EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
AVALIAÇÃO DOS SOLOS
TEMAS DE PROVA
Sumário

I - No regime processual que atualmente vigora, embora inexista norma que preveja a organização dos temas de prova em função das soluções plausíveis de direito e a instrução se refira, em regra, aos temas de prova enunciados, rectius aos factos a que se reconduzem tais temas de prova (veja-se o artigo 410º do Código de Processo Civil), a organização daqueles temas deverá ter em consideração as diversas soluções plausíveis das questões de direito decidendas, pois só assim, por um lado, se respeitarão as exigências de um processo justo e equitativo, com respeito do princípio do contraditório e, por outro lado, se evitarão as delongas decorrentes da eventual necessidade de ampliação da matéria de facto, no tribunal ad quem, por se ter desconsiderado uma ou várias vertentes fácticas daquelas questões de direito.
II - A matéria relevante para a boa decisão da causa, em sede de processo de expropriação por utilidade pública litigiosa, não se cinge aos denominados factos concretos, mas também abarca apreciações de factos, efetuadas por pessoas especialmente qualificadas para o efeito, no caso os senhores peritos que tiveram intervenção nos autos, nas diversas fases dos mesmos, apreciações realizadas em função das questões decidendas suscitadas no recurso.
III - Na avaliação de solos destinados a outros fins, além do rendimento efetivo ou possível e de outros fatores relevantes, devem ter-se em atenção as condições de acesso e especialmente quando tais condições têm particular importância para a realização de operações de cultivo e para o escoamento da produção.

Texto Integral

Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que figuram como entidade beneficiária da expropriação[1] “Infraestruturas de Portugal, S.A.” e como expropriados B… e C…, por despacho do Secretário de Estado das Infraestruturas nº 1132/2018 de 11 de janeiro de 2018, publicado na Segunda Série do Diário da República nº 22, de 31 de janeiro de 2018, foi declarada a utilidade pública da expropriação de uma parcela de terreno identificada como a nº 17, com a área de 6341 m2, a destacar do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de …, Concelho da Maia, sob o artigo 194, descrito originalmente na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o nº 35, freguesia da … e actualmente na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia, freguesia da …, sob o nº 35/19850503, a confrontar do norte com D… e outros, a sul com Caminho e E…, do nascente com D… e a poente com F… e outros.
Em 15 de março de 2018, efetuou-se a vistoria ad perpetuam rei memoriam à parcela expropriada e em 01 de julho de 2015, na sequência de reclamação dos expropriados, foi elaborado relatório complementar da mesma vistoria.
Em 30 de abril de 2018, a entidade beneficiária da expropriação tomou posse administrativa da parcela.
Em 31 de maio de 2019, realizou-se a arbitragem, fixando-se em €23.877,73 o valor da indemnização devida pela expropriação.
Em 26 de junho de 2019 foi efetuado o depósito da quantia arbitrada a título de indemnização pela expropriação.
Por decisão proferida em 09 de agosto de 2019, no Juízo Local Cível da Maia, Juiz 3, Comarca do Porto, foi adjudicado à entidade beneficiária da expropriação, livre de quaisquer ónus ou encargos, o direito de propriedade sobre a parcela de terreno supra descrita e identificada.
Notificados da decisão arbitral, B… e C… interpuseram recurso dessa decisão em 19 de setembro de 2019, pugnando pela fixação de uma indemnização de €61.300,00, oferecendo para tanto as seguintes conclusões:
A) – A parcela a expropriar tem a área de €.6341 m2, de uma área do prédio com a área de 58.000 m2.
B) – Nos termos do Artº 49º do PDM da Maia é definido que a estrutura ecológica em solo rural destina-se, essencialmente, ao uso agrícola e ou florestal, regendo-se, cumulativamente com as disposições aplicáveis às categorias de solo rural sobre que recai, pelas seguintes regras:
b.1.) Só se admite a construção para instalação de empreendimentos de turismo em espaço rural, de equipamentos de utilização colectiva e de instalações de apoio á exploração agrícola, incluindo a habitação do respectivo agricultor;
b.2.) Não são admitidas alterações da topografia do terreno e acções de destruição do solo vivo e do coberto vegetal, com excepção das normais operações de cultura agrícola e florestal, sem prejuízo do disposto na alínea anterior.
C) - E nos termos do Artº 37.º do PDM da Maia, estabelece o regime de edificabilidade, definindo do seguinte:
c.1.) Os novos edifícios devem implantar-se na área do prédio menos prejudicial à actividade agrícola;
c.2.) O índice de utilização correspondente, incluindo a edificação eventualmente existente para o mesmo fim, não pode ser superior a 0,025;
c.3.) A área máxima de impermeabilização não pode ser superior a 350m2.
c.4.) Exceptuam-se das alíneas b), c) e d) anteriores os casos de adaptação de edifícios existentes a empreendimentos de turismo de habitação e de turismo no espaço rural, ou ainda os que se destinam a equipamentos de utilização colectiva, desde que:
c.5) O índice de utilização resultante não seja superior a 0,15 da área do prédio.
D) – A justa indemnização deve ser o valor de €. 61.300 (6341m2 x 9,63€ + 300).
A entidade beneficiária da expropriação contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso interposto contra o acórdão arbitral.
Admitido o recurso, procedeu-se à avaliação da parcela expropriada, tendo dois dos três peritos nomeados pelo tribunal e o perito indicado pela entidade beneficiária da expropriação emitido laudo maioritário no sentido do valor da parcela expropriada ser de €30.991,05, enquanto o outro perito nomeado pelo tribunal se pronunciou no sentido do valor da indemnização dever ser de €60.805,00 e tendo o perito indicado pelo expropriados emitido laudo no sentido do valor da indemnização da parcela expropriada ser de €78.355,00.
As partes alegaram, pugnando os expropriados pela fixação da indemnização no valor indicado pelo perito que indicaram, enquanto a entidade beneficiária da expropriação sustentou que o valor da indemnização deve ser o que foi fixado no acórdão arbitral.
Em 18 de junho de 2020 foi proferida sentença[2] fixando o valor da indemnização pela expropriação no montante de €30.991,05.
Em 20 de julho de 2020, inconformada com a sentença que precede, IP – Infraestruturas de Portugal, S.A. interpôs recurso de apelação terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Quando estejam em causa especiais conhecimentos técnicos ou científicos que em razão da sua formação académica escapem ao juiz, este tem ao seu dispor, não apenas os critérios e parâmetros fornecidos pela perícia, mas também os que se encontram presentes na decisão arbitral.
II. No caso concreto devia o tribunal a quo ter minuciosamente ponderado ambos de forma a aquilatar quais os que se encontravam melhor fundamentados e se adequavam melhor às características específicas do bem expropriado.
III. Além do mais a avaliação do bem expropriado suscitava questões de direito, não se encontrando a decisão das mesmas na alçada dos peritos, o que implicava que o julgador não se encontrava vinculado a uma subscrição acrítica do laudo pericial maioritário.
IV. A perícia maioritária apenas foi subscrita por 2 Peritos do Tribunal e pela Perita da Expropriante, e tal é suficiente no nosso entender, para em matérias de cariz técnico, dar prevalência ao laudo arbitral, já que este beneficiou de unanimidade e da concordância de 3 peritos da lista oficial, em detrimento do laudo pericial maioritário, o qual apenas foi subscrito apenas por 2 peritos da lista oficial.
V. Mas atentemos nas 3 questões que justificam, no nosso entender, a revogação da sentença e a substituição por uma decisão que perfilhe o entendimento dos árbitros.
VI. Desde logo, não tem qualquer sustentação legal a majoração de 25% atribuída ao valor unitário do solo determinado para a parte florestal, o qual viola o critério do rendimento previsto no artigo 27.º/3 do C.E.
VII. Além de ter violado os princípios constitucionais da legalidade, igualdade e justa indemnização, previstos nos artigos 13.º e 62.º/2 e da CRP, já que atribui uma majoração arbitrária que contribui para que a indemnização paga seja superior à de outros solos que produzam o mesmo rendimento, além de que a majoração em causa não está prevista no Código das Expropriações e viola várias disposições legais, como aumenta o valor da indemnização, afastando-o injustificadamente, do valor de mercado do bem.
VIII. Conforme disposto no artigo 23.º, n.ºs 2 e 3 do C.E., não devem ser tomados em consideração quaisquer fatores, circunstâncias ou situações que possam causar um aumento injustificado do valor indemnizatório.
IX. O artigo 21º do Decreto-lei n.º 125/2008 prescreve que “Os laudos periciais são elaborados de acordo com as normas legais e regulamentares aplicáveis e devem fundamentar claramente o cálculo de valor atribuído”.
X. Pelo que a majoração do valor do solo aplicada na sentença em crise, deve ser desconsiderada, pois é ilegal e inconstitucional, violando os artigos 27.º/3, 23.º/2 e 23.º/3 do C.E, artigo 21º do Decreto-lei n.º 125/2008, bem com os artigos 13.º e 62.º/2 e da CRP.
XI. Também relativamente ao valor unitário do solo agrícola os Srs. Peritos maioritários violaram o disposto, alterando as culturas consideradas na arbitragem e no relatório de vistoria APRM, o qual menciona que à data da DUP o terreno estava cultivado com milho grão em pousio.
XII. Pelo que a sentença em crise violando assim, o artigo 23.º/1 do C.E. o qual prescreve que a justa indemnização visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
XIII. Ora, as condições e circunstâncias de facto do solo à data da DUP foram respeitadas na avaliação dos árbitros, mas já não na avaliação dos peritos maioritários, não tendo estes apresentado argumentos que justifiquem por que razão não deve ser avaliado o solo de acordo com o seu aproveitamento económico efetivo à data da DUP, o qual se presume que é o normal
atendendo à características do solo, pois se assim o não fosse, estariam os expropriados a desenvolver nele outro aproveitamento.
XIV. Pelo que o valor unitário do solo da parte agrícola deverá corresponder ao determinado na arbitragem, em perfeita consonância com o descrito no relatório de vistoria, e que foi de 5,52€/m2.
XV. Finalmente e quanto à benfeitoria, deve ser dada prevalência aos critérios e parâmetros técnicos constantes da arbitragem, pelas razões supra expostas, pelo que o valor da benfeitoria deverá ser fixada em 300,00€.
XVI. Assim sendo, com base no atrás exposto, o valor da parcela deverá ser fixado em 23.877,73€ correspondendo tal ao valor real e justo da parcela à data da DUP.
Em 01 de setembro de 2020, B… e C… interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) – Os Apelantes no recurso apresentado alegavam que o valor de indemnização justa deve ser fixada e, €. 61.300,00.
b) Os Senhores Peritos, G… e H… e a Senhora Perita nomeada pela entidade Expropriante, partem de um pressuposto errado,
c) Quanto à viabilidade da reconversão do prédio, que se encontra florestada, para usos agrícolas ou outros similares como viveiros ou estufas.
d) O Sr. Perito I… fixou o valor da parcela em €.60.805,00.
e) O Sr. Perito indicado pelos aqui Apelados, fixou o valor da parcela em €.78.355,00.
f) Os Senhores Peritos G…, I… e a Senhora Perita nomeada pela entidade Expropriante, não atendem a esta condicionante da viabilidade da Reconversão do prédio.
g) Os Senhores Peritos supra referidos, não atenderam às premissas referidas no artigo 27º nº 3 do CE.
h) Como refere Osvaldo Gomes, no seu livro “Expropriação por Utilidade publica, pág. 207: “… os rendimentos efectivos ou provável é apenas um dos fatores a ter em consideração na fixação do valor dos solos para outros fins, devendo ainda atender-se, nomeadamente, à natureza do solo, à configuração do terreno, às condições do acesso e às outras circunstâncias objectivas suscetíveis de influírem no respectivo cálculo.
i) “No cálculo da indemnização por expropriação por utilidade pública de um terreno deve atender-se não apenas ao efectivamente é produzido no terreno como também ao que é possível nele produzir numa utilização económica viável”, nesse sentido Acórdão da Relação do Porto nº 530769, de 17/03/2005, Relator : Sr. Juiz Desembargador José Ferraz.
j) A douta sentença em crise, violou o artigo 23º nº 1 do CE, o qual prescreve que a justa indemnização visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação correspondente ao valor real e corrente do bem do acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, a data da DUP, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
A entidade beneficiária da expropriação contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso dos expropriados, afirmando que a avaliação por eles pretendida implica a consideração de benfeitorias inexistentes no prédio à data da notificação da resolução de declaração de utilidade pública da expropriação, o que é vedado pelo artigo 23º, nº 2, alínea c), do Código das Expropriações, tal como é vedada a valorização de circunstâncias criadas com o propósito de aumentar o valor da indemnização.
Atenta a relativa simplicidade das questões decidendas, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
2. Questões a decidir tendo em conta os objetos dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário[3] o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A magna questão a decidir e suscitada em ambos os recursos é a do valor da indemnização devida pela expropriação da parcela objeto destes autos[4], sendo que o recurso da entidade beneficiária da expropriação suscita três subquestões, respetivamente, a ilegalidade da majoração de 25% para a parte da parcela expropriada destinada à exploração florestal, a alteração injustificada da alternância das culturas considerada na avaliação maioritária e a injustificada triplicação do valor da benfeitoria, enquanto no recurso dos expropriados, se adere aos laudos do perito do tribunal e do perito que indicaram, quando sustentaram a possibilidade de reconversão da exploração florestal em cultura de batata e couve penca.
3. Fundamentos de facto
3.1 Da ampliação oficiosa da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa
Tal como o relator deste acórdão escreveu naquele que foi proferido em 18 de fevereiro de 2019, no processo nº 1610/16.0T8PNF.P1 e que se vai seguir de perto com as necessárias adaptações, no direito processual que precedeu o que presentemente vigora, previa-se a delimitação do objeto da instrução em função, essencialmente, da matéria vertida na base instrutória (vejam-se os artigos 511º, nº 1 e 513º, ambos do Código de Processo Civil, na versão que vigorava anteriormente à aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), sem prejuízo do regime próprio dos factos instrumentais, dos factos notórios e de conhecimento oficioso e ainda dos factos complementares ou concretizadores (veja-se o artigo 264º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, na mesma versão), devendo a base instrutória ser elaborada em função das várias soluções plausíveis da questão de direito.
No regime que atualmente vigora, embora inexista norma que preveja a organização dos temas de prova em função das soluções plausíveis de direito e a instrução se refira, em regra, aos temas de prova enunciados, rectius aos factos a que se reconduzem tais temas de prova (veja-se o artigo 410º do Código de Processo Civil), a organização daqueles temas deverá ter em consideração as diversas soluções plausíveis das variadas questões de direito, pois só assim, por um lado, se observarão as exigências de um processo justo e equitativo, com respeito do princípio do contraditório e, por outro lado, se evitarão as delongas decorrentes da eventual necessidade de ampliação da matéria de facto, no tribunal a quo, por se ter desconsiderado uma ou várias vertentes fácticas da ou das questões de direito decidendas.
No caso em apreço, depara-se-nos um processo especial, tendo o procedimento de expropriação início na vigência do atual Código de Processo Civil, não havendo lugar nele à enunciação dos temas de prova e sendo o objeto da instrução constituído em função das questões suscitadas no recurso da decisão arbitral.
Por outro lado, dada a obrigatoriedade de realização de prova pericial colegial no âmbito do processo de expropriação (veja-se o artigo 60º, nº 2, do Código das Expropriações, na versão aplicável a estes autos – código aprovado pela lei nº 168/99, de 18 de setembro e que era o que vigorava quando foi publicada a declaração de utilidade pública da expropriação objeto destes autos) e tendo em conta que este meio de prova envolve não só a perceção de factos que para tanto careçam de conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, mas também a apreciação de factos dessa natureza, a instrução incide também sobre os denominados juízos periciais de facto.
A obrigatória realização de prova pericial no processo de expropriação e as apreciações inerentes a tal meio de prova aliada à circunstância de numa primeira fase o órgão pericial ter também uma atuação decisória, mesclando-se assim as funções instrutórias e decisórias numa mesma entidade, tornam particularmente difícil a destrinça, com rigor e segurança, do que deve ser incluído em sede de fundamentação de facto, daquilo que integra a fundamentação de direito.
Neste contexto, a matéria relevante para a boa decisão da causa, em sede de expropriação, não se cinge aos denominados factos concretos, mas também abarca apreciações de factos[5], efetuadas por pessoas especialmente qualificadas para o efeito, no caso os senhores peritos que tiveram intervenção nos autos, nas diversas fases dos mesmos, apreciações realizadas em função das questões decidendas suscitadas no recurso.
De facto, mal se compreende que um meio de prova, como é a prova pericial, seja convocado, nas apreciações que foram efetuadas para fundamentar o resultado final proposto, para sustentar a fundamentação jurídica de uma decisão judicial[6].
Salvo melhor opinião, é ainda em sede de avaliação da fundamentação de facto que hão-de ser relevadas essas apreciações, fundamentando-se as opções seguidas.
No que tange a força probatória, a prova pericial é apreciada livremente (artigo 389º, do Código Civil). Contudo, como tem sido repetido à exaustão, livre apreciação da prova não significa apreciação arbitrária da prova, mas antes a ausência de critérios rígidos que determinam uma aplicação tarifada da prova, traduzindo-se tal livre apreciação numa apreciação racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com corroboração pelos dados objetivos existentes, quando se trate de questão em que tais dados existam[7].
A força probatória reconhecida à prova pericial está diretamente ligada à antiga máxima de que “o juiz é o perito dos peritos” e à convicção de que, não obstante os conhecimentos especiais dos peritos, o julgador tem aptidão para efetuar o controlo do raciocínio do perito[8]. Estamos em crer que aquelas teses não têm inteiro cabimento na atualidade face à crescente especialização dos mais variados domínios científicos.
A nosso ver, um juiz que não disponha de conhecimentos especiais na área a que respeita a perícia[9], e, salvo casos de erros grosseiros, não está em condições de sindicar o juízo científico emitido pelo perito. Por isso, parece-nos bem mais ajustada às atuais realidades da vida, a norma do Código de Processo Penal relativa ao valor da prova pericial (artigo 163º, n.º 1, do Código de Processo Penal – presunção de que o juízo técnico, científico ou artístico, está subtraído à livre apreciação do julgador).
Na nossa perspetiva, é ao nível dos dados de facto que servem de base ao parecer científico que o juiz se acha em posição de pôr em causa o juízo pericial[10].
Esta visão crítica quanto à regra legal da livre apreciação da prova pericial, conduz a uma exigência acrescida de fundamentação da decisão de facto sempre que o julgador se afaste do relatório pericial[11].
Mais complexa é a questão da valoração de relatórios periciais colegiais não unânimes, situação que poderá derivar da maior isenção de alguns peritos relativamente a outros[12], mas poderá também ter na sua base insanáveis divergências de ordem científica.
Nos processos de expropriação é frequente a formação de maioria por parte dos peritos do tribunal, por vezes com o da entidade beneficiária da expropriação, ficando isolado o perito indicado pelo expropriado ou, noutras vezes, mais raras, com o perito dos expropriados, ficando desta feita isolado o perito indicado pela beneficiária da expropriação.
Mesmo quando não se forma uma maioria alargada nos termos antes expostos, como aliás se verifica no caso dos autos, quase sempre existe a maioria decorrente do laudo emitido pelos três peritos nomeados pelo tribunal. Porém, no caso dos autos, o laudo maioritário apenas se formou com o concurso de dois dos três peritos nomeados pelo tribunal.
Os peritos indicados pelos expropriados e pelos beneficiários da expropriação sustentam amiúde a posição da parte que os indicou, enquanto, geralmente, os peritos indicados pelo tribunal, propõem valores mais elevados do que os fixados pela comissão arbitral[13], mas aquém daqueles por que propugnam os expropriados.
Atenta a falta de interesse na causa por parte do tribunal, privilegia-se, em regra, o laudo emitido pelos peritos nomeados pelo tribunal, sendo ainda maior a força probatória desse laudo quando colhe a adesão de todos os peritos ou, quando não, quando a ele adere mais um perito.
Ainda assim, deve referir-se que uma maioria confortável não significa que o laudo em causa não padeça de erro[14], nomeadamente por se basear em conhecimentos científicos ultrapassados ou até contrariados pelos conhecimentos mais atualizados sobre a matéria. Porém, se assim suceder, a crítica ao laudo maioritário terá de ser científica e há de ser transmitida ao tribunal em termos deste poder optar pela posição mais correta à luz dos conhecimentos atuais.
No caso dos autos, a tarefa de avaliação crítica da prova pericial está em certa medida facilitada na medida em que o laudo arbitral produzido na fase de recurso da decisão arbitral tem a decisão unânime dos três peritos indicados pelo tribunal, no que respeita aos pressupostos de valorização do solo integrante da parcela expropriada (estão em causa os pontos 1 a 5 do laudo) e à não desvalorização da parte sobrante, apenas divergindo um dos peritos do tribunal na avaliação final em virtude de admitir a possibilidade de reconversão do solo utilizado em exploração florestal[15], não se divisando no aludido laudo maioritário algum erro científico que este tribunal esteja em condições de sindicar ou um erro na base de facto pressuposta nos juízos periciais emitidos. A este laudo maioritário também aderiu o perito indicado pela entidade beneficiária da expropriação.
O Senhor Perito indicado pelos expropriados sustentou a reconversão do solo afeto à exploração florestal em cultura hortícola, estimando os custos dessa reconversão em € 1,80 por m2, assim obtendo o valor de €55.113,60 para a área reconvertida (5741m2 x €9,60, por m2 = €55.113,60) que somado ao valor da área já destinada a uso agrícola (600m2 x € 11,40 por m2) totaliza €61.953,60. Além disso, considerou uma desvalorização de 25% da parcela sita a nascente e que entende constituir 15% do total do prédio, assim obtendo o valor de €15.501,24. Finalmente, somou a estes valores o valor de €900,00 relativo às benfeitorias.
Sopesando a globalidade dos laudos emitidos na fase do recurso da decisão arbitral verifica-se que não houve divergência nos pressupostos de avaliação relativos à produtividade de cada cultura, aos custos de produção, às taxas de capitalização e aos consequentes valores unitários dos solos, especialmente do solo destinado à exploração agrícola.
Um dos peritos nomeados pelo tribunal e o perito indicado pelos expropriados divergiram da maioria sustentando a valorização da parcela expropriada reconvertida na sua totalidade em exploração agrícola, divergindo entre eles nos custos de tal reconversão que, segundo o perito nomeado pelo tribunal seriam de €2,00 por metro quadrado, enquanto para o perito indicado pelos expropriados seriam de €1,80 por metro quadrado. Estes dois peritos também divergiram entre si na questão da desvalorização da parte sobrante, entendendo o perito indicado pelos expropriados que se verificava uma desvalorização da parte situada a nascente e nos termos acima enunciados, enquanto o perito nomeado pelo tribunal entendeu não se verificar qualquer desvalorização a tal título.
Os laudos minoritários que sustentam a reconversão do solo afeto à exploração florestal parecem-nos pouco realistas pois não têm em conta a possibilidade de igual reconversão se processar noutros prédios em que foram expropriadas parcelas e de essa reconversão ter necessárias implicações na possibilidade de efetivo escoamento dos produtos e, em todo o caso, nos preços de venda dado o aumento da oferta.
No que respeita ao laudo da comissão arbitral, afigura-se-nos que as taxas de capitalização aplicadas à exploração florestal são irrealistas tendo em conta que se trata de uma exploração em que o abate só é possível volvidos oito ou nove anos sobre o plantio, sendo mais ajustada ao atual quadro económico a taxa de capitalização de dois por cento de que lança mão o laudo maioritário, quanto à mesma exploração, e ainda assim perspetivando uma melhoria futura dos rendimentos seguros do capital que, em geral, no momento presente, ficam aquém de tal taxa. Por outro lado, os preços arbitrados às culturas da exploração agrícola afiguram-se-nos demasiado baixos face aos preços correntes.
Deste modo, tudo sopesado, afigura-se-nos que os juízos periciais emitidos pela maioria dos peritos e que nos seus pressupostos fundamentais mereceram a concordância de todos os peritos que tiveram intervenção na fase do recurso da decisão arbitral, são os mais fiáveis e serão por isso os que seguiremos[16].
Assim, atento o exposto, à factualidade dada como provada pelo tribunal a quo deve aditar-se a seguinte que esteve subjacente aos valores indicados pelos peritos subscritores do laudo maioritário e que aquele tribunal aceitou e que esta instância não tem razões para não aceitar, antes pelo contrário, tratando-se de laudo maioritário de dois dos três peritos nomeados pelo tribunal e do perito indicado pela beneficiária da expropriação é lícito presumir maior distanciamento do caso e, nessa medida, maior imparcialidade e objetividade:
- o solo expropriado é de cultura de regadio, profundo e sem pedregosidade, tendo o solo da parcela afeto à exploração florestal a área de 5741m2, enquanto a área da parcela afeta a uso agrícola tem a área de 600m2, com possível exploração de batata com colheita entre junho e julho e de couve penca com colheita entre dezembro e janeiro;
- a exploração de madeira de eucalipto na parcela expropriada tem por base os seguintes parâmetros médios:
I. rendimento anual de dezoito toneladas por hectare;
II. preço médio da madeira de eucalipto em pé de quarenta euros por tonelada;
III. o custo de produção é de 10%;
IV. a taxa de capitalização é de 2%;
- a localização e a topografia da parcela implica menores custos de produção e tendo em conta a facilidade da rechega e extração da madeira da parcela considera-se uma mais-valia de 25%;
- o solo afeto à exploração agrícola tem um rendimento anual para batata de dezoito toneladas por hectare e para a couve penca de vinte toneladas por hectare;
- a produção de batata na área situada entre Douro e Minho tem nos meses de junho e julho o valor médio de €0,30 por quilograma, enquanto o mercado de produção de couves pencas, nessa mesma área, entre os meses de dezembro e janeiro, tem o valor médio de €0,30 por quilograma;
- o custo de produção da batata e da couve penca é de 60%, sendo a taxa de capitalização de 4%;
- a parte sobrante da parcela expropriada a poente fica encravada e sem acessos, sendo que o projeto garante um caminho paralelo à obra com cerca de quatro metros de largura;
- o tubo de PVC existente na parcela expropriada tem o valor de trinta euros por metro linear.
3.2 Factos provados enunciados pelo tribunal recorrido e a que se aditam os resultantes da ampliação oficiosa antes decidida
3.2.1
Por declaração de utilidade pública publicada no Diário da República nº 22, IIª Série, de 31 de janeiro de 2018, foi determinada a expropriação da parcela nº 17, necessária para a construção da obra da EN.. – Maia (…)/Via Diagonal).
3.2.2
A parcela expropriada é a destacar de um prédio denominado Campo da Agra, sito no Lugar da …, na freguesia de …, concelho da Maia, inscrito na matriz predial rústica do serviço das Finanças ….-Maia sob o artigo 194 e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ../19850503, com a área total de 58000m2[17].
3.2.3
O prédio onde se insere a parcela expropriada tem as seguintes confrontações: de norte com D…, de sul com D…, de nascente com caminho e de Poente com F….
3.2.4
A parcela expropriada tem as seguintes confrontações: de norte com parte restante do prédio, de sul com parte restante do prédio, de nascente com caminho e de poente com F….
3.2.5
A parcela expropriada tem a área de 6.341m2, sendo a destacar de um prédio com a área total de 58.000 m2.
3.2.6
A parcela expropriada apresenta um formato retangular e à data da vistoria era constituída por terreno florestal com ocupação de eucalipto e parte com terreno com ocupação agrícola, nomeadamente com milho de regadio.
3.2.7
O acesso ao prédio onde se insere a parcela expropriada é feito na confrontação nascente, por um caminho em terra batida, sem infraestruturas.
3.2.8
O prédio está inserido numa área agrícola mista, predominantemente rural, mas na proximidade de zonas comerciais, industriais e habitacionais, situando-se a cerca de 2kms. do centro da freguesia e do centro do concelho da Maia.
3.2.9
De acordo com o Plano Director Municipal da Maia, publicado no Diário da República nº 17, IIª Série em 30.07.2013, a zona onde se situa a parcela está inserida na carta de Ordenamento em Solo Rural – Espaço Agrícolas: “Áreas Agrícolas Fundamentais” e na Carta de Condicionantes em Reserva Agrícola Nacional.
3.2.10
Na parcela expropriada existia um tubo de PVC, com diâmetro de 70 a 75mms. que transportava a água de uma mina existente na zona norte do prédio para a zona sul, atravessando a parcela numa extensão de 30 metros.
3.2.11
O solo expropriado é de cultura de regadio, profundo e sem pedregosidade, tendo o solo da parcela afeto à exploração florestal a área de 5.741m2, enquanto a área da parcela afeta a uso agrícola tem a área de 600m2, com possível exploração de batata com colheita entre junho e julho e de couve penca com colheita entre dezembro e janeiro.
3.2.12
A exploração de madeira de eucalipto na parcela expropriada tem por base os seguintes parâmetros médios:
I. rendimento anual de dezoito toneladas por hectare;
II. preço médio da madeira de eucalipto em pé de quarenta euros por tonelada;
III. o custo de produção é de 10%;
IV. a taxa de capitalização é de 2%.
3.2.13
A localização e a topografia da parcela implica menores custos de produção e tendo em conta a facilidade da rechega e extração da madeira da parcela considera-se uma mais-valia de 25%.
3.2.14
O solo afeto à exploração agrícola tem um rendimento anual para batata de dezoito toneladas por hectare e para a couve penca de vinte toneladas por hectare.
3.2.15
A produção de batata na área situada entre Douro e Minho tem nos meses de junho e julho o valor médio de €0,30 por quilograma, enquanto o mercado de produção de couves pencas, nessa mesma área, entre os meses de dezembro e janeiro, tem o valor médio de €0,30 por quilograma.
3.2.16
O custo de produção da batata e da couve penca é de 60%, sendo a taxa de capitalização de 4%.
3.2.17
A parte sobrante da parcela expropriada a poente fica encravada e sem acessos, sendo que o projeto garante um caminho paralelo à obra com cerca de quatro metros de largura.
3.2.18
O tubo de PVC existente na parcela expropriada tem o valor de trinta euros por metro linear.
4. Fundamentos de direito
Do valor da indemnização devida pela expropriação da parcela objeto destes autos
Antes de entrar na apreciação concreta dos objetos dos recursos, recordemos os quadros normativos essenciais para essa dilucidação.
“A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da constituição” (artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).
“A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização” (artigo 62º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).
O conceito de justa indemnização é por natureza um conceito relativamente indeterminado, comportando duas dimensões distintas:
- a primeira dimensão respeita à tendencial contemporaneidade da indemnização com a ablação do direito de propriedade, já que, como resulta do texto constitucional, a expropriação por utilidade pública é feita mediante o pagamento de justa indemnização, o que deixa inferir uma certa correlatividade;
- a segunda dimensão prende-se com a justiça da indemnização a apelar para a fixação do valor dos bens tendo em conta a sua natureza, o rendimento, as culturas, os acessos, a localização, os encargos, enfim todos as circunstâncias relevantes para a determinação do valor do bem expropriado[18].
Assim, concretizando o conceito constitucional de justa indemnização, o artigo 23º, nº 1, do Código das Expropriações prescreve que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”
“Na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração a mais-valia que resultar:
a) Da própria declaração de utilidade pública de expropriação;
b) De obras ou empreendimentos públicos concluídos há menos de cinco anos, no caso de não ter sido liquidado encargo de mais-valia e na medida deste;
c) De benfeitorias voluptuárias ou úteis ulteriores à notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º;
d) De informações de viabilidade, licenças ou autorizações administrativas requeridas ulteriormente à notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º”
(artigo 23º, nº 2, do Código das Expropriações).
“Na fixação da justa indemnização não são considerados quaisquer fatores, circunstâncias ou situações criadas com o propósito de aumentar o valor da indemnização” (artigo 23º, nº 3, do Código das Expropriações).
O artigo 3º da Lei nº 56/2008, de 04 de Setembro de 2008, revogou o nº 4, do artigo 23º do Código das Expropriações que dispunha que “ao valor dos bens calculado por aplicação dos critérios referenciais fixados nos artigos 26º e seguintes, será deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos.”
“Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor” (artigo 23º, nº 5, do Código das Expropriações).
“O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação” (artigo 24º, nº 1, do Código das Expropriações).
Para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em solo apto para construção e solo para outros fins (artigo 25º, nº 1, do Código das Expropriações).
“Considera-se solo apto para a construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com caraterísticas adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infraestruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as caraterísticas descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respetivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º” (artigo 25º, nº 2, do Código das Expropriações).
É considerado solo para outros fins todo aquele que não pode ser considerado solo apto para construção (artigo 25º, nº 3, do Código das Expropriações).
“O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisição ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuados na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas caraterísticas, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica” (artigo 27º, nº 1, do Código das Expropriações).
“Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista de transações e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na zona e os respectivos valores” (artigo 27º, nº 2, do Código das Expropriações).
“Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no nº 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo” (artigo 27º, nº 3, do Código das Expropriações).
Rememorado o quadro normativo essencial à dilucidação das questões que os recursos suscitam, debrucemo-nos agora sobre as mesmas, começando a nossa análise pelas questões colocadas no recurso da entidade beneficiária da expropriação.
A primeira questão suscitada neste recurso respeita à ilegalidade da majoração de 25% aplicada no laudo maioritário relativamente à parte da parcela expropriada dedicada à exploração florestal, majoração que não terá qualquer apoio no nº 3, do artigo 27º do Código das Expropriações e que apenas relevaria o critério do rendimento.
Esta afirmação da recorrente é incorreta, pois que na previsão legal que cita, além da referência ao rendimento efetivo ou possível, além doutros fatores relevantes, indicam-se as condições de acesso.
Ora, a majoração de 25% contra a qual esta recorrente se insurge prende-se precisamente com a acessibilidade da parcela expropriada e a sua topografia, circunstâncias particularmente relevantes em terrenos destinados à exploração florestal que, como é do conhecimento comum, implicam a deslocação pelo menos anual de máquinas para a limpeza da floresta e depois, no fim do ciclo produtivo, para o abate das árvores, para o seu amontoamento, a denominada rechega do eucalipto, para o seu carregamento e subsequente transporte para os locais de transformação.
Neste circunstancialismo, nenhuma ilegalidade foi cometida no laudo maioritário ao aplicar a referida majoração relativamente à parcela destinada à exploração florestal, improcedendo esta questão recursória.
A segunda questão prende-se com a alegada ilegal alteração das culturas consideradas na avaliação da parte da parcela destinada à exploração agrícola no laudo da comissão arbitral, bem como à sua rotatividade, desconsiderando os elementos que resultavam da vistoria ad perpetuam rei memoriam.
A nosso ver, tendo em atenção que a avaliação do solo para outros fins deve ser feita tendo em conta os seus rendimentos efetivos ou possíveis no estado existente à data da declaração de utilidade pública, nenhum obstáculo existe a que outras culturas além das relevadas no laudo da comissão arbitral possam ser tidas em conta, tal como a rotatividade das cultura, bastando que essas culturas e rotatividade sejam possíveis, como inequivocamente sucede no caso dos autos.
Por outro lado, ao contrário do que afirma a recorrente beneficiária da expropriação, aquando da realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam não foi verificada a existência de cultura de milho para grão, tendo sido referido a propósito que a parcela em causa se destinava à cultura do milho e que estava em espera, sendo certo que esta diligência se realizou em 15 de março de 2018.
Assim, nenhuma censura jurídica pode ser dirigida ao laudo maioritário quando pressupôs na sua avaliação na parte destinada à cultura, o cultivo de batata e de couve penca em cada ano, embora em alturas do ano distintas, pelo que também improcede esta questão recursória.
Finalmente, a terceira questão colocada no recurso da entidade beneficiária da expropriação prende-se com a alegada valorização excessiva do preço por metro linear do tubo, valorizado à razão de trinta euros por metro, enquanto a comissão arbitral valorizou o mesmo a dez euros por metro.
Provou-se que na parcela expropriada existia um tubo de PVC, com diâmetro de 70 a 75mms. que transportava a água de uma mina existente na zona norte do prédio para a zona sul, atravessando a parcela numa extensão de 30 metros e, aderindo ao laudo maioritário, em sede de ampliação da matéria de facto, deu-se como provado o seu custo à razão de trinta euros por metro linear, sendo certo que a comissão arbitral atribuíra ao mesmo tubo o valor de dez euros por metro linear.
Nenhuma prova documental foi produzida relativamente ao custo do aludido tubo e nenhumas razões vemos para que não seja relevado o laudo maioritário produzido na fase do recurso da decisão arbitral, rectius o laudo produzido por quatro dos cinco peritos, tanto mais que o valor avançado em sede de comissão arbitral apenas assenta no juízo pericial dos intervenientes na mesma, inexistindo qualquer corroboração documental ou de outra natureza desse juízo.
Deste modo, também esta questão recursória improcede, improcedendo integralmente o recurso interposto pela entidade beneficiária da expropriação.
Apreciemos agora as questões suscitadas no recurso dos expropriados.
No seu recurso os expropriados aderem aos dois laudos minoritários na proposta de reconversão da exploração florestal da parcela expropriada em exploração para cultura, pugnando pela fixação da indemnização no montante de €61.300,00.
Porém, no recurso da decisão arbitral, os expropriados pugnavam pela avaliação da parcela expropriada como solo apto para construção e como solo apto para cultura, nunca tendo suscitado a hipótese de reconversão da exploração levada a cabo na parcela expropriada, pelo que, em rigor, se trata de uma questão nova pois não foi suscitada oportunamente pelos expropriados perante o tribunal a quo.
Ainda assim, porque foram dois dos cinco peritos que por sua iniciativa avançaram esta hipótese, sempre se dirá algo sobre esta problemática.
Em sede de ampliação oficiosa da decisão da matéria de facto já se emitiu a opinião de que esta proposta de reconversão da exploração era pouco realista pois não se tinha em conta a possibilidade de igual reconversão se processar noutros prédios em que foram expropriadas parcelas e de essa reconversão ter necessárias implicações na possibilidade de efetivo escoamento dos produtos e, em todo o caso, nos preços de venda dado o aumento da oferta.
Por força dessa avaliação crítica da posição destes dois peritos, não se julgaram fundados os juízos periciais minoritários relativamente à aludida reconversão da cultura e fixou-se a matéria de facto relevando-se o laudo maioritário produzido na fase do recurso da decisão arbitral.
Deste modo, improcede também o recurso dos expropriados, mantendo-se, consequentemente, intocada a decisão recorrida.
As custas de cada um dos recursos são da responsabilidade de cada recorrente, pois que decaíram totalmente as pretensões recursórias (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedentes os recursos de apelação interpostos por Infraestruturas de Portugal, S.A. e por B… e C… e, não obstante a ampliação oficiosa da matéria de facto nos termos anteriormente explicitados, confirma-se a decisão recorrida proferida em 18 de junho de 2020.
As custas de cada um dos recursos são da responsabilidade de cada recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça dos recursos.
***
O presente acórdão compõe-se de vinte e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 09 de novembro de 2020
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Doravante, todas as referências à “entidade expropriante” serão substituídas pela referência à “entidade beneficiária da expropriação”, já que, expropriante é sempre o Estado Português - artigo 11º do Código das Expropriações - (sobre esta problemática veja-se Expropriações por Utilidade Pública, Texto Editora 1997, José Osvaldo Gomes, página 118).
[2] Notificada às partes mediante expediente electrónico elaborado em 19 de junho de 2020.
[3] No caso, como se verá de seguida, decidiu-se ampliar oficiosamente a base de facto, incluindo nela os juízos periciais de que o tribunal a quo lançou mão, em sede de fundamentação da matéria de direito. Por isso, por não se tratar de matéria verdadeiramente nova que possa surpreender as partes, entende-se desnecessário confrontá-las previamente com essa ampliação oficiosa dos fundamentos de facto.
[4] Nenhum dos recursos suscita a questão da desvalorização da parcela sobrante.
[5] Sobre a questão dos juízos periciais de facto e a sua consideração em sede de instrução e subsequente decisão da matéria de facto, com maior desenvolvimento, veja-se o acórdão que, em 03 de fevereiro de 2014, relatámos no processo nº 2138/10.7TBPRD.P1, deste Tribunal da Relação, acessível na base de dados da DGSI.
[6] No caso dos autos, a Sra. Juíza a quo limitou-se a aderir aos valores finais indicados pela maioria dos peritos para o preço por metro quadrado dos dois tipos de cultura integrantes da parcela expropriada, sem cuidar de referenciar e avaliar criticamente a base factual que conduziu a tais resultados.
[7] Nos termos do disposto no artigo 607º, na primeira parte do nº 5, do Código de Processo Civil, o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
[8] Veja-se o Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora páginas 582 e 583; Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, Manuel A. Domingues de Andrade com a colaboração do Prof. Antunes Varela, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, página 263; Código de Processo Civil anotado, volume IV, reimpressão, 1981, Professor Alberto dos Reis, página 185.
[9] É questionável esta possibilidade de utilização por parte do julgador dos conhecimentos especiais que disponha para sindicar os juízos científicos emitidos pelos peritos. De facto, pode entender-se que tal utilização de conhecimentos especiais colide com o dever de imparcialidade do julgador, gerando a confusão entre o seu estatuto de julgador e de meio de prova. No entanto, a delimitação dos conhecimentos que o julgador pode utilizar na sua tarefa de apreciação crítica da prova não é uma tarefa isenta de dificuldades. Na verdade, o horizonte cognitivo de cada julgador é variável, não sendo possível proceder a uma sua uniformização. Por outro lado, o perigo para a imparcialidade do julgador só existirá quanto a factos de que tenha conhecimento acidental, quando o julgador seja chamado a efetuar valorações relativamente às suas próprias perceções. Tal sucede quando o julgador presencia um facto que depois é chamado a julgar. No que tange aos conhecimentos especiais de que seja possuidor, tal perigo não existe já que tais conhecimentos são utilizados na análise crítica da prova e desde que o julgador expresse de forma clara com que bases infirma o juízo pericial. Sobre esta questão veja-se, Libre Apreciación de la Prueba, Temis Libreria, Bogotá – Colombia, 1985, Gerhard Walter, páginas 290 a 314.
[10] Acerca do valor da prova pericial em processo penal e crítico quanto à regra irrestrita da livre apreciação da prova pericial em processo civil veja-se, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, Jorge de Figueiredo Dias, páginas 208 a 210.
[11] Numa perspetiva constitucional, e aferindo da conformidade da regra de livre apreciação da prova pericial em processo civil com a nossa Lei Fundamental, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional de 30 de junho de 1999, publicado na II ª série do Diário da República de 29 de novembro de 1999, n.º 278, páginas 18030 a 18033.
[12] Está por fazer uma análise alargada das avaliações realizadas pelas comissões arbitrais, bem como dos laudos emitidos em sede de recurso de decisão arbitral, confrontando os valores arbitrados nessas diligências, com os realmente praticados no mercado. Também é difícil de entender a razão por que peritos que alternadamente intervêm na fase arbitral e na fase do recurso, arbitram sistematicamente ou quase sempre nesta última fase valores superiores aos atribuídos em sede arbitral, sendo que nesta sede existe normalmente unanimidade, ao contrário do que se verifica na fase do recurso da decisão arbitral.
[13] No laudo da comissão arbitral, para a exploração florestal consideraram-se os seguintes parâmetros: produção de trinta toneladas por ano e por hectare; o valor do arvoredo em pé à razão de €37,50 por tonelada; os encargos com a exploração foram computados em 7%; foi considerada uma taxa de capitalização de 3%. Procedendo aos necessários cálculos, o valor do solo afeto à exploração florestal é de €3,525 por metro quadrado. Relativamente à parte da parcela afeta à exploração agrícola considerou-se a prática de uma agricultura semi-intensiva, baseada numa rotação anual de milho em grão e batata. Estimou-se a produção de milho em grão em catorze toneladas por hectare, com custos de produção nesta cultura de 60% e o preço por quilograma de €0,18. Estimou-se a produção de batata em vinte toneladas por hectare, com custos de produção de 70% e o preço por quilograma de €0,20. Considerou-se uma taxa de capitalização de 4%. O custo por metro linear do tubo existente na parcela expropriada foi computado em €10,00. Não se arbitrou qualquer indemnização por desvalorização das parcelas sobrantes porventura em virtude da situada a nascente continuar a ter o acesso que tinha por meio de um caminho enquanto a situada a norte também beneficia de um caminho.
[14] A prova judicial contenta-se em obter uma verdade prática, adequada às exigências da vida diária, ao senso comum, estando fora do seu horizonte a obtenção de uma verdade absoluta, se é que se trata de empresa acessível ao homem. Apesar do senso comum, pelas mais diversas razões, se equivocar frequentemente, isso não constitui argumento para não recorrer a ele. Como referem Levin e Levy, citados em Análisis de la Prueba, Marcial Pons 2015, Terence Anderson, David Schum e William Twining, página 332, nota 12, “Operamos en las instituciones judiciales com lo mejor que tenemos y la necesidad inescapable de hacer concesiones a la brevedad de la vida.
[15] Este senhor perito que admite a reconversão do solo afeto à cultura florestal em cultura hortícola, estima em €20.000,00 por hectare os custos dessa reconversão, pelo que o valor da parcela expropriada será o seguinte: (600m2 x €11,40 por m2) + 5741m2 x (€11,40 por m2 - €2 por m2) = €60.805,40. Este mesmo perito nada diz quanto à benfeitoria que todos os restantes peritos valorizam, omissão devida certamente a lapso.
[16] Atentando na base factual subjacente a este laudo maioritário o valor do solo destinado à exploração florestal obtém-se do seguinte modo: 18 toneladas por hectare multiplicadas por €40,00 do valor por tonelada, totalizam €720,00 por hectare, como valor bruto da produção florestal, por hectare. Abatendo 10% de custos, ou seja, €72,00 por hectare, obtém-se o valor de €648,00 líquidos. Determina-se de seguida o capital que produz este rendimento líquido a uma taxa de 2% mediante a seguinte regra de três simples: € 648,00 está para 2% assim como X (o capital) está para 100%, isto é €648,00 x 100% igual a €64.800,00 que dividido por 2% totaliza €32.400,00, precisamente o capital que a uma taxa de dois por cento produz o rendimento de € 648,00. Sendo o capital de €32.400,00 correspondente a um hectare, obtém-se o valor por metro quadrado dividindo por 10.000m2, ou seja 3,24m2. Adicionando a este valor a majoração de 25% em razão das condições de acessibilidade, obtém-se o valor de €4,05 por m2 (€3,24 x 25% = €0,81; €3,24 + €0,81= €4,05). Finalmente, o valor da área total do solo destinado a exploração florestal é de €23.251,05 (€4,05 x 5.741m2= €23.251,05). Quanto à área destinada à cultura de batata e couve penca as operações são as seguintes: uma produção de vinte toneladas de couve penca por hectare ao preço de € 0,30 por quilograma totaliza o rendimento bruto de €6.000,00; abatendo ao rendimento bruto os custos de 60%, obtém-se o rendimento líquido de €2.400,00 (€6.000,00 x 60% = €3.600,00; €6.000,00 - €3.600,00= €2.400,00); no que respeita à produção da batata, tendo em conta uma produção de dezoito toneladas por hectare ao preço de €0,30 por quilograma obtém-se o rendimento bruto de € 5.400,00; abatendo a este valor os custos de 60% obtém-se o rendimento líquido de €2.160,00. A produção líquida do solo por hectare destinado à exploração agrícola é assim de €4.560,00 (€2.400,00 + €2.160,00 = €4.560,00). Determina-se de seguida o capital que produz este rendimento líquido a uma taxa de 4% mediante a seguinte regra de três simples: €4.560,00 está para 4% assim como X (o capital) está para 100%, isto é €4.560,00 x 100% igual a €456.000,00 que dividido por 4% totaliza €114.000,00, precisamente o capital que a uma taxa de quatro por cento produz o rendimento de €4.560,00. Sendo o capital de €114.000,00 correspondente a um hectare, obtém-se o valor por metro quadrado dividindo por 10.000m2, ou seja 11,40m2. Sendo a área destinada à produção agrícola de 600m2, o valor desta área é de €6.840,00. O somatório das áreas destinadas à exploração florestal e à exploração agrícola é de €30.091,05 (€23.251,05+ €6.840,00= €30.091,05). Adicionando a este valor global o valor de €900,00 das benfeitorias, obtém-se o valor final da indemnização no montante de €30.991,05.
[17] Certamente por lapso de escrita, na decisão recorrida indicou-se neste ponto de facto que a área total do prédio a que pertencia a parcela expropriada era de 50.000m2, referindo-se depois no ponto 5 dos factos provados que essa área total era de 58.000m2. Tratando-se de um evidente lapso e sendo inequívoca a prova documental existente nos autos no sentido da área em causa ser de 58.000m2, procedeu-se, oficiosamente, à sua correção.
[18] Sobre a justa indemnização e as suas dimensões veja-se, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora 2007, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, páginas 808 e 809, anotação XVII.