RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
FALSIDADE DE DEPOIMENTO
INTANGIBILIDADE DO CASO JULGADO
Sumário


I- O recurso extraordinário de revisão, regulado nos arts. 696º a 702º do CPC, é um meio processual que permite, a quem tenha ficado vencido ou prejudicado num processo anteriormente terminado por decisão transitada em julgado, a sua reabertura (revisão) mediante a invocação de certos fundamentos taxativamente indicados na lei.
II- O recurso extraordinário de revisão fundado em falsidade de depoimento testemunhal (art. 696º, al. b) do CPC) pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
i) a alegação da falsidade;
ii) a alegação de que a sentença cuja revisão se pede tenha sido determinada por essa falsidade, ou seja, que o ato falso tenha “determinado a decisão a rever” (nexo de causalidade adequada); e
iii) a alegação de que a falsidade não tenha sido discutida no processo em que foi proferida a sentença a rever.
III- Não obstante a recorrente invocar como fundamento da revisão a falsidade do depoimento de testemunha atestada por sentença crime transitada em julgado, é de rejeitar a procedência do referido fundamento se o acórdão condenatório restringiu a sua apreciação aos factos atinentes à anulação de testamento (cuja decisão do acórdão revidendo havia sido favorável à recorrente), e não se pronunciou sobre o circunstancialismo relativo à anulação da cessão do quinhão hereditário (cujo segmento da decisão revidenda havia sido desfavorável à recorrente e que esta pretendia rever).

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

M. B. intentou o presente recurso extraordinário de revisão do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 6 de novembro de 2014, na parte que decidiu manter a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Braga, antiga Vara de Competência Mista, fundamentando-o na alínea b) do art. 696º do Código de Processo Civil, visando a alteração da decisão proferida no processo principal, no qual detinha a qualidade de Ré, aduzindo as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso de revisão vem interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 6 de novembro de 2014, e transitado em julgado em 9 de dezembro de 2014, na parte em que decidiu manter a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Braga, antiga Vara de Competência Mista.
2. Para fundamentar tal decisão este Tribunal da Relação de Guimarães, e anteriormente o Tribunal de Primeira Instância, consideraram que a recorrente engendrou um plano para adquirir a propriedade da totalidade dos bens deixados pelo pai de ambos, o Eng. P. B..
3. Da leitura do acórdão revidendo, resulta ainda que o tribunal criou também a convicção que nunca foi vontade do pai do A. e da R. que a mesma ficasse com o quinhão hereditário do primeiro, já que, alegadamente não queria beneficiar a R., e ainda que o A. só celebrou a escritura de cessão do quinhão hereditário porque não tinha consciência dos seus efeitos jurídicos, já que, nunca foi sua intenção abrir mão da sua parte na herança.
4. Estes factos foram dados como provados essencialmente com base no depoimento da testemunha V. M., pois, apesar de naquele acórdão também se fazer referência ao depoimento da testemunha A. F. e C. D., a verdade é que, da leitura dessa decisão, constata-se que o depoimento destas testemunhas foi um mero complemento do depoimento da referida testemunha V. M., pois, nem a testemunha A. F., nem a testemunha C. D., acompanharam a escritura de cessão de quinhão hereditário, nem tampouco o acordo celebrado entre as partes antes da sua celebração, sendo certo que, a convicção das próprias testemunhas sobre a realidade dos factos efetivamente ocorridos teve por base a história que lhes foi relatada pela testemunha V. M. aquando da reunião havida entre eles antes da instauração desta ação.
5. Na sentença proferida em Primeira Instância, para a qual o acórdão revidendo remete, refere-se expressamente que a testemunha V. M. foi sem margem para dúvidas uma testemunha essencial ao convencimento do tribunal face à proximidade com a R. e o seu pai aquando dos factos em discussão nos presentes autos.
6. Nessas decisões consta também que, sem qualquer ressentimento eventualmente decorrente da separação da R., a testemunha V. M. descreveu de forma clara, perentória e convincente que o relacionamento existente entre a R. e o A. era nulo, que aquela só se aproximou do irmão após o falecimento do pai de ambos, que até à data da realização da cessão da quota hereditária nunca se apercebeu que o A. ia vender ou abdicar do quinhão hereditário a favor da sua irmã, de forma gratuita, só se tendo apercebido naquele ato da razão da reaproximação e manipulação sentimental da R. junto do irmão, motivo pelo qual, aquando da outorga da cessão ficou a testemunha surpresa quando, durante a leitura da escritura na parte relativa ao preço da cessão, o A. a ele se tentou dirigir, manifestando estranheza, ainda dizendo o seu nome, como que a pedir-lhe explicações, porém a R. cortou-lhe a palavra dizendo-lhe que se não fosse assim perdiam os bens para o fisco.
7. Nessas decisões consta ainda que a testemunha V. M. supôs que a R. fosse cumprir as obrigações exaradas na escritura, e que só após a ter confrontado com a situação e esta lhe ter dito que não ia pagar nada, que nunca teve intenção de pagar nada ao irmão, é que se apercebeu do logro em que o A. tinha caído; que o A. desconhecia ir realizar-se a cessão do quinhão hereditário, quer pelo que disse na hora, quer pela forma como o mesmo reagiu no seu decurso, por um lado, por não ter a exata noção do que ia fazer e das suas consequências,
embora soubesse que se tratavam de assuntos da herança, e por outro lado, por a testemunha estar presente, porque o falecido Eng. P. B. havia dito ao A. para confiar nele, o que conferiu solenidade ao ato.
8. Da apreciação da decisão revidenda resulta que, a convicção do Tribunal da Relação de Guimarães e do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, antiga Vara de Competência Mista, plasmada nas suas respectivas decisões, assentou essencialmente no depoimento prestado pela Testemunha V. M., pois, o depoimento prestado pelas outras testemunhas foi um mero complemento do depoimento da mencionada testemunha, não sendo aqueles suscetíveis de formar a convicção do tribunal no sentido da decisão proferida.
9 No âmbito do processo que, com o n.º 563/14.3TABRG.S1, correu termos no Tribunal da Relação de Guimarães - Secção Penal, no qual figurou como queixosa a aqui recorrente e como arguido a testemunha V. M., em 16 de maio de 2017 foi proferido acórdão, posteriormente confirmado na íntegra pelo Supremo Tribunal de Justiça em 18 de janeiro de 2018, e transitado em julgado em 1 de fevereiro de 2018, que julgou procedente a pronúncia e, consequentemente, condenou o ali arguido V. M. pela prática do crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º n.º 1 e n.º 3 do Código Penal.
10. Naquele processo, tanto o Tribunal da Relação de Guimarães como o Supremo Tribunal de Justiça, entenderam que o ali arguido, repete-se, a testemunha V. M., cujo depoimento foi essencial para a formação da convicção do tribunal, e, consequentemente, para ser proferida a decisão que se pretende que seja revista, na audiência de julgamento de 19 de setembro de 2013 – deste processo n.º 3606/12.1TBBRG – quando interveio na qualidade de testemunha do A. quis, e efetivamente declarou factos e respondeu às perguntas que lhe foram formuladas em contrário da verdade que bem conhecia, pois, apesar de bem saber que o pai do A. e da R. pretendia encontrar uma solução para que o A. recebesse uma renda vitalícia, que não pudesse ser penhorada, e tivesse assegurada uma casa decente, que também não fosse suscetível de penhora, daí a constituição do direito de uso e habitação, que o património ficasse preservado de atos de prodigalidade daquele, e conhecendo também o que ficou convencionado entre o A. e a R. quanto à cessão do quinhão hereditário, cuja minuta da escritura e os termos da mesma foram por si determinados, relatou outra realidade ao tribunal, criando a convicção de que a R. engendrou um plano para se apropriar da quota da herança que pertencia ao A.
11. No âmbito deste processo, o Tribunal da Relação de Guimarães e o Supremo Tribunal de Justiça também não tiveram qualquer dúvida de que o ali arguido, a aqui testemunha V. M., faltou deliberadamente à verdade como forma de vingança por a R. ter rejeitado as suas tentativas de reatar a relação marital que os uniu durante alguns anos e da qual nasceu um filha.
12. É assim manifesto que a testemunha V. M., cujo depoimento foi determinante para a prolação da sentença do Tribunal da Comarca de Braga, antiga Vara Mista, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, mentiu.
13. No caso concreto encontra-se verificado o requisito de falsidade cuja lei exige para o recurso de revisão, pois, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que já transitou em julgado, atestou que a testemunha V. M., quando prestou depoimento nestes autos, faltou à verdade, sendo ainda certo que, tal depoimento foi determinante para a prolação da decisão revidenda.
14. Está também verificado, no caso concreto, o requisito do trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou o Acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que condenou a testemunha V. M. pela prática do crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º do Código Penal, e ainda que o acórdão que se pretende que seja revisto, proferido em 6 de novembro de 2014, também já se encontra transitado em julgado.
15. O recurso revidendo só transitou em julgado em 9 de dezembro de 2014, pelo que, não decorreu o prazo de caducidade de cinco anos a que alude o n.º 1 do artigo 697.º do Código de Processo Civil.
16. O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que manteve a decisão anteriormente proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que condenou a testemunha V. M. pela prática do crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º n.º 1 e n.º 3 do Código Penal, foi notificado à R. em 22 de janeiro de 2018, pelo que, também não se encontra ultrapassado o prazo de 60 dias para interposição do recurso.
17. Este recurso é interposto perante este tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 697.º do Código de Processo Civil, pois, foi o acórdão proferido por esta Relação que transitou em julgado.
18. Considerando a existência de considerando a existência de falsidade no depoimento da testemunha V. M., que esse depoimento falso foi determinante para a decisão a rever, esta questão não foi suscitada no processo, o recurso foi apresentado atempadamente, e, nos termos do disposto no artigo 698.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a recorrente alegou os factos constitutivos do fundamento do recurso, deverá o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 6 de novembro de 2014, na parte que decidiu manter o decidido pelo tribunal de primeira instância, nomeadamente, quanto à anulação da cessão do quinhão hereditário celebrada a 22 de outubro de 2010, ser revisto, e, consequentemente, alterado por outro que, depois de devida e novamente instruída e julgada a causa, declare totalmente improcedente a pretensão do A., pois, os factos provados acima referidos – alíneas a) a q) – foram obtidos com base num depoimento falso».

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Por despacho datado de 10/04/2018, o Tribunal da 1ª instância decidiu remeter o processo a este Tribunal da Relação “para apreciação do recurso de revisão intentado”, “a quem, aliás, as alegações de recurso se encontram dirigidas” (cfr. fls. 64).
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Por decisão singular datada de 26/04/2018, proferida ao abrigo do disposto no art. 699.º, n.º 1, do CPC, o ora relator, a quem o processo foi distribuído, decidiu indeferir liminarmente o requerimento inicial do recurso extraordinário de revisão com fundamento na incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia – cfr. fls. 68 a 76.
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Deduzida reclamação para a conferência, por acórdão datado de 8/11/2018 foi decidido julgar improcedente a reclamação deduzida pela recorrente, confirmando o despacho reclamado que indeferiu liminarmente o pedido de revisão por incompetência absoluta deste tribunal, em razão da hierarquia (cfr. fls. 131 a 138).
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Interposto recurso desse acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão datado de 7/09/2020, considerou procedente o recurso de revista e revogou a decisão recorrida, considerando este Tribunal da Relação competente para conhecer do recurso de revisão (cfr. fls. 214 a 224).
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Admitido liminarmente o recurso de revisão, foi determinada a notificação do recorrido para responder, querendo, ao recurso de revisão (cfr. fls. 231)..
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O recorrido apresentou resposta, na qual conclui pela improcedência do recurso de revisão na medida em que o alegado testemunha falso não determinou a decisão a rever (cfr. fls. 233 a 239).
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II. O tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia (1).

O processo é o próprio e não enferma de nulidades que totalmente o invalidem.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e mostram-se devidamente patrocinadas.
Não existem outras exceções (dilatórias), questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
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III. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão a decidir consiste em saber se no caso se verifica o fundamento do recurso extraordinário de revisão, com base na falsidade de depoimento de testemunha (art. 696º, al. b) do CPC).
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IV. Fundamentos

V. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do presente recurso são as que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidas), a que acrescem os seguintes factos:

1. P. B. intentou no Tribunal Judicial de Braga, antiga Vara de Competência Mista, ação declarativa constitutiva, sob a forma de processo ordinário, contra M. B. (a que corresponde o processo n.º 3606/12.1T8BBRG), requerendo, a final, que:

a) se declare nulo o testamento outorgado pelo de cujus a favor da ré a 9 de Junho de 2010;
b) se declare nulo o contrato de cessão de quota hereditária celebrado entre o autor e a ré a 22 de Outubro de 2010;
c) se assim não se entender, declarar-se anulados tais testamento e cessão de quota hereditária;
d) se condene a ré a reconhecer a herança indivisa como a única proprietária dos bens e direitos deixados por morte de P. B.;
e) se condene a ré à restituição à herança de todos os bens e montantes de que se tenha locupletado, nomeadamente das contas bancárias do de cujus;
f) se declarem nulos e ineficazes todos os negócios celebrados pela ré sobre bens da herança em data posteriores às escrituras colocadas em crise;
g) se ordene o cancelamento das inscrições que incidam sobre os bens identificados a favor da ré e de terceiros;
h) subsidiariamente, e sem prescindir, se declare nula a declaração de quitação constante do contrato de cessão, por provada a falta de pagamento do preço, condenando-se a ré a pagar ao autor 700.000,00 Eur. (setecentos mil euros) a título de capital, acrescida de juros vencidos no valor de 44.032,88 Eur. (quarenta e quatro mil trinta e dois euros oitenta e oito cêntimos) e juros vincendos até integral pagamento.
2. Citada, a ré deduziu contestação, defendendo-se por exceção (ineptidão da petição inicial por cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis) e impugnação, pugnando pela total improcedência da ação.
3. Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:
- anular o testamento outorgado a 29.6.2010 e a cessão do quinhão hereditário celebrada a 22 de Outubro de 2010;
- condenar a ré a reconhecer a herança indivisa como a única proprietária dos bens e direitos deixados por morte de P. B.;
- condenar a ré à restituição à herança de todos os bens e montantes de que se tenha locupletado, nomeadamente das contas bancárias do de cujus;
- condenar a ré a restituir à herança o correspondente valor dos bens já alienados e registados a favor de terceiros, nomeadamente o preço obtido com os veículos indicados no ponto 7 dos provados;
- ordenar o cancelamento das inscrições existentes a favor da ré sobre os bens da herança, não alienados a terceiros.
4. Interposto recurso pela Ré, por acórdão desta Relação proferido em 6 de novembro de 2014, e transitado em julgado em 9 de dezembro de 2014, foi decidido julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão na parte que decidiu anular o testamento outorgado a 29.06.2010 e mantendo a anulação da cessão do quinhão hereditário celebrada entre o A. e a R. a 22 de Outubro de 2010, e tudo o mais decidido.
5. Para fundamentar tal decisão o Tribunal de 1ª instância e, posteriormente, o Tribunal da Relação de Guimarães considerou provada, entre o mais, a seguinte factualidade:
«1. Em 8 de Outubro de 2010, faleceu P. B., no estado de divorciado. - cfr. certidão de fls. 187 a 189.
2. O P. B. deixou bens móveis e imóveis, bem como dinheiro, títulos de crédito e outros direitos de natureza patrimonial. - acordo.
(…)
«10. Por óbito de P. B., não se procedeu a inventário ou partilha extra-judicial, pelo que a aberta permaneceu ilíquida e indivisa. - acordo.
11. Através de escritura lavrada a 22 de Outubro de 2010, no cartório notarial da Rua …, edifício …, lojas … e …, em Vila Nova de Famalicão, do Dr. A. C., foram habilitados como seus únicos herdeiros legitimários os dois filhos: P. B., aqui autor, e M. B., aqui ré. - cfr. certidão da escritura de fls. 30 e 31.
12. Através de escritura denominada de "cessão de quinhão hereditário", lavrada também a 22 de Outubro de 2010, no cartório notarial da Rua …, edifício …, lojas … e …, em Vila Nova de Famalicão, do Dr. A. C., o autor declarou que "mediante o preço de setecentos mil euros, que já recebeu e de que dá quitação, cede à segunda outorgante, sua irmã ... o direito e acção ao quinhão hereditário que lhe pertence na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu pai, P. B. ... de cuja herança fazem parte bens imóveis com o valor patrimonial atribuído correspondente à parte transmitida de sessenta mil cento e trinta e nove euros e noventa e dois cêntimos ... e bens móveis e direitos de crédito com o valor atribuído ... de seiscentos e trinta e nove mil oitocentos e sessenta euros e oito cêntimos ... ", o que a segunda outorgante declarou aceitar. Mais disseram "Que a segunda outorgante compromete-se a dar ao primeiro outorgante, seu irmão, uma prestação mensal vitalícia no valor de quinhentos euros, a qual será paga dentro dos primeiros oito dias do mês a que disser respeito, com início no próximo mês de Dezembro, mediante transferência bancária ... Que a segunda outorgante promete constituir a favor do seu irmão, o direito de habitação sobre a fracção autónoma designada pela letra "L", do prédio urbano sito na freguesia e concelho de …, inscrito na matriz predial sob o art. …, no prazo de seis meses, a partir da data da presente escritura.". - teor da escritura de fls. 32 a 34.
13. No dia 29 de Junho de 2010 o pai do autor e da ré, P. B., celebrou um testamento, no Cartório da Notarial a cargo da notária A. S., na Rua …, n.? …, .. sala, em Braga, através do qual instituiu a agora ré como única e universal herdeira da sua quota disponível e, em caso de pré-falecimento desta, como tais, as suas netas, T. P. e A. B.. - cfr. escritura de fls. 37 e 38».
(…)
21. O autor teve um passado de toxicodependência grave o que condicionou o seu percurso familiar, escolar e, posteriormente, a sua actividade laboral. - acordo.
22. A escolaridade do autor foi marcada pelo insucesso, falta de motivação, absentismo, associação a grupo de pares ligado ao consumo de drogas. - acordo.
23. O autor iniciou o consumo de drogas aos 13 anos com haxixe. - acordo.
24. Aos 15 anos passou, também, a consumir heroína, cocaína e álcool, adquirindo dependência. - acordo.
25. Abandonou os estudos com 20 anos apenas concluindo o 9° ano de escolaridade. - acordo.
(…)
29. Desde Agosto de 2009 mantinha-se afastado do consumo de drogas. - acordo.
30. O autor acompanhou o pai na sua fase terminal, pessoa a quem conseguiu, finalmente, evidenciar que havia mudado de rumo na vida. - acordo.
31. Após a morte do pai, o autor passou a depositar plena confiança na irmã. - acordo.
32. E passou a permitir-lhe também a administração do património mobiliário e imobiliário que integrava a herança ilíquida e indivisa comum, porque àquela pertencia o encargo, como cabeça de casal. - acordo.
33. A ré acompanhara sempre com mais proximidade a situação patrimonial do falecido pai. - acordo.
34. A ré é pessoa mais instruída e esclarecida e vivia à data maritalmente com um magistrado judicial. - acordo.
35. A ré prometeu ao autor que garantiria todos os seus interesses patrimoniais, fosse em termos de habitação, locomoção e/ou rendimentos. - acordo.
36. No dia de 22 de Outubro de 2010 o autor e a ré almoçaram juntos, seguindo depois para o Cartório Notarial de …, referido em 11 e 12, onde foi outorgada a escritura de habilitação de herdeiros e, acto contínuo, a escritura de cessão de quinhão hereditário referidas. - acordo.
37. Após a outorga das escrituras referidas a ré passou a depositar na conta bancária do autor a prestação mensal referida em 12. - acordo.
38. O autor esteve preso, em cumprimento de pena, entre 8 de Dezembro de 2011 e 20 de Junho de 2012. - ofício da DGSP de fls. 269. (alíneas A) a AE) da matéria assente)
39. As relações familiares entre o autor e a ré nunca foram afectuosas, nem próximas.
40. Após o óbito referido em 1, a ré reatou o contacto pessoal com o autor e predispôs-se a apoiá-lo em todos os actos da sua vida, passando a transmitir-lhe afecto, cuidado, carinho e atenção.
41. Pouco tempo volvido sobre o óbito do pai e com o pretexto de que importava definir, até por questões fiscais, a situação da herança, a ré convenceu o autor de que o melhor seria formalizar a administração da herança, através da outorga da escritura de habilitação de herdeiros.
42. A ré prometeu-lhe que os bens que integravam a herança permaneceriam em comum, para serem utilizados pelos dois como até ali havia acontecido.
(resposta aos quesitos 1.° a 4.°)
43. No dia 21 de Outubro de 2010, a ré comunicou verbalmente ao autor que este deveria comparecer no Cartório Notarial a cargo do notário A. C., em Vila Nova de Famalicão, a fim de se proceder à outorga da escritura de habilitação de herdeiros.
44. Na manhã de 22 de Outubro 2010 convidou o autor para almoçar em Braga.
45. O autor desconhecia que ia ser celebrado o contrato de cessão titulado pela escritura referida em 12.
46. Confrontado com o teor da mesma apenas no momento da leitura da escritura, o autor solicitou explicações à ré.
47. Que lhe garantiu verbalmente que se tratava se uma mera formalidade para lhe permitir administrar melhor a herança.
(resposta aos quesitos 8.° a 12.°)
48. Aproveitou ainda a ré a presença do seu companheiro - magistrado judicial em cuja idoneidade e integridade o autor confiou - para convencer o autor da legalidade do acto.
49. Foi por força das explicações e no quadro de confiança criado pela irmã, que o autor concordou em outorgar a escritura de cessão de quinhão hereditário.
(resposta aos quesitos 15.° e 16.°)
50. Depois da outorga das escrituras referidas em 11 e 12, a ré comunicou ao autor não pretender manter com ele qualquer contacto, nomeadamente do tipo pessoal.
51. E que lhe estava vedado utilizar qualquer bem da herança, porque todos os bens lhe pertenciam.
52. Recusando-se a prestar ao autor qualquer apoio.
53. Colocou à venda alguns bens da herança.
54. O autor foi forçado a viver do auxílio de terceiros, pois face ao referido em 26 a 28 e 38 não auferia qualquer tipo de rendimentos.
(resposta aos quesitos 18.º a 22.º)
55. Foi [a] C. D., com quem mantinha uma relação de namoro, quem proveu ao seu sustento por algum tempo. (resposta explicativa ao quesito 23.°)
56. A ré não pagou ao autor o preço declarado na escritura referida em 12.
57. A "declaração de quitação" ínsita naquele acto foi uma mera "formalidade" .
58. A ré sabia que o autor não tinha consciência do sentido e alcance da sua declaração, nomeadamente, dos seus efeitos jurídicos.
59. Sabia a ré que o autor, ao assinar a escritura de cessão do quinhão hereditário, estava persuadido de que apenas viabilizava a melhor administração do património da herança.
60. E que não pretendia abrir mão em favor dela do património da herança.
61. E que não abriria mão do seu quinhão hereditário, muito menos, a título gratuito.
62. A ré transmitiu a ideia de que se não fosse formalizada a denominada "administração" da herança, o autor perderia bens a que tinha direito para o fisco.
66. Foi a aqui ré quem tratou de toda a documentação necessária à elaboração do Testamento.
68. Foi a ré que arranjou duas testemunhas da sua inteira confiança.
69. Como o conteúdo do primeiro testamento lavrado - referido em 20, previa apenas que a ré fosse usufrutuária dos bens do pai, na medida do disponível, esta fez lavrar o segundo testamento, nessa mesma tarde, que corresponde ao descrito em 13, tendo a notária dado sem efeito o celebrado nessa manhã.
70. Para o efeito, a ré levou novamente o pai ao referido Cartório.
(resposta aos quesitos 35.° a 39.° sendo restritivas a resposta aos 36.°, 37.° e 39.°)
71. O pai de autor e ré sempre referiu que jamais queria prejudicar o filho e/ou beneficiar a M. B..
72. O testador sempre afirmou no seu círculo de relações pessoais que era sua vontade proteger o filho, uma vez que, infelizmente, era toxicodependente.
73. O autor tomou conhecimento do referido de 13 a 20 e de 63 a 70 em Setembro de 2011.
(resposta aos quesitos 41.° a 43.°)
74. O testador encontrava-se deprimido, face à iminência da sua morte.
(resposta restritiva ao quesito 45.°)».
6. O Tribunal da Relação de Guimarães, bem como o Tribunal de 1ª Instância, formou a sua convicção quanto aos factos provados constantes nos pontos 40, 41 e 42 através do depoimento das testemunhas A. F. e V. M..
7. No que concerne aos factos constantes nos pontos 45 a 52 dos factos provados, a convicção do Tribunal assentou no depoimento das testemunhas V. M. e A. C..
8. No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães foi exarada a seguinte fundamentação (na parte relevante):
«Pretende a Apelante que não se poderia ter considerado provada esta factualidade [pontos 45 a 52], e que ocorre erro notório na apreciação da prova, até porque tendo sido o Dr. V. M. a dar instruções ao Notário Dr. A. C. sobre o conteúdo da escritura de cessão do quinhão hereditário não pode aceitar-se a declaração da testemunha V. M. sobre a surpresa da declaração de quitação, não podendo concluir-se também que o A. ficou surpreendido com a cessão do quinhão. Mas não é isso que se pode concluir dos depoimentos das testemunhas V. M. e A. C.. Efectivamente a testemunha V. M. aceita ter contactado o Notário Dr. A. C. para ele marcar a referida escritura com brevidade, com as condições que lhe foram transmitidas pela Ré M. B., e, embora o DR. A. C. confirme que recebeu as indicações da testemunha V. M., do depoimento do mesmo não se pode inferir, sem mais, que haja contradição entre as declarações das referidas testemunhas.
Consideramos também correto o julgamento que foi feito pela senhora juiz a quo, com base nos depoimentos das testemunhas referidas, os quais estão detalhadamente descritos na exaustiva fundamentação de facto da sentença.
Igual raciocínio se pode fazer, e com base nas testemunhas referidas, de que está bem decidida a matéria de facto dada como provada nos factos 56 a 62».
9. Quanto aos factos provados constantes nos pontos 58 a 62, do acórdão resulta que tais respostas resultaram “quer do depoimento de parte da própria Ré (pontos 56 a 62), quer do depoimento da testemunha V. M. (pontos 56 a 65), quer do depoimento da testemunha C. D. quanto aos pontos 60 e 61, dada a conversa que ela escutou em alta voz entre A. e Ré”.
10. Quanto aos factos provados constantes nos pontos 71 e 72, tais respostas resultaram “do depoimento das testemunhas A. F., V. M. e E. C., ex-mulher do falecido e mãe do autor e da ré, bem como de H. C.”.
11. Na motivação da sentença proferida em 1ª Instância, refere-se expressamente o seguinte: a testemunha V. M., «pessoa com quem a ré viveu em união de facto entre Abril de 2008 e Julho de 2011 (e pai de uma das suas filhas (…), magistrado judicial, foi sem margem para dúvidas uma testemunha essencial ao convencimento do tribunal face à proximidade com a ré e o seu pai aquando dos factos em discussão”.
Quaisquer ressabiamentos e/ou ressentimentos eventualmente decorrentes da separação da ré, que a existirem estavam bem escondidos, o que é certo é que a testemunha descreveu de forma clara, peremptória e convincente o tipo de relacionamento existente entre a ré e o autor, que era nulo, pois sempre que se encontravam era “sob o patrocínio do pai” e contra a vontade da ré, a diferença ocorrida com o óbito do progenitor, pois a ré tentou e logrou reaproximar-se do irmão, demonstrando que se deviam apoiar os dois, transmitindo-lhe apoio e carinho, denotando preocupação com a sua vida, desde logo afirmando que o apoiaria no que necessitasse, já que embora haja reconhecido que apenas esteve uma ou duas vezes com os irmãos em simultâneo, entre a data do óbito do progenitor deles e a outorga da cessão da quota do autor, por viver maritalmente com a ré, presenciou os inúmeros telefonemas que esta fazia ao irmão, a pretexto da necessidade de agilizar a habilitação de herdeiros, da necessidade de formalizar a administração da herança, sempre com o argumento de que assim tudo seria mais fácil para o autor, que não tinha rendimentos, a quem manifestava apoio e afirmava ter “muito gosto em ajudar”.
Até à data da realização da habilitação de herdeiros e da cessão da quota hereditária do autor, escrituras que o próprio agendou junto de um cartório da sua confiança, em Vila Nova de Famalicão e a pedido da sua então companheira, a testemunha nunca se apercebeu que o autor ia vender ou abdicar do quinhão hereditário a favor da sua irmã, de forma gratuita. Só no ato percebeu a razão de tal reaproximação e manipulação sentimental da ré junto do irmão, justamente para o convencer de que podia nela confiar, motivo pelo qual aquando da outorga da cessão ficou a testemunha surpresa quando, durante a leitura da escritura na parte relativa ao preço da cessão o autor a ele se tentou dirigir, manifestando estranheza, ainda dizendo o seu nome, como que a pedir-lhe explicações, porém a ré cortou-lhe a palavra dizendo-lhe que se não fosse assim perdiam os bens para o fisco, pelo que a própria testemunha lhe aconselhou calma, supondo que a ré iria de facto cumprir as obrigações exaradas na escritura: pagar o preço de setecentos mil euros, atribuir-lhe um rendimento mensal vitalício de quinhentos euros e constituir o direito de uso e habitação do apartamento onde o irmão vivia em …. Porém, referiu que no final do ato confrontou a companheira com a situação, e esta logo lhe disse que não ia pagar nada, que nunca teve intenção de pagar nada ao irmão, que ele não tinha direito a nada, podendo eventualmente dar-lhe uns bens.
Perante esta situação percebeu o logro em que o autor havia caído, que ele assinou a cessão convencido que a irmã ia cumprir e repor a situação, e que só aceitou de facto assinar o ato, que desconhecia ir realizar-se (quer pelo que o autor disse na hora, quer pela forma como o mesmo reagiu no seu decurso), por um lado, por não ter a exata noção do que ia fazer e das suas consequências, embora soubesse que se tratavam de assuntos relativos à herança, por outro lado, por a testemunha estar presente, porque o falecido Eng. P. B. havia dito ao autor para confiar nele, razão pela qual a sua presença conferiu ao ato uma seriedade acrescida”.
Deste depoimento resultou assim a cabal confirmação do quesitado de 24º a 30º da base instrutória.
A matéria dos quesitos 18.º a 20.º e 21.º foi confirmada de forma muito clara pela mesma testemunha, que até usou a expressão relação de "carácter odioso" para definir o que se passou depois da outorga da habilitação e cessão, e referiu ser verdade que a ex. companheira logo que fez as escrituras colocou à venda alguns bens da herança, levantou dinheiro das contas e fez uma aplicação nos CTT, porém não concretizou mais.
Quanto à matéria relativa à outorga do testamento de 29 de Junho de 2010, mais uma vez a testemunha foi determinante para o convencimento do Tribunal, embora, nesta sede e quanto sobretudo aos quesitos 31.º a 34.º e 44.º e 45.º, conjugado com os depoimentos de A. S., notária, com as limitações supra referidas, e M. L., médica que seguia o autor no IPO do Porto.
Referiu pois V. M. que, e porquanto à data da outorga do testamento o falecido residia consigo, a ré e a neta T. P., filha comum da ré e da testemunha, o testador havia tido alta dos hospitais da universidade de Coimbra e do IPO do Porto, após dois internamentos subsequentes, com um prognóstico de morte, deslocando-se de cadeira de rodas, mostrando-se incontinente pelo que usava fraldas e tomava bastante medicação, não sendo capaz de se alimentar, vestir, automedicar, fazer a higiene, sem que houvesse apoio de terceiros. Quanto à parte psicológica referiu que o testador estava apático, deprimido, tinha muita dificuldade em se exprimir, tinha falta de noção espácio temporal, embora de forma intermitente, desconhecendo por vezes onde se encontrava.
Mais referiu a testemunha que sempre o falecido lhe disse que estava preocupado com o futuro do filho, nomeadamente antes da agudização da doença, nunca tendo transmitido a ideia de que iria beneficiar a ré, mas sim procurando saber se havia alguma forma legal de cuidar do património que iria ser também dele, pois tinha receio de uma nova recaída do filho no mundo da droga, mais referiu que apesar de ter dito ao falecido que podia optar pela propositura de uma acção de inabilitação ou interdição, para que lhe fosse nomeado tutor, aquele acabou por nunca se decidir a avançar para uma situação dessas.
Tudo para explicar que quando a ré lhe disse que o pai tinha feito um testamento a seu favor, do qual segundo recordava teve conhecimento na noite anterior à outorga ou no próprio dia, exibindo-lhe aquela no dia 29.6.2010, à hora do almoço, e questionando-o se dessa forma ficava com todo o património do pai, lhe explicou que não porque se consignava que era mera usufrutuária da quota disponível. Mais referiu que a ré, confrontada com essa explicação, fez de imediato uma chamada telefónica, vindo a testemunha a aperceber-se que se dirigia à notária que havia lavrado o testamento, pois a meio da conversa a ré passou-lhe telefone pedindo que explicasse a situação, que o que se pretendia era ficar como herdeira exclusiva da quota disponível, o que fez, sabendo depois que a ré e o pai se deslocaram da parte da tarde de novo ao dito cartório, lavrando o segundo testamento, confirmando a matéria dos quesitos 31.º, 32.º, 34.°, 35.°, 36.º (com excepção de uma parte), 37.º, 38.º, 39.º e 45.º.
Mais referiu com interesse que após a outorga do testamento, já em Agosto a ré organizou uma festa de aniversário ao pai, em …, e que como este apresentava nessa altura grandes melhorias da sua condição física e psicológica, que voltou a residir sozinho, mudando-se para uma residência sénior, na Quinta …, em ….
Confirmou ainda a matéria dos quesitos 41.º a 43.º, e quanto à do quesito 46.º referiu de forma relevante que quando a ré viveu consigo não tinha rendimentos próprios, pelo que seria difícil amealhar aquelas quantias de dinheiro, porém, nunca se meteu nos assuntos do dinheiro provindos da família dela».
12. No âmbito do processo que, com o n.º 563/14.3TABRG.S1, correu termos no Tribunal da Relação de Guimarães - Secção Penal, no qual figurou como queixosa a aqui recorrente e como arguido a testemunha V. M., em 16 de maio de 2017 foi proferido acórdão, posteriormente confirmado na íntegra pelo Supremo Tribunal de Justiça em 18 de janeiro de 2018, e transitado em julgado em 1 de fevereiro de 2018, que julgou procedente a pronúncia e, consequentemente, condenou o ali arguido V. M. pela prática do crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º n.º 1 e n.º 3 do Código Penal.
13. Foi dado como provado naquele acórdão, posteriormente confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, o seguinte:
«1. O arguido e a assistente, (…) viveram em união de facto entre Junho de 2007 e Julho de 2011;
(…)
3. Por via desse relacionamento, o pai da assistente, (…) e o arguido conviveram um com o outro, tendo aquele desenvolvido uma relação de consideração e confiança com este;
4. Desde 2008, mercê da referida relação de consideração e confiança que se desenvolveu entre o pai da assistente e o arguido e também pelo facto de este ser juiz de direito, aquele pedia-lhe orientação e aconselhamento jurídico relativamente aos seus muitos negócios e questões de ordem patrimonial pendentes, pedindo que o acompanhasse a reuniões e apoiasse quando precisava de tomar decisões e resolver problemas concretos;
(…)
12. Era do conhecimento de todos os familiares e amigos mais próximos a sua permanente preocupação com o filho, (…), devido à sua longa toxicodependência, desde os 13 anos de idade, o qual já lhe gastara muitos milhares de euros com internamentos para desintoxicação, pagamento de dívidas, cheques e objectos de valor que lhe furtara e vendera para alimentar a toxicodependência, sem nunca ter tido qualquer actividade profissional ou laboral regular e remunerada;
13. Preocupava-o sobremaneira o futuro do filho após a sua morte e ansiava encontrar forma de assegurar a sua subsistência depois disso, pois sabia que por causa da droga ele rapidamente delapidaria o património que herdasse, ficando na miséria;
14. De todos estes factos era o arguido conhecedor;
15. Nesse contexto e a conselho do arguido, enquanto permaneceu em casa da assistente, no dia 29 de Junho de 2010, da parte da tarde, o pai da assistente, outorgou um testamento, no Cartório Notarial da notária A. S., em Braga, no qual instituiu aquela sua filha como única e universal herdeira da sua quota disponível e, em caso de pré-falecimento desta, as suas netas (…) e (…), esta filha da assistente e de (…);
16. Este testamento substituiu um primeiro testamento celebrado durante a manhã do mesmo dia, após perceber que nele a assistente era apenas instituída usufrutuária dos bens pertencentes à herança;
17. A alteração ocorreu por sugestão e conselho do arguido, ao almoço que, para o efeito, falou por telefone com a notária que lhe disse que fora isso que o testador havia dito;
18. O pai da assistente faleceu no dia 08/10/2010;
19. No dia 22/10/2010, no Cartório Notarial de …, do notário A. C., foi celebrada:
- escritura de habilitação de herdeiros dos seus dois únicos filhos, a assistente e (…);
- escritura de cessão de quinhão hereditário nos termos da qual (…), conforme previamente acordado entre eles, declarou que mediante o preço de setecentos mil euros, já recebido e de que dava quitação, cedia à assistente, sua irmã, o direito e acção ao quinhão hereditário que lhe pertencia na herança líquida e indivisa aberta por óbito do pai de ambos;
- na mesma escritura, a assistente obrigava-se a dar ao irmão uma prestação mensal vitalícia, no valor de € 500,00 e a constituir, no prazo de seis meses, a favor do irmão, o direito de habitação sobre a fracção autónoma designada pela letra L do prédio urbano sito no concelho de …;
20. Foi o arguido quem marcou a data da celebração destas escrituras e forneceu cópias do testamento e demais elementos necessários à sua elaboração nos termos em que vieram a ser celebradas, tendo estado presente durante a celebração das referidas escrituras as quais, na presença de todos, foram lidas e explicadas aos intervenientes e por eles assinadas;
21. O objectivo, conforme vontade manifestada pelo pai da assistente antes de falecer, era assegurar a seu filho (…) uma renda vitalícia e uma casa que lhe proporcionassem uma vida decente, preservando o património de actos de prodigalidade daquele;
22. A partir de então o irmão da assistente, (…), passou a receber a pensão depositada pela sua irmã e a poder usufruir de casa;
23. Em 30/08/2011, (…) intentou contra a assistente, sua irmã, a acção nº 5545/11.4TBBRG, da Vara de Competência Mista, do Tribunal Judicial de Braga, para anulação daquela escritura de cessão de quinhão hereditário, alegando, além do mais, que ela lhe transmitira a ideia de que a dita escritura de cessão traduzia “o meio legal e adequado para que o A. pudesse manter o nível de vida a que sempre fora habituado”, facto que lhe foi confirmado pelo arguido “companheiro da R., magistrado que lhe garantiu que, se não assinasse, corria o risco de ficar sem nada, no mais confirmando os artifícios anteriormente gizados pela R.”
24. Em Julho de 2011, terminou a relação do arguido com a assistente (…);
(…)
26. Em Setembro de 2011, o arguido, por sua iniciativa, deslocou-se a ... para se encontrar com o irmão da assistente, (…) e com um primo de ambos, (…), com o objectivo de esclarecer, perante eles, a sua intervenção na celebração do testamento e da cessão de quinhão hereditário;
27. Após essa reunião, o (…) desistiu da instância na acção nº 5545/11.4TBBRG, desistência que foi homologada por despacho de 23/09/2011, e interpôs nova acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo ordinário, contra a assistente, que correu termos sob o nº 3606/12.1TBBRG;
28. Nesta acção desapareceram todas as referências à intervenção do arguido na celebração da escritura de cessão de quinhão hereditário e foram aditados aos pedidos que já constavam da anterior acção, o de anulação do testamento, por alegada falta de capacidade e sanidade mental do testador;
29. Nessa acção o arguido foi indicado como testemunha;
30. Na audiência de julgamento dessa acção nº3606/12.1TBBRG, na sessão ocorrida no dia 19/09/2013, o arguido, após a Srª Juíza o ter advertido de que estava obrigado a responder e com verdade às perguntas que lhe iam ser colocadas, sob pena de, não o fazendo, praticar um crime de falso depoimento e ter prestado juramento, prestou depoimento;
(…)
32. O arguido disse, contra a verdade que bem conhecia, que na altura em que foi celebrado o testamento, o Eng. P. B., além do mais, “não sabia as horas, não sabia os dias da semana, não sabia os meses. E muitas vezes não sabia mesmo onde se encontrava, …inclusivamente a casa, não sabia que estava em ..., em casa da filha ou em sua casa…era praticamente imperceptível o que ele dizia nessa altura” e não tinha consciência do que estava a fazer;
33. O arguido, por ter convivido com o Engº (…), designadamente no período que antecedeu o seu falecimento e por ter aconselhado e determinado os termos do testamento celebrado, sabia perfeitamente que aquele estava na posse das suas faculdades mentais, de livre e esclarecida vontade e com capacidade de decisão, ou seja, capaz de decidir sobre os seus assuntos pessoais e de dispor dos seus bens.
34. Sabia também os exactos termos da escritura da cessão de quota hereditária, por ter sido ele a redigir a minuta e a entregá-la ao notário, tendo acordado com ele a data da celebração da escritura em que veio a estar presente;
35. Ao declarar que o testador não definiu o que deveria constar do testamento nem tinha consciência do que estava a fazer quando o outorgou, o arguido concretizou de forma livre, deliberada e consciente, a prestação de depoimento com conteúdo que sabia não corresponder à realidade dos factos, apesar de também saber que o seu depoimento seria determinante para a formação da convicção da julgadora, como se verificou realmente e foi reflectido na motivação e que assim desobedecia à lei, cometendo um crime.
36. Quis declarar factos e responder às perguntas que lhe eram formuladas, em contrário da verdade que bem conhecia;
37. Sabia, tanto mais quanto além de ter agido na qualidade de testemunha, exerce as funções de juiz de direito, que estava obrigado a dizer a verdade perante o tribunal, conforme juramento que fez, tendo tomado consciência da advertência formulada pela juíza que presidia ao julgamento, de que incorria em responsabilidade criminal caso não respondesse com verdade;
38. Agiu de forma livre, voluntária e deliberada, apesar de saber que a sua conduta atentava contra a realização da justiça e era punida como ilícito criminal;
(…)».
14. E nesse acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/2018, na parte atinente à “Matéria de direito: qualificação jurídica dos factos” foi explicitada a seguinte fundamentação:
«(…)
Estabelece o citado art. 360º:
1. Quem, como testemunha, perito, técnico ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.
(…)
Ora, ficou provado que o arguido foi indicado como testemunha do autor (…) na ação intentada contra a ora assistente que correu na extinta Vara Mista de Braga com o nº 3606/12.1TBBRG (nºs 27 e 29), tendo prestado depoimento na sessão de julgamento de 19.9.2013 (nº 30). Nesse depoimento, o arguido afirmou que o Eng. (…) “não sabia as horas, não sabia os dias da semana, não sabia os meses. E muitas vezes não sabia mesmo onde se encontrava, inclusivamente a casa, não sabia que estava em Braga, em casa da filha ou em sua casa (…) era praticamente impercetível o que ele dizia nessa altura” e não tinha consciência do que estava a fazer (nº 32).
Porém, o arguido sabia perfeitamente, por ter convivido na mesma casa com o Eng. (…), na altura dos factos, que ele estava na posse das suas faculdades mentais, de livre e esclarecida vontade e com capacidade de decisão, ou seja, capaz de decidir sobre os seus assuntos pessoais e de dispor dos seus bens (nº 33).
Daqui resulta sem margem para quaisquer dúvidas que o arguido depôs conscientemente não só contra a verdade objetiva, real ou histórica, como também contra a sua perceção pessoal, aquela que teve na altura dos factos. Em suma: o arguido sabia que o seu depoimento não só contrariava a verdade objetiva, como contradizia a sua própria perceção e convicção.
Assim, mesmo à luz da conceção de falsidade de testemunho que diz perfilhar, o arguido cometeu o crime do art. 360º do CP.
Acrescente-se ainda que a doutrina considera o crime em referência como de perigo abstrato e de mera atividade, consumando-se portanto com a prestação do testemunho, independentemente de esse testemunho ter ou não influência na decisão final.[9]
De qualquer forma, ficou provado que o arguido sabia que o seu testemunho falso seria decisivo para a formação da convicção do julgador, o que se verificou efetivamente, já que na fundamentação da matéria de facto da sentença proferida na ação nº 3606/12.1TBBRG se refere que esse depoimento foi “determinante para o convencimento do tribunal” (nº 35 e fls. 99 do Anexo), sentença essa que anulou o testamento do Eng. (…) (fls. 133 do Anexo).
Houve, pois, um dano efetivo para a assistente, ré naquela ação, dano só reparado com a interposição de recurso dessa sentença para a Relação de Guimarães, que revogou a anulação do testamento (fls. 302 do Anexo)».
*
VI. Fundamentação de direito.

1. Da verificação do fundamento do recurso extraordinário de revisão, com base na falsidade de depoimento (art. 696º, al. b) do CPC).
1.1. No caso em análise, a recorrente alega, em síntese, que no âmbito do processo n.º 3606/12.1T8BBRG, que correu termos no Tribunal Judicial de Braga, antiga Vara de Competência Mista, no qual foi determinada a anulação da escritura de cessão do quinhão hereditário celebrada entre o A. e a R., essencialmente porque se deu como assente a factualidade relatada pela testemunha V. M., este prestou um depoimento falso, posto que, no âmbito do processo que, com o n.º 563/14.3TABRG.S1, correu termos no Tribunal desta Relação, Secção Penal, no qual figurou como queixosa a aqui recorrente e como arguido a testemunha V. M., em 16/05/2017 foi proferido acórdão, posteriormente confirmado na integra pelo Supremo Tribunal de Justiça em 18/01/2018, e transitado em julgado em 1/02/2018, que julgou procedente a pronúncia e, consequentemente, condenou o ali arguido V. M. pela prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal.
Invoca, por isso, como fundamento do recurso de revisão a alínea b) do art. 696º do CPC (falsidade do depoimento de testemunha), pretendendo não só a revisão do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 6 de novembro de 2014, na parte que decidiu manter o decidido pelo Tribunal de 1ª instância, nomeadamente, quanto à anulação da cessão do quinhão hereditário celebrada a 22 de outubro de 2010, como, consequentemente, ver alterado por outro que, depois de devida e novamente instruída e julgada a causa, declare totalmente improcedente a pretensão do Autor, pois – segundo alega – os factos provados referidos nas alíneas a) a q) – correspondente aos factos provados sob os pontos 40, 41, 42, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 58, 59, 60, 61, 62 e 71 – «foram obtidos com base num depoimento falso».
Com vista à apreciação do recurso interposto cumpre, antes de mais, abordar a temática atinente ao fundamento genérico do recurso extraordinário de revisão e dos pressupostos do concreto fundamento de revisão invocado.
O recurso extraordinário de revisão (2), cujo regime vem previsto nos arts. 696º a 702º do CPC, é um expediente processual que permite, a quem tenha ficado vencido ou prejudicado num processo anteriormente terminado por decisão transitada em julgado, a sua reabertura (revisão) mediante a invocação de certos fundamentos taxativamente indicados na lei.
Enquanto que com a interposição de qualquer recurso ordinário pretende-se evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário de revisão visa-se corrigir os erros de julgamento de que enferme uma decisão judicial transitada em julgado (insuscetível, pois, de impugnação, pela via ordinária contenciosa) (3).
O Prof. Alberto dos Reis (4) refere que o recurso de revisão «(…) apresenta, à primeira vista, uma aberração judicial: o aspecto de atentado contra a autoridade do caso julgado (…)», portanto contra «uma sentença transitada em julgado, cercada (…) da força, do prestígio e do respeito que merecem as decisões que atingem tal grau de certeza”.
Porém, equacionando razões ponderosas que podem subverter a rigidez do princípio da imutabilidade do caso julgado consignado no art. 619º do CPC, refere o citado Autor:
Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.
Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.
Mas (…) a sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio.
Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o principio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença.
De igual modo, também Fernando Amâncio Ferreira (5) refere que o princípio da autoridade do caso julgado não é absoluto posto que a lei lhe abre exceções, qualificando o recurso de revisão como «o último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial, já insuscetível de impugnação por força dos recursos ordinários». «O prestígio do Estado, na vertente da função jurisdicional, seria fortemente afetado se uma decisão judicial, só por ter transitado em julgado, não pudesse jamais ser reformada, apesar de ser patente que ele se obteve de modo fraudulento, flagrantemente contrário ao Direito».
No mesmo sentido afirma Pinto Furtado que, «se a ideia de justiça e a de certeza andam geralmente associadas, em certas circunstâncias excepcionais entram as duas em conflito, impondo-se então que a certeza abra as suas portas para deixar entrar a justiça. E a chave para o efeito é o recurso extraordinário. Ciente, porém, da necessidade de encontrar um equilíbrio entre a certeza e a justiça, o legislador elencou, de forma taxativa, na lei os casos excepcionais em que se mostra justificado o direito de desencadear o referido remédio» (6).
No fundo, segundo Luís Filipe Brites Lameiras (7), o recurso de revisão destina-se a ser “válvula de escape” para certo tipo de situações em que posteriormente se descortina algum facto demonstrativo de um vício decisivo que, na substância, atinge a decisão consolidada no caso julgado.
Não fora este mecanismo, haveria decisões manipuladas ou injustas que, porque transitadas, jamais poderiam ser modificadas, não obstante o reconhecimento daquela sua manipulação ou inequívoca injustiça.
Este tipo de recurso extraordinário é, assim, o resultado do compromisso entre, por um lado, o princípio da estabilidade e segurança jurídica exigível depois do trânsito em julgado das decisões e, por outro lado, o princípio da justiça material que acautela os casos em que a sentença esteja incorreta por ter assentado em vício grave.
Em suma, com o recurso extraordinário de revisão pretende-se assegurar o primado da justiça sobre a segurança em situações limite de tal modo graves, sob pena de se abalar clamorosamente o princípio da desejada justiça material (8).

O recurso extraordinário de revisão está estruturado em duas fases:
- Na primeira, a chamada “fase rescindente” (regulada nos arts. 697º a 700º do CPC), o tribunal conhece do fundamento do recurso da revisão, precedendo as diligências consideradas indispensáveis (art. 700.°, n.º 1 do CPC), no sentido de averiguar se procede o fundamento invocado para o recurso poder prosseguir. No caso negativo, a decisão cuja revisão se pediu permanece com eficácia plena, findando o recurso por ausência de motivo para a revisão, não se procedendo a qualquer novo exame ou julgamento da causa (9). No caso afirmativo, a decisão posta em causa é revogada (art. 701.°, n.º 1 do CPC) ou anulada (na hipótese do n.º 2 do art. 701º do CPC). Esse juízo rescindente visa afastar a decisão impugnada e tem por objeto o acertamento da existência de qualquer dos fundamentos previstos na lei (10).
- Provido o recurso ou decidido o seu seguimento, entra-se na segunda fase, chamada “fase rescisória” (regulada no art. 701º), na qual o recurso de revisão passa a assumir o perfil de uma verdadeira ação declarativa, com as inerentes fases da instrução, discussão e julgamento próprias de qualquer causa, com a exceção do caso contemplado na al. g) do art. 696.° do CPC. Nesta fase tem-se em vista substituir a decisão revogada por uma outra decisão expurgada dos vícios que originaram a revisão (11). O mesmo é dizer que esta fase destina-se precisamente a proceder a um novo exame da causa primitiva – a instância ressuscitada, ressurgida ou restabelecida – depurada já do vício que inquinara a decisão transitada (12).
Assim, o recurso de revisão reveste uma natureza processual híbrida: um misto de recurso e de ação. A primeira fase (rescindente) aproxima-se dum recurso (em que a interposição faz ressurgir a mesma instância que a decisão transitada encerrara) e a segunda fase (rescisória) assume a natureza de ação propriamente dita (instrução, discussão e julgamento da causa) (13).
Assinale-se, no entanto, que a primeira fase do recurso de revisão é algo diferente dos recursos ordinários. Nestes, uma decisão judicial ainda não transitada é apreciada por outro tribunal de hierarquia superior, produzindo um efeito suspensivo do caso julgado, porque este só se verificará quando o recurso for definitivamente julgado (estando assim sujeitas a um controlo vertical). Diferentemente, no recurso de revisão a decisão judicial impugnada é reapreciada pelo mesmo tribunal que a proferiu, por isso, não há qualquer efeito devolutivo, não se revogando a decisão de outro tribunal. Trata-se apenas de um controlo horizontal (14).

Os fundamentos que justificam o recurso extraordinário de revisão encontram-se taxativamente enumerados no art. 696º do CPC (15), sendo usualmente classificados em cinco categorias (16):
- relativos à actividade material do juiz [al. a)];
- relativos à situação das partes [als. d) e e)];
- relativos à formação do material probatório [als. b) e c)];
- decisões jurisdicionais internacionais [al. f)]; e
- simulação processual [al. g)]
No caso dos autos mostra-se de particular relevo a apreciação do terceiro fundamento – formação do material instrutório –, mais concretamente a verificação, ou não, da situação prevista na al. b) do art. 696º.

De acordo com o preceito em causa:
«A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
(…)
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
(…)».

Para que a falsidade seja causa de revisão é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos (17):
i) a alegação da falsidade;
ii) a alegação de que a sentença cuja revisão se pede tenha sido determinada por essa falsidade, ou seja, que o ato falso tenha “determinado a decisão a rever” (nexo de causalidade adequada); e
iii) a alegação de que a falsidade não tenha sido discutida no processo em que foi proferida a sentença a rever.
Num conceito lato falsidade é o atributo de toda a representação ou afirmação desconforme com a realidade (18).
A falsidade da prova em geral consiste em se formar ou compor a prova com intuito de se representar qualquer coisa do diverso da realidade (19).
A falsidade a que alude o normativo transcrito abrange, na sua previsão: i) o documento; ii) o ato judicial; iii) o depoimento; iv) as declarações de peritos ou árbitros.
Ao aludir a falsidade de depoimento a lei abrange tanto as declarações orais das partes, como afirmações das testemunhas: necessário é que exista reconhecimento judicial da falsidade respetiva e que possa ter sido relevante para a decisão (20).
No que ao caso releva estar-se-á perante erro da decisão de facto a rever, provocado por falso depoimento (de testemunha).
A falsidade de ato judicial distingue-se da falsidade de depoimento. Assim, se no processo for lavrada assentada de depoimento de parte (art. 463º, n.º 3) ou se reduzido a escrito o depoimento de testemunha prestado antecipadamente ou por carta (art. 422º, n.º 2) haverá falsidade do ato judicial sempre que a parte ou a testemunha não tenham, chegado a depor ou o seu conteúdo do depoimento divergir do que veio a constar do registo escrito; diversamente, haverá falsidade de depoimento se a assentada do depoimento de parte ou o auto de inquirição de testemunha tiverem reproduzirem com exatidão o que a parte ou a testemunha disseram, mas quer um quer outro desses depoimentos enfermarem de inexatidão (falta de correspondência total ou parcial com a realidade) (21).

Diverge a doutrina e a jurisprudência quanto à questão de saber se constitui pressuposto do recurso de revisão a existência de sentença transitada que julgue verificada a falsidade, delineando-se duas orientações:
a) Uma delas aponta no sentido de que continua a exigir-se a prévia comprovação através de sentença transitada em julgado que julgue verificada a falsidade [(cfr., por ex., Ac. do STJ de 14/07/2016 (relatora Ana Paula Boularot) e Ac. da RG de 20/10/2016 (relatora Conceição Bucho), disponíveis em www.dgsi.pt. e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 831].
Argumenta-se – citando estes últimos autores – que a «falsidade, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que, a montante, terá de ter existido um processo cível ou criminal em que aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que entre os depoimentos e a decisão a rever haja uma relação de causa e efeito».
b) Outra orientação (maioritária) defende a desnecessidade da comprovação da falsidade em ação autónoma e prévia [cfr., por ex., Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, p. 313, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 571, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª ed., Almedina, 2017, p. 495, Luís Filipe Brites Lameiras, obra citada, p. 294, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pp. 197/198, Luís Filipe de Sousa, Prova Testemunhal, Almedina, p. 409; na jurisprudência, Acs. do STJ de 13/12/2017 (relator Alexandre Reis) e de 06/06/2019 (relator Ilídio Sacarrão Martins), Ac. da RL de 6/07/2017 (relator Ezagüy Martins) e Ac. da RC de 6/11/2018 (relator Jorge Arcanjo), disponíveis em www.dgsi.pt.]
Argumenta-se com o elemento literal do art. 696.º, al. b) do CPC e a evolução histórica, com base na alteração legislativa introduzida pelo Dec. Lei n.º 28/2003, de 24/08 (22).
Segundo esta orientação, a prova da falsidade pode ser feita na própria fase rescindente do recurso de revisão (art. 700º, n.º 2, do CPC).
Logo, sendo «na própria instância de recurso de revisão que se procede à verificação dos elementos de facto pertinentes para o preenchimento deste fundamento de revisão, o recorrente há-de alegar factos que, uma vez apurados, permitam demonstrar a existência dos requisitos legais» (23).
Independentemente da referida discussão, no caso concreto o fundamento da interposição do recurso extraordinário de revisão invocado pela recorrente – a existência de falso testemunho – mostra-se alicerçado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/2018, proferido no âmbito do processo n.º 563/14.3TABRG.S1 que correu termos no Tribunal da Relação de Guimarães - Secção Penal -, o qual confirmou a condenação do ali arguido V. M. pela prática do crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo art. 360.º, n.º 1 e n.º 3 do Código Penal (conclusões 9, 10, 11, 12 e 13).
O segundo requisito que constitui condição essencial para fundamentar o pedido de revisão refere-se ao nexo de causalidade que deve existir entre o vício (no caso, a falsidade do depoimento) e o teor da decisão a rever.
Com efeito, é necessário que essa decisão se haja baseado na prova viciada ou que o invocado vício (falsidade do depoimento) tenha determinado a decisão que se pretende rever (24). E para isso, não é indispensável “que a decisão a rever tenha como única base ou se funde exclusivamente no ato judicial cuja falsidade foi verificada. Basta que possam ter determinado aquela decisão, que nela tenham exercido influência relevante” (25).
A estabilidade inerente ao caso julgado não consentiria que um qualquer evento inócuo para a decisão pudesse afetá-la, sendo indispensável um tal nexo para que uma decisão transitada em julgado, seja sentença, seja despacho judicial, possa ser afetada (26).
Como terceiro requisito exige-se, ainda, que a matéria da falsidade do depoimento em causa não tenha sido objeto de discussão no processo em que foi proferida a decisão a rever (ou que aí o pudesse ter sido). Se a parte teve conhecimento da falsidade na pendência do processo, devia ter suscitado a questão perante o tribunal, sob pena de preclusão, não sendo possível retomar a questão no recurso extraordinário de revisão (27).
*
1.2. Revertendo ao caso dos autos, a recorrente suscitou a revisão do acórdão desta Relação proferido em 6/11/2014, já transitado em julgado, porquanto, aduz, os factos provados sob os pontos 40, 41, 42, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 58, 59, 60, 61, 62 e 71 foram obtidos com base num depoimento falso, mais concretamente o depoimento prestado na ação principal por parte da testemunha V. M., sendo que a falsidade desse depoimento foi atestada em processo crime.
Como vimos, nesta primeira fase do recurso extraordinário de revisão – a fase rescindente – a nossa apreciação deve delimitar-se à aferição da existência do fundamento invocado pela Recorrente para o recurso, no caso a falsidade do depoimento da referida testemunha (art. 696º, al. b) do CPC), depoimento esse que, segundo a recorrente, determina a decisão a rever.

Pois bem, não oferece controvérsia que o Autor P. B. intentou ação declarativa constitutiva, sob a forma de processo ordinário, contra M. B., peticionando, entre o mais:

a) a declaração de nulidade do testamento outorgado pelo de cujus a favor da ré a 9 de Junho de 2010;
b) a declaração do contrato de cessão de quota hereditária celebrado entre o autor e a ré a 22 de Outubro de 2010.

Na 1ª instância foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

- anular o testamento outorgado a 29.6.2010 e a cessão do quinhão hereditário celebrada a 22/10/2010;
- condenar a ré a reconhecer a herança indivisa como a única proprietária dos bens e direitos deixados por morte de P. B.;
- condenar a ré à restituição à herança de todos os bens e montantes de que se tenha locupletado, nomeadamente das contas bancárias do de cujus;
- condenar a ré a restituir à herança o correspondente valor dos bens já alienados e registados a favor de terceiros, nomeadamente o preço obtido com os veículos indicados no ponto 7 dos provados;
- ordenar o cancelamento das inscrições existentes a favor da ré sobre os bens da herança, não alienados a terceiros.
Interposto recurso pela Ré, por acórdão desta Relação proferido em 6/11/2014 (que constitui decisão revidenda), transitado em julgado, foi decidido julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte que decidiu anular o testamento outorgado a 29/06/2010 e mantendo a anulação da cessão do quinhão hereditário celebrada entre o A. e a R. a 22/10/2010, e tudo o mais decidido.
Acontece que, no âmbito do processo que, com o n.º 563/14.3TABRG.S1, correu termos no Tribunal da Relação de Guimarães - Secção Penal, no qual figurou como queixosa a aqui recorrente e como arguido a testemunha V. M., em 16/05/2017 foi proferido acórdão, posteriormente confirmado na íntegra pelo Supremo Tribunal de Justiça em 18/01/2018, transitado em julgado em 1/02/2018, que condenou o ali arguido V. M. pela prática do crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360.º n.º 1 e n.º 3 do Código Penal.
Com base nestas premissas conclui a recorrente ser manifesto que a testemunha V. M., cujo depoimento foi determinante para a prolação da sentença do Tribunal da Comarca de Braga, antiga Vara Mista, parcialmente confirmada pelo acórdão do Tribunal desta Relação de 6/11/2014, mentiu, mais afirmando encontrar-se verificado no caso concreto o requisito de falsidade cuja lei exige para o recurso de revisão, pois o acórdão crime proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado, atestou que a aludida testemunha, quando prestou depoimento nestes autos, faltou à verdade, sendo ainda certo que tal depoimento foi determinante para a prolação da decisão revidenda (conclusões 12ª e 13ª).
Vejamos se serão de subscrever as referidas conclusões da recorrente.
Antes de mais, é indiscutível a demonstração, no âmbito do referido processo crime n.º 563/14.3TABRG.S1, da falsidade de testemunho por parte da testemunha V. M., em virtude do depoimento por si prestado, sob juramento, na sessão de julgamento de 19/09/2013, no processo n.º 3606/12.1TBBRG.
Importa, porém, determinar e delimitar o âmbito da falsidade de testemunho reconhecida no citado acórdão crime.
Ora, analisando a factualidade dada como provada no referido acórdão condenatório, nomeadamente os pontos 32 a 38 (28), evidencia-se que a falsidade do depoimento da testemunha cinge-se aos factos atinentes à anulação do testamento outorgado pelo pai da ré e do autor, por escritura pública em 29/06/2010, através do qual (o testador) instituiu a ora recorrente como única e universal herdeira da sua quota disponível e, em caso de pré-falecimento desta, como tais, as suas netas, T. P. e A. B..

Tal conclusão sai reforçada se atentarmos na parte relativa à “Matéria de direito: qualificação jurídica dos factos” do referido acórdão crime, onde se exarou, resumidamente, a seguinte fundamentação:
i) - Ficou provado que o arguido foi indicado como testemunha do autor na ação intentada contra a assistente que correu na extinta Vara Mista de Braga com o nº 3606/12.1TBBRG (nºs 27 e 29), tendo prestado depoimento na sessão de julgamento de 19.9.2013 (nº 30). Nesse depoimento, o arguido afirmou que o Eng. (…) “não sabia as horas, não sabia os dias da semana, não sabia os meses. E muitas vezes não sabia mesmo onde se encontrava, inclusivamente a casa, não sabia que estava em Braga, em casa da filha ou em sua casa (…) era praticamente impercetível o que ele dizia nessa altura” e não tinha consciência do que estava a fazer (nº 32).
ii) - Porém, o arguido sabia perfeitamente, por ter convivido na mesma casa com o Eng. (…), na altura dos factos, que ele estava na posse das suas faculdades mentais, de livre e esclarecida vontade e com capacidade de decisão, ou seja, capaz de decidir sobre os seus assuntos pessoais e de dispor dos seus bens (nº 33).
iii) - Daqui resulta que o arguido depôs conscientemente não só contra a verdade objetiva, real ou histórica, como também contra a sua perceção pessoal, aquela que teve na altura dos factos. Em suma: o arguido sabia que o seu depoimento não só contrariava a verdade objetiva, como contradizia a sua própria perceção e convicção.
iv) - Ficou provado que o arguido sabia que o seu testemunho falso seria decisivo para a formação da convicção do julgador, o que se verificou efetivamente, já que na fundamentação da matéria de facto da sentença proferida na ação nº 3606/12.1TBBRG se refere que esse depoimento foi “determinante para o convencimento do tribunal” (nº 35 e fls. 99 do Anexo), sentença essa que anulou o testamento do Eng. P. B. (fls. 133 do Anexo).
v) - Assim, o arguido cometeu o crime do art. 360º do Cód. Penal.

Dúvidas não oferece, pois, mostrar-se reconhecido, por acórdão crime transitado em julgado, a falsidade do depoimento prestado pela testemunha V. M., no âmbito do processo n.º 3606/12.1TBBRG, relativamente ao circunstancialismo fáctico atinente à anulação do testamento.
Sucede, porém, que, no âmbito do referido processo cível, a pretensão de anulação do testamento outorgado a 29.06.2010, que obteve provimento na 1ª instância, foi objeto de revogação pelo acórdão desta Relação de 6/11/2014, no qual foi decidido julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão na parte que decidiu anular o referido testamento e mantendo a anulação da cessão do quinhão hereditário celebrada entre o A. e a R. a 22 de Outubro de 2010 (e tudo o mais decidido).
Ou seja, não obstante na sentença proferida na 1ª instância se ter considerado que, quanto à matéria relativa à outorga do testamento de 29/06/2010, o depoimento da testemunha V. M. havia sido determinante para o convencimento do Tribunal – “conjugado com os depoimentos de A. S., notária, (…), e M. L., médica que seguia o autor no IPO do Porto” –, a verdade é que, na apelação interposta, o Tribunal da Relação, na sequência da impugnação da decisão da matéria de facto, valorou a prova produzida de forma distinta da instância recorrida, considerando imprestável ou retirando credibilidade ao depoimento da aludida testemunha – que o acórdão crime condenatório viria posteriormente a atestar ser falso –, e, na sequência da modificação da matéria de facto (29), no plano da aplicação do direito aos factos divergiu do sentenciado pelo tribunal recorrido, concluindo pela não verificação dos requisitos exigidos para a anulação do testamento – por não resultar provado que "o testador nessa altura estava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade" –, o que determinou a não manutenção da decisão de condenação na anulação do testamento de 29/06/2010, condenação, essa, que revogou.
Quer isto dizer que, na parte em que o depoimento da testemunha foi reconhecido como falso, a decisão de revogação da anulação do testamento não foi desfavorável à recorrente (pelo que nessa parte está excluída a possibilidade da falsidade poder servir de fundamento à revisão do acórdão revidendo, posto que só tem legitimidade para interpor recurso a parte principal que tenha ficado vencida – art. 631º, n.º 1 do CPC).
É certo que a decisão revidenda, afora a revogação da decisão na parte que decidiu anular o testamento outorgado a 29/06/2010, confirmou a sentença da 1ª instância no tocante à “anulação da cessão do quinhão hereditário celebrada a 22 de Outubro de 2010, e tudo o mais doutamente decidido”.
E é igualmente certo que é especificamente em relação a este segmento desfavorável à sua pretensão que a recorrente invoca o falso depoimento testemunhal como fundamento da revisão do acórdão revidendo.
Sucede porém que, a nosso ver, relativamente aos factos concernentes à anulação da cessão do quinhão hereditário celebrada a 22/10/2010, o acórdão crime condenatório, diversamente da parte atinente à anulação do testamento, não certifica, nem reconhece, a falsidade do depoimento prestado pela testemunha V. M..
Com efeito, do aludido acórdão crime não se extrai que o juízo censório (e incriminatório) feito ao depoimento da testemunha V. M. na parte atinente à anulação do testamento possa igualmente abranger ou estender-se ao segmento do depoimento prestado por aquela testemunha no tocante à materialidade respeitante à anulação da cessão do quinhão hereditário.
Relembre-se que, quanto à "cessão de quinhão hereditário", nos termos exarados na respetiva escritura lavrada a 22/10/2010, o autor declarou que, "mediante o preço de setecentos mil euros, que já recebeu e de que dá quitação, cede à segunda outorgante, sua irmã (...) o direito e acção ao quinhão hereditário que lhe pertence na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu pai, P. B. (...) de cuja herança fazem parte bens imóveis (…) e bens móveis e direitos de crédito (…)", o que a segunda outorgante declarou aceitar, mais tendo declarado: "Que a segunda outorgante compromete-se a dar ao primeiro outorgante, seu irmão, uma prestação mensal vitalícia no valor de quinhentos euros, a qual será paga dentro dos primeiros oito dias do mês a que disser respeito, com início no próximo mês de Dezembro, mediante transferência bancária (...). Que a segunda outorgante promete constituir a favor do seu irmão, o direito de habitação sobre a fracção autónoma designada pela letra "L", do prédio urbano (…), a partir da data da presente escritura".
Enfatiza a recorrente o facto de, no referido acórdão crime, constar como provado que o arguido “[s]abia também os exactos termos da escritura da cessão de quota hereditária, por ter sido ele a redigir a minuta e a entregá-la ao notário, tendo acordado com ele a data da celebração da escritura em que veio a estar presente (cfr. ponto 34 dos factos provados).
Sempre se dirá que a demonstração desse facto não diverge, nesse particular, da facticidade que foi apurada na decisão do acórdão revidendo.
Sobre esse ponto constata-se, aliás, que, aquando da prestação do seu depoimento na audiência de julgamento na ação n.º 3606/12.1TBBRG, a testemunha V. M. referiu, entre o mais, que foi ele quem marcou a escritura de cessão de quinhão hereditário e quem facultou ao notário os elementos indispensáveis para a respetiva elaboração, nos exatos termos que dela ficaram a constar. Esse específico circunstancialismo veio a ser invocado pela ré, em sede de apelação, como erro notório de apreciação de prova (30), aduzindo para o efeito que, a partir da narração do depoimento daquela testemunha bem como da testemunha A. C., «não há senão que concluir que não pode ser verdadeira a descrição que a testemunha V. M. faz da surpresa dele próprio sobre o teor da declaração de quitação», pois “se foi ele – como foi – quem transmitiu ao notário os termos da escritura como pode afirmar com verdade, que ficou surpreendido no decurso da respetiva leitura?”, concluindo que “estamos bem entendidos, perante um desvio da verdade gritante e incontroverso”, visto que “a testemunha poderia não saber – antes da escritura – se a ré tinha ou não pago ao autor o valor de setecentos mil euros (…)”, “mas não pode afirmar, com verdade, que não sabia que a declaração dessa situação iria constar da escritura, como ficou a constar, posto que tinha sido ele, como foi, quem deu indicações ao notário para a sua inserção no texto do contrato”.
Contudo, o Tribunal desta Relação, no acórdão revidendo, rejeitou expressamente o apontado erro de apreciação de prova, explicitando que da prova produzida resultava que a testemunha V. M. aceitou “ter contactado o Notário Dr. A. C. para ele marcar a referida escritura com brevidade, com as condições que lhe foram transmitidas pela Ré M. B., e, embora o Dr. A. C. confirme que recebeu as indicações da testemunha V. M., do depoimento do mesmo não se pode inferir, sem mais, que haja contradição entre as declarações das referidas testemunhas”.
Serve isto para dizer que o aludido facto provado no processo crime não constitui propriamente uma novidade em relação ao processo n.º 3606/12.1TBBRG, pois neste já havia sido aflorado, valorado e reconhecido que a testemunha V. M. tinha prévio e integral conhecimento dos precisos termos da cessão, tendo inclusivamente sido ele quem indicou ao Notário os elementos indispensáveis para a sua elaboração, tal como dela veio a constar. Aliás, a questão da autoria da minuta que serviu de base à elaboração da dita escritura não foi discutida na ação n.º 3606/12.1TBBRG, pelo que nem sequer se pode falar em contradição ou divergência de depoimentos sobre essa matéria.
Sempre se dirá que o recurso de revisão não se mostra vocacionado para facultar uma nova discussão sobre a prova anteriormente recolhida.
Queremos com isto significar que à recorrente não é permitido reabrir o debate quanto à específica questão de saber se a testemunha V. M., tendo prévio conhecimento dos termos da cessão, como efetivamente se demonstrou que tinha no processo n.º 3606/12.1TBBRG, não podia ficar admirada ou surpreendida com a declaração de quitação dela constante, visto essa concreta questão ter sido já anteriormente apreciada.
Por isso, impõe-se também concluir que o aludido acórdão crime ao dar como provada a enunciada matéria objeto do ponto 34 apenas reforça (e não contraria) o que já havia sido apreciado e valorado no acórdão revidendo no sentido de a testemunha em causa ter prévio conhecimento de todos os termos exarados na escritura.
Por outro lado, não será despiciendo salientar que, no processo n.º 3606/12.1TBBRG, estavam em causa duas escrituras – uma titulando um testamento e outra titulando uma cessão de quinhão hereditário –, outorgadas com intervenientes e em momentos temporais distintos (29/06/2010 e 22/10/2010, respetivamente), sendo que os respetivos factos constitutivos que serviam de pressuposto às pretensões de anulação de tais negócios jurídicos são autónomos e diferenciados entre si, donde a ação n.º 3606/12.1TBBRG comportava uma cumulação de causas de pedir e de pedidos.
Reitera-se, por conseguinte, que o falso depoimento da testemunha reconhecido no acórdão crime tem o seu âmbito circunscrito aos factos relativos à anulação da outorga do testamento e não à anulação da escritura de cessão.
O que significa que, na parte em que a decisão foi desfavorável à recorrente – anulação da cessão do quinhão hereditário –, não se mostra comprovado que o aludido depoimento seja contrário à verdade dos factos ou que tenha sido de tal forma abalado na sua plausibilidade que deixa de poder relevar para a decisão factual.
Sempre se poderia, no entanto, questionar se, estando o depoimento da testemunha V. M. reconhecido como falso testemunho no tocante à anulação do testamento, essa mácula seria, ou não, extensível ao remanescente do seu depoimento, mormente na parte em que depôs sobre os factos referentes à anulação da cessão do quinhão hereditário.
Julgamos que a resposta terá de ser negativa.
Em primeiro lugar, porque o acórdão crime restringe o âmbito do preenchimento do falso testemunho aos factos relativos à anulação do testamento, carecendo de fundamento a pretensão de estender (por analogia ou mediante interpretação extensiva) esse vício ao restante depoimento prestado, quando, como se disse, quer os factos relativos à outorga do contrato de cessão do quinhão, quer da sua anulação, são perfeitamente autónomos e distintos daqueloutros que dizem respeito à (celebração e) anulação do testamento.
Em segundo lugar, debruçando-se o acórdão revidendo sobre partes distintas (anulação do testamento e anulação da cessão do quinhão hereditário) e tendo o depoimento falso exercido influência só sobre uma delas (anulação do testamento), só esta deverá ser objeto de revisão (31).
Em terceiro lugar, e não obstante se reconhecer a relevância que o depoimento da testemunha V. M. teve na fundamentação da motivação da matéria de facto constante da sentença, sufragada pelo acórdão revidendo, bem como do teor da reapreciação da matéria de facto feita no mesmo acórdão, certo é que a valoração do Tribunal não se circunscreveu a esse meio de prova.
Na verdade, relativamente aos factos que a recorrente alega terem sido obtidos com base num depoimento falso (32), pretendendo que sobre eles recaia, na fase rescisória, nova prova expurgada daquele falso depoimento, o Tribunal da Relação de Guimarães, bem como o Tribunal de 1ª Instância, na formação da sua convicção quanto aos factos provados, além do depoimento da testemunha V. M. (pontos 56 a 62 (33)), tomou em consideração quanto aos factos objeto dos pontos 40, 41 e 42 o depoimento da testemunha A. F.; no que concerne aos factos provados constantes nos pontos 45 a 52 o depoimento da testemunha A. C.; os factos provados constantes dos pontos 58 a 62 resultaram quer do depoimento de parte da própria Ré (pontos 56 a 62), quer do depoimento da testemunha C. D. (pontos 60 e 61); por fim, os factos provados constantes dos pontos 71 e 72 resultaram do depoimento das testemunhas A. F. e E. C., ex-mulher do falecido e mãe do autor e da ré, bem como de H. C..
Por outro lado, embora no acórdão crime se tenha dado como provado que na ação n.º 3606/12.1TBBRG proposta pelo autor contra a ré tenham desaparecido «todas as referências à intervenção do arguido na celebração da escritura de cessão de quinhão hereditário», a verdade é que essa asserção mostra-se objetivamente infirmada pela simples leitura da petição inicial apresentada naquela ação, designadamente do alegado nos arts. 28º, 29º, 69º, 70º e 71º, dos quais consta:
Sendo certo ainda que a R. é pessoa mais instruída e esclarecida e vivia maritalmente com um magistrado judicial, pessoa que, seguramente, tem conhecimentos jurídicos mais profundos do que o cidadão comum” (art. 28º); “Estes factos reforçaram ainda a confiança do A. na R., não só quanto ao grau de seriedade das propostas por ela apresentadas quanto à administração da herança” (art. 29º); “De facto, em 22 de Outubro de 2010, a R confrontou o A com a “necessidade” de outorgar uma escritura de cessão do quinhão hereditário” (art. 69º), “aproveitando-se ainda a R. da presença do seu companheiro – magistrado judicial em cuja idoneidade e integridade o A. confiou – convenceu o impetrante da legalidade do ato que veio a praticar” (art. 70º), “mais o convenceu a de que tal não passava de uma mera formalidade para salvaguardar a administração da herança e que em nada seriam feridos os seus interesses como herdeiro e legítimo e legitimário” (art. 71º).
Por conseguinte, restringindo-se o reconhecido falso depoimento da testemunha V. M. à parte atinente à anulação do testamento – a qual, repete-se, não foi desfavorável à recorrente –, no tocante à anulação da cessão do quinhão é de concluir que o recurso extraordinário de revisão interposto pela recorrente carece de fundamento uma vez que nesse domínio o acórdão crime invocado não atesta a falsidade do depoimento testemunhal em causa.
Pelo exposto, entende-se ser subscrever a posição expressa pelo recorrido no sentido de o acórdão penal condenatório proferido contra a testemunha V. M. não ser apto a servir de respaldo a uma revisão do acórdão desta Relação de 6/11/2014 (que constitui a decisão revidenda).
Consequentemente, é de concluir que o invocado fundamento do recurso de revisão – falsidade do depoimento de testemunha (art. 696º, al. b) do CPC) – não é, na situação em apreço, suscetível de colocar em causa o princípio da intangibilidade do caso julgado.
Termos em que se julga improcedente, por infundado, o recurso extraordinário de revisão.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7, do CPC):

I - O recurso extraordinário de revisão, regulado nos arts. 696º a 702º do CPC, é um meio processual que permite, a quem tenha ficado vencido ou prejudicado num processo anteriormente terminado por decisão transitada em julgado, a sua reabertura (revisão) mediante a invocação de certos fundamentos taxativamente indicados na lei.
II - O recurso extraordinário de revisão fundado em falsidade de depoimento testemunhal (art. 696º, al. b) do CPC) pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
i) a alegação da falsidade;
ii) a alegação de que a sentença cuja revisão se pede tenha sido determinada por essa falsidade, ou seja, que o ato falso tenha “determinado a decisão a rever” (nexo de causalidade adequada); e
iii) a alegação de que a falsidade não tenha sido discutida no processo em que foi proferida a sentença a rever.
III - Não obstante a recorrente invocar como fundamento da revisão a falsidade do depoimento de testemunha atestada por sentença crime transitada em julgado, é de rejeitar a procedência do referido fundamento se o acórdão condenatório restringiu a sua apreciação aos factos atinentes à anulação de testamento (cuja decisão do acórdão revidendo havia sido favorável à recorrente), e não se pronunciou sobre o circunstancialismo relativo à anulação da cessão do quinhão hereditário (cujo segmento da decisão revidenda havia sido desfavorável à recorrente e que esta pretendia rever).
*
VII. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso extraordinário de revisão requerido pela ré M. B..
Custas do recurso a cargo da recorrente (art. 527.º do CPC).
*
Guimarães, 17 de dezembro de 2020

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. Atento o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/09/2020 (cfr. fls. 214 a 224).
2. Nos termos do n.º 1 do art. 627º do CPC, os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão. Enquanto os primeiros são interpostos antes do trânsito em julgado da decisão impugnada e produzem um efeito suspensivo do caso julgado dessa decisão que só se concretizará quando o recurso se mostrar definitivamente julgado (art. 628º do CPC), os segundos incidem sobre uma decisão transitada em julgado (arts. 688º e 696º do CPC), sendo o recurso de revisão decidido pelo próprio tribunal que proferiu a decisão revidenda (art. 697º, n.º 1 do CPC).
3. Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Almedina, 2008, p. 306 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 566.
4. Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, pp. 335/337.
5. Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, pp. 306/307.
6. Cfr. Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), Quid Juris, Lisboa, p. 155.
7. Cfr. Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª ed., 2009, Almedina, p. 292.
8. Cfr. Ac. do STJ de 27/09/2009 (relator Sousa Grandão), proc. n.º 09S0318, in www.dgsi.pt., embora para consulta na base de dados da dgsi se deva pesquisar com a data de 17/09/2009.
9. Cfr., Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 587.
10. Cfr. Luís Correia de Mendonça/Henriques Antunes, obra citada, p. 335.
11. Cfr. Luís Correia de Mendonça/Henriques Antunes, obra citada, p. 335.
12. Cfr. Luís Filipe Brites Lameiras, obra citada, p. 303.
13. Cfr., Alberto dos Reis, obra citada, pp. 375/376, Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, pp. 323/324, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 567.
14. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa, 1997, p. 371 e 372.
15. De forma consentânea com o carácter excecional do recurso em causa, por possibilitar afetar a normal intangibilidade do caso julgado – cfr. Ac. do STJ de 19/12/2018 (relator Ferreira Pinto) e Ac. da RG de 24/09/2020 (relatora Maria João Matos), in www.dgsi.pt.
16. Cfr., Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, p. 309.
17. Cfr. Acs. do STJ de 06/06/2019 (relator Ilídio Sacarrão Martins) e de 7/10/2020 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt.
18. Cfr. Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, 1984, p. 104.
19. Cfr. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, p. 224.
20. Cfr. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, Coimbra Editora, pp. 69/70. Por força da remissão do n.º 2 do art. 466º do CPC, também as declarações de parte se encontram sujeitas às normas relativas à “falsidade de depoimento”. - cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 571.
21. Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, p. 314 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 571.
22. Na redação anterior ao Dec. Lei n.º 38/2003, preceituava o art. 771º, n.º 1, al. b), que a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão “[q]uando se apresente sentença já transitada que tenha verificado a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão, se a matéria tiver ido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever“. E, em conformidade, o art. 773º do CPC dispunha que o requerimento de recurso devia ser instruído com a certidão da sentença.
23. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 501.
24. Cfr., Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, p. 315.
25. Cfr. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 318 e Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, p. 315.
26. Cfr. Ac. do STJ de 7/02/13 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt. 27. Cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, obra citada, p. 225 e Luís Correia de Mendonça/Henriques Antunes, obra citada, p. 352.
28. Reproduzidos sob o item 13 do elenco dos factos provados deste acórdão.
29. Procedendo à alteração da resposta de provado para não provado dos pontos 63 a 65 e 67.
30. Cfr. alegações do recurso de apelação interposto pela ré, ora recorrente, no processo n.º 3606/12.1TBBRG (mais concretamente págs. 496 a 498 vº).
31. O que, como já vimos, seria inviável, visto quanto a esse concreto fundamento a decisão final não ter sido desfavorável à recorrente.
32. Em concreto, os factos provados sob os pontos 40, 41, 42, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 58, 59, 60, 61, 62 e 71.
33. Não se considerando os pontos 63 a 65 mercê da procedência da impugnação da matéria de facto, o que determinou a não demonstração daqueles factos.