-se a aplicação do prazo prescricional de 5 anos à totalidade das prestações em dívida e que constituem a quantia exequenda.
Em suma, o fracionamento do pagamento do capital mutuado em prestações que incluem capital e juros enquadra-se no prazo de prescrição a que alude a al. e) do artigo 310º, cujo teor aqui se reproduz: prescrevem no prazo de cinco anos “e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;”.
Pelo que prescrevem no prazo de cinco anos, as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, relativas a contrato de mútuo.
A antecipação do vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo por incumprimento nos termos do artigo 781º do CC não altera a natureza do crédito e assim o regimeprescricional aplicável ao mesmo mantém-se.

Consequentemente nenhuma censura merece a decisão sob recurso.
Do exposto resulta a total improcedência do recurso.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 2020-12-09.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] A exequente assumiu a posição da mutuária no contrato de mútuo, na sequência de contrato de cessão de créditos entre estas duas instituições.
[2] Neste sentido e para além do Ac. TRC de 26/04/2016, nº de processo 525/14.0TBMGR-A.C1 convocado pela recorrente nas suas alegações e demais Acs. invocados na sua contestação e acima identificados, vide ainda Acs. TRG de 16/03/2017, nº de processo 589/15.0T8VNF-A.G1 e Ac. TRE de 12/04/2018, nº de processo 2483/15.5T8ENT-A.E1, todos in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Ac. do STJ de 18/10/2018, nº de processo 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 in www.dgsi.pt
[4] Ac STJ 10/09/2020, nº de processo 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1 in www.dgsi.pt, no qual é citada vasta jurisprudência espelhando o mesmo entendimento quer do STJ quer das Relações, bem como doutrina, para o qual se remete. Na jurisprudência acrescentando-se ainda Ac. TRP de 21/10/2019, nº de processo 1324/18.6T8OAZ-A.P1 igualmente in www.dgsi.pt.