PENA DE MULTA
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário

I – A contagem do prazo de prescrição inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória da pena de multa.
II – O período que medeia entre esse trânsito e o seu pagamento voluntário não constitui causa de suspensão.
III – Enquadra-se no conceito de dilação o pagamento em prestações da pena de multa.
IV – A suspensão para este efeito conta-se desde o despacho que consinta tal pagamento e o momento em que se considere vencidas todas as prestações por pagar, o que opera “ope legais”.
V – O pagamento parcial de uma das prestações configura execução da pena, constituindo causa interruptiva da prescrição.

Texto Integral

Processo n º 1320/12.7JPRT-A.P1

Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I-Relatório.
Ministério Público não se conformando como despacho que não considerou prescrita a pena de multa aplicada ao arguido B… proferido no Tribunal Judicial da Comarca de Porto- Instância local-Secção Criminal-J1, que nos autos à margem referenciados decidiu:
“Assim sendo, tendo em conta o disposto nos arts. 122.º, n.º 1, al. d), 125.º,n.º1, al. d) e 2 e 126.º, todos do Cód. Penal, a data do trânsito em julgado da sentença e o supra exposto quanto à suspensão da prescrição da pena, entende-se que não se verifica a invocada prescrição da pena, que se indefere.”, veio recorrer nos termos que ali constam, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte (partes relevantes): (transcrição)

“1. B… foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punível pelo artigo 143º, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 5€, o que perfaz o montante global de 500€, por sentença transitada em julgado a 11/12/2014.
2. Tendo em conta a data do trânsito em julgado e o prazo de prescrição para a pena em causa – 4 anos (artigo 122º n.º 1, alínea d) do Código Penal) –, e ocorrendo entre o dia 9/05/2015 e o dia 15/12/2015 a causa de suspensão prevista no artigo 125º n.º 1, alínea d) do Código Penal, não subsistindo qualquer outra causa de suspensão ou interrupção da prescrição, o prazo desta terminou a 15/12/2015, pelo que a pena prescreveu a 16/12/2019.
3. O período que medeia entre o trânsito em julgado da sentença condenatória e o termo do prazo para pagamento voluntário da pena de multa, não constituiu a causa de suspensão prevista no artigo 125º n.º 1, alínea a) do Código Penal – nem qualquer outra causa de suspensão –, não obstante, só a partir do decurso de tal prazo ser possível coercivamente executar essa mesma pena.
4. O instituto da prescrição da pena visa evitar que se prolongue desmesuradamente a possibilidade de efectiva execução da pena, correndo-se risco de existir arbitrariedade do Estado, ou negligência deste, quanto à exacta altura que se vai cumprir essa pena, bem como salvaguardar o oportuno o cumprimento dessa pena, impedindo que a mesma venha a ser cumprida numa altura que tal já não se justifica por não mais ser necessária quer para a comunidade, quer para o próprio condenado.
5. As causas de suspensão da prescrição são causas objectivas que podem ou não ocorrer ao longo do processo, alheias ao bom funcionamento do sistema judicial, e não situações que têm sempre lugar por imposição legal.
6. Se o legislador quisesse que a prescrição não corresse no hiato temporal entre o trânsito em julgado da sentença e o fim do prazo para pagamento voluntário da pena de multa, tê-lo-ia contemplado não como causa de suspensão, mas fazendo coincidir o termo do prazo do pagamento voluntário com o início da prescrição, e não o fez.
7. A lei é clara ao fixar o início da prescrição com a data do trânsito em julgado.
8. O período que decorre desde a data do pedido pelo arguido para pagamento em prestações e o despacho que declara vencidas as prestações, não configura a causa de suspensão na alínea a) do n.º 1 do artigo 125º do Código Penal, pelo que andou mal o Tribunal a quo ao decidir em sentido diverso.
9. O despacho recorrido violou aos artigos 122º nº 2 e 125º n.º 1, alínea a) do Código Penal.”

O arguido respondeu concluindo pela procedência do recurso concluindo:
“1. B… foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punível pelo artigo 143º, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 5€, o que perfaz o montante global de 500€, por sentença transitada em julgado a 11/12/2014.
2. Tendo em conta a data do trânsito em julgado e o prazo de prescrição para a pena em causa – 4 anos (artigo 122º n.º 1, alínea d) do Código Penal) –, e ocorrendo entre o dia 9/05/2015 e o dia 15/12/202015 a causa de suspensão prevista no artigo 125º n.º 1, alínea d) do Código Penal, não subsistindo qualquer outra causa de suspensão ou interrupção da prescrição, o prazo desta terminou a 15/12/2015, pelo que a pena prescreveu a 16/12/2019.
3. Efetivamente, o período que decorreu entre o trânsito em julgado da decisão e o termo final para o pagamento voluntário da multa não consubstancia causa de suspensão da prescrição da pena (alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do C. Penal), no entanto, só a partir do decurso desse prazo é possível executa-la de forma coerciva.
4.O trânsito em julgado da decisão faz iniciar o prazo da prescrição, e não o termo do prazo legal para pagamento voluntário da multa, artigo 122.º nº 2, do C. Penal
5.O Tribunal a quo, no despacho recorrido violou os Artigos 122º, n.º 2 e 125º, n.º 1,alínea a), do Código Penal.”

Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu pugnou pela procedência do recurso.
Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II. Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.
Prescrição da pena de multa tendo havido autorização do pagamento em prestações.
Prazo que medeia entre o pedido de pagamento em prestações e data de vencimento da primeira prestação não cumprida como causa de suspensão da prescrição.
Do enquadramento dos factos.
1.Decisão questionada.
“O arguido B…, foi condenado nos presentes autos por sentença proferida em 11/11/14 e transitada em 11/12/14, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €500,00.
Em 08/01/15 o arguido requereu o pagamento da multa em prestações, o que lhe foi deferido por despacho de fls. 09/02/15, notificado ao arguido em 24/02/15 (cfr. fls. 180-181 e 192-194).
Das 10 prestações que lhe foram fixadas o arguido liquidou 9 prestações, permanecendo em dívida uma prestação no valor de €50,00.
Por despacho de 12/05/16 e após diligências no sentido do referido pagamento, foi declarada vencida a prestação em dívida.
O remanescente da pena foi convertido em 6 dias de prisão subsidiária (cfr. 311-312), despacho notificado ao arguido na pessoa do seu ilustre defensor e ao arguido, namorada do TIR que prestou nos autos (cfr. fls. 330-337).
Não obstante as diversas diligências efectuadas a referida pena não foi liquidada, não se mostrou possível o cumprimento coercivo da multa em virtude de não lhe serem conhecidos bens, nem se mostrou possível o cumprimento da prisão subsidiária, em virtude do arguido se ter ausentado para o estrangeiro, sendo desconhecido o respectivo paradeiro (cfr. fls. 313 e ss.).

*
O Ministério Público promoveu que se declare prescrita a pena nos termos de fls. 389 e com os fundamentos aí referidos.
*
Cumpre decidir:
O prazo de prescrição da pena é de 4 anos (art. 122.º, n.º1, al. d), do Cód. Penal).
Dispõe o art. 125.º, n.º1, do Código Penal que “a prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
d) perdurar a dilação do pagamento da multa”.
O n.º 2, da mesma norma legal estabelece que “a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa de suspensão”.
Por seu turno, refere o art. 126.º, do mesmo diploma legal no seu n.º1, al. a) que “a prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se: a) com a sua execução…”.
O n.º 2 estabelece que “depois da interrupção começa a correr novo prazo de prescrição”.
O n.º3 refere que “a prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade”.
Conforme resulta do art. 489.º, n.º2, do CPP o prazo de pagamento da pena de multa é de 15 dias a contar da notificação para o efeito; o n.º 3, da mesma norma refere que “o disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido deferido ou autorizado o pagamento de prestações”.
No caso dos autos mesmo antes de ser notificado para o pagamento voluntário da multa, o arguido veio o arguido requerer em 08/01/15, o pagamento da pena de multa em prestações, o que lhe foi deferido por despacho de fls. 192-194, proferido em 09/02/15 (notificado ao arguido em 24/02/15) e que autorizou o pagamento da multa em 10 prestações mensais de €50,00 cada sendo a primeira com vencimento em 16/03/15 e a última em 15/12/15.
Das prestações mensais que lhe foram fixadas pelo referido despacho, o arguido liquidou nove, não tendo pago a última que se venceu em 15/12/15, pelo que permaneceram em dívida €50,00 (cfr. fls. 226).
Por despacho de fls. 238, proferido em 12/05/16, foi a referida prestação declarada vencida e por despacho de fls. 311-312, proferido em 14/10/16, foi convertido o remanescente da pena em 6 dias de prisão subsidiária.
Entende a maioria da jurisprudência –com a qual se concorda- que o pagamento da multa em prestações constitui causa de suspensão da prescrição da pena, nos termos do citado art. 125.º, n.º1, al. d) do Código Penal (cfr., entre outros, os Acs. da Rel. Évora, de 28/06/11 e 06/10/15, Rel. Porto de 07/01/15 e 15/06/16, todos em www.gde.mj.pt),sendo minoritária aquela que entende constituir a causa de interrupção prevista no art.126.º, n.º1, al. a), do mesmo diploma legal.
Não obstante a disparidade de entendimentos na jurisprudência quanto ao momento relevante para o início da contagem do prazo de suspensão (requerimento do arguido a solicitar o pedido ou o despacho que o defere/indefere) ou do fim (a data do vencimento da primeira prestação não cumprida ou o despacho que declara vencidas as prestações),salvo melhor entendimento, entende-se que o prazo de suspensão da prescrição da penados autos teve início em 08/01/15, data em que o arguido solicitou tal pagamento e a data em que foi proferido despacho a declarar vencida a prestação (12/05/16), uma vez que até essa data não podia ser executada a pena em que o arguido foi condenado.
Assim sendo, tendo em conta o disposto nos arts. 122.º, n.º 1, al. d), 125.º, n.º1, al. d) e 2e 126.º, todos do Cód. Penal, a data do trânsito em julgado da sentença e o supra exposto quanto à suspensão da prescrição da pena, entende-se que não se verifica a invocada prescrição da pena, que se indefere.
Notifique.
*
Após, solicite CRC do arguido e proceda às habituais pesquisas na base de dados quanto ao paradeiro do mesmo.
Solicite ainda informação policial quanto ao paradeiro do arguido.
Porto, 31/01/20”

2.
1) Por decisão de 11 de Novembro de 2014, transitada em julgado a 11 de Dezembro de 2014, B… foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punível pelo artigo 143º, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 5€, o que perfaz o montante global de 500€ (fls. 157/172).
2) A 8/01/2015 requereu o arguido o pagamento da pena de multa em prestações (fls. 180/181).
3) A 9/02/2015 foi-lhe deferida tal pretensão (fls. 192/194), tendo sido emitidas e enviadas ao arguido as guias para pagamento da pena de multa em 10 prestações, com início de pagamento em 16/03/2015 e a última em 15/12/2015 (fls. 195/204).
4) O arguido pagou 9 prestações (211/213, 215/223 e 225/226).
5) Efetuada pesquisa de bens penhoráveis, nada foi encontrado (fls.285, 286 e 288).
6) Em 13/05/2016 foi remetido ofício ao arguido para a morada do TIR, informando que foi declarada vencida a prestação em falta (299/300).
7) Em 19/09/2016 foi remetido ofício ao arguido para que proceda ao pagamento do montante em falta da pena de multa (50€), para morada diferente do TIR (em França), cuja carta veio devolvida (308/309).
8) Por despacho de 10/10/2015 foi convertido o remanescente da multa em prisão subsidiária (312/313) e notificado o arguido para a mesma morada do ponto 7, cuja carta veio devolvida (313 e 317) e notificada a defensora (332).
9) Por despacho de 18/04/2017 foi o arguido notificado para a morada do TIR com PD (336/337).
10) Emitidos os competentes mandados em 12/07/2017, não foram os mesmos cumpridos por não se encontrar o arguido.

Apreciação

O âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo da apreciação pelo tribunal ad quem das questões de conhecimento oficioso.
O tribunal a quo entendeu que o início do prazo da suspensão se iniciou em 08.01.15, data em que o arguido solicitou o pagamento da multa em prestações e a data em que foi proferido despacho a declarar vencida a prestação em 12.05.2016, concluindo não estar prescrita a pena de multa.
Mais entendeu que o pagamento da multa em prestações constitui causa de suspensão da prescrição da pena e não causa de interrupção prevista no art. 126º, n º 1, al.a) do Cód. Penal.
E portanto a pena não se encontrava prescrita.
Por sua vez o M.P. e arguido discordam, dizendo que o prazo da suspensão prevista no art. 125º, n º 1, al.d) do Cód. Penal se inicia com o despacho que autoriza o pagamento em prestações e termina na data em que o pagamento em prestações pode ser efetuado nos termos legais, isto é, no momento em que o arguido deixe de pagar uma das prestações no prazo que lhe foi concedido, não mais perdura a dilação para pagamento da multa, cessando a causa da suspensão ope legis, com consequente retoma da contagem do prazo de prescrição.
Mais referindo que a cada pagamento parcial ocorre uma interrupção do prazo de prescrição.
No caso em apreço, a questão trazida à apreciação deste tribunal é a de saber se está prescrita a pena de multa em que foi condenado o arguido, ou, ao invés, ocorre, como entendeu o tribunal recorrido, a causa de suspensão do prazo prescricional prevista no art.125.º, n.º1, alínea a), do C.Penal entre a data do pedido de pagamento em prestações e o despacho a declarar vencida a prestação da pena de multa e ainda a causa de interrupção prevista no art.126.º, n.º1, alínea a), do mesmo diploma legal.
Nos termos do disposto no art.122.º, n.º1, alínea d) e n.º2 do C.Penal, o prazo de prescrição da pena de multa é de 4 anos, contados desde o trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena.
O art. 125.º do C.Penal, sob a epígrafe Suspensão da prescrição, estabelece:
«1 - A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade;
ou
d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão».
Já o art.126.º do C.Penal, Interrupção da prescrição, dispõe:
«1 - A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a declaração de contumácia.

2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade»

O instituto da prescrição da pena serve interesses claros: considera-se que não é benéfico fazer perdurar no tempo a possibilidade de execução da pena, alimentando a possibilidade de sobrevir algum ócio e arbitrariedade do Estado acerca do momento específico em que a decide fazer cumprir. Acresce que a censura comunitária se vai esbatendo com o decorrer do tempo, como vão perdendo sentido e oportunidade as exigências de prevenção geral e especial ligadas tanto à perseguição do facto como à execução da sanção. Por isso, a Lei estabelece um prazo gradativo, em função da relevância das penas, durante o qual o Estado é obrigado a desenvolver todos os esforços possíveis com vista à sua execução prática, sob pena de, esgotado o prazo estabelecido, a pena não puder mais ser aplicada.
A prescrição é “uma auto limitação do Estado no exercido do jus puniendi e a sua razão de ser está no não exercício, em tempo congruente, do direito de perseguiram o agente de um crime ou de executar uma pena aplicada a quem tenha sido condenado-Ac da RL de 8/03/2017, processo 27/01.5IDLSB.L1.-3, in www.dgsi.pt (c/ voto vencido)
Importa, desde logo atentar no significado a atribuir a «execução», para efeito de aplicação ou não do disposto no art. 126, n º 1, al.a)- interrupção da prescrição.
Em relação à pena de prisão, o termo «execução» sempre foi entendido como início do cumprimento da pena, com a correspondente privação da liberdade.
Já quanto à pena de multa, o termo revelou-se equívoco, tendo sido tratado com um duplo sentido: execução patrimonial e cumprimento da pena.
O Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ n.º2/2012, a propósito da interpretação da expressão «execução da pena» contida no art. 126.º, n.º 1, alínea a) do C.Penal, explanando argumentos que valem na interpretação da mesma expressão utilizada no art. 125.º do C.Penal, atribui ao termo “execução” o sentido de começo de cumprimento. Tal como a execução da pena de prisão só se inicia com a privação da liberdade, também não há execução da pena de multa enquanto não houver pagamento voluntário ou coercivo, por conta do valor da multa. «Por outras palavras, a pena entra em execução com o início do seu cumprimento. (…) Essa materialização da pena, ou início do seu cumprimento, exige a prática no processo de determinados atos idóneos a esse fim.
Assim, no caso de pena de multa, transitada a decisão que a aplica, o condenado é notificado para proceder ao seu pagamento em 15 dias, exceto se o pagamento houver sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações (artigo 489º do Código de Processo Penal).
Não tendo sido requerida a substituição por dias de trabalho, findo o prazo para pagar a multa ou alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efetuado, procede-se à execução patrimonial, que é promovida pelo Ministério Público (artigos 490º, nº 1, e 491º do mesmo código).
Estes atos situam-se já na fase da execução da pena de multa, inserindo-se no capítulo I (Da execução da pena de multa) do Título III (Da execução das penas não privativas da liberdade) do Livro X do Código de Processo Penal (Das execuções). Pertencem ao procedimento executivo da pena de multa. Mas não constituem ainda a sua execução; têm-na como fim. A execução da pena, como se disse, só tem lugar com a sua materialização, com a efetivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento. São, pois, atos destinados a fazer executar a pena de multa. Tanto a instauração da execução patrimonial como a notificação do condenado para em certo prazo pagar a multa (ambas com idêntico alcance, nesta matéria). Execução da pena e atos destinados a fazê-la executar são realidades distintas, como até as próprias palavras indicam. Estes são apenas um meio para realizar aquela, não sendo raro que, como aconteceu nos casos sobre que incidiram os acórdãos fundamento e recorrido, o fim visado não seja atingido.» - AUJ n.º2/2012.
Nesta medida, o período que decorreu entre o trânsito em julgado da decisão e o termo final para o pagamento voluntário da multa não consubstancia a causa de suspensão da prescrição da pena prevista na alínea a) do n.º1 do art.125.º do C.Penal.
O prazo da prescrição, como preceitua o n.º2 do art.122.º do C.Penal, inicia-se com o trânsito em julgado da decisão e não com o termo do prazo legal para pagamento voluntário da multa.
Por outro lado, o prazo inicial previsto na lei para pagamento voluntário da multa (art.489.º, n.º1, do C.Penal) não cabe no conceito de dilação do pagamento da multa - causa de suspensão da prescrição da pena prevista na alínea d) do citado art.125.º, n.º1, do C.Penal - uma vez que «não existe qualquer prorrogação, mas antes se trata do prazo normal fixado na lei para o pagamento da multa.» -Ac.R.Porto de 15/6/2016, proc. n.º440/10.7GDAFR-A.P1, relatado pela Desembargadora Maria dos Prazeres Silva.
No entanto, já se inclui na previsão da alínea d) do n.º1 do art.125.º do C.Penal, o período que medeia entre o despacho que autoriza o pagamento da multa em prestações e a data em que o pagamento em prestações pode ser efetuado nos termos legais. Com efeito, o não pagamento de uma das prestações implica o vencimento automático das demais, sem necessidade de qualquer despacho judicial (art. 47.º, n.º 5 do C.Penal), pelo que, no momento em que o arguido deixe de pagar uma das prestações no prazo que lhe foi concedido, não mais perdura a dilação para pagamento da multa, cessando a causa de suspensão. Vide Ac da RE de 15/10/2013, processo 1.715/03.7PBFAR.E1, in www.dgsi.pt.

Em relação ao aspeto de saber se o período de suspensão começa com o requerimento do arguido a solicitar o pagamento da multa em prestações e termina com o despacho a julgar vencidas as prestações não pagas, como defende o tribunal a quo, a lei é clara ao estabelecer que a suspensão da prescrição da pena perdura o tempo da dilação do pagamento da multa. Não se liga, pois, ao momento em que o condenado apresentou o seu requerimento, nem se fixa ao momento em que o Tribunal julgou vencidas as prestações não pagas. Antes, e de forma bem definida, liga-se ao período de dilação do pagamento da multa delimitado pelo despacho judicial que deferiu o correspondente pedido. Assim, a dilação principia com o início do período de pagamento concedido e conclui-se, na ausência de outra decisão judicial, no último dia desse prazo do pagamento ou com o seu vencimento.
Assim, a partir do momento em que o arguido deixe de pagar uma das prestações dentro do prazo que lhe foi concedido, cessa a dilação para pagamento da multa e, por isso, a causa de suspensão.
Deste modo, na situação dos autos, verifica-se ter ocorrido causa de suspensão da prescrição em razão da dilação do pagamento da multa, correspondente ao período de tempo que mediou entre o despacho que deferiu tal pagamento em prestações e a data do vencimento da primeira prestação não liquidada, já que o vencimento das restantes prestações ocorre “ope legis”, por força do estatuído no art. 47º nº 5 do CP, sendo por isso independente de despacho que o declare.
Tal dilação do pagamento da multa corresponde, como já se disse, aos casos em que ao condenado é deferido o seu cumprimento em prestações, ou quando o prazo para o seu pagamento é deferido por período não superior a um ano, tal como previsto no art. 47º nº 3 do CP.
E esse mesmo prazo, nos casos em que é deferido ao condenado o pagamento da pena de multa em prestações, conta-se, como também já supradito, desde a data do despacho em que o mesmo é autorizado até ao momento em que se vence a primeira prestação não liquidada, já que o vencimento das prestações dá-se “ope legis”, conforme resulta do estatuído no nº 5 do citado art. 47º.Vide Ac da RP de 15/06/2016, processo 440/10.7GDVFR-A.P1, in www.dgsi.pt.

Para além deste período de suspensão, o prazo de prescrição interrompeu-se, por nove vezes, ao abrigo do disposto no art. 126.º, n.º 1, al. a) do C.Penal, datas em que o arguido efetuou o pagamento parcial da multa.
Como refere o AUJ 2/2012, «são actos de execução e, por isso, com efeito interruptivo da prescrição da pena de multa: a) o cumprimento de parte dos dias de trabalho pelos quais a multa foi substituída, mas não a decisão de substituição; b) o pagamento voluntário ou coercivo de parte da multa aplicada, mas não a notificação para pagamento nem a instauração da execução patrimonial; c) o cumprimento parcial da prisão subsidiária, mas não a decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.» Vide Ac da RL de 12/07/2017, processo 325/12.2PDLSB.L1-3, in www.dgsi.pt.

E não se diga que o pagamento parcial da multa sendo causa de suspensão da prescrição da pena, já não poderá ser causa interruptiva, pois também a notificação da acusação está expressamente prevista como causa suspensiva e interruptiva da prescrição do procedimento criminal (arts.120.º, n.º1, alínea b) e 121.º, n.º1, alínea b), ambos do C.Penal).
Por outro lado, não colhe o argumento de que, a considerar-se que o pagamento parcial da multa interrompe a prescrição da pena de multa, trata-se mais favoravelmente o condenado relapso do que aquele que procedeu ao pagamento parcial da multa, uma vez que a prescrição não está prevista para beneficiar o arguido, encontrando antes fundamento no facto de a execução de uma pena muito tempo depois da sua aplicação não cumprir já as suas finalidades, tanto do ponto de vista da prevenção especial como da prevenção geral.
Na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2ªedição atualizada, pág.387, pronuncia-se também no sentido de que com o pagamento parcial da pena de multa se verifica a interrupção da prescrição da pena. Vide ainda Ac da RL de 7/02/2017, processo 25/10.8PTSNT-A.L1-5, in www.dgsi.pt e ainda e Ac RP de 8/03/2017 proferido no proc. 2245/08.6PTAVR, in www.dgsi.pt.

Analisando as datas, o prazo prescricional da pena de multa iniciou-se no dia 11.12.2014, data do trânsito em julgado da decisão e não ocorreu qualquer causa de suspensão até 09.02.2015, data em que foi proferido despacho a autorizar o pagamento da multa em prestações.
Entre 09.02.2015 e 16.12.2015 data em que se considera vencida a prestação em falta, independentemente de despacho, o prazo prescricional esteve suspenso nos termos do art. 125º, n º 1, al. d) do C.P. (período da dilação da multa).
Para além deste período de suspensão, o prazo de suspensão interrompeu-se concretamente em 10/04/2015, 22/02/2015, 21/05/2015, 14/06/2015, 14/07/2015, 11/08/2015, 11/09/2015, 16/10/2015 e 12/11/2015, datas em que o arguido efetuou o pagamento parcial da multa.

Em conclusão, temos que com a última prestação ocorrida em 12/11/2015, reinicia-se o prazo de prescrição de 4 anos. Porém, nessa data o prazo encontrava-se suspenso com o fundamento na dilação do pagamento da multa, suspensão essa que cessou em 15/12/2015.
Em 16/12/2015 reinicia a contagem do prazo de prescrição de quatro anos, que terminou em 16/12/2019, com a prescrição da pena de multa.

Decisão.
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo M.P. revogando-se a decisão que não julgou prescrita a pena de multa e em consequência declara-se a prescrição da pena de multa aplicada a B…, com todas as legais consequências.
Sem custas.
Notifique.
Sumário:
(Da exclusiva responsabilidade do relator)
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Porto, 09 de dezembro de 2020.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico