SEGURO DE GRUPO
SEGURO DE VIDA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
INCUMPRIMENTO
Sumário

I - É orientação largamente maioritária da jurisprudência que compete ao tomador do seguro (e não à seguradora) a obrigação de informação das cláusulas contratuais constantes do seguro de grupo, bem como o ónus da prova do cumprimento desse dever (Art. 78.º n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Dec.Lei n.º 72/2008 de 16/4).
II -O incumprimento dessas obrigações por parte do tomador do seguro não é oponível pelo segurado à seguradora, pelo que a cláusula geral não comunicada não se pode ter por excluída do âmbito da adesão ao seguro.
III - No entanto, a nulidade da cláusula do contrato de seguro, por alegada violação do disposto no Art. 8º al. c) do Dec.Lei nº 446/85 de 25/10, ou por ser absolutamente proibida, nos termos estatuídos pelos Art. 21º n.º 1 al. a), ou por ser contrária à boa fé, como decorre do Art. 15º, conjugada com o Art. 16.º, sempre do mesmo diploma legal, nada têm que ver com a obrigação de informação com que a lei onera o tomador do seguro, nos termos do Art. 78.º n.º 1 do RJCS. Trata-se de vício que afetará a cláusula em si mesma considerada, independentemente do cumprimento efetivo do dever de informação.
IV- As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 são nulas nos termos aí previstos (v.g. Art. 12.º do citado diploma), sendo essa nulidade de conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo por qualquer interessado (Art. 286.º do C.C.).
V - Não são contrárias à boa fé e ao princípio da confiança, nem conferem à seguradora uma vantagem injustificada e desproporcionada, as cláusulas constantes de condições gerais e especiais de uma apólice de seguro, nas quais se especifica o que deve entender-se por invalidez total e permanente e se definem as condições cumulativas de que depende a indemnização contratada, reconduzindo a mencionada invalidez ao estado daquele que, por força de doença ou acidente, fique total e irreversivelmente incapacitado de exercer a sua profissão ou atividade compatível com os seus conhecimentos e aptidões, com um grau de incapacidade, de acordo com a TNI, de pelo menos 66,6%, certificado pela Segurança Social, Tribunal de Trabalho ou Junta Médica, deixando assim de poder auferir rendimentos que lhe permitam pagar a dívida dos contratos de mútuo garantidos pelo contrato de seguro.
VI- Tais cláusulas limitam-se a clarificar o conceito de invalidez total e permanente, especificando o risco coberto pelo seguro em conformidade com a finalidade do contrato em termos com os quais o aderente poderia razoavelmente contar, não podendo essas estipulações ser considerada abusiva nos termos dos Art.s 15.º e 16.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A veio intentar, contra a B [….Seguros, S.A. ] , a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, pedindo a condenação desta a: a) A pagar ao A. a quantia de €149.794,00, correspondente ao capital em dívida à Caixa Geral de Depósitos em 29 de abril de 2011, no âmbito dos contratos de mútuo indicados nos documentos que juntou com os n.ºs 1 a 4, acrescida da diferença entre o capital em dívida à Caixa Geral de Depósitos e a totalidade do capital seguro na mesma data, bem como juros de mora à taxa legal, contados desde 19 de fevereiro de 2015 até ao efetivo pagamento; e b) A restituir ao A. todas as prestações por este pagas à R. em execução dos referidos contratos de seguro, desde 29 de abril de 2011, bem como as que venham a ser pagas a partir desta data e até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros à taxa legal contados desde 19 de fevereiro de 2015 e a partir do pagamento de cada uma das prestações posteriores a essa data, até à sua efetiva restituição, a liquidar em execução de sentença.
Para tanto, alegou que foi trabalhador da CGD, desde janeiro de 1983 até 30 de abril de 2011, data em que passou à situação de aposentação, tendo recorrido a crédito dessa instituição bancária, conforme dos documentos que juntou com os n.ºs 1 a 4. Como garantia do cumprimento desses mútuos, o A. subscreveu boletins de adesão a contrato de seguro celebrado com a R., por intermédio dos serviços da CGD, pelo qual aquela seguradora se obrigou a pagar a esse banco, em caso de morte ou invalidez total e permanente do A., resultante de acidente ou doença, as quantias correspondentes ao capital mutuado em dívida à data da ocorrência de qualquer desses eventos.
Sucede que, o A. passou à situação de invalidez total e permanente, na sequência de requerimento de aposentação dirigido à Caixa Geral de Aposentações, a qual lhe foi concedida com esse fundamento, com efeitos a partir de 30 de abril de 2011. Após, veio o A. a solicitar à R., em fevereiro de 2015, o pagamento do capital seguro à data daquele evento (30 de abril de 2011), encontrando-se então em dívida à CGD, no âmbito dos contratos de mútuo garantidos, o valor de €149.794,00. Em resposta, a R. solicitou ao A. relatório preenchido pelo médico assistente e um atestado médico de incapacidade multiusos, mas o A. replicou que nenhum outro documento seria ser necessário, pois tinha-se aposentado com 60 anos na sequência de exame médico do serviço de medicina do trabalho, que o reconheceu “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro). Sucede que, a R. entendeu doutro modo, reiterando a necessidade de o A. lhe facultar documentos adicionais, que este considera não serem relevantes para o procedimento de sinistro.
Citada a R. contestou, pugnando pela improcedência da ação, alegando que o A. nunca participou, por si, que padecia de uma situação de invalidez, sendo que a primeira comunicação recebida pela R. foi uma carta subscrita pelo mandatário do A., somente colocada no correio a 5 de março de 2015 e recebida pela R. não antes de 6 de março de 2015. Defendeu assim, caso se demonstre que o A. se encontra em situação enquadrável na definição de invalidez coberta pelo contrato de seguro, não responderá a R. pelo período temporal decorrido até 10 de março de 2015, não podendo a seguradora ser havida em mora, por causas imputáveis ao ora demandante. Por outro lado, sustenta ainda que ocorreu um manifesto incumprimento do contrato por parte do A., o qual se tem vindo a recusar entregar à R. a informação a que contratualmente está obrigado, impossibilitando a seguradora de saber se tem, ou não, o dever de cumprir com alguma sua prestação no âmbito do seguro, não sendo lícito presumir que o A. se encontra afetado de invalidez total e permanente, tal como prevista e definida em sede de apólice de seguro, só porque passou à situação de aposentação.
Convidado para o efeito, o A. exerceu o contraditório mantendo o alegado na petição inicial, pugnando pela improcedência das exceções invocadas na contestação. Quanto às obrigações da R. relativas ao período de abril de 2011 a março de 2015, alegou que a única consequência jurídica a extrair do facto de a participação não ter sido imediatamente dirigida à R. é a de esta não dever ao A. os juros da dívida peticionada que, eventualmente, se hajam vencido entre a data da verificação da incapacidade do segurado e a da respetiva participação do sinistro à R., pelo que improcederia aquela pretensão da defesa. No respeitante à alegada recusa de entrega à R. de elementos pretensamente indispensáveis à verificação da situação de incapacidade do A., disse, em síntese, que, tendo em conta a natureza e teor do documento junto aos autos, que atesta a sua incapacidade, deve considerar-se ser este o único meio apto a verificar a ocorrência dos pressupostos do pagamento do capital seguro a que a presentes ação se reporta, pois a Caixa Geral de Aposentações é a única entidade idónea para verificar a situação de incapacidade do A., atendendo à natureza administrativa do vínculo laboral entre este e a CGD.
Findos os articulados, veio a ser dispensada a realização da audiência prévia, ao abrigo do disposto no Art. 593.º n.º 1 do C.P.C., tendo também sido decidido abster-se de proferir o despacho previsto no Art. 596.º n.º 1 do C.P.C., por se considerar desnecessário à tramitação dos autos, tendo em atenção o disposto nos Art.s 6.º n.º 1 e 547.º, ambos do C.P.C..
Foi então proferido despacho saneador e apreciado os requerimentos probatórios, que incluíam a realização de prova pericial à pessoa do A..
Concluídas as diligências instrutórias prévias, foi designada audiência final e, finda a discussão da causa, veio a ser proferida sentença que, julgando a ação improcedente por não provada, absolveu a R. dos pedidos contra si formulados.
É dessa sentença que o A. vem agora recorrer, resultando do final das suas alegações as seguintes conclusões:
1ª - O Recorrente passou à situação de aposentação com fundamento em incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 37º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de dezembro, com efeitos a partir de 30 de abril de 2011.
2ª - Na douta sentença recorrida, a decisão de que se recorre teve por base, em síntese, os seguintes fundamentos:
“Em jeito de síntese, podemos alinhar os fundamentos conclusivos seguintes:
- O contrato de seguro de vida subjacente à presente ação, na parte em que exige a verificação de determinados requisitos cumulativos para o seu acionamento, em caso de invalidez total e permanente, não ostenta uma “feição leonina” em favor da seguradora Ré;
- Perante o incumprimento do Autor, que se tem recusado a entregar à seguradora Ré a informação a que contratualmente se obrigou, é aquele quem está em mora, não lhe bastando a aposentação prevista no artigo 37.º, n.º 2, al. a), do Estatuto da Aposentação;
- Doutro passo, os autos não sustentam que o Autor seja portador de invalidez elegível para o funcionamento do contrato de seguro em presença, nos termos estipulados com a Ré – antes evidenciando, a prova pericial realizada na lide, a situação atual inversa.
Por tudo quanto se deixou escrito, a presente ação deve ser julgada improcedente, por não provada na sua essencialidade, prevalecendo a matéria excetiva alegada em sede de contestação (a recusa de entrega à Ré, por parte do Autor, de elementos indispensáveis à verificação da sua situação de incapacidade para efeitos de eventual acionamento do seguro de vida).
[…]
V. Decisão
Atento o circunstancialismo factual assente e a fundamentação jurídica invocada, o Tribunal julga a ação improcedente, por não provada na sua essencialidade, e procedente a matéria excetiva deduzida, por provada; e, em consequência, absolve a Ré dos pedidos formulados pelo Autor.”;
3ª - Quanto à alegada recusa de entrega à Ré, por parte do Autor, de elementos alegadamente indispensáveis à verificação da situação de incapacidade do mesmo, o que importa determinar, salvo o devido respeito, é se a incapacidade invocada e provada pelo Recorrente, é ou não suficiente para considerar-se verificada a condição prevista nos contratos de seguro;
4ª - Tendo em conta a natureza e teor do documento junto aos autos pelo Autor, que atesta a sua incapacidade, deve considerar-se que é este o único meio apto a verificar a ocorrência dos pressupostos do pagamento do capital seguro a que os presentes autos se reportam;
5ª - A Ré teria o direito de exigir a verificação da incapacidade do ora Recorrente se este tivesse invocado uma situação de incapacidade de outro tipo, isto é, que não se encontrasse verificada e declarada pela única entidade legalmente competente para esse efeito a incapacidade que o Recorrente invocou – incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções;
6ª - Coisa diferente é saber se esta incapacidade – oportunamente invocada e provada pelo Recorrente - é suficiente para o efeito por este pretendido;
7ª Quanto à questão de saber se a situação do Autor corresponde, ou não, à situação de invalidez total e permanente prevista nos contratos de seguro, importa ter presente o que foi decido, em situação idêntica, cujo processo correu termos, sob o nº 625/12.1TVLSB, na antiga 5ª Vara Cível de Lisboa;
8ª - No caso a que se refere a douta sentença parcialmente transcrita nas presentes alegações, a situação era idêntica à do ora Recorrente, porquanto se tratava também de uma trabalhadora da Caixa Geral de Depósitos, que foi declarada absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, em que a Ré era também a Ré aqui Recorrida e eram os mesmos os contratos de seguro;
9ª - Procedem, também, nos presentes autos, as razões que conduziram à condenação da ora Recorrida no citado processo nº 625/12.1TVLSB;
10ª - A douta sentença ora impugnada não fez a melhor interpretação da lei aos factos provados e viola, nomeadamente, as citadas disposições dos artigos 1º, nºs 1e 2, do Dec. Lei nº 446/85, de 25.10, bem como os artigos 8º, c), 21º, nº 1, alínea a) e 15º do mesmo diploma, e vai contra a jurisprudência dos citados Acórdãos da Relação do Porto de 27/2/2014 e do S.T.J. de 19/10/2010, disponíveis em ww.dgsi.pt, pelo que deve ser substituída por decisão que reconheça os direitos invocados pelo Recorrente e condene a Recorrida nos correspondentes pedidos.
Pede assim que seja concedido provimento ao recurso, anulando-se a sentença recorrida e julgando-se a ação procedente, com a consequente condenação da R. nos pedidos deduzidos na petição inicial.
A R. contra-alegou e, mesmo não apresentando conclusões, pugnou pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são:
A) A validade das cláusulas contratuais que delimitam o risco coberto pelo contrato de seguro por “invalidez total e permanente”;
B) Saber se o risco coberto pelo contrato de seguro dos autos compreende a concreta situação de invalidez sofrida pelo A.; e
C) A relevância do cumprimento das obrigações acessórias no sentido de o segurado instruir do pedido de acionamento do seguro, nomeadamente para saber se para fazer funcionar a cobertura segurada bastaria a situação de invalidez fixada pela Caixa Geral de Aposentações, por ser a única entidade alegadamente competente para esse efeito.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. O Autor recorreu aos créditos constantes dos documentos juntos de fls. 13 a 20 (aqui dados como integrados);
2. Como garantia do cumprimento dos mencionados empréstimos, o Autor subscreveu contratos de seguro (seguro associado a crédito à habitação, seguro associado a reforço desse crédito e outros), pelos quais a Ré se obrigou a pagar à entidade mutuante, em caso de morte ou invalidez total e permanente do Autor, resultante de acidente ou doença (tais como definidas nas condições contratuais), as quantias correspondentes ao capital seguro à data da ocorrência de qualquer desses eventos;
3. O Autor requereu a sua aposentação junto da Caixa Geral de Aposentações, a qual lhe foi concedida por ter sido declarado, em exame médico do serviço de medicina do trabalho da Caixa Geral de Depósitos (CGD), “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro), com produção de efeitos a partir de 30 de abril de 2011 (cfr. documento de fls. 21 a 38);
4. Tendo passado à situação de aposentação com o referido fundamento, o Autor, em fevereiro de 2015, solicitou à Ré o pagamento do capital seguro à data daquele evento (30 de abril de 2011) – cfr. documento de fls. 21 a 38;
5. Em 30 de abril de 2011, a totalidade do capital em dívida pelo Autor à CGD, no âmbito dos contratos de mútuo referidos, cifrava-se em €149.794,00 (cfr. documentos de fls. 13 a 20);
6. Na sequência daquele pedido do Autor, a Ré, por carta de 23 de março de 2015, solicitou ao Autor um relatório preenchido pelo médico assistente e um atestado médico de incapacidade multiusos (cfr. documento de fls. 39 a 42);
7. Após essa solicitação da Ré, o Autor veio a reiterar os termos do pedido feito perante aquela seguradora, considerando ele que, ao invés do que a Ré afirmava, face à sua situação, nenhum outro documento poderia ser necessário para que a Ré considerasse como vencido o capital seguro;
8. O Autor nasceu a 8 de março de 1960, contando com 51 anos de idade à data da sua aposentação (cfr. documento de fls. 21 a 38);
9. Por carta datada de 31 de julho de 2015, a Ré reiterou, perante o Autor, a necessidade de este apresentar os documentos indicados no ponto 6 supra (cfr. documento de fls. 43 e 44);
10. Em resposta, o Autor enviou-lhe, a 29 de outubro de 2015, a carta documentada a fls. 46 e 47 (aqui dada como integrada), afirmando, nomeadamente, o seguinte:
“a) Tal como consta dos documentos anexos às minhas cartas anteriores, o Sr. A passou à situação de aposentação, por despacho da Direção da Caixa Geral de Aposentações, de 23.05.2011, com fundamento em incapacidade verificada em 29.04.2011, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 37° do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo D. L. nº 498/72, de 9/12;
b) Ora, conforme consta da citada a) do nº 2 do artigo 37° do Estatuto da Aposentação, o meu Constituinte foi declarado, em exame médico, absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções;
c) É este, portanto, o evento que deve ser considerado, reportado à data de verificação dessa incapacidade, isto é, à data de 29 de abril de 2011” (cfr. documento de fls. 45 a 47);
11. A Ré respondeu através de missiva datada de 13 de novembro de 2015 (junta a fls. 49 e aqui dada como integrada), reiterando, novamente, a necessidade de o Autor lhe facultar documentos adicionais; aí concluiu: “Ficamos a aguardar o envio desta documentação para que possamos analisar e decidir sobre o pagamento ou não da indemnização solicitada” (cfr. documento de fls. 48 e 49);
12. Entre o Banco Nacional Ultramarino (BNU) e a seguradora Ré foi celebrado um contrato de seguro do ramo Vida Grupo, titulado pela apólice número 2.100.055, ao qual aderiam os trabalhadores do referido banco que com este celebrassem contratos de mútuo para a obtenção de financiamento de crédito à habitação (cfr. documentos de fls. 89 a 96);
13. No mencionado contrato, o BNU era, não apenas o tomador do seguro, como também o único beneficiário do mesmo, sendo que, em caso de ocorrência de facto subsumível às coberturas da apólice (morte ou invalidez da pessoa segura, tais como definidas nas condições contratuais), só a esse banco (BNU) seria pago o capital seguro, em montante não superior ao limite do mesmo capital;
14. As coberturas contratadas eram as seguintes:
(i) Morte por doença ou acidente;
(ii) Invalidez total e permanente por doença, tal como definida nas condições gerais e particulares da mencionada apólice; e
(iii) Invalidez total e permanente por acidente, tal como definida nas condições gerais e particulares da apólice;
15. O Autor subscreveu quatro boletins de adesão ao mencionado contrato de seguro (cfr. documentos de fls. 89 a 96), a saber:
- A 1 de outubro de 1998, subscreveu o boletim de adesão (pessoa segura número 3.206) documentado a fls. 89 e 90 (aqui dado como integrado), por via do qual contratou as supramencionadas coberturas para um capital de Esc.: 33.500.000$00;
- A 1 de outubro de 1998, subscreveu o boletim de adesão (pessoa segura número 3.381) documentado a fls. 91 e 92 (aqui dado como integrado), por via do qual contratou as supramencionadas coberturas para um capital de Esc.: 13.500.000$00;
- A 27 de janeiro de 1999, subscreveu o boletim de adesão (pessoa segura número 3.332) documentado a fls. 93 e 94 (aqui dado como integrado), por via do qual contratou as supramencionadas coberturas para um capital de Esc.: 10.000.000$00;
- A 10 de setembro de 1999, subscreveu o boletim de adesão (pessoa segura número 3.620) documentado a fls. 95 e 96 (aqui dado como integrado), por via do qual contratou as supramencionadas coberturas para um capital de Esc.: 5.000.000$00;
16. Com a extinção da entidade BNU no ano de 2000, em resultado de fusão por incorporação na CGD, o Autor passou a integrar os quadros da CGD, tomando esta a posição de financiadora/credora nos supra referidos contratos de mútuo e, também, a de tomadora e respetiva beneficiária no contrato de seguro do ramo Vida Grupo;
17. Em resultado, a apólice foi renumerada, passando a ter o número 4.409.769, e as adesões do Autor passaram para os números 21.532, 21.618, 21.595 e 21.753;
18. O contrato de seguro rege-se pela ata adicional número 1/2009 e as condições gerais e particulares, documentadas de fls. 97 a 114 (aqui dadas como integradas);
19. Nos termos das respetivas condições gerais e particulares, para que se verifique uma situação de invalidez total e permanente por doença, garantida pelo dito contrato, ficou estipulada a verificação cumulativa dos requisitos seguintes:
a) Que a pessoa segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões;
b) Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior a 66,6(6) %, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes Pessoais e Doenças Profissionais, em vigor na data da avaliação da desvalorização sofrida pela pessoa segura;
c) Seja reconhecida previamente pela instituição de segurança social pela qual a pessoa segura se encontra abrangida ou pelo tribunal do trabalho ou, caso a pessoa segura não se encontre abrangida por nenhum regime de segurança social, por junta médica;
d) Não entrando para o respetivo cálculo quaisquer incapacidades ou patologias pré-existentes (cfr. documentos de fls. 99 a 114);
20. A primeira comunicação recebida pela Ré, atinente à participação do evento, foi uma carta subscrita pelo Mandatário do Autor, datada de 19 de fevereiro de 2015, mas colocada no correio a 5 de março de 2015 e recebida nos serviços da seguradora Ré não antes de 6 de março de 2015 (cfr. documentos de fls. 115 a 117);
21. Recebida pela Ré a carta em apreço, a mesma respondeu nos termos constantes da sobredita missiva documentada a fls. 118 e 119 (aqui dada como integrada e já indicada no ponto 6 supra), com a data de 23 de março de 2015;
22. (…) Na qual a Ré solicitou que o Autor lhe remetesse um atestado médico multiusos e um relatório médico a emitir pelo seu médico assistente (cfr. documento de fls. 118 e 119);
23. O Autor recusou e recusa disponibilizar à Ré os documentos solicitados por esta, alegando que a circunstância de ele ter sido aposentado basta para demonstrar estar em situação de invalidez, tal como definida no contrato de seguro;
24. Estipula o artigo 8.º, n.º 2.2., c2)., das condições gerais do contrato que a pessoa segura deve promover, de entre o mais, o envio a médico designado pelo segurador:
- De relatório do seu médico assistente que indique as causas, a data de início, a evolução e as consequências da lesão corporal e, ainda, informação sobre o grau de invalidez verificada e sua provável duração; a divergência entre o médico da pessoa segura e o médico designado pelo segurador, quanto ao grau de invalidez, pode ser decidida por um médico nomeado por ambas as partes;
- De um atestado médico de incapacidade multiusos (cfr. documento de fls. 99 a 110, com enfoque para fls. 107);
25. Observado em março de 2010, na vertente de psicologia, concluiu-se que o Autor, “(…) quer a nível profissional, quer a nível pessoal terá muita dificuldade em manter uma dinâmica equilibrada devido ao seu comportamento extremamente instável e agressivo. Assim o A não apresenta condições para o exercício da sua atividade profissional correndo o risco de sofrer de recorrentes episódios de descontrolo perante qualquer adversidade ou contrariedade.
É um transtorno com graves implicações que necessitará de um adequado acompanhamento médico e psicológico” (cfr. documento de fls. 200 e 201);
26. Em 3 de maio de 2010, o Autor apresentava as patologias seguintes:
- Status stress pós-traumático com características depressivas acompanhadas de alterações de foro cognitivo, que implicam alterações de comportamento que interferem com a realização das suas funções profissionais, estando a ser seguido em psiquiatria e psicologia e medicado com antidepressivos e ansiolíticos;
- Patologia cardíaca hipertensiva, de difícil controlo e já com consequências morfológicas, nomeadamente cardiomegália, apesar da medicação instituída;
- Dislipidémia com intolerância às estatinas;
- Apneia do sono;
- Colite espástica (cfr. documento de fls. 197);
27. Na sequência de perícia psiquiátrica realizada na pessoa do Autor, foi emitido parecer psiquiátrico-forense, datado de 3 de abril de 2019, com o teor seguinte:
“De acordo com a avaliação clínico-psiquiátrica efetuada (numa perspetiva médico-forense) e reunidos os elementos indispensáveis à apreciação do presente caso, quer em termos de história pregressa (incluindo os relativos da personalidade pré-mórbida), quer os apurados pelo exame mental propriamente dito, e atendendo aos resultados dos testes psicométricos realizados, podemos afirmar que a intensidade dos sintomas apurados não possibilitam a realização de um diagnóstico psiquiátrico, pelo que se considera que o examinando não apresenta, no momento, qualquer patologia psiquiátrica englobável numa das classificações internacionais de doenças psiquiátricas.
A sua personalidade é caracterizada pela existência de ansiedade, procurando dar uma imagem adequada de si, com elevada desejabilidade social, associada à necessidade de aprovação e reconhecimento social, tendência para se apresentar favorável. Evidencia ainda alguma tensão interior, dificuldades de concentração, preocupação com a organização. Apurou-se ainda características de impulsividade, autocentração, pessimismo, preocupação e insatisfação” (cfr. documento de fls. 224 a 226 verso);
28. Na sequência de avaliação psicométrica para caracterização da personalidade e de psicopatologia na pessoa do Autor, concluiu-se, em 11 de abril de 2019, que “(…) foi possível apurar a existência de ansiedade, não só como característica de personalidade, mas também como sintoma atual, neste caso, de grau moderado. Evidencia ainda atualmente alguma tensão interior, dificuldades de concentração, preocupação com a sujidade ou desorganização, bem como sono agitado ou perturbado. Apurou-se ainda características de impulsividade, autocentração pessimismo, preocupação e insatisfação” (cfr. documento de fls. 228 a 234 verso);
 29. Na sequência de perícia de neurocirurgia realizada na pessoa do Autor, foi emitido o correspondente relatório, datado de 10 de maio de 2019, com o teor seguinte (entre o mais):
“(…) O Examinando não apresenta doenças e sequelas neurológicas e psiquiátricas enquadráveis na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, TNI – Anexo I. (…).
Sem doença atribuível do foro Neurológico e Psiquiátrico.
(…) Não apresentando sequelas permanentes neurológicas e psiquiátricas.
(…) Não enquadrável na tabela nacional por acidentes de trabalho e doenças profissionais” (cfr. documento de fls. 239 a 240 verso);
30. Complementarmente, em 29 de julho de 2019, o mesmo Sr. Perito médico concluiu que o Autor “Não apresenta outras patologias ou estados médicos concorrentes nesta avaliação e com enquadramento na TNI, quer documentados nos autos ou referidos pelo Examinando, nomeadamente neurológicos” (cfr. documento de fls. 248 a 249 verso).
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Julgaram-se ainda por não provados os seguintes factos:
I. O Autor foi trabalhador da CGD desde janeiro de 1983 até ao ano de 2000 (o da extinção da entidade BNU);
II. A Ré agravou o prémio de seguro do Autor em 25 %, tendo em consideração o facto de, da avaliação médica feita ao mesmo no momento em que se propôs a seguro, terem sido detetados vários fatores de risco.
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A presente ação tem por finalidade essencial tornar efetivo o acionamento da garantia, prevista no contrato de seguro celebrado com a R., de pagamento do capital mutuado ao A. pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. que estivesse em dívida à data da alegada verificação do sinistro coberto por esse seguro.
O A., enquanto funcionário bancário, invocou ter celebrado 4 contratos de mútuo com a sua entidade patronal, para garantia do pagamento dos quais subscreveu boletins de adesão a contrato de seguro acordados com a R., também por intermédio dos serviços da Caixa Geral de Depósitos, ficando assim a R. obrigada a pagar a esse banco as quantias correspondentes ao capital seguro e em dívida à data da ocorrência do sinistro, em caso de morte ou invalidez total e permanente do A. resultante de acidente ou doença.
Defendeu o A. que se encontra em situação de “invalidez total e permanente” desde que a Caixa Geral de Aposentações deferiu o seu pedido de aposentação por invalidez, com efeitos a partir de 30 de abril de 2011 e, por isso, entende que a R. deveria pagar a quantia de €149.794,00, que correspondia ao capital mutuado pela CGD em dívida à data de 30 de abril de 2011, o qual estava compreendido dentro da garantia de pagamento convencionada no contrato de seguro.
A R., por seu turno, não aceita esta conclusão e sustenta que o A. não cumpriu o que estava estabelecido no contrato, nomeadamente não tendo apresentado relatório preenchido pelo médico assistente e um atestado médico de incapacidade multiusos, não podendo assim saber se a situação de invalidez do A. estava coberta pelo seguro acordado. Ao que a A. contrapõe que o resultado documentado pela Caixa Geral de Aposentações é suficiente para obrigar a R. a ter de cumprir a prestação convencionada no contrato de seguro, recusando-se a entregar a documentação clínica suplementar que lhe foi solicitada.
A sentença recorrida, após a produção de prova, que incluiu exame pericial à situação de doença e invalidez do A., veio a absolver a R. do pedido, com fundamentos que ficaram resumidos na parte final da discussão do mérito da causa, nos seguintes termos:
«- O contrato de seguro de vida subjacente à presente ação, na parte em que exige a verificação de determinados requisitos cumulativos para o seu acionamento, em caso de invalidez total e permanente, não ostenta uma “feição leonina” em favor da seguradora Ré;
«- Perante o incumprimento do Autor, que se tem recusado a entregar à seguradora Ré a informação a que contratualmente se obrigou, é aquele quem está em mora, não lhe bastando a aposentação prevista no artigo 37.º, n.º 2, al. a), do Estatuto da Aposentação;     
«- Doutro passo, os autos não sustentam que o Autor seja portador de invalidez elegível para o funcionamento do contrato de seguro em presença, nos termos estipulados com a Ré – antes evidenciando, a prova pericial realizada na lide, a situação atual inversa.
«Por tudo quanto se deixou escrito, a presente ação deve ser julgada improcedente, por não provada na sua essencialidade, prevalecendo a matéria excetiva alegada em sede de contestação (a recusa de entrega à Ré, por parte do Autor, de elementos indispensáveis à verificação da sua situação de incapacidade para efeitos de eventual acionamento do seguro de vida).» (sublinhado nosso).
O Recorrente discorda desse julgamento, considerando que deveria ter a presente ação sido julgada nos mesmos termos que uma outra, semelhante a esta, que também foi instaurada contra a mesma R. na 5.ª Vara Cível de Lisboa, correspondente ao Proc. n.º 625/12.1TVLSB, que considerou que as cláusulas que delimitaram o âmbito de cobertura do seguro, por “invalidez total e absoluta”, seriam nulas por violação dos Art.s 1º n.ºs 1e 2, 8º al. c), 15.º e 21.º n.º 1 al. a) Dec.Lei n.º 446/85, de 25/10, tendo em atenção o que foi decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/2/2014 e pelo Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 19/10/2010, ambos disponíveis em ww.dgsi.pt., sendo que deveria também bastar, para o funcionamento deste seguro, a apresentação do resultado da sua aposentação pela Caixa Geral de Aposentações, dado que essa entidade seria a única legalmente competente para apreciar a sua invalidez, não sendo legítima a exigência de qualquer outro atestado que certificasse uma qualquer outra invalidez.
O Recorrido, por seu turno, sustenta a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Cumpre assim apreciar os fundamentos do presente recurso começando pela validade das cláusulas contratuais do contrato de seguro dos autos que delimitam o risco objeto de cobertura relativo à “invalidez total e absoluta”.
1. a validade das cláusulas contratuais que delimitam o risco seguro.
Antes de mais, há que ter em atenção, como bem realça a sentença recorrida, que estamos perante um contrato de seguro de grupo contributivo do ramo vida, o que não é posto em causa por nenhuma das partes litigantes.
Nos termos do Art. 76.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS) aprovado pela Lei n.º 72/2008 de 16/4: «O contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar».
De acordo com o Art. 77.º n.º 2 do RJCS: «O seguro de grupo diz-se contributivo quando do contrato de seguro resulta que os segurados suportam, no todo ou em parte, o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador do seguro». No n.º 3 do mesmo preceito, esclarece-se que: «No seguro contributivo pode ser acordado que os segurados paguem diretamente ao segurador a respetiva parte do prémio».
O contrato de seguro de grupo pressupõe uma estrutura triangular, onde intervêm 3 sujeitos jurídicos distintos: o segurador (empresa de seguros), o tomador de seguro (no caso uma instituição financeira) e o segurado (pessoa segura).
Menezes Cordeiro (in “Direito dos Seguros”, 2013, pág. 731) refere que estes contratos importam numa construção jurídica do seguinte tipo: «- uma relação entre os participantes no grupo (os segurados) e o tomador: trata-se de uma relação de natureza discutida, mas que desemboca na figura da prestação de serviço e do mandato; e - uma relação de seguro, entre o tomador e o segurador».
Conforme é ainda melhor explicitado no acórdão do STJ de 2/11/2017 (Proc. n.º 620/09.8TBCNT.C1.S1 – Relatora: Fernanda Isabel Pereira – disponível em www.dgsi.pt): «I- Um contrato de seguro de grupo (ramo vida) em que são intervenientes uma seguradora, uma instituição financeira (como tomadora e credora beneficiária) e uma pessoa singular (como aderente-segurada) constitui um contrato celebrado no âmbito de um esquema contratual com uma estrutura tripartida complexa, tendo por base um plano de seguro e, na sua execução, várias adesões/celebrações de contratos de seguro concretizados nas declarações de vontade das pessoas seguras de aderirem ou fazerem parte do referido plano de seguro. II - Nestas situações, a seguradora e o tomador do seguro (a instituição bancária) celebram entre si um contrato de seguro que vai funcionar como o quadro em que, posteriormente, se estabelecem as situações ou relações de seguro (situações de risco) propriamente ditas.»
Já no acórdão do STJ de 30/3/2017 (Proc. n.º 4267/12.12.3TBBRG.G1.S1 – Relator: João Trindade – disponível no mesmo sítio) explicita-se ainda que: «V- O seguro de grupo é um contrato celebrado por um (único) tomador, por conta de vários segurados, ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar, cobrindo cumulativamente riscos homogéneos de todos os segurados (terceiros), com perfeita separabilidade e sem uma correlação positiva forte entre os riscos desses terceiros. VI- A formação do contrato de seguro de grupo estabelece-se em dois momentos distintos: num primeiro momento, o contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro, estando prevista a possibilidade de virem a existir pessoas seguras, que são aquelas que vierem a aderir e que terão o seguro com as coberturas e nos termos em que foram contratados; num segundo momento, o tomador do seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo, começando o mesmo a produzir efeitos, como seguro, no momento da primeira adesão ou num momento posterior se tal for acordado pelas partes».
Ainda do Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 3/11/2016 (Proc. n.º 3248/09.9TBVCD.S1 – Relatora: Maria da Graça Trigo – também no mesmo sítio) vinca-se também a ideia de que: «I- Sob a denominação “seguro de grupo” inclui a doutrina especializada realidades contratuais muito diferentes, propondo a designação mais ampla de “seguros coletivos” de modo a abranger: (i) seguros de grupo em sentido próprio; (ii) seguros de grupo em sentido impróprio; (iii) contratos-quadro seguidos da celebração de contratos individuais de seguro. II - Insere-se na categoria referida em (iii) a situação, como a dos autos, em que o banco contrata com o segurador os parâmetros dentro dos quais irão celebrar-se os contratos individuais de seguro sobre a vida dos seus clientes, que estes últimos celebrarão com o propósito de os dar em garantia ao próprio banco. III - Nesta relação trilateral o banco mutuante/tomador do seguro é o beneficiário direto do seguro que cobre a primeira morte ou invalidez total e permanente dos mutuários/pessoas seguras. Mas também cada um destes últimos é beneficiário do seguro em caso de morte ou de invalidez total e permanente de um dos segurados – assim como no caso da sua própria invalidez total e permanente – na medida em que a liquidação das importâncias seguras o desonera perante o banco mutuante».
Em suma, por regra, estes contratos pressupõem que o segurado adere a um contrato de seguro padronizado (contrato-quadro), que foi previamente celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro (no caso um banco), no qual aquele primeiro (o segurado) não tem intervenção direta, nomeadamente na conformação do seu conteúdo, embora nele venha a figurar, por adesão, como pessoa segura e, eventualmente, possa ser convencionado que sobre si seja imposta a obrigação direta de pagamento à seguradora do respetivo prémio (v.g. Art. 77.º n.º 3 do RJCS).
Em face do exposto, é unânime e incontroverso o entendimento jurisprudencial de subordinar estes contratos de seguro de grupo do ramo vida, associados a empréstimos bancários, ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais estabelecido no Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 (Neste sentido, entre muito outros: os acórdãos do STJ de 10/12/2019 (Proc. n.º 634/13.3TVPRT.P1.S1 – Relator: Hélder Almeida); de 2/11/2017 (Proc. n.º 620/09.8TBCNT.C1.S1 – Relatora: Fernanda Isabel Pereira); de 30/3/2017 (Proc. n.º 4267/12.12.3TBBRG.G1.S1 – Relator: João Trindade); e de 3/11/2016 (Proc. n.º 3248/09.9TBVCD.S1 – Relatora: Maria da Graça Trigo – todos disponíveis em www.dgsi.pt). O caso concreto dos autos também não escapa a essa conclusão evidente, até pela simples constatação da composição formal dos documentos juntos aos autos que formalizam a relação contratual estabelecida entre as partes.
Mesmo sendo certo que este tipo de contratação reúne em si as características que a doutrina identifica como necessárias à aplicação do regime jurídico estabelecido no Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, como sejam: i) a pré-formação unilateral; (ii) a generalidade; e (iii) a imodificabilidade, que justificam a tutela legal da parte negocial mais fraca (vide, a propósito: Almeno de Sá in “Cláusulas Contratuais Gerais e Diretiva Sobre Cláusulas Abusivas”, 2.ª Ed. - Revista e Aumentada, pág.s 212 a 217), também é certo que aos contratos de seguro de grupo contributivo se aplica um regime jurídico que, em parte, afasta a regulamentação estabelecida no Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10.
Temos de realçar que o Art. 6.º n.º 2 al. e) do Dec.Lei n.º 78/2008 de 16/4, que aprovou o RJCS, revogou o Art. 4.º do Dec.Lei n.º 176/95 de 26/7, mas manteve a regra, que aí era estabelecida no seu n.º 2, de atribuir ao tomador do seguro, nos seguros de grupo, o ónus de prova de ter fornecido as informações necessárias sobre as coberturas e exclusões contratadas, tal como decorre do Art. 78.º do RJCS agora vigente.
Efetivamente, nos termos do Art. 78.º n.º 1 do RJCS, está estabelecido que é ao tomador do seguro, ou seja, no caso a entidade bancária que contratou com a seguradora, o dever de informar os segurados (aderentes) sobre: «as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como as alterações ao contrato, em conformidade com espécimen elaborado pelo segurador». Sendo que o disposto neste preceito assume caráter imperativo, nos termos do Art. 13.º n.º 1 do RJCS. Ou seja, uma imperatividade que não prejudica a possibilidade de ser convencionado regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro.
A consequência do incumprimento desse dever de informação é a responsabilidade civil do tomador do seguro (Art. 79.º do RJCS) e não a exclusão das cláusulas que definam a cobertura ou as exclusões, tal como poderia resultar da aplicação dos Art.s 5.º e 8.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 (Vide, nesse sentido: Menezes Cordeiro in “Direito dos Seguros”, 2013, pág. 731).
De igual modo, e sujeito à mesma regra de imperatividade (v.g. Art. 13.º n.º 1 do RJCS), nos termos do Art. 87.º do RJCS, estabelecem-se deveres adicionais de informação a cargo do tomador do seguro, que seja simultaneamente beneficiário do seguro, cujo incumprimento determinam que possa eventualmente ter de suportar a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda das respetivas garantias (cfr. n.º 3 do mesmo preceito).
Também é ao tomador do seguro que incumbe a responsabilidade de entregar a proposta de seguro e fornecer todas as informações essenciais à avaliação do risco, sob pena de responder perante o segurador pelos danos decorrentes da falta de entrega da proposta ou dos documentos em que sejam prestadas essas informações essenciais (Art. 88.º n.º 3 e 4 do RJCS).
É por força deste regime legal que, na falta de estipulação em contrário, o segurado – no caso o A., aqui Recorrente –, não pode opor à seguradora – no caso a R., aqui Recorrida – as exceções relativas à falta de comunicação integral das cláusulas contratuais gerais que pudessem eventualmente conduzir à sua exclusão em contrato singular (Art.s 5.º, 6.º e 8.º al.s a) e b) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10), sendo certo que a seguradora pode opor ao segurado as exceções decorrentes do contrato de seguro que consigo foi celebrado.
Veja-se, neste sentido, o decidido no acórdão do STJ de 17/1/2017 (Proc. n.º 317/14.7TBEVR.E1.S1 – Relator: José Rainho): «II - No caso de seguro de grupo, compete ao tomador de seguro, e não ao segurador, a obrigação de informação ao aderente (segurado) das cláusulas contratuais gerais (coberturas, exclusões, obrigações e direitos em caso de sinistro) e suas alterações. III - O incumprimento desta obrigação por parte do tomador de seguro não é oponível ao segurador, pelo que a cláusula geral comunicada não pode ser declarada excluída do âmbito da adesão ao seguro».
O que também é reafirmado no acórdão de 30/11/2017 do mesmo tribunal (Proc. n.º 608/14.7TVLSB.L1.S1 – Relatora: Maria do Rosário Morgado) em cujo sumário se pode ler: «II - Nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, recai sobre o tomador do seguro (e não sobre a seguradora) a obrigação de informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, cabendo-lhe o ónus da prova de ter fornecido estas informações». E ainda no acórdão do STJ de 30/3/2017 (Proc. n.º 4267/12.3TBBRG.G1.S1 – Relator: João Trindade), quando se afirma: «VII - A orientação maioritária da jurisprudência é a de que compete ao tomador do seguro (e não à seguradora) a obrigação de informação das cláusulas contratuais constantes do seguro, bem como o ónus da prova do cumprimento desse dever (Art. 4.º, n.os 1 e 2, do DL n.º 176/95, de 26-07)» – norma que, como vimos, corresponde ao atual Art. 78.º n.º 1 do RJCS – (idem no acórdão do STJ de 27/9/2016 (Proc. n.º 240/11.7TBVRM.G1.S1 – Relator: José Rainho).
No acórdão de 5/4/2016 (Proc. n.º 36/12.9TBALD.C1-A.S1 – também relatado por: José Rainho), acrescenta-se que: «II. O incumprimento desta obrigação por parte do tomador do seguro não é oponível ao segurador, pelo que a cláusula geral não comunicada não se pode ter por excluída do âmbito da adesão ao seguro».
Já no acórdão do STJ de 17/6/2010 (Proc. n.º 651/04.4TBETR.P1.S1 – Relator: Alves Velho), esclarece-se que: «Opondo o aderente de seguro de grupo à seguradora, em ação intentada apenas contra esta, a falta de comunicação e consequente exclusão de cláusula contratual não comunicada, tendo sido o banco tomador o autor da omissão do dever de comunicação, não está vedado à seguradora opor ao aderente a violação desse dever do tomador e respetivas consequências». (sublinhado nosso).
No acórdão do STJ de 15/4/2015 (Proc. n.º 385/12.6TBBRG.G1.S1 – Relatora: Maria dos Prazeres Beleza) também se afirma: «IV - O STJ já teve ocasião de se pronunciar diversas vezes sobre a questão de saber sobre quem recai a obrigação de informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que adere a um contrato de seguro de grupo contributivo, decidindo, no sentido que resulta do art. 4.º do DL n.º 176/95, 26-07, que incumbe ao tomador do seguro o dever de informação dos segurados, quanto às “coberturas e exclusões contratadas”, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova “de ter fornecido estas informações”; e que à seguradora competia elaborar “um espécimen” de acordo com o qual o tomador do seguro deveria cumprir a obrigação de informar, bem como “facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato”. V - A imposição do dever de informação ao tomador do seguro está de acordo com a configuração do contrato de seguro de grupo e impede o tratamento do banco-tomador do seguro como um representante ou intermediário da seguradora; VI - Não criando a lei nenhuma responsabilidade objetiva da seguradora, o incumprimento pelo banco-tomador do seguro dos seus deveres de informação, não é oponível à seguradora, não implicando, portanto, a eliminação das cláusulas de exclusão de riscos. VII - Tal não significa que esse incumprimento seja desprovido de sanção – o banco é responsável pelos prejuízos que causar ao segurado – nem que o segurado não possa demandar o banco para o responsabilizar, ou para discutir a violação de qualquer outra regra. A circunstância de se não afirmar expressamente a responsabilidade civil do banco não significa que não sejam aplicáveis as regras respetivas. VIII - O regime especificamente previsto pelo do DL n.º 176/95, 26-07, para o contrato de seguro de grupo afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, definido genericamente pelo DL n.º 446/85, de 25-10, no que é incompatível com aquele. Assim sucede quanto à definição dos sujeitos do dever de informação». (sublinhado nosso).
Muito nesta linha vai igualmente o acórdão do STJ de 20/5/2015 (Proc. n.º 17/13.5TCGMR.G1.S1 – Relator: Tomé Gomes), quando aí se decidiu: «I- No tipo de contrato de seguro de grupo contributivo, na modalidade de seguro de vida de crédito à habitação, nos termos do art. 4.º do DL n.º 176/95, de 27-07, recai sobre o tomador de seguro, o banco mutuante, o ónus de informar e esclarecer os segurados aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assim garantido. II - O incumprimento desse dever leal de informação e esclarecimento não se comunica à seguradora, salvo convenção em contrário, porquanto, no referido tipo de contrato de seguro de adesão, não se configura que o tomador do seguro intervenha como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora, não se encontrando, por isso, fundamento normativo para imputar a esta, as consequências da atuação irregular do tomador na comercialização do produto financeiro em causa. III - Nessa conformidade, não está vedado à seguradora invocar a seu favor contra os segurados aderentes as cláusulas gerais e particulares sobre o âmbito e exclusões do risco assumido no contrato de seguro, sem que a estes seja lícito contrapor o incumprimento do dever de informação e esclarecimento por parte do tomador do seguro. IV - Não obstante, o dever de informação do tomador do seguro para com o aderente tem como base um espécimen contratual elaborado pela seguradora, sendo esta também pessoalmente responsável pelos vícios ou insuficiências do mesmo e que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, por parte do tomador do seguro, podendo assumir então a qualidade de co-autora do facto lesivo e culposo imputável à mesma. V - Impende ainda sobre a seguradora o dever de facultar, a pedido dos segurados, quaisquer informações complementares necessárias à efetiva compreensão da disciplina contratual».
A única discordância quanto a este ponto decorre apenas do acórdão do STJ de 14/4/2015 (Proc. n.º 294/2002.E1.S1 – Relatora: Maria Clara Sottomayor), quando aí se defende que: «O facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro».
Nós concordamos com a orientação largamente maioritária agora exposta, até porque conforme com a letra e espírito da lei. Mas, seja como for, no caso dos autos, a questão do incumprimento de deveres de informação, seja por parte do tomador do seguro, seja por parte da seguradora, também nunca foi suscitado pelo A. nos articulados e, por isso, também não foi decidida pela sentença recorrida nesse pressuposto. Apenas nas alegações de recurso aparece pela primeira vez a questão da nulidade das cláusulas que definem “invalidez total e permanente”, por referência ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, mas sem que a questão seja colocada verdadeiramente no pressuposto da violação de deveres de informação. Na verdade, o Recorrente limita-se a expressar o entendimento de que o caso “sub judice” deveria ser objeto de decisão igual ao de outra sentença, proferida na 5.ª Vara Cível de Lisboa, desconhecendo-se se aí foi colocada a questão da violação do dever de informação ao segurado, ainda que na transcrição feita dessa sentença se faça menção aos Art.s 5.º e 8.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10.
Diga-se ainda que, mesmo que a R. naquele processo possa ser a mesma da dos presentes autos, desconhecemos sequer se a cláusula ali declara nula é igual à dos presentes, não vendo nós qualquer sentido no pretendido “contágio” do sentido do julgamento produzido daqueloutra ação. Aliás, a termos por certa a transcrição feita nas alegações de recurso e atento ao documento junto de fls 53 a 67, a cláusula objeto de apreciação na 5.ª Vara Cível de Lisboa no Proc. n.º 625/12.1TVLSB tem redação e pressupostos de aplicação completamente diversos daquela que é objeto de julgamento nos presentes autos, tendo em atenção o que consta do ponto 19 dos factos provados na sentença aqui recorrida e dos documentos juntos a fls 100 e a fls 112.
No entanto, o Recorrente sustenta agora que também as cláusulas do contrato de seguro dos autos, que condicionam o funcionamento da cobertura por invalidez, seriam nulas e deveriam ser excluídas por força do disposto no Art. 8º al. c) do Dec.Lei nº 446/85 de 25/10, ou deveriam ser julgadas por absolutamente proibidas, nos termos estatuídos pelos Art. 21º n.º 1 al. a), ou ainda nulas por serem contrárias à boa fé, como decorre do Art. 15º, sempre do mesmo diploma legal.
O sentido dessa alegada nulidade, na medida em que aplicável ao caso concreto, traduzir-se-ia na conclusão de que: «pretendendo-se com o presente contrato de seguro assegurar a cobertura da morte ou da situação de invalidez total e permanente a inserção da exigência do reconhecimento pelo médico do segurador de que a pessoa segura está afetada duma Invalidez Total e Permanente ou da perda definitiva da capacidade de ganho superior a 2/3 traduzir-se-ia em inadmissível limitação e até em inviabilização da cobertura do seguro». (sic)
Este alegado vício substantivo de clausulado inserido em contrato com as características típicas estabelecidas no Art. 1.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/1, nada têm a ver com a obrigação de informação com que a lei onera o tomador do seguro, nos termos do Art. 78.º n.º 1 do RJCS. Trata-se de vício que afetará a cláusula em si mesma considerada, independentemente do cumprimento efetivo do dever de informação.
As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 são nulas nos termos aí previstos (v.g. Art. 12.º do citado diploma), sendo essa nulidade de conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo por qualquer interessado (Art. 286.º do C.C.). Pelo que, sempre importaria apreciar esse vício, mesmo que ele não tivesse sido alegado anteriormente (Art.s 5.º n.º 3, 608.º n.º 2 “in fine” e “ex vi” 663.º n.º 2, todos do C.P.C.), relembrando-se aqui que as partes tiveram oportunidade de, amplamente, discutirem essa questão nas alegações de recurso que apresentaram, não havendo assim que cumprir previamente o disposto no Art. 3.º n.º 3 do C.P.C., porque a sua apreciação não constituirá qualquer surpresa para o Recorrente ou para a Recorrida.
Dito isto, o invocado Art. 8.º al. c) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10 determina a exclusão das cláusulas que: «pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contraente normal, colocado na posição do contraente real». Mas, em rigor, essa previsão não tem qualquer aplicação ao caso concreto, porque existe realce mais que suficiente na disposição objetiva do clausulado que agora é posto em crise, conforme se pode constatar da prova documental junta, nomeadamente a fls 100 e 112.
Sobre situação diversa versam os Art. 15.º e 21.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10. De acordo com o Art. 15.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10: «São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé». Sendo que o Art. 21.º al. a) do mesmo diploma estabelece que: «São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: a) limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, diretamente por quem as disponha ou pelo seu representante».
Ora, o que está em causa nestes autos é que o A. subscreveu 4 boletins de adesão a um contrato de seguro (cfr. doc.s de fls 89 a 96), onde eram definidas como coberturas contratadas: «(i) Morte por doença ou acidente; (ii) Invalidez total e permanente por doença, tal como definida nas condições gerais e particulares da mencionada apólice; e (iii) Invalidez total e permanente por acidente, tal como definida nas condições gerais e particulares da apólice» (pontos 14 e 15 dos factos provados). No entanto, esse contrato de seguro regia-se pela ata adicional número 1/2009 e as condições gerais e particulares, documentadas de fls. 97 a 114 (ponto 18 dos facos provados). Sendo que, nos termos das respetivas condições gerais e particulares, para que se verifique uma situação de “invalidez total e permanente por doença”, garantida pelo dito contrato, ficou estipulada a verificação cumulativa dos requisitos seguintes:
«a) Que a pessoa segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões;
«b) Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior a 66,6(6) %, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes Pessoais e Doenças Profissionais, em vigor na data da avaliação da desvalorização sofrida pela pessoa segura;
«c) Seja reconhecida previamente pela instituição de segurança social pela qual a pessoa segura se encontra abrangida ou pelo tribunal do trabalho ou, caso a pessoa segura não se encontre abrangida por nenhum regime de segurança social, por junta médica;
«d) Não entrando para o respetivo cálculo quaisquer incapacidades ou patologias pré-existentes» (cfr. doc.s a fls. 100 – v.g. artigo 1.º das condições gerais, com epígrafe “definições” na parte relativa a “Invalidez total e permanente” – e a fls 112 – v.g. artigo 4.º n.º 1 al. b), com epígrafe “Riscos Cobertos” das condições particulares da apólice de seguro) – (ponto 19 dos factos provados).
O sentido da alegação da nulidade assim invocada pelo Recorrente é que a verificação do risco coberto por “invalidez total e permanente por motivo de doença” seria esvaziado pela adição de requisitos que, na prática, alteravam o âmbito de cobertura acordado. Sufraga assim o Recorrente o entendimento expresso por Pedro Romano Martinez (in “Contratos Comerciais”, 2001, pág. 78), segundo o qual: «tendo em conta o típico risco coberto no contrato de seguro, se inviabilizar essa cobertura por via de várias exclusões de risco (...) o objeto do contrato fica esvaziado, o que constitui uma ilicitude».
Discorrendo especificamente sobre o princípio da boa fé no regime legal de tutela da parte contratual mais frágil, consagrado no Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, Araújo Barros (in “Cláusulas Contratuais Gerais”, pág. 171), sustenta que haverá má fé se a parte que, valendo-se da sua posição contratual mais vantajosa, cria em seu favor um marcante desequilíbrio das prestações, e conjugando o Art. 15.º com o disposto no Art. 16.º desse diploma legal, concluí que: «Há (…) como que uma presunção jure de jure de que não atua de boa fé aquele que, iludindo a confiança depositada pela contraparte contratual, elegeu determinada cláusula da qual objetivamente para si resulta vantagem injustificável, tendo em conta os interesses contratantes». Em suma, a questão é colocada sempre em termos de desequilíbrio das prestações e de vantagem injustificável para o contraente predisponente.
Ora, antes de mais, há que ter em consideração que a cobertura objetivamente acordada entre seguradora e tomador de seguro, e à qual o segurado aderiu, reportava-se ao risco de “invalidez total e permanente”.
Ao risco de sinistro assim acordado segurar corresponde uma realidade objetiva que não é necessariamente sinónima duma mera situação de aposentação por invalidez, sendo que as cláusulas contratuais gerais devem ser interpretadas e integradas de harmonia com as regras gerais relativas à interpretação e integração de negócios jurídicos, ainda que dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam (Art. 10.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10). O que, na prática, nos reconduz às disposições legais dos Art.s 236.º a 238.º do C.C..
Estabelece o n.º 1 do Art. 236º do C.C. que: «a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Sem prejuízo, o seu n.º 2 do mesmo preceito salvaguarda que: «sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida», em consonância com a velha máxima “falsa demonstratio non nocet”.
Dá-se assim prevalência ao ponto de vista do declaratário, em homenagem aos princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, mas subordinado à objetividade do critério do “declaratário normal colocado na posição do real declaratário”.
Como escreve Paulo Mota Pinto (in “Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico”, pág. 208): «Há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário (…) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo», sendo que o declaratário normal corresponde ao “bonus pater famílias” equilibrado e de bom senso (Vide: Carvalho Fernandes in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. II, 2ª Ed., 1996, pág. 348), pessoa de qualidades médias (Inocêncio Galvão Telles in “Manual dos Contratos”, pág. 358), de instrução, inteligência e diligência normais.
No domínio da interpretação de um contrato, que visa determinar «o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com essas declarações» (Cfr. Carlos Mota Pinto in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª Ed., pág. 444), surgem como elementos essenciais, a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: «a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respetivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos». Importam assim saber «os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida, etc.» (Cfr. Carvalho Fernandes in Ob. Loc. Cit., pág.s 349 a 350; idem Manuel de Andrade in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 312 e Ac. do STJ de 14 de janeiro de 1997, CJ/STJ, Ano V, Tomo I, pág.s 46 e ss. e de 11 de outubro de 2001, CJ/STJ, Ano IX, tomo III, pág.s 81 e ss.).
Consagra assim a lei a “teoria da impressão do destinatário”, que valora de forma decisiva o sentido da declaração negocial que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
Como escreve Manuel de Andrade (in Ob. Loc. Cit., pág.s 311 e 312): «na interpretação dos negócios jurídicos prevalece (…) aquele sentido objetivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, supondo-o uma pessoa razoável».
O Art. 11.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, relativamente às “cláusulas ambíguas” também estabelece que as mesmas devem ter o sentido que lhe daria «o contraente indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real». O que nos remete para o mesmo critério definido do Art. 236.º n.º 1 do C.C., embora no n.º 2 desse Art. 11.º se estabeleça a prevalência, em caso de dúvida, para o sentido mais favorável ao aderente.
Finalmente, há que ter em conta o disposto no Art. 238.º do C.C. que prescreve: «1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade».
Ora, como muito bem é realçado na sentença recorrida, tendo por referência o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/9/2012 (relatado por Pedro Martins e disponível em www.dgsi.pt), há que ter em atenção que a definição do risco por referência à “invalidez total e permanente” tem um sentido comum próprio, sendo também certo e sabido que as companhias de seguro oferecem uma vasta paleta de propostas de cobertura de risco, completamente diversas entre si, a que correspondem igualmente prémios de seguro diferentes em função da probabilidade de verificação do risco coberto.
Assinala-se, muito em particular, que no quadro da contratação comum de seguros do ramo vida existe uma diferença muito relevante no risco assumido pela seguradora no caso do sinistro coberto ser uma situação de Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD) ou uma situação de Invalidez Total e Permanente de uma pessoa (ITP).
A “IAD” reporta-se a um estado de invalidez que tem por base critérios médicos objetivos que devem ser clinicamente sustentados e traduzem a ideia de que a doença ou o acidente teve como consequência a total incapacidade da pessoa segura para exercer uma atividade remunerada, com dependência de terceiros e sem perspetiva de melhoria. Já a “ITP” reporta-se a uma situação de invalidez que limita a capacidade da pessoa para exercer uma atividade remunerada numa percentagem relevante objetivamente fixada. Aliás, esses conceitos aparecem em destaque no artigo 1.º das condições gerais da apólice a fls 100, sob a epígrafe “definições”.
Como é evidente a “ITP” é menos grave que a “IAD”, o que determina igualmente que o prémio do seguro que cobre a “ITP” tenderá a ser mais caro do que na “IAD”, pois cobre um leque mais alargado de fenómenos e existe uma maior probabilidade de acidente ou doença com “ITP” do que com “IAD”.
Mesmo dentro das coberturas por “ITP” o grau de incapacidade relevante para efeitos de cobertura de risco também varia, o que terá correspondência com os prémios de seguro, que igualmente serão diversos em função da probabilidade da sua ocorrência, estabelecendo-se assim um equilíbrio económico interno em cada contrato, que é definido pelas seguradoras, não só de acordo com as regras de mercado, mas fundamentalmente por critérios de actuariado.
Em todo o caso, recorrendo a esta terminologia dos seguros do ramo vida, se o risco coberto for uma situação de “Invalidez Total e Permanente” de uma pessoa (ITP), não poderá condicionar-se o funcionamento desse seguro por requisitos que nos reconduzam à verificação duma “Invalidez Absoluta e Definitiva” (IAD), pois nesse caso o conceito de ITP perderia sentido prático e legitimaria a conclusão sobre o esvaziamento substancial da cobertura do seguro acordado e sobre a existência duma cláusula surpresa inesperada para o segurado. Aliás, a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido particularmente assertiva sobre os termos da legitimidade, em função do princípio da boa-fé, da cobertura por “invalidez absoluta e definitiva”, em contratos de seguro associados a empréstimos bancários, nomeadamente para habitação.
A título de exemplo, veja-se o sumário do STJ de 27/9/2016 (Proc. n.º 240/11.7TBVRM.G1.S1 – Relator: José Rainho), quando decidiu: «II. O caráter abusivo de uma cláusula contratual geral, por atentatória do vetor da boa-fé, pode e deve ser conhecido oficiosamente pelo tribunal, precedendo o cumprimento do contraditório. III. Tal conhecimento oficioso é permitido pelo ordenamento jurídico nacional e foi especialmente pretendido pela Diretiva 93/13/CEE, sendo esta a orientação do Tribunal de Justiça da União Europeia. IV. É abusiva (por atentatória do vetor da boa-fé), proibida e nula a cláusula especial constante das condições de contrato de seguro de grupo destinado ao pagamento do saldo de um empréstimo por crédito à habitação em caso de invalidez absoluta e definitiva do aderente, que exige acrescidamente para a caracterização desse estado de invalidez que o aderente fique na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente. V. Tal cláusula introduz um significativo desequilíbrio contratual entre as partes (na prática esvazia largamente a utilidade do seguro), na medida em que o fim precípuo do dito seguro é obrigar o segurador a pagar ao banco mutuante no caso do aderente ficar impossibilitado de o fazer por si, e esta finalidade satisfaz-se com a própria impossibilidade e sem necessidade do aderente ficar também dependente da referida assistência permanente». (negrito e sublinhado nosso).
É também neste sentido que vai o citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/2/2014, mencionado nas alegações de recurso por referência à sentença proferida no Proc. n.º 625/12.1TVLSB da 5.ª Vara Cível de Lisboa, em que se exigia para a verificação de “invalidez absoluta e definitiva” que o segurado necessitasse de recorrer à assistência de terceira pessoa. O mesmo se passando com o acórdão do STJ de 19/10/2010 também aí citado.
De igual modo no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de outubro de 2019 (Proc. n.º 1499/18 – Relatora: Maria Inês Carvalho Brasil de Moura – disponível em Jusnet 6988/2019), depois de se reconhecer que o tribunal pode conhecer oficiosamente da nulidade de uma cláusula contratual geral inserida em contrato de adesão, decidiu-se que: «3. Num seguro de incapacidade o risco que se pretende acautelar são as consequências que para o segurado podem resultar da circunstância de ficar numa tal situação de debilidade funcional que o torna incapaz de fazer a sua vida normal e de auferir rendimentos pelo seu trabalho, em razão de invalidez absoluta e definitiva, com diminuição das capacidades para os atos normais da vida diária espelhadas numa incapacidade de 60% ou mais, sendo nessa previsão que, com lealdade e seriedade, se encontra o equilíbrio das prestações. 4. O conceito de incapacidade estabelecido em cláusula contratual geral que exige, na consideração da situação de invalidez absoluta e definitiva, que a pessoa segura necessite de recorrer de modo contínuo à assistência de terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária, identificados como os mais básicos- comer, vestir-se e cuidar da sua higiene - exigindo na prática uma total e absoluta falta de autonomia, quase só equiparável a um estado vegetativo, já nada tem a ver com a afetação da capacidade de trabalho e de obtenção de rendimentos ou com uma diminuição das capacidades para o exercício de uma vida normal que sempre é indiciada por uma incapacidade funcional de 60%, antes vai além deste conceito e da razão de ser do contrato, determinando um desequilíbrio das prestações contratuais e frustração da confiança do segurado, sendo abusiva por desproporcionada e contrária boa fé e por isso nula». (sublinhado nosso)
Curiosamente, com algum interesse para o caso concreto destes autos, aprofundando este entendimento a uma situação concreta de incapacidade por doença psicológica, decidiu o acórdão do STJ de 2/6/2015 (Proc. n.º 109/13.0TBMLD.P1.S1 – Relator: Hélder Roque) que: «V- O princípio da boa fé objetiva impõe às partes contratantes deveres de lealdade, transparência, cuidado e prestação de informações necessárias, com base no qual o proponente deve apresentar contratos redigidos, de forma clara e precisa, e não obscura, dúbia ou contraditória, com caracteres legíveis, destacando as cláusulas que impliquem limitações aos direitos do aderente, por forma a evitar o aparecimento de cláusulas estipuladas no contrato, de natureza imprevisível, ou, mesmo, cláusulas não condizentes com a realidade, e possibilitar ao consumidor o entendimento adequado dos termos do contrato, porque este foi celebrado, sob determinadas circunstâncias, em decorrência da aparência global exibida. VI- As denominadas “cláusulas-surpresa”, que aparentam ser uma coisa mas, afinal, se revelam outra, podem estar ocultadas, colocadas fora da epígrafe apropriada, desinseridas do contexto sistemático ou racional ou ser redigidas, dissimuladamente, destoando da totalidade do restante clausulado, ofendem o princípio da boa fé do proponente na conclusão do contrato, o direito de informação e esclarecimento adequado do aderente sobre o seu conteúdo e o sistema de proteção do consumidor, como um todo, surpreendendo o aderente real, em prejuízo da sua cognoscibilidade formal e/ou material, por não ser exigível ao aderente, pela forma ardilosa com que as mesmas foram disfarçadas ou pelo modo sub-reptício ou camuflado com que foram apresentadas, o seu conhecimento efetivo. VII- As «cláusulas-surpresa» são suscetíveis de afetar a cognoscibilidade formal do aderente real, como acontece quando estão colocadas fora da epígrafe apropriada, têm apresentação gráfica desconforme ou surjam num contexto deslocado, ou a sua cognoscibilidade material, quando ocultadas, desinseridas do contexto sistemático ou racional ou redigidas, dissimuladamente, surpreendendo o aderente real. VIII- Quando a entidade seguradora, no âmbito das “Exclusões” da «cobertura complementar obrigatória» de "Invalidez Total e Permanente", exclui do contrato de seguro de vida, em paralelismo com um bloco de situações lesivas ou de perigosidade que resultam de facto culposo da pessoa segura, determinante do seu desencadeamento e verificação, as indemnizações decorrentes de "Doenças Psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora", que se trata de uma situação objetiva, independentemente de culpa, em que a pessoa segura se encontra num estado de sujeição, não pré-determinado, em que o evento é inevitável e acontece, independentemente da vontade do mesmo, introduz uma cláusula que, do ponto de vista da racionalidade lógico-sistemática, se encontra nos antípodas da previsibilidade lógica do autor e que obsta à sua cognoscibilidade, por ser razoável que tenha passado despercebida a alguém, colocado na posição de contraente real. IX- Para além do controlo da inclusão das cláusulas constantes dos contratos singulares que, em nome da transparência e publicidade, impõe a sua comunicação prévia e adequada ao aderente, como especial dever de informação e esclarecimento, sob pena de se consideram excluídas do contrato, conjuntamente com as designadas cláusulas-surpresa, existe, também, um controlo do conteúdo das cláusulas legitimadas pelo processo de inclusão nos contratos singulares, que impõe restrições à liberdade de estipulação, vertente da liberdade contratual mais, impressivamente, posta em causa pela técnica da contratação por adesão a condições, unilateralmente, predispostas e impostas pela contraparte. X - Devendo excluir-se do contrato as “cláusulas-surpresa” que não respeitaram os requisitos necessários à sua inclusão, quer ao seu conteúdo, afetando, quer a cognoscibilidade formal, quer a cognoscibilidade material do aderente real, evidenciando, por si só, a falta de uma verdadeira concordância da sua parte, relativamente ao desequilíbrio do conteúdo regulativo nelas consagrado, de que resulta um prejuízo desproporcionado, rejeitado pelo princípio da boa fé, mantendo-se, não obstante, o contrato, na parte restante, com recurso às normas supletivas aplicáveis e, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos, consagradas no art. 239.°, do CC, em conformidade com o preceituado pelo art. 9.°, do DL n.º 446/85, de 25-10. XI- A pré-formulação unilateral da parte predisponente coloca, por via de regra, o “sujeito passivo” que a recebe numa situação de desigualdade, quer formal, quer substancial, que não é eliminada pelo ato, quase sempre de natureza mecânica, da não colocação imediata de dúvidas ou questões sobre o seu conteúdo, que pressupõe algum estudo e reflexão sobre o respetivo texto».
Do exposto não pode resultar a conclusão necessária de que são proibidas, por contrárias ao princípio da boa fé, todas e quaisquer cláusulas contratuais que estabeleçam requisitos complementares ou integradores do conceito de “invalidez total e permanente” para efeitos de cada contrato de seguro concretamente em consideração. Nomeadamente, não são proibidas cláusulas que definam em termos razoáveis uma percentagem de incapacidade para o exercício da atividade profissional que objetivamente possa corresponder ao conceito comum de invalidez total e permanente. Não se pode é exigir que para esse tipo de cobertura (por ITP) se verifiquem situações extremas que objetivamente são reconduzíveis a uma IAD, em que o segurado tenha de ficar em situação praticamente vegetativa ou com necessidade de recurso ao auxílio de terceiros para satisfação das suas necessidades básicas de alimentação ou higiene. A verificar-se esta última situação, a cláusula seria evidentemente nula, por violação da boa fé (Art. 15.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10), por pôr em causa a confiança suscitada nas partes e o objetivo que as mesmas visavam atingir à luz do tipo contratual utilizado (Art. 16.º al.s a) e b) do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10), importando numa limitação que alterava inequivocamente as obrigações de base assumidas pela seguradora (Art. 21.º al. a) do mesmo diploma legal).
Em suma, salvaguardadas situações extremas, existe uma margem negocial que permite alguma liberdade de estipulação à seguradora predisponente que faz uso de contratação por adesão a cláusulas contratuais gerais neste tipo de seguros do ramo vida.
Mas retomando o conceito objetivo e comum de “invalidez total e permanente”, a jurisprudência dos tribunais superiores têm vindo a entender que a mesma tem um sentido comum de traduzir o estado de doença duma pessoa que a incapacite, completa e definitivamente de exercer a sua profissão ou de qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimento e aptidões, em termos irreversíveis. É esse o sentido da “invalidez”, com os adjetivos qualificativos “total” e “definitivo”.
Como decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/9/2012 (relator: Pedro Martins), citado na sentença recorrida, prevêem-se neste conceito 3 situações de gravidade crescente: a invalidez (estado da pessoa que a incapacita, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão); a invalidez total (estado da pessoa que a incapacita, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões). A “invalidez absoluta” é situação distinta, por pressupor um estado de incapacidade, completa e definitiva, de exercer toda e qualquer atividade remunerada.
Podemos admitir perfeitamente que a integração do conceito de invalidez total e definitiva possa passar pela verificação de requisitos como a verificação duma incapacidade igual ou superior a 66,6% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, reconhecida pela Segurança Social, Tribunal de Trabalho ou por junta médica, descontando situação de incapacidade pré-existente, porque esses requisitos objetivamente considerados não alteram em substância, nem desvirtuam, o sentido comum que se pode dar à cobertura do risco por “invalidez total e definitiva”.
O caso dos autos claramente que não se enquadra numa situação de evidente esvaziamento do conceito de “incapacidade total e permanente”, realçando-se desde logo que a cobertura acordada nos termos definidos no contrato de seguro junto não impõe requisitos relacionados com situações em que o segurado teria de ficar em estado vegetativo ou absolutamente dependente de terceiros para as suas atividades normais do dia a dia.
Exige-se apenas que o segurado fique incapacitado de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões, pressupondo que o grau de desvalorização seja pelo menos igual ou superior a 66,6(6)%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes Pessoais e Doenças Profissionais, em vigor na data da avaliação da desvalorização sofrida pela pessoa segura, descontada qualquer incapacidade pré-existente, reconhecido pela segurança social, ou por tribunal do trabalho, ou por junta médica. Estamos assim no âmbito da margem negocial aceitável de livre estipulação da incapacidade revelante para efeitos de cobertura do seguro em caso de “invalidez total e definitiva”.
Ainda assim, temos de reconhecer que os limites dentro dos quais se tem aceito alguma margem negocial no estabelecimento do grau de incapacidade relevante são muito discutidos na jurisprudência, chegando-se a resultados que nem sempre têm sido uniformes.
Realçamos aqui uma particular passagem no acórdão do STJ de 17/10/2019 (proc. n.º 240/11.7TBVMR.G1.S1 – Relator: José Rainho – disponível no sítio “Direito em Dia”), que depois de considerar nula uma clausula que condicionava a “invalidez absoluta e definitiva” à obrigação do segurado ter de recorrer à assistência de terceira pessoa para efetuar atos ordinários da sua vida corrente, por ser violadora da boa fé, nos termos dos Art.s 12.º, 15.º, 16.º do Dec.Lei n.º 446/85 de 25/10, conjugado com o Art. 286.º do C.C., veio depois reconhecer que esse vício não se poderia referir ao requisito do segurado ficar total e definitivamente incapacitado para o exercício de qualquer atividade remunerada, nos seguintes termos: «Ora, no caso vertente estamos perante um seguro de grupo (contributivo, do ramo vida) cujo fim precípuo, no confronto dos aderentes (os Autores), é permitir, substituindo-os ou desonerando-os, o cumprimento (pagamento) do que tiverem em dívida ao Banco mutuante beneficiário (…) na eventualidade de não o poderem fazer. E é isto que também pretende que seja acautelado, a bem dos seus interesses, o Banco mutuante beneficiário.
E quando é que essa eventualidade (sinistro ou verificação do risco) ocorre?
A resposta antolha-se como óbvia, à luz dos fins que presidem a um seguro como o que está em causa e à luz, na parte aproveitável, da supra transcrita cláusula 7.1: quando os créditos dos devedores (os aderentes) ficam comprometidos em ordem ao regular reembolso do mútuo, isto em razão de invalidez absoluta e definitiva que os torna total e definitivamente incapazes de exercer qualquer atividade remunerada.
«Aqui, e só aqui, é que existe razão para o seguro e para a adesão. Aqui, e só aqui, é que existe uma situação negocial séria e equilibrada no confronto dos interesses das partes, tendo em vista precisamente as finalidades ou razão de ser do contrato e das adesões». (negrito e sublinhado nosso).
Mas se assim é, havendo justificação aceitável e equilibrada para o estabelecimento duma cobertura que compreenda o risco de reembolso do mútuo garantido, relacionado com a incapacidade do segurado de exercer qualquer atividade remunerada, então a nulidade de cláusulas que imponham requisitos que desvirtuam a finalidade dessa cobertura não pode ser absoluta, devendo respeitar-se o sentido objetivo da cláusula que fixa o âmbito da cobertura de acordo com o que as partes efetivamente quiseram.
Nesse sentido, decidiu o acórdão do STJ de 17/10/2019 (Proc. n.º 2978/15.0T8FAR.E1.S1 – Relatora: Rosa Ribeiro Coelho), onde se defendeu que: «I- A nulidade de uma cláusula contratual geral por violação do princípio da boa fé pode ser objeto de redução do negócio jurídico, nos termos do Art. 292º do CC, se disser respeito apenas a parte do que nela é estipulado. II – A previsão de invalidez absoluta e definitiva, constante de uma apólice de seguro, é suscetível de ser entendida por um declaratário normal como uma situação em que a pessoa afetada se encontra num estado que a deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua atividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência. III – A situação em que o segurado não pode continuar a desempenhar a atividade profissional anterior, mas pode desempenhar funções de natureza idêntica dentro da sua área de formação técnico profissional, desde que com menor intensidade e exigindo menor esforço físico, é conciliável com uma situação de incapacidade parcial. IV – Sendo a situação de invalidez absoluta e definitiva o facto constitutivo do direito exercido, cabe ao segurado o ónus de demonstrar que a sua atual e subsistente capacidade de trabalho não lhe permite a angariação de remuneração».
Á semelhança desta solução, mas fundando-se apenas no sentido objetivo da cobertura acordada, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13 de setembro de 2018 (Proc. n.º 428/17.7T8FAF.G1 - Relator: Alcides Rodrigues – disponível em ECLI:PT:TRG:2018:428.17.T8FAF.G1.FF) decidiu-se que: «I- Excluída do contrato de seguro a cláusula contratual que contém a definição de “Invalidez Total e Permanente”, e subsistindo o contrato despojado dessa cláusula, ao abrigo do disposto no Art. 10º do Dec.Lei n.º 446/85, de 25/10, haverá que fixar o sentido da expressão “invalidez total e permanente” com recurso às regras de interpretação da declaração negocial estabelecidas nos arts. 236.º a 238.º do C. Civil. II– O contrato de seguro de grupo (ramo vida), associado a um contrato de mútuo para compra ou construção de um imóvel, visa assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelos mutuários para com o Banco mutuante, em caso de morte ou invalidez total e permanente dos mutuários. III– Por invalidez total e permanenteenquanto risco coberto por contrato de seguro de grupo (ramo vida), no qual intervieram a 1ª ré, como seguradora, o 2º réu, banco mutuante, como tomador e credor beneficiário do seguro, e a autora e o marido, como aderentes-segurados refere-se, segundo um declaratário normal, a incapacidade, resultante de acidente ou doença, com um determinado grau de desvalorização, que impeça a pessoa, total e definitivamente, para exercer a sua profissão ou outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões». (sublinhado nosso).
Mas o Supremo Tribunal de Justiça também já decidiu que, verificando-se uma situação de incapacidade para todo e qualquer trabalho para o resto da vida, tal seria requisito suficiente e legítimo para preencher o conceito de “incapacidade absoluta e definitiva”, como decorre do acórdão de 19/6/2018 (Proc. n.º 2300/15.6T8PNF.P1.S1 – Relator Paulo Sá – disponível em www.dgsi.pt), resultando do seu sumário que: «I - Uma incapacidade absoluta e definitiva – enquanto risco coberto por contrato de seguro de vida, individual, celebrado entre a autora, como tomador e pessoa segura, e a ré, como seguradora, em que ficou designado beneficiário irrevogável, o banco, com quem aquela e o marido haviam celebrado contrato de mútuo para aquisição de imóvel – refere-se, segundo um declaratário normal, a uma incapacidade para todo e qualquer trabalho e para o resto da vida, ao que não se equipara uma IPP de 80%. II - O contrato de seguro celebrado visou, em primeira linha, a defesa do principal beneficiário, o banco, e para este, a morte ou a invalidez equivalem-se sempre que isso signifique a perda de rendimentos que permitam o pagamento do capital e juros».
Mais longe foi o acórdão do STJ de 10/12/2019 (Proc. n.º 634/13.3TVPRT – Relator: Hélder Almeida – disponível em www.dgsi.pt), num sentido que corresponde ao nosso entendimento sobre a situação “sub judice”, decorrendo do seu sumário que: «VI - Uma cláusula constante das condições especiais de uma apólice de seguro, como a que está em causa nos autos, na qual se explicita o que deve entender-se por invalidez total e permanente e se definem as condições cumulativas de que depende a indemnização contratada, reconduzindo a mencionada invalidez ao estado daquele que, por força de doença ou acidente, fique total e irreversivelmente incapacitado de exercer a sua profissão ou atividade compatível com as suas habilitações, conhecimentos e experiência, e que, em consequência desse estado, tenha uma perda da capacidade de ganho de, pelo menos, 2/3, deixando, como tal, de poder auferir rendimentos que lhe permitam pagar a dívida, não contraria a boa fé e o princípio da confiança, nem confere à seguradora uma vantagem injustificada e desproporcionada. VII - Limitando-se tal cláusula a clarificar o conceito de invalidez total e permanente – ou, dito de outro modo, a clarificar o risco coberto pelo seguro (sendo que era com essa cobertura que os segurados, tendo em conta a finalidade do contrato, podiam razoavelmente contar) – não se verifica qualquer redução, desproporcionada ou drástica, do risco coberto pelo seguro que favoreça injustificadamente a seguradora em detrimento dos aderentes, não podendo essa estipulação, como tal, ser considerada abusiva nos termos dos arts. 15.º e 16.º do RJCCG. VIII - Ainda que assim não fosse, a pretensão dos recorrentes sempre estaria votada ao insucesso, porquanto, mesmo que se declarasse a nulidade da cláusula em questão, a solução passaria por determinar, por via interpretativa, qual o conteúdo e sentido da expressão “invalidez total e permanente” coberta pelo contrato de seguro, a qual não poderia deixar de ser entendida por um declaratário normal, colocado na posição dos recorrentes, senão como uma situação em que a pessoa afetada se encontrasse num estado que a deixasse total e irremediavelmente incapaz de exercer uma atividade laboral, em termos de lhe ser inviável obter meios de subsistência». (negrito e sublinhado nosso).
Igualmente, no acórdão do STJ de 24/1/2017 (Proc. n.º 1237/14.0TBSTR.E1.S1 – Relator: Júlio Gomes), defendeu-se que: «I- A cláusula do contrato de seguro que prevê, como objeto da cobertura, a invalidez total e permanente de 66,66% de uma das pessoas seguras e a define como a incapacidade total da pessoa segura, com carácter permanente e irreversível, que corresponda a um grau de desvalorização mínimo de 66,68% de acordo com a TNI e que a pessoa segura fique total e permanentemente impossibilitada de exercer a profissão indicada na proposta de seguro, pode colher no leigo destinatário o sentido de que a impossibilidade total é compatível com um grau de desvalorização de 66,68% e que releva a impossibilidade do exercício da profissão do segurado. II - Reforça esse sentido, o facto de na interpretação do contrato de seguro dever ter-se em conta o fim prosseguido com a celebração do contrato e o seu efeito útil: em concreto, o tomador de seguro, empresa de venda de materiais de construção, celebrou um contrato de seguro de vida com uma proteção complementar para a pessoa segura, o seu gerente, pretendendo a cobertura do risco da sua morte ou da impossibilidade de exercer a gerência dessa mesma sociedade. III - Tendo ficado provado que o segurado, gerente da tomadora, ficou com uma incapacidade permanente global definitiva de 68,7% e que enquanto gerente recebia diariamente clientes na sua empresa, tratava da documentação inerente à atividade comercial que aí desenvolvia e que procedia a cargas e descargas de matérias de construção e fazia transportes dos mesmos em veículos ao serviço da empresa, estão verificados os requisitos cumulativos da cobertura do seguro e o autor tem direito ao pagamento do capital contratado».
Desta feita, na perspetiva dos interesses do segurado neste tipo de coberturas, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 29/5/2014 (Proc. n.º 933/07.3TBILH.C1.S1 – Relator: Vítor Távora) decidiu que: «II - Não é razoável admitir que estando garantido o reembolso de mútuo em caso de incapacidade absoluta ou morte por parte do mutuado, os aderentes entendessem que a mesma funcionaria com a simples IPP de 33% ou incapacidade para o trabalho habitual
Concluindo, não vemos motivos para julgar nulas as cláusulas contratuais constantes do artigo 1.º das condições gerais da apólice, na parte em que define “invalidez total e permanente” (cfr. doc. a fls 100), nem a do artigo 4.º n.º 1 al b) das “condições particulares” da apólice, onde se identificam os riscos cobertos relativos à garantia complementar de “invalidez total e permanente por doença” (cfr. doc. a fls 112). Nessa medida, improcedem as conclusões que sustentam entendimento diverso.
2. O preenchimento efetivo do risco coberto pelo seguro.
Julgando-se válidas as estipulações contratuais constantes das condições gerais e particulares da apólice de seguro dos autos na parte em que definem o risco coberto, cumpre agora apreciarmos se, no caso concreto, a situação de invalidez por doença de que o A., aqui Recorrente, efetivamente padece compreende-se ou não no âmbito de previsão dessa cobertura.
A sentença recorrida deu resposta negativa a esta questão, porque a perícia médico legal realizada nos autos não permitia a conclusão de que o A. sofre de situação de doença que, de acordo com ao Tabela Nacional de Incapacidades, fosse sequer quantificável em 66,6% ou em qualquer outro grau de incapacidade.
Efetivamente só podemos concordar com tudo o que a propósito aí foi exposto e que aqui damos por reproduzida.
A matéria de facto provada, que não foi sequer impugnada, não permite tirar outra conclusão, contra o que, a mera constatação de que o A. foi aposentado, ao abrigo do estatuído no Art. 37.º n.º 2 al. a) do Estatuto da Aposentação, não é suficiente.
De facto, o Art. 37.º n.º 2 do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Dec.Lei n.º 498/72 de 12/9, na redação vigente, não estabelece um caso de aposentação por invalidez, mas sim por idade.
Nos termos desse preceito é estabelecida que: «2 - A aposentação pode ainda verificar-se quando o subscritor atingir a idade pessoal de acesso à pensão de velhice, sendo esta a que resulta da redução, por relação à idade normal de acesso à pensão de velhice em vigor, de quatro meses por cada ano civil que exceda os 40 anos de serviço efetivo à data da aposentação, não podendo a redução resultar no acesso à pensão antes dos 60 anos de idade».
Atualmente é no n.º 3 al. a) do mesmo preceito que se estabelece: «3 - Há ainda lugar a aposentação quando o subscritor, tendo, pelo menos, cinco anos de serviço: a) Seja declarado, em exame médico, absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas
funções
».
Como é evidente, a “incapacidade para o exercício das suas funções”, que determina a possibilidade de aposentação de funcionário por invalidez, é um conceito diverso de “invalidez total e permanente”, pois neste último exige-se a perda de capacidade de ganho, motivada por doença que incapacite o sinistrado de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões e assim de poder cumprir a obrigação de pagamento relativo às prestações emergentes do contrato de mútuo, que no fundo é o motivo pelo qual se justifica o estabelecimento do contrato de seguro em causa.
Acresce que, o A. limitou-se a juntar aos autos certidão do processo que correu junto da Caixa Geral de Aposentações (CGA), a certificar que o mesmo foi aposentado por despacho de 5 de janeiro de 2012, aí se fixando a pensão que lhe era devida, certificando-se também que para a atribuição da pensão completa teria de reunir “36 anos de serviços e 60 anos de idade” (cfr. fls 26 a 38).
Do processo da CGD (sua entidade patronal), entretanto junto, resulta que o A. teve uma sequência de baixas médicas e apresentou vários atestados e declarações médicas.
Finalmente, por informação da CGA, entidade da Segurança Social por que o A. se mostrava abrangido, resulta que o A. acabou por ser reformado sem sequer ser presente a junta médica para efeitos de aposentação (cfr. fls 222).
Nestas condições, só podemos concluir que não decorre provado dos autos que o A. estivesse objetivamente em situação de “invalidez total e permanente”, apesar de ter sido aposentado. Pelo que, não cumpriu o A. o ónus de prova dos factos constitutivos do seu direito que pretendia fazer valer nesta ação (Art. 342.º n.º 1 do C.C.), o que conduz inevitavelmente à improcedência da ação, não se vislumbrando assim qualquer motivo para deixar de confirmar a sentença recorrida nos seus precisos termos, improcedendo as conclusões que sustentam posição diversa da exposta.
3. Da relevância do cumprimento de obrigações acessórias.
A última questão suscitada nas alegações de recurso, que foi objeto de decisão pela sentença recorrida, acaba por perder qualquer utilidade, em face da manifesta improcedência da ação, por força do já apreciado no ponto 2 do presente acórdão.
Em todo o caso, concordando-se com a sentença recorrida, sempre diremos que este é um daqueles casos em que a imposição da obrigação de o segurado ter de apresentar prova médica da sua situação de invalidez, com indicação da causa, data de início, evolução e consequências, grau de invalidez e provável duração, estava perfeitamente justificada.
A mera apresentação da certidão da CGA, com teor semelhante ao documento constante de fls 26 a 38, não permitira à R. verificar se sequer se verificava no caso uma situação de “invalidez total e definitiva”, no sentido comum dessa expressão, quanto mais se estavam reunidos os requisitos que constavam das condições gerais e particulares da apólice relativos à definição do risco coberto.
Havia efetivamente mora do credor (Art. 813.º do C.C.) e estava, como está, efetivamente justificada a recusa da seguradora de pagar a indemnização ou prestação pretendida reclamar nesta ação.
Em suma, julgamos que não foram violados nenhuns dos normativos invocados nas alegações de recurso, improcedendo integralmente as conclusões que sustentam o contrário, devendo por isso a sentença recorrida ser integralmente confirmada.
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente por não provada, confirmando assim a sentença recorrida nos seus precisos termos.
- Custas pelo Apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
*
Lisboa, 15 de dezembro de 2020
Carlos Oliveira
Diogo Ravara) – com declaração de voto anexa
Ana Rodrigues da Silva

Declaração de voto:
Votei o acórdão, por concordar com a solução do caso concreto, na medida em que não resultou demonstrado que o autor se encontre afetado de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, e muito menos para o exercício da profissão habitual, tal como previsto no Art. 5-A das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23-10. Não obstante, não subscrevo o juízo de adequação e proporcionalidade manifestado relativamente a um requisito adicional de verificação de uma incapacidade permanente parcial de 66,6% para o exercício de outra profissão, para que se possa ter por preenchido o conceito de invalidez total e permanente nos termos e para os efeitos do contrato de seguro, por entender que, atento o grau extremamente elevado de tal incapacidade, tal requisito torna praticamente impossível que um trabalhador aposentado por incapacidade para o exercício da profissão habitual possa beneficiar da cobertura em apreço.
(Diogo Ravara)