TÍTULO EXECUTIVO
RECONHECIMENTO DE DÍVIDA
DOCUMENTO PARTICULAR AUTENTICADO
Sumário


I- O documento particular apenas poderá ser considerado autenticado se o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante (o notário, a câmara de comércio e indústria, o conservador, o oficial de registo, o advogado ou o solicitador), nos termos prescritos nas leis notariais, que, impõem, para além do mais, a necessidade de, no termo, constar as assinaturas dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento, sob pena do acto notarial ser nulo, por vício de forma.
II- Assim, se a autenticação do documento particular de reconhecimento de dívida não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos, não pode servir de base à acção executiva por não consubstanciar título passível de ser subsumido à al. b) do n.º 1 do art. 703.º do Cód. Processo Civil.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

A executada/embargante X – Torraplenagens, Lda, devidamente identificada nos autos, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que a exequente S. V., também devidamente identificada nos autos, lhe instaurou, veio deduzir embargos de executado.
Para o efeito, alegou, em síntese, a inexequibilidade do título dado à execução – confissão de dívida – por padecer de irregularidades que comprometem a sua exequibilidade.
A embargada pronunciou-se, pugnando pela sua improcedência.

*
Em sede de despacho saneador, foi proferida decisão nos seguintes termos:

“Da (in)exequibilidade do título dado à execução:--
Alega a Embargante que o título dado à execução – confissão de dívida – padece de irregularidades que comprometem definitivamente a exequibilidade do mesmo.—
A Embargada pronunciou-se, pugnando pela improcedência da excepção.— Cumpre apreciar e decidir.----
O processo executivo destina-se a dar realização material coactiva às providências judiciárias que dela careçam e a comportam.---
Pode instaurar-se um processo executivo sem precedência de processo declaratório sempre que o autor, embora não tendo a sua pretensão reconhecida por uma sentença, esteja munido de um documento que a lei considere susceptível de servir de base à execução - o título executivo (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, págs. 56/58).---
Os títulos executivos são documentos de actos constitutivos ou certificativos de obrigações a que a lei reconhece a eficácia de servirem de base ao processo executivo.-
O título é condição necessária do processo executivo.
A questão que se coloca prende-se com a exequibilidade do documento dado à execução, sustentando a Executada/Embargante que a falta de observância dos procedimentos de autenticação – concretamente a falta de assinatura da embargante no termo de autenticação - lhe retirou tal condição.--
À execução só podem servir de base os títulos taxativamente elencados no artigo 703º do Cód. Proc. Civil.--
Resulta do art. 703º nº 1, alínea b), do Cód. Proc. Civil, que à execução podem apenas servir de base os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.---
Nos termos do art. 35º do Cód. Notariado, “1 - Os documentos lavrados pelo notário, ou em que ele intervém, podem ser autênticos, autenticados ou ter apenas o reconhecimento notarial. 2 - São autênticos os documentos exarados pelo notário nos respectivos livros, ou em instrumentos avulsos, e os certificados, certidões e outros documentos análogos por ele expedidos. 3 - São autenticados os documentos particulares confirmados pelas partes perante notário. 4 - Têm reconhecimento notarial os documentos particulares cuja letra e assinatura, ou assinatura, se mostrem reconhecidas por notário.”-
O processo de autenticação dos documentos particulares encontra-se disciplinado nos arts. 150.º e ss. do Código do Notariado, exigindo-se assim que as partes confirmem o seu conteúdo perante o advogado (art. 150º nº 1 do Cód. Notariado), o qual deve lavrar termo de autenticação (art. 150º nº 2) e obedece aos requisitos previstos nos arts. 150º e 151º do Cód. Notariado, devendo ainda ser efectuado o registo informático, previsto na Portaria 657-B/2006, de 29 de junho.--
Segundo o art. 153º, nº 1 do Código do Notariado, os reconhecimentos notariais podem ser simples ou com menções especiais. O reconhecimento simples respeita à letra e assinatura, ou só à assinatura, do signatário de documento (n.º 2 do referido preceito).-
O art. 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Maio, procedeu à extensão do regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documentos, além de outras entidades ou profissionais, aos advogados. Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com mençõesespeciais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial (nº 1)---.
Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas no número anterior conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial (n.º 2).---
Para que os actos referidos no n.º 1 se considerem validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores tem de ser efectuado e registo em sistema informático, cujo funcionamento, respetivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça (nº 3).---
Vertendo ao caso que nos ocupa, sustenta a Embargante a nulidade do termo da autenticação, como já se disse, na falta da assinatura no mesmo da própria embargante, chamando à colação o art. 70º, nº 1, do Cód. do Notariado, que prevê a nulidade do acto quando faltar a assinatura do outorgante.—
Ora, para nós parece evidente que a Embargante não podia nem devia ter aposto a sua assinatura no termo de autenticação, pela mera circunstância de não ser outorgante do mesmo. Com efeito, quem autentica é a entidade à qual a lei confere poderes para o efeito – no caso, a Srª Advogada – pelo que apenas esta é a outorgante e, como tal apenas esta podia, devia, e efectivamente apôs no termo a sua assinatura.
A Embargante – representada pelo respectivo legal representante – apenas foi outorgante do documento denominado “Declaração de Reconhecimento de Dívida”, pelo que o assinou.—
Em suma, inexiste qualquer irregularidade no documento dado à execução, mormente na respectiva autenticação, que obedece às formalidades legalmente exigidas, pelo que se julga improcedente a excepção invocada de falta de título executivo.—“.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio a executada/embargante interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta decisão proferida em 06/10/2020 a fls. …, que julgou improcedente a exceção invocada de falta de título executivo.
2. No douto despacho de que agora se recorre, a Meritíssima Juiz a quo, considerando que, in casu, inexiste qualquer irregularidade no documen-to dado à execução, mormente na respetiva autenticação, considerou que o mesmo obedece às formalidades legalmente exigidas.
3. Vem, assim, a Requerente recorrer de tal decisão, pretendendo mostrar, por diversos ângulos de observação, que o julgado em apreço não pode subsistir.
4. Salvaguardando sempre o devido respeito – que é muito - e admiração que nos merece o Tribunal a quo, ficou incorretamente decidida a ques-tão respeitante à (in)exequibilidade do título dado à execução nos autos de que os presentes são apenso.
5. Conforme resulta dos autos, o Tribunal recorrido sufragou o entendimen-to que o documento particular apresentado pela Exequente/Embargada, como título executivo pode valer como tal, considerando que, no caso, foram cumpridos os requisitos legais relativos à sua autenticação.
6. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, considerou que sociedade Embar-gante, ora Recorrente, não podia nem devia ter aposto a sua assinatura no termo de autenticação, pela mera circunstância de não ser outorgan-te do mesmo.
7. Ainda de acordo com o teor da decisão ora em crise, quem autentica é a entidade à qual a lei confere poderes para o efeito – no caso Advogado -, pelo que, apenas este é outorgante e, por conseguinte, apenas este podia, devia, e apôs no termo a sua assinatura.
8. Discorda, porém, a aqui Recorrente, de tal entendimento vertido no douto despacho ora em crise.
9. Conforme resulta do requerimento executivo, os autos de execução em apreço fundam-se num documento ao qual foi atribuída a designação de “Declaração de Reconhecimento de Dívida”, datado de 28 de Março de 2014.
10. Tal documento mostra-se assinado por M. R. na qualidade de sócia gerente da aqui Recorrente.
11. A Exequente/Embargada, invoca, assim, como título executivo, o documento autenticado “Declaração de Reconhecimento de Dívida”.
12. Do mencionado “Termo de Autenticação” que acompanha a supra alu-dida “Declaração de Reconhecimento de Dívida”, emitido pelo Ex.mo Senhor Dr. F. O., Ilustre Advogado, também datado de 28 de Março de 2014, apenas consta, conforme se extrai do seu teor, a assinatura do próprio e encontra-se aposto o respetivo carimbo profis-sional.
13. Quem elaborou a mencionada “Declaração de Reconhecimento de Dívi-da” e o termo de autenticação que se lhe seguiu foi o Ilustre Advogado, acima identificado, e não a representante legal da Embargante, ora Recorrente.
14. A sócia gerente da Recorrente - M. R. -, não par-ticipou nem assinou o mencionado termo de autenticação.
15. Como se verifica, contrariamente ao entendimento vertido no douto despacho ora em crise, o Ilustre Advogado foi a entidade autenticadora e não o outorgante do documento em causa nos autos.
16. Ora, como é consabido, a ação executiva carateriza-se pela necessida-de de uma base documental, ou seja, a ação executiva não pode ser ins-taurada sem o exequente se encontrar munido de um título executivo.
17. Nessa medida, toda a execução deve, assim, ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (Art. 10.º, N.º5 do CPC).
18. O título executivo apresenta-se como requisito essencial da ação exe-cutiva e há de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, terá de ser um documento suscetível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.
19. O título é efetivamente condição necessária do processo executivo, conforme, aliás, frisa (e bem!) a Meritíssima Juiz do Tribunal Recorrido.
20. O elenco dos títulos executivos previstos no Art. 703.º do CPC obedece ao princípio da tipicidade, não sendo permitida a criação de títulos exe-cutivos em violação do citado normativo.
21. O novo CPC, no seu Art. 703.º, restringiu a espécie de títulos executi-vos, eliminando os documentos particulares que importem o reconheci-mento ou a constituição de uma obrigação pecuniária, cujo montante seja determinável por simples cálculo aritmético, ou a obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto, a não ser, conforme expres-samente é referido na alínea b), do N.º1 daquela disposição legal, que os mesmos tenham sido exarados ou autenticados por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal.
22. Portanto, à execução podem apenas servir de base os documentos exa-rados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissio-nais com competência para tal, que importem constituição ou reconhe-cimento de qualquer obrigação.
23. Nos termos do disposto no N.º1, do Art. 150.º do Cód. Notariado, são documentos autenticados os documentos particulares cujo conteúdo seja confirmado pelas partes perante o notário. Este último, perante esta confirmação pelas partes, deve reduzir a termo de autenticação (N.º2).
24. Dizem-se, assim, autenticados os documentos particulares cujo conteú-do seja confirmado pelas partes perante o notário (Art. 35.º, N.º3 do Cód. Notariado e Art. 363.º, N.º3 do Cód. Civil), com o que tais docu-mentos adquirem a qualificada força probatória dos documentos autênti-cos (Art. 376.º e 377.º do Cód. Civil).
25. Para ser conferida exequibilidade extrínseca a um documento particu-lar constitutivo ou recognitivo de uma obrigação, torna-se mister a sua autenticação por entidade dotada de competência para esse efeito, visando, desse modo, assegurar a compreensão do conteúdo do mesmo pelas partes.
26. O termo de autenticação serve para que o documento particular adqui-ra uma força qualificada, dado que só assim poderá ascender à categoria de título executivo.
27. O termo de autenticação confere, desse modo, o caráter autenticado ao documento particular, ou seja, é a declaração das partes em como já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo, que exprime a sua vontade.
28. Por força do disposto no Art. 38.º do DL. N.º76-A/2006, de 29 de Março, que tem por objeto, entre outros, medidas de simplificação e eliminação de atos e procedimentos notariais e registrais, resulta inequivocamente que o advogado tem uma competência igual à do notário no que diz res-peito à autenticação de documentos particulares.
29. E, os poderes de autenticação conferidos, designadamente aos advoga-dos, pelo sobredito normativo, devem ser exercidos nos termos da lei notarial.
30. Ademais, conforme estabelece o N.º1 do Art. 151.º do Cód. Notariado, o termo deve satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adapta-ções, o disposto nas alíneas a) a n) do N.º1 do Art. 46.º do mesmo diplo-ma legal.
31. E, no que tange às formalidades comuns do instrumento notarial, o Art. 46.º do Cód. Notariado determina, nas suas alíneas a) a n) que o mesmo deve conter, entre outros, “(…) as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.”
32. Por sua vez, o Art. 70.º Cód. Notariado prevê os casos de nulidade do ato notarial por vício de forma, prescrevendo o seu N.º1 que o ato nota-rial é nulo, por vício de forma, apenas quando falta algum dos requisitos ali indicados, e entre eles a assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar.
33. De salientar, de igual modo, que, o documento particular deve iniciar pela identificação dos declarantes e conter apenas as suas declarações, devendo ser assinado a final apenas por estes.
34. O termo de autenticação, por sua vez, deve ser lavrado no próprio documento particular a que respeita, podendo iniciar logo em seguida à assinatura ou assinaturas dos declarantes no documento particular, ou em folha anexa.
35. No que tange à assinatura propriamente dita, posta no final do conteú-do do documento (termo de autenticação), a sua primordial função é a de comprovar a intervenção do signatário no ato, que dessa maneira o assume como “seu”, na veste em que tenha intervindo e na pluralidade dos efeitos e das responsabilidades que produza.
36. Apondo a sua assinatura exprime-se a sua adesão ao conteúdo do documento e, nessa medida, é necessária a(s) assinatura(s) do(s) inter-veniente(s) no termo de autenticação.
37. Este deverá ser assinado presencialmente pelo autor do documento a autenticar e pelo notário ou outra entidade com competência legal para o efeito.
38. As assinaturas dos outorgantes devem, assim, constar do termo pois que um documento particular, sem o termo devidamente lavrado, de acordo com todos os requisitos constantes do Art. 46.º do Cód. Notaria-do, não passa de um mero documento particular e não de um documen-to autenticado.
39. E, o “instrumento notarial” a que se refere o sobredito Art. 46.º é, inequivocamente, e neste caso dos autos, o termo de autenticação.
40. Conforme doutamente decidido em Ac. do TRC de 21/01/2020 (Proc. N.º4388/18.9T8VIS-A.C1): “ (…) 1- À luz do NCPCiv. [art.º 703.º, n.º1, al.ª b)], os documentos particulares constitutivos ou recognitivos de obrigações adquirem força executiva mediante a sua válida autenti-cação por entidade com competência para o efeito, destinando-se o termo de autenticação a assegurar a compreensão do conteúdo dos mesmos pelas partes. 2- Devem outorgar no termo de autenticação aqueles que se obrigaram no respetivo documento particular, isto é, todos os devedores, sendo de excluir a força de título executivo quanto ao devedor que não outorgue nesse termo. (…)”
41. E, tal como resulta de parecer do Instituto dos Registos e do Notariado-CP81/2009SJC-CT(https://www.notarios.pt/NR/rdonlyres/79033B43-0930-51-9297-153F137A78F/2969/Parecer_CP81_2009SJC_CR.pdf)(…)o documento particular autenticado deve conter duas manifestações de vontade humanas expressas (exteriorizadas): a declaração de vontade negocial exteriorizada com a assinatura do documento pelas partes; e a declaração de vontade confirmatória do conteúdo deste documento exteriorizada com a outorga, juntamente com a entidade autenticadora, do “termo de autenticação” pelas partes.”
42. Assim, in casu, analisado o termo de autenticação junto com o docu-mento dado à execução, verifica-se que o mesmo não foi assinado pela representante legal da sociedade que figura como devedora na mencio-nada “Declaração de Reconhecimento de Dívida”.
43. A sócia gerente da sociedade comercial ora Embargante não assinou o aludido termo de autenticação, apenas o tendo assinado o Ilustre Advogado com aposição do seu carimbo profissional.
44. Assim sendo, não se poderá afirmar que a Recorrente emitiu uma declaração confirmatória do conteúdo da “Declaração de Reconhecimen-to de Dívida”, sendo essa, aliás, e como é consabido, a finalidade do termo de autenticação.
45. Pretendeu o Ilustre causídico que exarou o termo dar a tal instrumento a figura de um documento particular autenticado, mas para tanto, deve-ria conter os requisitos legais previstos nos Art. 150.º e 151.º Cód. Nota-riado, para o termo de autenticação, sendo, entre outros, a assinatura dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os intervenientes e da entidade autenticadora, nos termos do N.º1 do Art. 46.º do aludido diploma legal, o que não sucedeu.
46. Com efeito, para constituir título executivo o documento apresentado pela Exequente/Embargada teria de cumprir – e não cumpriu! - os requi-sitos formais de validade legalmente exigidos.
47. Todas essas circunstâncias não foram – e, salvo o devido respeito, deve-riam ter sido – devidamente equacionadas e valoradas pelo Tribunal recorrido.
48. Acresce que, de acordo com o teor do douto despacho proferido, a Meritíssima Juiz a quo considerou que no termo de autenticação em questão o outorgante apenas e só é o próprio Ilustre Advogado.
49. Com o devido respeito, confunde, porém, a Meritíssima Juiz a quo, entidade autenticadora e outorgante propriamente dito.
50. Com efeito, contrariamente ao ali sufragado, a outorgante é a própria sociedade comercial, ora Recorrente, representada, para o efeito, pela sua sócia gerente, M. R., e não o Ilustre Advogado que elaborou o termo. Este, apenas e só, é a entidade autenticadora.
51. E, tanto assim é que, inclusivamente, conforme resulta do teor do pró-prio termo de autenticação, junto com o requerimento executivo, e ela-borado pelo Ilustre Advogado, este menciona que: “No dia 28 de março de 2014, perante mim, (…) compareceu como outorgante: M. R. (…)”. Refere, ainda, que: “(…) Verifiquei a iden-tidade e qualidade da Outorgante (…)” e, de igual modo, que: “(…)O presente termo de autenticação foi lido e feita a explicação do seu con-teúdo à Outorgante.”
52. Nessa medida, com o devido respeito, mal andou a Meritíssima Juiz a quo ao decidir como decidiu.
53. Não obedecendo às formalidades legalmente exigidas, como efetiva-mente ocorre no caso dos autos, o documento particular dado à execu-ção não se mostra validamente autenticado, pois que não existe termo de autenticação devidamente lavrado nos termos legais.
54. Nessa medida, o termo de autenticação junto à supra aludida “Decla-ração de Reconhecimento de Dívida” é nulo (Art. 70.º, N.º1, al. e), do Cód. Notariado) e tal nulidade reconduz necessariamente à invalidade do próprio título executivo.
55. Por conseguinte, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, veri-fica-se a falta de título executivo para a execução, nos termos previstos no Art. 726.º, Nº2, al. a) do CPC.
56. Não tendo o documento particular sido confirmado pela embargante sociedade, a omissão da declaração de que o documento particular exprime a sua vontade, retira-lhe a natureza de documento autenticado e, consequentemente, a qualidade de título executivo acionável contra a mesma.
57. Não foi, pois, observada uma das formalidades da autenticação do documento particular dado à execução – omissão da assinatura da socie-dade embargante -, pelo que carece o mesmo de exequibilidade que legitime e suporte a démarche processual executiva.
58. Nessa medida, deverá a douta decisão proferida nos autos ser revogada e substituída por outra que, considerando nulo o termo de autenticação, julgando o documento apresentado à execução não constitutivo de título executivo e, por conseguinte, determinando a falta de título executivo para a execução e julgando procedente a exceção invocada pela aqui Recorrente, declare extinta a execução, com as demais consequências legais.
Nestes termos e com o mui douto suprimento de V.Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso em conformidade com as conclusões que antecedem, assim se fazendo BOA e ACOSTUMADA JUSTIÇA
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A exequente/embargada apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:

1.ª) É manifesto, salvo devido respeito, que as conclusões apresentadas pela Apelante, são uma mera reprodução ipsis verbis do vertido no corpo das alegações, com exíguas alterações de pormenor na redacção e agrupamento das frases, e suprimindo única e exclusivamente a enunciação do teor dos normativos legais invocados.
2.ª) As deficientes conclusões apresentadas pela Recorrente não obedecem aos princípios gerais do processo civil, designadamente celeridade, agilização, simplificação, necessidade, cooperação, economia, utilidade e adequação – artigos 6.º, 7.º, 130.º, 131.º e 547.º, todos do C.P.C. –, bem como não cumprem os especiais deveres de clareza, precisão e objectividade em que se analisam os ónus de síntese e de especificação resultantes do citado artigo 639.º do C.P.C..
3.ª) A reprodução das alegações equivale à falta de conclusões, pelo que deverá o recurso ser rejeitado, nos termos do preceituado no artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do C.P.C..
4.ª) É de vedar o convite ao aperfeiçoamento das conclusões no sentido da sua sintetização, pois que, por total falta das conclusões impostas por lei (forma sintética), não pode aquela deixar de sofrer a consequência do incumprimento do ónus em causa, nomeadamente a rejeição do recurso.
5.ª) Pelo que vem defensado, o recurso interposto deverá ser rejeitado por falta de conclusões nos termos legalmente estatuídos.
6.ª) Perfilhando este entendimento, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 24/01/2019 no âmbito do Processo n.º 3113/17.6T8VCT.G1, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 23/04/2018, no Processo n.º 6818/14.0YIPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
7.ª) Sem prescindir, caso doutamente assim se não considere e seja o recurso aceite, sempre se pugna que o douto despacho em sindicância fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, não merecendo qualquer censura ou reparo, tendo o Tribunal a quo bem andado ao decidir como decidiu, devendo a douta decisão proferida ser mantida.
8.ª) O termo de autenticação tem como finalidade a confirmação da declaração de vontades constante do documento particular, pelo que apenas à entidade autenticadora cabe subscrever o termo, conforme cumprido in casu.
9.ª) O artigo 151.º, n.º 1, do Código do Notariado, normativo legal específico para a autenticação, é claro ao definir que o termo de autenticação terá de satisfazer o disposto nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º, “na parte aplicável e com as necessárias adaptações”, impedindo-se, pois, a aplicabilidade pura e cega do definido naquelas alíneas.
10.ª) A única pessoa que tem/deve assinar o termo de autenticação é a entidade subscritora, a qual verifica a identidade e qualidade da outorgante pela exibição dos documentos de identificação, lê e explica o conteúdo do documento a autenticar ao outorgante e recebe a declaração confirmatória do conteúdo do documento.
11.ª) A participação da Embargante no termo de autenticação circunscreveu-se, e bem, à emissão de uma declaração confirmatória do conteúdo do documento cuja autenticação se solicitou.
12.ª) Destarte, o termo de autenticação em crise foi lavrado cumprindo todos os requisitos legais, pelo que é válido, e o documento particular dado à execução encontra-se validamente autenticado, pelo que validamente serve de base ao processo de execução, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
13.ª) A este título, perfilha-se o entendimento preconizado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 22-02-2018 no Processo n.º 9667/15.4T8STB.E1, e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 08-11-2018 no Processo n.º 3261/17.2T8AGD.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

TERMOS EM QUE, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso interposto pela Executada/Embargante ser rejeitado por falta de conclusões nos termos legalmente estatuídos, ou, caso doutamente assim se não considere, ser julgado totalmente improcedente, pelos motivos expendidos.
Assim decidindo, mais uma vez, Venerandos Desembargadores, será feita a ACOSTUMADA E NECESSÁRIA JUSTIÇA.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir, para além da questão prévia suscitada, se o documento particular dado à execução se encontra validamente autenticado e formado para servir de base ao processo de execução, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
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Fundamentação de facto

Factos provados

A materialidade supra exposta, bem como a seguinte factualidade a considerar para efeito da decisão a proferir:
1. - A exequente apresentou como título executivo um documento particular denominado de “Declaração de Reconhecimento de Dívida” no qual a embargante interveio como outorgante, nele declarando, além do mais, que se declara e confessa devedora da quantia de €7.000,00 àquela, e que tal dívida resulta de um contrato de compre e venda de um veículo marca Groenewegen, com a matrícula …, vendido à declarante que se comprometeu a pagar tal dívida até 30.8.2014, na residência da credora - tudo em conformidade com o documento junto à execução e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. - A acompanhar este documento particular, devidamente assinado pela sócia gerente da embargante na qualidade em que outorgou, a exequente apresentou ainda um termo de autenticação onde, na mesma data de 28.3.2014, o advogado atestou que compareceu como outorgante M. R., na qualidade de sócia gerente, com poderes para o acto, da sociedade X – Torraplenagens, Lda, tendo sido verificada a identidade e qualidade da outorgante pela exibição dos seus documentos de identificação e consulta na referida certidão permanente da empresa, mais se atestando que, para fins de autenticação, foi apresentada a Declaração de Reconhecimento de Dívida que disse ter já lido e assinado enquanto sócia gerente e que a mesma exprime a vontade da empresa aí declarante, mais aí se plasmando que tal termo de autenticação foi lido e feita a explicação do seu conteúdo à embargante, apondo-se o carimbo identificativo do advogado onde foi aposta uma rubrica– tudo em conformidade com o documento junto à execução e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. - O acto de autenticação do documento particular foi registado como documento particular autenticado.
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Fundamentação jurídica

Cumpre, então, agora deceidir, começando pela questão prévia suscitada pela recorrida quanto ao facto das conclusões serem a reprodução das alegações.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
Pois, a formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais se defende a decisão pretendida.
O não cumprimento desse objectivo de boa administração constitui não apenas uma violação da lei processual como um menosprezo pelo trabalho da parte contrária e do próprio tribunal, daí que o artigo 641.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (artigo 639.º, n.º 3).
No caso, verifica-se que a recorrente alegou e concluiu praticamente da mesma forma (apenas retirando das conclusões a transcrição dos artigos por si citados), sem ter procedido a qualquer síntese conclusiva.
Do ponto de vista substancial, a recorrente não formulou conclusões do recurso como devia, antes se limitando a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.
Por conseguinte, a consequência devia ser a pura e simples rejeição do recurso por falta de conclusões.
Contudo, considerando que se poderia convidar a recorrente a aperfeiçoar (melhor dizendo, a formular) as “conclusões”, decide-se prosseguir e apreciar as questões suscitadas por uma questão de economia processual e simplicidade, tendo em conta também o facto de se estar perante uma situação que leva a que se quantifique e identifique os trâmites seguidos para se perceber as razões e argumentos invocados no sentido defendido.
Assim, passando à análise e decisão da questão suscitada, consiste a mesma em saber se o documento dado à execução consubstancia título executivo à luz do disposto na al. b), do n.º 1 do art. 703.º, do Cód. Proc. Civil.
O tribunal a quo sufragou o entendimento de que tal documento vale como título executivo, por considerar terem sido cumpridos os requisitos legais relativos à sua autenticação.
Assim, o âmago do objecto do presente recurso, tendo em conta que, na perspetiva da apelante, o documento não reúne as condições necessárias para servir de base à execução, por se estar em presença de documento particular que não foi devidamente autenticado, é saber se o documento particular dado à execução se encontra validamente autenticado e formado para servir de base ao processo de execução, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, importa, numa primeira abordagem, ter em conta que a acção executiva não pode ser instaurada sem o exequente se encontrar munido de um título executivo, tal como decorre do n.º 5 do art. 10.º do Cód. de Processo Civil, onde se preceitua que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
O título executivo há de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, ou seja, terá de ser um documento susceptível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.
Por essa via assegura-se que não se recorra a medidas coactivas próprias do processo executivo contra o património do executado sem um mínimo de garantia (prova) sobre a existência do direito do exequente.
Em primeiro lugar, importa ter em conta que, como se veio estipular no artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o disposto no Código de Processo Civil aprovado, relativamente a títulos executivos, às formas de processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só é de aplicar às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.
Assim, tratando-se de um documento subscrito posteriormente e dado de execução após 2013, são as normas decorrentes da nova lei as aqui aplicáveis ao presente caso.
Ora, como se retira do novo Cód. Proc. Civil, entre outras alterações, eliminou-se do elenco dos títulos executivos os «documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto».
Pois, a esses documentos era conferida a característica da exequibilidade pelo artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do anterior CPC, agora revogado.
Actualmente, por força do disposto no artº. 703.º, do novo Cód. Proc. Civil, restringiu-se a espécie de títulos executivos, eliminando os ditos documentos particulares, a não ser, conforme expressamente é referido na alínea b), do n.º 1, dessa disposição legal, que os mesmos tenham sido exarados ou autenticados por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal.
Assim, em termos gerais, salienta-se o facto do elenco dos títulos executivos previstos no artigo 703.° obedecer ao princípio da tipicidade (cfr. ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO e PAULO PIMENTA, ‘O Novo Processo Civil’, 11.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 46; JOÃO PAULO REMÉDIO MARQUES, in ‘Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto’, Almedina, Coimbra, 2000, p. 54), não sendo permitida a criação de títulos executivos em violação do citado normativo, razão por que será irrelevante a convenção, em qualquer contrato, conferindo-lhe natureza ou força executiva.
A definição do que são documentos autênticos ou particulares autenticados encontra-se no artigo 363.°, do Cód. Civil, ao estipular-se no seu n.º 2, que apenas são autênticos os que forem exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública, e que todos os outros documentos são particulares. Por sua vez, nos termos do seu n.º 3, os documentos particulares são havidos por autenticados, se forem confirmados pelas partes perante o notário, nos termos prescritos nas leis notariais.
No que respeita aos documentos particulares e à possibilidade da sua certificação/autenticação, num primeiro momento, através do Decreto-Lei n.º 38/2000, de 13 de Março, o legislador veio permitir às Juntas de Freguesia e aos … - Correios, SA, a faculdade de certificar a conformidade de fotocópias com os documentos originais que lhes sejam apresentados para esse fim, podendo ainda as mesmas entidades proceder à extração de fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, conferindo idêntica possibilidade, querendo, às câmaras de comércio e indústria reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n. ° 244/92, de 29 de dezembro, aos advogados e solicitadores.
Mais tarde, prescreveu-se no artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 237/2001, de 30 de Agosto, que as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n." 244/92, de 29 de Outubro, os advogados e os solicitadores, podem fazer reconhecimentos com menções especiais, por semelhança, nos termos previstos no Código do Notariado, podendo ainda certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.
Finalmente, estabeleceu-se no artigo 38.º, n. ° 1, do Decreto-Lei n. ° 76-A/2006, de 29 de Março, que sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, prescrevendo-se no seu n. ° 2 que os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actas tivessem sido realizados com intervenção notarial. E assim sendo, deverá concluir-se que estas entidades também têm competência para autenticar documentos para efeito do disposto no artigo 363.º, do CC, devendo este considerar-se tacitamente actualizado nessa parte.
No entanto, por força do seu n.º 3, os referidos actos apenas podem ser validamente praticados pelas aludidas entidades mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.
De qualquer modo, impõe-se salientar que o documento particular apenas poderá ser considerado autenticado se o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante (o notário, a câmara de comércio e indústria, o conservador, o oficial de registo, o advogado ou o solicitador), nos termos prescritos nas leis notariais, circunstância que terá de constar da respetiva autenticação, não bastando apenas o facto de os mesmos procederem ao reconhecimento das assinaturas (cfr. arts. 35.º, n.º 3, e 36.º, n.º 4, do Código do Notariado (Publicado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 125/2013, de 30 de agosto).
Isto porque, como se dispõe no art.º 46.º, do Código do Notariado, sobre as formalidades comuns aos instrumentos notariais, o termo de autenticação, deve conter, entre outros elementos, a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade, nos termos das als. l) a n), do seu n.º 1.
É que, como preceitua o artigo 150.º, n.º 1 do Código do Notariado, “os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário”, observados que sejam os requisitos comuns formais previstos no artigo 151.º do mesmo diploma, que são, além dos enunciados no citado art. 46.º, n.º 1, als. a n), os aí indicados nas als. a) e b), e que se reconduzem à necessidade de, no termo, se fazer constar:
- o nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas colectivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação de pessoa colectiva;
- a referência à forma como foi verificada a identidade dos outorgantes, das testemunhas instrumentárias e dos abonadores;
- a menção das procurações e dos documentos relativos ao instrumento que justifiquem a qualidade de procurador e de representante, mencionando-se, nos casos de representação legal e orgânica, terem sido verificados os poderes necessários para o acto;
- a menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo;
- as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.
- a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade.
Para além do exposto, necessário se torna, ainda, proceder ao imediato registo do acto, como se referiu, no respetivo sistema informático ou, em caso de indisponibilidade, dentro do prazo máximo de 48 horas (cfr. artigos 1.º e 4.° da Portaria 657-B/2006, de 29 de Junho), sob pena de se considerar que o documento não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado título executivo” (Cf. Virgínio da Costa Ribeiro/Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2015, pp. 138/141).

Por sua vez, o art.º 70.º, do Código de Notariado, prevê os casos de nulidade do acto notarial por vício de forma, prescrevendo o seu n.º 1, que “o[O] acto notarial é nulo, por vício de forma, apenas quando falta algum dos seguintes requisitos:
- a menção do dia, mês e ano ou do lugar em que foi lavrado;
- a declaração do cumprimento das formalidades previstas no artigo 65.º e 66.º;
- a observância do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 41.º;
- a assinatura de qualquer intérprete, perito, leitor, abonador ou testemunha;
- a assinatura de qualquer dos outorgantes que saiba e possa assinar;
- a assinatura do notário;
- a observância do disposto na alínea g) do n.º1 do artigo 46.”.

No vertente caso, a exequente apresentou como título executivo um documento particular denominado de ‘Declaração de Reconhecimento de Dívida’, acompanhado de um termo de autenticação onde, na mesma data, o advogado atestou que compareceu como outorgante M. R., na qualidade de sócia gerente, com poderes para o acto, da sociedade X – Torraplenagens, Lda, verificada pela exibição dos seus documentos de identificação e consulta na referida certidão permanente da empresa, e que a outorgante, apresentada a Declaração de Reconhecimento de Dívida, disse ter já lido e assinado enquanto sócia gerente, exprimindo a vontade da empresa aí declarante, após ter sido lido e feita a explicação do seu conteúdo.
Contudo, como daqui decorre, o termo não foi assinado pela outorgante do documento particular, como se impõe no art. 46.º, n.º 1, al. n), do Cód. Notariado., ao determinar que do instrumento notarial conste as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.
Pois, como se expõs, o termo de autenticação serve para que o documento particular adquira uma força qualificada, justificada por razões de segurança, certeza jurídicas e salvaguarda da fé pública associada a este tipo de documento que, só assim poderá ascender à categoria de título executivo.
Importa, como tal, que, para além disso, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública das partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo, que traduz a sua vontade e confirmação, a mesma seja seguida da sua prova, por via das respectivas assinaturas.
Acresce que, a falta de assinatura da intitulada devedora, executada, não pode ser já suprida, nos termos do art. 70.º, n.º 2, al. b), do Cód. Notariado, por nos encontrarmos já em plena fase executiva, sabido que o título deve estar formado ao tempo da instauração da acção executiva.
Assim, considerando que a intitulada devedora, aqui executada, que se encontra mencionada no acto de autenticação, não assinou o termo, tem de se entender que apenas foi feito o reconhecimento presencial da assinatura, sem a sua autenticação.
Perante o exposto, afigura-se-nos, pois, que o termo de autenticação é nulo, nulidade essa que se reconduz à invalidade do próprio título executivo, pelo que se verifica a falta de título executivo para a execução, nos termos previstos no artigo 726.º, nº. 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
É que, como se viu, na presença da “declaração de reconhecimento de dívida” a sua autenticação não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos, pelo que o documento particular não chegou sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à acção executiva por não consubstanciar título passível de ser subsumido à al. b) do n.º 1 do art. 703.º do Cód. Processo Civil, tal como se decidiu, entre muitos outros, no Ac. da Rel Porto, no proc. 4871/14.5T8LOU-A.P1, de 23-01-2017, bem como nos Acs. da Rel. Coimbra, nos procs. 4388/18.9T8VIS-A.C1, de 21-01-2020, e 1068/18.9T8CBR.C1, de 6-11-2018, no Ac. STJ, no proc. 19222/16.6T8PRT-A.P1.S2, de 17.10.2019, publicados no site da dgsi, em situações similares.
Consequentemente, tal implica que o documento dado à execução careça de exequibilidade extrínseca que legitime e suporte a démarche processual executiva, pelo que, tem o recurso de proceder e a decisão de ser revogada.
*
III-Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso procedente, devendo, em consequência, ser revogada a decisão em conformidade com o exposto.
Custas pela recorrida.
Registe e notifique.
*
Guimarães, 17.12.2020
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é por todos assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida