CONTRATO PROMESSA
RESOLUÇÃO
RESOLUÇÃO ILÍCITA
RECUSA DE CUMPRIMENTO
Sumário


I- Sendo ilícita a resolução, o credor tem de continuar a poder exigir, judicialmente o cumprimento do contrato, dado que aquela não pode provocar os efeitos jurídicos queridos pelo agente, por serem contrários à lei.
II –O que pode acontecer é que a resolução ilícita do contrato seja equiparada – apenas quando de facto o puder ser -, a uma recusa categórica de cumprimento que confere à contraparte a possibilidade de resolver o contrato com base nela.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

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I – Relatório

X INDÚSTRIA TORREFATORA DE CAFÉS, S.A., NIPC ………, com sede na Rua …, freguesia de …, concelho de Paredes (CP …), veio interpôr acção declarativa de condenação, com processo comum, contra G. C., NIF ………, residente na Rua do …, freguesia de ..., concelho de Chaves (C. Postal: …), e M. A., NIF ……….., residente na Rua do …, freguesia de ..., concelho de Chaves (C. Postal: …).
Fundamentando tais pretensões e em síntese, alega a A. que celebrou com o 1º R. um contrato de fornecimento de café em regime de exclusividade, pelo período de 2 anos, tendo este se comprometido a adquirir à A. 24 quilogramas de café da marca X, num total de 576 quilogramas, não podendo o R. comercializar outras marcas no seu estabelecimento comercial. Mais referiu que como contrapartida dessas obrigações, a A. forneceu ao R. equipamento e material publicitário, sendo que este último incumpriu o referido contrato porquanto não adquiriu as referidas quantidades de café e começou a vender café de outra marca, razão pela qual veio a A. a proceder à resolução do contrato.
Pretende por isso a A. haver dos RR., sendo a R. na qualidade de fiadora, o pagamento da quantia global de € 12.071,54 da qual o montante de € 7.992,60 diz respeito à indemnização devida em virtude do incumprimento contratual e o montante de 4.078,94 refere-se ao preço dos equipamentos e material publicitário fornecidos, tudo com juros de mora vencidos, contados desde a data da citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.
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Em contestação, os RR. referiram que quem procedeu em primeiro lugar à resolução do contrato foi o 1º R. uma vez que a A. colocou no estabelecimento máquinas de café velhas e não funcionais e bem assim não procedeu à reparação do material publicitário ali colocado, o qual se destruiu por duas vezes com as chuvas. Mais alegam que nunca consumiu café de outras marcas a não ser após a resolução do contrato com a A. por si efectuada. Referem também os RR. que o contrato foi preenchido pela A. já depois de ter sido assinado pelos RR., de tal modo que a quantidade de café não foi previamente negociada mas antes imposta pela A.
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Foi proferido despacho saneador e dispensada a elaboração do despacho de identificação do objecto do litígio e selecção dos temas da prova, nos termos do preceituado no art. 597.º do CPC.
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Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou os RR. a pagarem solidariamente à A. a quantia de € 12.071,54 (doze mil, setenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa comercial, vencidos desde a data da citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.
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II-Objecto do recurso
Não se conformando com a decisão proferida, vieram os RR. G. C. e mulher M. A. interpor recurso, no qual formulam, a final, as seguintes conclusões:

1. A sociedade “X – Indústria Torrefatora de Cafés, S.A.” intentou a presente ação contra os réus, alegando, em síntese, que celebrou com o primeiro réu um contrato de fornecimento de café em regime de exclusividade, pelo período de dois anos, sendo que o último se obrigou a adquirir à primeira, mensalmente, 24 quilogramas de café da marca X, até perfazer um total de 576 quilogramas, e como contrapartida dessas obrigações do primeiro réu (compra, promoção e venda), forneceu a este equipamento e material publicitário.
2. Alega que o primeiro réu incumpriu o contrato porquanto não adquiriu as referidas quantidades de café e começou a vender café de outra marca.
3. A autora juntou uma carta, datada de 5 de Julho de 2017, pela qual alega ter resolvido o contrato.
4. Os réus contestaram e alegaram que foram os próprios que procederam em primeiro lugar à resolução, em consequência do mau funcionamento do equipamento, designadamente da máquina de café e d... e da não substituição do toldo destruído.
5. Os réus deram por resolvido o contrato em causa, a menos que a situação fosse resolvida e sanada no prazo de 15 dias.
6. Alegaram ainda que os consumos acordados foram diferentes dos constantes do contrato, e que, entre 22/06/2016 e 20/06/2017, nunca encomendaram 24 quilogramas de café mensal, o que sempre foi aceite pela autora.
7. Dá-se aqui por integralmente reproduzida a matéria de facto julgada provada.
8. Dá-se aqui por integralmente reproduzida a matéria de facto julgada não provada.
9. Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os depoimentos das testemunhas supratranscritos.
10. Deve ser julgado provado que, quer a primeira, quer a segunda máquina de café, apresentaram problemas que obviavam a que o café fosse tirado adequadamente.
11. Deve ser julgado provado que os destroços das telas e do roofmade foram levantados por N. J., pessoa encarregue pela autora para os colocar.
12. O contrato de fornecimento de café, em regime de exclusividade, acompanhado do comodato de bens móveis, é, de facto, um contrato complexo, que envolve segmentos próprios do contrato promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato, do contrato de compra e venda, e, não raras vezes, como é o caso, está ainda sob a alçada do Dl n.º 249/99 de 7/7 (cláusulas contratuais gerais).
13. O contrato de fornecimento de café em apreço nestes autos, trata-se de um contrato, pelo menos parcialmente, pré-preenchido e elaborado, cujoconteúdo, previamente elaborado, os réus não puderam influenciar.
14. No contrato em apreço, só os elementos preenchidos à mão da cláusula segunda e da cláusula terceira são suscetíveis de cair fora da alçada do regime das cláusulas contratuais gerais, sendo certo que, quanto às restantes, o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo, ou seja, neste caso, a autora.
15. Quanto à obrigação, contida na cláusula terceira, de conservação, reparação e manutenção do equipamento, não foi esta sujeita a qualquer negociação prévia.
16. A questão da reparação e manutenção do equipamento, pressupõe, antes de mais que o equipamento e material necessário não sejam defeituosos, estejam em boas condições de funcionamento e aptos a serem reparados em caso de avaria.
17. Não obstante as inúmeras reparações efetuadas nas máquinas (já usadas) estas não surtiram qualquer efeito.
18. Os atos de reparar, consertar, manter e conservar pressupõem que a coisa existe, que não pereceu.
19. Os toldos exteriores ficaram completamente destruídos.
20. Nos termos do disposto no artigo 1136º do Código Civil, “quando a coisa emprestada perecer ou se deteriorar casualmente, o comodatário é responsável, se estava no seu poder tê-lo evitado…”
21.O comodatário está obrigado a restituir a coisa tal como a recebeu, só podendoeximir-se de tal obrigação quando ocorrer causa de exclusão da responsabilidade.
22. O primeiro réu não pôde evitar a queda dos toldos exteriores, por via das chuvas, pois nada podia fazer para o evitar.
23. Como contrapartida das obrigações de compra, promoção e venda, em regime de exclusividade, assumidas pelo primeiro réu, a autora entregou ao primeiro réu o equipamento e material publicitário descrito na cláusula terceira, para que aquele o usasse.
24. O primeiro réu, além de não ter conseguido usar as máquinas de café, pelo menos de forma eficiente, ficou sem o material publicitário, designadamente a cobertura por telas da esplanada exterior, em 2016 e, definitivamente, em 2017.
25. A sua contrapartida, que devia ter sido proporcionada pela autora, em troca das suas obrigações, deixou de existir.
26. A resolução operada pela autora não é válida e lícita.
27. Na verdade, por carta registada com aviso de receção, datada de 5 de Julho de 2017, a autora procedeu à resolução do “contrato de fornecimento em regime de exclusividade”, celebrado com os réus, exclusivamente com fundamento na não aquisição mensal de 24 quilogramas de café e na violação da exclusividade na venda de café.
28. O primeiro réu, não obstante o que consta do contrato, não estava obrigado a adquirir 24 quilos de café mensalmente, pois aquela quantidade era meramente indicativa.
29. Essa não obrigação foi dada como factualidade provada em n.º 12.
30. O primeiro réu não consumiu os 576 quilogramas a que estava obrigado porque, entretanto, resolveu o contrato por incumprimento da autora.
31. O primeiro réu não violou a obrigação da exclusividade.
32. A resolução do contrato operada pelo primeiro réu, anterior à operada pela autora, é lícita porque teve por fundamento a deficiência dos equipamentos fornecidos, designadamente das máquinas de café, e da perda dos toldos exteriores, decorrente da não resistência às condições atmosféricas, ou seja, da ausência da contrapartida a que a autora se obrigou.
33. Os réus não podem ser condenados no pagamento do material publicitário, no valor de 4.078,94 € porque, por carta registada com aviso de receção, datada de 12/07/2017, solicitaram à autora o levantamento do que restava do material publicitário, sem prejuízo daquele que já fora levantado pelo Sr. N. J., solicitação que voltaram a repetir por carta registada com aviso de receção, em 21/07/2017.
34. A autora, não obstante já ter levantado o equipamento (máquina de café e moinho) e parte do material publicitário (mesas e cadeiras), no próprio estabelecimento, nem nessa altura, nem a solicitação dos réus, o fez.
35. Deve ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra pela qual seja julgada totalmente improcedente a presente acção declarativa de condenação aqui recorrida, com a consequente absolvição dos réus.
36. A douta decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 607º do C.P.C. e 1136º do C.C.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogada a douta sentença recorrida, e a sua substituição por outra, onde se julgue totalmente improcedente a ação declarativa de condenação proposta pela “X – Indústria Torrefatora de Cafés, S.A.”, com a consequente absolvição dos réus.
Assim, farão V/ Exas. JUSTIÇA!
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A A. veio apresentar as suas contra-alegações, concluindo no sentido de considerar que o tribunal a quo decidiu bem ao julgar totalmente procedente a acção movida contra os Réus, pelo que, deverá manter-se a sentença recorrida, nos seus precisos termos, assim se fazendo a já acostumada JUSTIÇA!
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir se deve a decisão ser revogada ou mantida.
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Fundamentação de facto

1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à produção, torrefacção, comercialização, distribuição e venda de cafés e outras actividades conexas.
2. O Réu G. C. é comerciante em nome individual e explora o estabelecimento comercial denominado “Café Restaurante ...”, sito na Estrada Nacional …, …, em ..., Chaves.
3. No exercício das respectivas actividades, Autora e o Primeiro Réu celebraram, em 22 de Junho de 2016, o contrato de fornecimento em regime de exclusividade n.º 2016CE00174, para fornecimento de café no estabelecimento comercial supra referido, conforme resulta do teor de fls. 7 e 7v cujo clausulado aqui se considera integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
4. Pelo referido contrato, obrigou-se o Primeiro Réu a adquirir mensalmente à Autora e esta a fornecer-lhe a quantidade mínima de 24 quilogramas de café torrado da marca X, lote Selection, ao preço de € 25,95 o Kg, ininterruptamente, até perfazer a quantidade global de 576 quilogramas de café - cfr. alínea a) da cláusula segunda do contrato.
5. Obrigando-se ainda o Primeiro Réu, nos termos da referida cláusula, a adquirir e revender no seu estabelecimento exclusivamente marcas de café comercializadas pela Autora - conforme alínea a), n.º 1 da cláusula segunda do contrato.
6. Ficou estipulado entre a Autora e o Primeiro Réu que as recíprocas obrigações contratuais vigorariam desde 22 de Junho de 2016 e tinham a duração de 24 meses.
7. Como contrapartida das obrigações de compra, promoção e venda, em regime de exclusividade, a Autora entregou ao Primeiro Réu, na qualidade de fiel depositário, o seguinte equipamento e material publicitário – conforme n.º 1 da Cláusula Terceira:
I. Equipamento:
- Uma máquina de café; e
- Um moinho de café.
II. Material Publicitário e outros:
- Uma estrutura c/ tela 17mt x 5mt; - Um reclame bifacial 3mt x 90;
- Uma tela c/ estrutura 4mtx80;
- Reparação Tela toldo 390 x 250; - Dez mesas p.p.; e
- Quarenta cadeiras p.p..
8. Na cláusula terceira do contrato foi convencionado que “ 1. Como contrapartida das obrigações de compra, promoção e venda, em regime de exclusividade, a PC empresta à SC os equipamentos e /ou material publicitário e outros – a seguir descritos, propriedade da PC e que esta utilizará na qualidade de fiel depositária, sendo responsável pelo seu licenciamento, conservação, manutenção e reparação”.
9. Nos termos do disposto no Ponto 3.1 da cláusula quarta do contrato, obrigou-se o Primeiro Réu, em caso de resolução do contrato por incumprimento definitivo do mesmo a si imputável:
3.1 - ao pagamento à Autora de uma indemnização que as partes fixaram em 2/3 do preço unitário do quilograma de café constante da Tabela de Preços em vigor à data do incumprimento, por cada quilo de café não adquirido, conforme acordado na alínea b) da cláusula Segunda do contrato.
3.2 – à devolução do valor efectivamente despendido pela PC, na aquisição dos materiais publicitários e outros descritos na cláusula 3ª.
3.3 – à entrega dos equipamentos e material publicitário a outros pela SC à PC, nas instalações desta, sendo que, caso a SC não proceda à referida devolução, poderá a PC deslocar-se ao estabelecimento para o efeito, sendo os custos de tal operação imputados à SC.
10. A Ré M. A. vinculou-se ao cumprimento do contrato de Fornecimento de Café supra descrito na qualidade de fiadora, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia – cfr. cláusula sexta do contrato.
11. O contrato foi precedido por contacto prévio de F. R., vendedor da autora e na sequência das negociações estabelecidas com o dito vendedor, o Réu aceitou celebrar o supra referido contrato de fornecimento de café, tendo estado na posse do mesmo para o ler e bem assim tido conhecimento do teor das suas cláusulas.
12. Quanto à clausula primeira e tendo o R. levantado objecção a tal quantidade proposta, pelo F. R. foi dito que não havia qualquer problema, que aquela quantidade de café era meramente indicativa e que só encomendavam o café que necessitassem, sendo apenas necessário que consumissem a totalidade do café ali aposto, designadamente os 576 Kg e mantivessem a fidelização á marca, o que o 1º R. aceitou.
13. E, nunca a autora se opôs, por qualquer meio, a tal prática, pelo contrário, aceitou sempre as quantidades de café encomendadas pelos réus.
14. O equipamento emprestado pela autora (uma máquina de café e um moinho de café) era já usado.
15. A máquina de café veio a ser reparada pelo menos duas vezes, uma das quais em 16/10/2016 e a outra entre Novembro e Dezembro de 2016.
16. Pouco tempo depois da última reparação, a Autora procedeu à substituição da máquina de café a pedido dos RR.
17. Quanto ao material publicitário, no final de Julho de 2016, foram colocadas duas estruturas com tela e um reclame bifacial pelo qual a A. pagou a quantia de € 3.316,25 acrescida de IVA à taxa de 23%.
18. Em data não apurada, devido às condições atmosféricas, as telas caíram.
19. Dado conhecimento à autora, esta solicitou à empresa instaladora daquele equipamento, a reparação dos mesmos, a qual foi efectuada pelo Sr. N. J..
20. Posteriormente, já em 2017, as telas voltaram a cair devido ao mau tempo, tendo o material ficado destruído e espalhado pelas redondezas do estabelecimento.
21. A autora não procedeu à reparação das telas.
22. Pelo que, por carta registada em com aviso de recepção, no dia 20 de Junho de 2017, os réus, através dos seus mandatários, comunicaram à autora a resolução do contrato de fornecimento em regime de exclusividade n.º 2016CE00174, celebrado no dia 26/06/2016, com fundamento no incumprimento do mesmo pela aqui autora, conforme carta junta aos autos a fls. 30 cujo conteúdo aqui se considera integralmente reproduzido.
23. Na mesma missiva, os RR. colocaram o material identificado na cláusula 3.ª do contrato (a saber, máquina de café, moinho, estruturas, telas, reclame facial, mesas e cadeiras) à disposição para ser levantado pela aqui autora.
24. Pelo Primeiro Réu não foram adquiridas as quantidades mensais contratadas, tendo apenas sido adquiridos, até Maio de 2017 um total de 114 dos 576 quilos de café previstos no contrato, ficando por adquirir 462 quilos de café.
25. Por cartas registadas e datadas de 05/07/2017, com avisos de recepção, a A. comunicou ao 1º R e bem assim à 2ª R. na qualidade de fiadora, a resolução do contrato com fundamento na não aquisição pelo R. das quantidades de café e bem assim na violação da exclusividade contratada, exigindo-lhe o pagamento da correspondente indemnização contratual, conforme resulta das cartas de fls. 8v e 9v cujos conteúdos aqui se consideram integralmente reproduzidos ara os devidos efeitos legais.
26. Os RR. receberem as referidas cartas.
27. No dia 28 de Junho de 2017, a autora procedeu ao levantamento de parte do material, ou seja, da máquina de café e d....
28. Alguns dias depois, o vendedor da A. A. R. levantou as mesas e as cadeiras.
29. No dia 12/07/2017, por carta registada com aviso de recepção, os réus, através dos seus mandatários, entre outras coisas, e em consequência da resolução do contrato operada em 20/06/2017, solicitaram à aqui autora o levantamento do equipamento e material publicitário (estruturas, telas e reclame), no prazo de 15 dias.
30. Por carta datada de 18 de Julho de 2017, a autora pugnou pela entrega daquele equipamento e material nas suas instalações.
31. Tal carta mereceu resposta no dia 21 de Julho de 2017, pela qual os réus, através dos seus mandatários, mantiveram a disponibilidade do equipamento e material publicitário nas suas instalações para levantamento pela autora.
32. Após a resolução por si operada, o 1º R. celebrou novo contrato de fornecimento de café com outra empresa.
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Factos não provados

a) Durante a vigência do contrato e até à resolução descrita em 22, o Primeiro Réu não cumpriu com a obrigação de adquirir e revender, de forma exclusiva, as marcas de café comercializadas pela Autora, uma vez que adquiria e revendia no seu estabelecimento, simultaneamente, café de marcas concorrentes.
b) A Autora tentou, por várias formas, que o Primeiro Réu retomasse os consumos a que estava obrigado, mas sem qualquer êxito.
c) Nada foi acordado quanto a quantidades mínimas de café a adquirir, quer no período de dois anos, quer mensalmente.
d) No dia 22 de Junho de 2016, o contrato foi assinado pelos réus e entregue ao F. R., que o levou para preencher e assinar pela autora.
e) Quando os réus assinaram o contrato em apreço, o mesmo não estava preenchido no seu todo, designadamente na cláusula segunda do mesmo.
f) E foi assim que o mesmo foi entregue ao dito F. R., que o levou para preencher e para a autora assinar.
g) Quando aquele F. R. devolveu o contrato aos réus, já assinado e integralmente preenchido pela autora, os réus comunicaram-lhe que não era possível o consumo ali indicado (24 kg/mês), pois, nos melhores meses do estabelecimento nunca consumiram mais de 12 kg mensais.
h) A segunda máquina de café colocada pela A funcionava ainda pior que a anterior.
i) Um vendedor da autora, A. R., deslocou-se, por inúmeras vezes, para reparar a máquina de café e ....
j) Porém, aquele A. R. disse sempre aos réus que não tinha forma de solucionar o problema do funcionamento da máquina e que a autora não permitia a entrega de novo equipamento em condições de bom funcionamento.
k) Como as “reparações” não surtiram qualquer efeito no funcionamento daqueles equipamentos, foi a situação, por várias vezes, comunicada à autora.
l) As duas estruturas com tela instaladas no estabelecimento comercial dos autores, além da muito deficiente qualidade, foram mal colocadas, a ponto de nem sequer estarem niveladas.
m) Logo após a colocação ocorre veemente reclamação dos réus, junto da autora e dos vendedores da autora.
n) Nunca a autora procedeu à reparação.
o) A queda das telas descrita em 18 ocorreu em finais de Setembro, princípios de Outubro de 2016, tendo igualmente caído as estruturas, o que se ficou a dever a pouco mais de vento do que o usual.
p) A reparação efectuada por N. J. descrita em 19 foi efectuada com material usado e a própria reparação foi manifestamente deficiente o que mereceu reclamações dos réus.
q) A queda das telas descrita em 20 ocorreu em Janeiro de 2017 assim como o reclame bifacial e estruturas.
r) Após a queda referida em 20 os RR. solicitaram a reparação à A. por inúmeras vezes. s) O equipamento e material publicitário, designadamente os destroços das estruturas, telas e reclame foram então levantados por N. J..
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- Fundamentação de direito

Como se referiu já, este Tribunal só poderá conhecer das questões que constem das conclusões, que definem o âmbito e objecto do recurso.
Assim, importando previamente definir qual a matéria a ter em conta para depois apreciar as demais questões suscitadas, cumpre começar pela apreciação da matéria que se pretende ver aditada aos factos provados.
Nesse sentido, os RR./Recorrentes, dando por integralmente reproduzidos os depoimentos das testemunhas transcritos, entendem que se deve dar como provado que, quer a primeira, quer a segunda máquina de café, apresentaram problemas que obviavam a que o café fosse tirado adequadamente e que os destroços das telas e do roofmade foram levantados por N. J., pessoa encarregue pela autora para os colocar.
Ora, quanto à reapreciação da matéria de facto, impera o ónus de especificação de cada um dos pontos da discórdia do recorrente com a decisão recorrida, seja quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, seja a respeito dos factos que considera incorrectamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente, devendo, neste caso, indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cf. Arts. 639.º, n.º 2 e 640.º, nºs 1 e 2 do NCPC).
Assim, face ao disposto no citado art.º 640.º, n.º 1, do NCPC, quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados [alínea a)]; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [alínea b)]; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [alínea c)].
In casu, os RR./Recorrentes limitam-se, nas conclusões, a remeter para o depoimento das testemunhas e a requerer que seja aditada a referida matéria sem explicar as razões e fundamentos que, em concreto, justificariam essa alteração dos factos elencados como provados e em que medida se verificou um erro de apreciação e julgamento por parte do tribunal a quo.
Não se procede objectivamente a um qualquer relacionamento entre a referida factualidade e a prova produzida que impunham uma decisão diferente num determinado sentido.
É que tais exigências decorrem do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo e limitar os recursos às situações em que haja uma real discordância das decisões recorridas e para correcção de erros da decisão e não também às situações em que apenas se pretende diferir a decisão.
Nessa medida, há que ter em conta que, no domínio do nosso regime recursório cível, o meio impugnatório para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. Significa isto que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da acção, mas julgar a própria decisão recorrida.
Não basta, pois, vir requerer-se a alteração da decisão da matéria de facto, sem se apontar a concreta e precisa divergência na apreciação e valoração da prova, apontando qual o erro de julgamento que se verificou
Erro de julgamento esse que não é apontado em face de todas as provas produzidas, analisadas, indicadas e avaliadas pelo tribunal a quo, para concluir sobre a matéria de facto como o fez e não como os RR/Recorrentes o entendem.
Pois, há que proceder a uma análise crítica de todos os elementos probatórios e não apenas daqueles que isoladamente favorecem uma parte ou outra, sem a devida conjugação e avaliação de toda a prova.
Acresce, ainda, que, visando os recursos, por via da modificação da decisão impugnada, alcançar a aplicação do direito que lhes é favorável, está a reapreciação da matéria de facto limitada ao efeito útil pretendido com essa impugnação da matéria de facto.
Posto isto, considerando que as alegações dos Recorrentes não dão satisfação às mencionadas exigências legais, sendo que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no art. 639.º, n.º 3 do C.P.C, é de rejeitar o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto provada e não provada.
Por outro lado, o facto é que, mesmo que se considerasse que, quer a primeira, quer a segunda máquina de café, apresentavam problemas que obviavam a que o café fosse tirado adequadamente, tal não implicaria qualquer alteração da decisão só com base nesse facto, na medida em que não foi alegado e provado qual a afectação daí decorrente para a relação contratual, por forma a justificar uma resolução legítima e lícita, na medida em que, para além do mais, como decorre da factualidade vertida no ponto 16, dos factos provados, não posta em causa, pouco tempo depois da última reparação, a A. procedeu à substituição da máquina de café a pedido dos RR.
Já quanto aos destroços das telas e do roofmade, o que consta da factualidade dada como provada, e não impugnada, é que os RR. colocaram ao dispor da A. o equipamento e material publicitário, após a comunicação de que essa entrega deveria ser feita nas instalações da A. (cfr. pontos 30 e 31, dos factos provados), por só ter sido levantado o material indicado nos pontos 27 e 28, da matéria dada como provada e também não impugnada.
Por outro lado, tal como consta da factualidade vertida no ponto 20, dos factos dados como provados, as telas devido ao mau tempo caíram, tendo o material ficado destruído e espalhado pelas redondezas do estabelecimento, o que torna incongruente e sem explicação a pretensão dos RR./Recorrentes de ver aditado que os destroços das telas e do roofmade foram levantados por alguém ligado à A.
Face ao exposto, tem, pois, de manter-se a matéria factual, com base na qual importa analisar as demais questões, concretamente, a falta de negociação das cláusulas não manuscritas, no que diz respeito à obrigação contida na cl.ª 3.ª, de conservação, reparação e manutenção do equipamento.
Nos termos desse art. 5º, do Decreto-Lei nº446/85, de 25 de Outubro, do Decreto-Lei nº446/85, de 25 de Outubro, a integração de cláusulas gerais no contrato está sempre dependente da comunicação ao aderente.
Tal dever destina-se a que o aderente conheça antecipadamente o conteúdo contratual, isto é, as cláusulas a inserir no negócio, devendo ser acompanhado de todos os esclarecimentos necessários a possibilitar que conheça o significado e as implicações das cláusulas.
Por sua vez, o artigo 6.º, n.º 1, desse mesmo diploma, prescreve que o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique.
Mas não há, no que respeita aos esclarecimentos, um dever de acção oficioso, pois os esclarecimentos devem ser solicitados, conforme resulta do n º2, daquele artigo 6.º.
No quadro da formação do contrato, estes deveres de comunicação e informação radicam, evidentemente, no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular.
Têm esses deveres, por outro lado, como contrapartida, por imposição do princípio da boa-fé, o dever de diligência média por parte do destinatário, deste se esperando um comportamento leal, correcto e diligente, nomeadamente pedindo esclarecimentos, uma vez materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.
No presente caso, provou-se que ocontrato foi precedido por contacto prévio de F. R., vendedor da autora e na sequência das negociações estabelecidas com o dito vendedor, o Réu aceitou celebrar o contrato de fornecimento de café, tendo estado na posse do mesmo para o ler e bem assim tido conhecimento do teor das suas cláusulas, tendo apenas levantado objecção quanto à clausula primeira, respeitante às quantidades mensais de café, aceite como sendo indicativa, desde que consumissem a totalidade do café e mantivessem a fidelização à marca.
Daqui decorre terem tido os RR./Recorrentes a oportunidade para ler o contrato e assim tomar conhecimento integral e efectivo do seu teor.
Acresce que, nunca os RR./Recorrentes alegaram qualquer facto do qual resultasse violação do dever de informação ou, em algum momento, tivessem solicitado qualquer esclarecimento.
Por outro lado, como bem se chama a atenção no Acórdão do STJ de 20/03/2012, proferido no processo n.º 1557/05.5TBPTL.L1, e acessível em www.dgsi.pt, o compreensível regime proteccionista e de favor que enforma o DL nº 446/85, de 25/10, “não dispensa o consumidor de uma conduta diligente, zelosa e cuidada, que a boa fé aconselha e exige, como também não onera o promotor das cláusulas de adesão com incumbências de tutela sobre o mesmo consumidor que o resguardem de negligência ou descuido“.
Como tal, tendo em conta toda a factualidade apurada, tem de se entender, contariamente ao que defendem os recorrentes, ser a cláusula 3.ª, posta em causa, válida e a que se terá que atender na decisão da causa.
Vejamos, pois, agora se a resolução comunicada pela A./Recorrida aos RR./Reconvintes carece de fundamento, face à anterior resolução por estes comunicada àquela, como é defendido.
O acordo firmado entre as partes, face à factualidade provada (pontos 1 a 9), permite concluir estar-se perante um complexo contrato de natureza comercial que envolve elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e, finalmente, de compra e venda de café, em exclusividade em relação ao comprador (cfr. Ac.STJ, de 04/06/2009, proc. 257/09.1YFLSB, citado pelo ac. do STJ de 5/01/2013/proc. 600/06.5TCGMR.G1.S1).
Perante esse acordo firmado, constata-se, para o que agora interessa, terem os RR., a 20.6.2017, comunicado à A. a resolução do contrato, com fundamento no seu incumprimento por parte da demandante.
Acontece que, nenhum facto lograram demonstrar que permitisse concluir verificar-se um qualquer incumprimento da A. capaz de fundamentar essa resolução.
Pois, como resulta da matéria apurada, sendo o equipamento emprestado pela autora (uma máquina de café e um moinho de café) usado, veio a máquina de café a ser reparada, pelo menos, duas vezes, uma das quais em 16/10/2016 e a outra entre Novembro e Dezembro de 2016, após o que, depois da última reparação, a Autora procedeu à substituição da máquina de café a pedido dos RR.
Mais se apurou que, tendo caído as telas, devido às condições atmosféricas, a A. procedeu à reparação desse equipamento.
Só, já em 2017, é que, tendo as telas voltado a cair devido ao mau tempo, ficando o material destruído e espalhado pelas redondezas do estabelecimento, é que a autora não procedeu à sua reparação.
Acontece que, tal como estipulado na cl.ª 3.ª do contrato firmado entre as partes, os equipamentos e/ou material publicitário propriedade da A., foram dados de empréstimo ao 1.ºR., por forma a utilizá-lo, na qualidade de fiel depositário, ficando, assim, a seu cargo a sua conservação, manutenção e reparação.
Como tal, não pode valer-se de uma obrigação que era sua para a fazer recair sobre a A. como suporte da resolução por si pretendida, ou seja, sendo sua a obrigação, não pode nela fundamentar a resolução do contrato como sendo imputável ao outro outorgante.
Tal remete-nos para a questão respeitante às consequências da resolução ilegítima, isto é, se a mesma determina ou não a cessação do vínculo contratual estabelecido.
No sentido afirmativo de que a resolução infundada é operante, posicionam-se Romano Martinez (pág. 221 da Cessação do Contrato, Almedina, 2.ª edição, 2006), Pinto Monteiro (pág. 128 do Contrato de Agência, Anotação, Almedina, 5.ª edição, 2004), Assunção Cristas, citada no ac. do STJ de 22/05/2018, proc. 27800/15.4T8PRT.P1.S1, pese aí se siga a posição contrária, e o Ac. da Relação de Lisboa de 10/12/2009, proc. 6240.05.9TVLSB.L1-7.
Uma outra tese seguida, designadamente por Fernando de Gravato Morais (págs. 164 e 165 do Contrato-Promessa em Geral e Contratos-Promessa em Especial, Almedina, 2009) e Calvão da Silva (págs. 134 e 158 d’A declaração da intenção de não cumprir e pressupostos da resolução por incumprimento, in Estudos de Direito Civil e Processo Civil, Almedina, 1999), consideram que a resolução ilegítima não determina a cessação do contrato, o que vai de encontro ao decidido no Ac. do TRC de 21/09/2010, proc. 3106/08.4TBAVR.C1.
Considerando o caso concreto, entendemos que, sendo ilícita a resolução, o credor tem de continuar a poder exigir, judicialmente o cumprimento do contrato (“dando, afinal, cumprimento ao princípio da força obrigatória do contrato” – na expressão de Brandão Proença, Lições citadas, 2.ª edição, pág. 369). Uma resolução ilegítima não pode provocar os efeitos jurídicos queridos pelo agente, por serem contrários à lei (art. 280.º/1 do CC).
E precisamente porque a resolução ilícita do contrato não pode produzir a extinção do mesmo, o que pode acontecer é que a resolução ilícita do contrato seja equiparada – apenas quando de facto o puder ser -, a uma recusa categórica de cumprimento que confere à contraparte a possibilidade de resolver o contrato (até então subsistente apesar da resolução ilícita) com base nela.
No sentido da regra geral, de princípio, da ineficácia extintiva da resolução ilícita, refere Paulo Mota Pinto que “a resolução sem fundamento é, pois, ineficaz”, “por não possuir fundamento e o resolvente não ser titular do correspondente direito potestativo. […] da tentativa de exercício de um direito de que se não era titular não pode resultar qualquer efeito extintivo da relação contratual” - cfr. Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Coimbra Editora, 2008, nota 4861, págs. 1674/1677).
A este respeito Brandão Proença também menciona que “é[É] do entendimento comum que, em regra, a decisão do devedor é revelada de forma expressa mediante uma declaração dirigida ao credor e em que faz saber – como seu conteúdo – a vontade de não cumprir o chamado “programa contratual”. No seu desiderato de anunciar essa intenção, a declaração do devedor pode manifestar-se obliquamente com alegações de inexistência ou invalidade contratual, sob a forma de motivações subjectivas de desinteresse […] e pretensões sem justificação contratual, ou ir implícita na atitude mais radical de repúdio ou rejeição do próprio contrato, revelada através de pedidos de anulação, resolução (potenciada com um pedido indemnizatório) denúncia ou impugnação do vínculo assumido […] a tentativa de uma desvinculação ilegítima, activada por alguma dessas formas jurídicas, pode querer branquear a evidência de um acto lesivo, apresentando-se, pois, como sinal concludente de uma recusa antecipada de cumprimento […] (A hipótese da declaração (lato sensu) antecipada de incumprimento por parte do devedor, Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, 2003 = Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, pág. 262):”.
Já Nuno Manuel Pinto Oliveira (Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Maio 2011, págs. 864 a 868), lembra que os autores portugueses têm considerado que a declaração expressa de resolução do contrato, quando injustificada, é – ou pode ser – uma declaração tácita de recusa de cumprimento e, acrescenta, que “o[O] devedor que declarasse actuar o direito potestativo [de] resolver um contrato bilateral, não podendo fazê-lo, por não estarem preenchidos os requisitos da resolução […] estaria a atribuir ao seu credor o direito potestativo de o resolver. O devedor que alegasse, injustificadamente, que o seu credor não cumpriu e que quisesse resolver o contrato pelo facto de o seu credor não ter cumprido estaria a atribuir-lhe a faculdade de alegar, justificadamente, que o devedor não cumpriu.
Tal como igualmente referia Raúl Guichard e Sofia Pais, in Direito e Justiça, 2000, I, especificamente págs. 316/319, quando a declaração de resolução não surtir os efeitos pretendidos, por não se verificarem os respectivos pressupostos, isso não significa que não possa assumir importância, não enquanto declaração negocial de extinção do contrato, mas como facto revelador de uma vontade de não cumprir.
Há, no entanto, que prevenir o pensamento errado de que a declaração ilegal de resolução por uma das partes contratantes constitui sem mais fundamento de resolução para a outra parte, pois tal, sempre dependerá da apreciação concreta do caso.
Ora, o que aconteceu, in casu, é que o 1.º Réu não adquiriu as quantidades mensais contratadas, tendo apenas adquirido, até Maio de 2017 um total de 114 dos 576 quilos de café previstos no contrato, ficando por adquirir 462 quilos de café.
No entanto, o facto é que, tendo o R. levantado objecção a tal quantidade proposta, pelo F. R. foi dito que não havia qualquer problema, que aquela quantidade de café era meramente indicativa e que só encomendavam o café que necessitassem, sendo apenas necessário que consumissem a totalidade do café ali aposto, designadamente os 576 Kg e mantivessem a fidelização à marca, o que o 1º R. aceitou.
Como tal, nunca a autora se opôs, por qualquer meio, a tal prática, pelo contrário, aceitou sempre as quantidades de café encomendadas.
Perante este cenário, considerada a hipótese de se verificar uma conduta abusiva por parte da A., julgou o tribunal a quo não se verificar a mesma, por considerar que após ter o 1.ºR. resolvido o contrato, incumprindo os consumos contratualizados, não poderia esperar que a A. não o resolvesse com base nesse fundamento.
Segundo Menezes Cordeiro “a supressio abrange manifestações típicas de ‘abuso de direito’ nas quais uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé. […] O quantum do não exercício será determinado pelas circunstâncias do caso: o necessário para convencer um homem normal, colocado na posição do real, de que não mais haverá exercício. A justificação será reforçada por todas as demais circunstâncias ambientais capazes de conformar essa convicção, legitimando-a.” (páginas 56 e 58 da Litigância de má fé, abuso do direito de acção e culpa in agendo, Almedina, 2006).
Acontece que, no caso, pese embora a A. tivesse aceite sempre as quantidades mensais de café encomendadas, pese embora não correspondessem à mencionada no contrato, o facto é que se impôs que fosse consumida a totalidade do café, concretamente os 576 Kg, com fidelização à marca, daí que não se possa concluir que a A., pela sua conduta, não viesse a exigir tal obrigação e a nela basear-se para fundamentar o incumprimento.
Acresce, por outro lado, que ao ter o 1.º R., na sua comunicação de resolução, colocado à disposição da A. os equipamentos por esta disponibilizados, vindo a celebrar um novo contrato de fornecimento de café com outra empresa, revelou manifestamente não pretender cumprir a título definitivo o contrato, daí ter de se considerar legítima, lícita e válida a resolução operada pela A.
Como tal, sob esta perspectiva, seria de manter a decisão proferida.
No entanto, tendo-se aí considerado que as telas caíram devido às más condições atmosféricas e, portanto, não por culpa da A., tal também deve funcionar para afastar a responsabilidade dos RR. quanto ao pagamento do seu valor exactamente pelas mesmas razões, na medida em que, como resulta da factualidade vertida no ponto 20 dos factos dados como provados, as telas caíram devido ao mau tempo, tendo o material ficado destruído e espalhado pelas redondezas do estabelecimento.
Não é, assim, possível concluir-se estar-se perante uma qualquer actuação imputável aos RR. a título de falta de conservação, manutenção ou reparação.
Nessa parte, não pode, pois, a decisão ser mantida, mas antes alterada, por forma a ser deduzido, no valor de 4.078,94, o montante respeitante às telas, ainda que a liquidar em execução de sentença
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IV- Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães, em manter a decisão proferida, com excepção do pagamento do valor respeitante às telas, que deve ser deduzido no valor de 4.078,94, ainda que a liquidar em execução de sentença.
Custas a cargo dos recorrentes e recorrida, na proporção do vencimento.
Registe e notifique.
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Guimarães, 17 de Dezembro de 2020
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e assinado electronicamente pelo colectivo)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida