PROIBIÇÃO LEGAL DE PROVA
NULIDADE
PERDA AMPLIADA DE BENS
PRESSUPOSTOS
Sumário

I - Do regime de permissões dos arts.355º e 356º do CPP decorre uma expressa proibição de valoração da prova (por referência aos princípios da imediação (aqui excepcionado, e publicidade), próprio das nulidades, mas que é especial ao catálogo das proibições previstas no do art.126º do CPP, seguindo ambas (as proibições aí previstas e as proibições que se encontram previstas dispersamente no processo penal, como são o caso dos art.355º e 356º) o regime das nulidades previstas neste último preceito, cuja “ratio” visa a integridade da convicção do julgador, que deve ser preservada e acautelada de meios de prova proibidos.
II - Embora a consequência das proibições de prova seja classificada de nulidade, de conhecimento oficioso, como o que está em causa são regras imperativas de cumprimento obrigatório pelos Tribunais, basta o procedimento de não valorar as provas proibidas, sem que seja necessário a declaração formal da nulidade.
III - Na pretensão de perda alargada de bens, o legislador não faz depender a temporalidade de 5 anos, anteriores data da constituição do arguido (cfr.art.7º nº2 alínea c) da Lei nº5/2002), da prova da actividade delitual por esse período. Trata-se apenas de um marco temporal previsto (independentemente do perfil temporal dos factos reportados ao crime que consta da acusação) que vai definir os termos do património incongruente e que vai permitir apurar os termos da presunção da vantagem da actividade criminosa. Isso para significar, que, por regra, o reporte temporal dos factos que constam nas acusações nada têm que ver com o marco temporal de 5 anos antes da data de constituição do arguido, dado que, este marco representa a forma de cálculo do património incongruente face ao tipo de criminalidade muito perigosa, altamente organizada, tal como consta do catálogo previsto no art.1 da Lei 5/2002, para onde remete o nº1 do art.7.
III - O valor dessa amplitude temporal tem valor autónomo, não dependendo da concreta temporalidade do crime imputado e apurado, e justifica-se perante os perigos que decorrem do tipo de criminalidade previsto no catálogo do art.1º da Lei nº5/2002.
IV - A elisão da presunção que o legislador permite ao arguido, nos termos do art.9º nº2 da Lei nº5/2002 apenas se reporta ao cálculo do património lícito, provando que teve rendimentos lícitos, não tendo que provar que não cometeu crime ou crimes no período de 5 anos (antes da data da constituição do arguido).

Texto Integral

Proc.nº60/19.0SFPRT.P1

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Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Vila do Conde do Tribunal judicial da Comarca do Porto, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, após o que foi proferido acórdão que julgando parcialmente procedente a acção penal nos seguintes termos:
A) Condenar o arguido B… pela prática, na forma consumada e em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22.1 (por referência à Tabela I-C anexa ao referido diploma), absolvendo o mesmo da agravação prevista no art. 24º, nº 1, als. b) e c) do mesmo diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

B) Condenar a arguida C… pela prática, na forma consumada e em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22.1 (por referência à Tabela I-C anexa ao referido diploma), absolvendo a mesma da agravação prevista no art. 24º, nº 1, als. b) e c) do mesmo diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

C) Absolver os arguidos B… e C… da pena acessória de expulsão de Portugal, prevista no art. 34º, nº 1 da Lei nº 15/93, de 22-01 e no art. 151º Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho.
D) Condenar o arguido D… pela prática, na forma consumada e em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22.1 (por referência à Tabela I-C anexa ao referido diploma), absolvendo o mesmo da agravação prevista no art. 24º, nº 1, als. b) e c) do mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

E) Condenar o arguido D… na pena acessória de expulsão de Portugal, pelo período de cinco anos, ao abrigo do disposto no art. 34º, nº1 da Lei nº 15/93, de 22-01 e no art. 151º Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho.
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Outrossim, julga-se improcedente o pedido do Ministério Público, de perda alargada de bens a favor do Estado, e respectiva liquidação, no que respeita aos arguidos B… e C…, efectuado ao abrigo do disposto nos arts. 7º e ss., da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro.

Quanto aos bens apreendidos nos autos, após trânsito em julgado, ordena-se:
- no que respeita ao produto estupefaciente apreendido, porque incluído na Tabela I-C anexa ao D.L. 15/93, de 22/01, é o mesmo declarado perdido a favor do Estado, atento o disposto no art. 35°, n° 2, do referido diploma, ordenando-se a sua destruição, ao abrigo do disposto no art. 62º do mesmo, devendo oportunamente lavrar-se o correspondente auto;
- quanto à televisão tipo LCD com comando, aos telemóveis e cartões SIM e ao empilhador Toyota, ordena-se: quanto aos telemóveis e cartões SIM (estes sem prejuízo das regras internas dos estabelecimentos prisionais), a sua restituição ao respectivo titular (art.109º, do C.P. “a contrario sensu”), nos termos legais do art. 186º, nºs. 1, 2 e 3, do C.P.P.; e, quanto à televisão tipo LCD com comando e ao empilhador Toyota, ordena-se a notificação.”
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Não se conformando com a decisão, a arguida B…,veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:
1.A defesa discute essencialmente a pena cominada que considera excessiva.
2. Tratam-se de elementos usados por redes criminosas cujo patamar social é muito carenciado seja pelas fracas habilitações literárias e culturais seja pelas funções desempenhadas essencialmente são pessoas ligadas á agricultura.
3. A sua função cinge-se essencialmente ao cultivo e recolha das produzidas substancias para que outros procedam á venda e comercialização.
4. Ou seja, não são estas as pessoas quem recolhem e tiram proveitos económicos substanciais para que se considerem os principais motores desta actividade ilícita.
5. Razão suficiente e bastante para que se possa afirmar que o dolo é menor, e que a pena se encontra excessivamente graduada face á culpa sub judicie.
6. Foram pois violados os artigos 70 e seguintes do CP e ainda o artigo 21 do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
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Não se conformando com a decisão o Digno Magistrado do MºPº veio interpor recurso com os fundamentos e seguintes conclusões:
1 – Conforme ressalta da acta da audiência de julgamento do dia 8 de Junho, foi efectuada leitura das declarações prestadas em inquérito pela testemunha E…, constante de fls.142 a fls.144, entretanto falecida na pendência do inquérito.
2 – Por despacho proferido no dia 15 de Junho de 2020, de que ora se recorre, foi invalidada pelo tribunal colectivo a leitura anteriormente efectuada.
3 – No despacho ora recorrido, não foi declarada qualquer nulidade, designadamente nulidade insanável, a única que poderia ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.
4 – Apenas foi declarado “sem efeito” tal acto processual, sem invocação de outro fundamento legal para além do disposto no art. 356º, nº4 e 5 do CPP.
5 – Ora da norma invocada não se retira a previsão de nulidade insanável, pelo que a inobservância de tal normativa estaria sujeita ao regime do art. 123º do CPP.
6 – Ninguém suscitou qualquer reserva ao determinado pelo tribunal, no acto ou nos 3 dias posteriores, decidindo o tribunal oficiosamente invalidar a prova produzida, o que se contesta.
7 – Mais se considera que qualquer analogia da leitura de declarações de testemunha falecida sem acordo (nem oposição) da defesa e as proibições de prova previstas no art. 126º do CPP, configura, in casu, uma concreta violação do dever de protecção dos direitos e liberdades fundamentais enquanto tarefa fundamental do Estado, nos termos do art. 9º, al. b) da Constituição da República Portuguesa.
8 – Com o presente recurso invoca-se a existência de erro notório de apreciação da prova, ao abrigo do disposto nos art.º s 410º, nº2, al. c) e 428º e 431º, al. a) do Código de Processo Penal, impugnando-se ainda a matéria de facto fixada, ao abrigo do disposto nos art.º s 410º, nº1, e 428º e 431º, al. b) do Código de Processo Penal.
9 – No que concerne aos factos que mereceriam apreciação diversa, os mesmos consistem, basicamente, nos que caracterizam o modo de execução e o património incongruente apurado aos agentes B… e C…, com impacto na qualificação jurídica do crime imputado e na improcedência dos pedidos de perda, clássica e ampliada.
10 – Contesta-se a invalidação das declarações prestadas pela testemunha F…, por errada interpretação do disposto no art. 356º, nº7 do CPP, uma vez que a testemunha em causa não participou, a qualquer título, na tomada de declarações à testemunha.
11 – O depoimento incidente em conversas informais mantidas entre órgão de polícia criminal com testemunha falecida antes do julgamento é válido, estando sujeito à livre apreciação do tribunal, considerando ainda o disposto no art. 129º, nº1 do CPP, que ressalva expressamente das limitações colocadas à prova indirecta o caso em que a obtenção do testemunho directo já não é possível por falecimento.
12 – Da análise das declarações em apreço, em conjunto com a leitura cuja invalidação supra se contesta e o teor do contrato de arrendamento junto a fls.145, não se tendo produzido mais qualquer prova sobre tal matéria, teria de se dar como assente a participação dos arguidos, consistente no pagamento das rendas do armazém onde se desenvolvia a actividade criminosa, com início, pelo menos, a partir de Fevereiro de 2018, data da celebração do contrato de arrendamento.
13 – Está assente e decorre da matéria de facto provada que os arguidos dedicaram-se, pelo menos desde inícios de Abril de 2019, ao cultivo, doseamento e acondicionamento, para posterior venda a terceiros, de folhas e sumidades de cannabis, mediante contrapartida monetária ou outra, utilizando, para o efeito, o armazém sito no Lugar …, …, …. - … na Maia (ponto 1 da matéria de facto apurada).
14 – A dimensão do edifício utilizado e a descrição do conjunto de materiais, utensílios e produtos apreendidos evidenciam, para além de qualquer dúvida a existência de uma organização dotada de importantes recursos materiais e humanos, tendente ao cultivo intensivo e duradouro de estupefaciente, com vista a gerar lucros proventosos.
15 – A participação consciente no funcionamento de uma unidade de produção de canábis como a que vem descrita implica, para os seus agentes, uma intenção de obtenção de avultada compensação, para si próprios ou para terceiros.
16 – O facto de não se apurar que os arguidos B… e C… assumiram, em tal organização, posição de liderança não deve permitir dissocia-los da actividade de exploração e venda dos produtos resultantes da actividade de cultivo.
17 – Face ao que não se compreende a alteração da matéria de facto promovida, sem que os arguidos tenham produzido qualquer prova no sentido contrário.
18 – Afirmar que, não se provando que os arguidos desenvolviam uma actividade de venda directa a consumidores, também não se prova a sua participação e vontade na comercialização da produção de canábis apreendida, conforme decorre do ponto B dos factos não provados, ofende a lógica e as regras de experiência.
19 – É sabido que neste tipo de organizações quem se dedica à venda directa encontra-se num patamar inferior relativamente aqueles que detêm e participam no cultivo.
20 – Quem participa no cultivo, com relação fáctica de domínio em relação a parte dos recursos utilizados (fornecimento de alimentação e utensílios a trabalhador residente na exploração, com utilização de carro de alta gama, pagamento de renda a senhorio), como se apurou que os agentes actuaram, visa necessariamente a obtenção de avultada compensação remuneratória.
21 – Não possuía o tribunal qualquer elemento para extrapolar para os arguidos um papel, na actividade criminosa apurada, que os próprios rejeitaram nas suas declarações.
22 – A delimitação da actuação dos arguidos efectuada, classificando-os como uma espécie de prestadores de serviços sem vínculo à actividade organizada que se surpreende nos autos, é contrário à lógica de actuação deste tipo de organizações.
23 – É o próprio tribunal que afirma (p.39 do Acordão) que « …a actuação dos arguidos integrava-se numa actividade de tráfico bem mais alargada do que aquela que resultou da investigação realizada nos autos, indiciando-se até uma rede internacional e que os arguidos certamente não estariam no topo da pirâmide ».
24 – O certo é que estamos perante a participação como autores numa mesma actividade criminosa, sem que se tivessem apurados quaisquer elementos que permitissem concluir pelo seu afastamento da intenção lucrativa àquela subjacente.
25 – Conforme decorre do supra exposto existem erros de apreciação da prova que decorrem do próprio texto do acórdão recorrido, supra evidenciados, e que impõem, ao abrigo do disposto no art. 410º, nº2, al c), 428º e 431, al. a) do CPP, a correcção da decisão recorrida no sentido supra exposto.
26 – Também se contesta a não prova das doses individuais relativa à droga apreendida apurada pelo LPC da Polícia Judiciária.
27 – O apuramento das doses diárias foi realizada pelo laboratório de Polícia Científica da PJ, cuja idoneidade técnica é reconhecido e não foi contestado por qualquer sujeito processual.
28 – Do relatório constante de fls.340 a 342 não ressalta qualquer reserva ou lacuna quanto à integralidade das suas conclusões, designadamente, quanto ao nº de doses diárias correspondente ao estupefaciente apreendido nos autos.
29 – desconsideração do parecer técnico de tal entidade resultou «…da circunstância de terem sido apreendidas plantas de cannabis em diversos estados de maturação. Pelo que, depois do resultado final, poderia até dar mais ou menos doses. Não se pode, pois, fazer um juízo seguro quanto ao número de doses.»
30 – Prevê o disposto no art. 163º do CPP: «1. O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. 2.Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.»
31 – A fundamentação exposta não logra demonstrar com clareza as razões da sua oposição, presumindo a não consideração de circunstâncias por quem detém experiência e conhecimento científico para o fazer.
32 – Motivos pelos quais se impugna a não prova arrolada na al. E da matéria de facto não provada.
33 – Impugna-se ainda a consideração como não provada da utilização de telemóveis, empilhadora e LCD na actividade criminosa apurada aos arguidos, assim como a do BMW para além da actuação do dia 1 de Julho.
34 - A co-autoria supõe, precisamente, uma divisão de tarefas, visando assim facilitar e diminuir o risco de acção de todos os que integram tal actividade criminosa, pelo que, também por aí, não se entende a dissociação pretendida relatativamente aos arguidos B… e C….
35 – A não prova da exclusividade ou liderança dos arguidos no exercício daquela actividade não permite dissocia-los, face às provas existentes, supra expostas e as demais consideradas no acórdão, do fenómeno de tráfico em discussão e, por consequência, dos objectos e utensílios utilizados no cultivo.
36 – Sendo que o uso de BMW, em acto do qual resultou uma relação de domínio (os arguidos estão punidos como autores) de mais de uma tonelada de estupefaciente, não é desproporcionada, considerando ainda a matéria da impugnação de facto, supra exposta. 37 – Os objectos em causa têm de ser considerados instrumento do facto ilícito típico apurado nestes autos e pelo qual vieram a ser condenados os arguidos, mesmo na versão (limitada quanto aos contornos do modo de execução) apurada pelo tribunal.
38 – Os arguidos B… e C… agiram com domínio do facto da actividade apurada (estão condenados como autores e não como cúmplices ou autores imediatos) pelo que não é possível dissociar os objectos elencados do facto ilícito típico apurado e, por consequência, da consequente perda.
39 – Também se contesta a integração das condutas apuradas aos arguidos B… e C… no crime base do art. 21º do Dl 15/93, de 22.01., com afastamento do tipo agravado do art.24º do mesmo diploma, em especial, face ao teor da impugnação da matéria de facto que antecede, mais aproximada à versão dos factos narrada na acusação.
40 – É artificial e não tem assento nas regras da experiência, a distinção ou precisão efectuada no acórdão recorrido, designadamente para os efeitos da imputação das circunstâncias agravativas em discussão.
41 – O que se apurou, de facto, foi que os arguidos B… e C… tinham posição de superioridade relativamente ao arguido D….
42 – A partir daí, o tribunal funda-se em suposições, ignorando os ínumeros elementos de prova que apontam para a participação dos arguidos na distribuição por um grande número de pessoas e para a intenção dos agentes em obter avultada compensação remuneratória.
43 – Com efeito, caso seja considerada procedente a impugnação de facto supra apresentada, no que concerne à data do início da actividade criminosa, fixando-a em Fevereiro de 2018, como alegado na acusação, atento o período de desenvolvimento da planta dado como assente no ponto 2. da matéria de facto provada, o resultado da actividade dos arguidos teve necessariamente de resultar na distribuição do produto estupefaciente resultante do cultivo por um grande número de pessoas.
44 – Entende-se que a realidade de trafico reflectida nos autos é claramente de grande tráfico e os elementos que apontam para que os arguidos B… e C… tenham assumido na mesma uma posição relevante, já supra explanados, mais do que justificam a integração jurídico penal escolhida na acusação.
45 – Por último, contesta-se o indeferimento do pedido de perda ampliada deduzido na acusação.
46 - Os arguidos não contestaram o pedido deduzido pelo Ministério Público.
47 – Entende-se que o diverso entendimento da prova supra enunciado é absolutamente irrelevante para a decisão a proferir nesta sede.
48 - Tendo o tribunal a quo condenado os arguidos B… e C… num dos crimes de catálogo previstos na Lei 5/2002, tornou-se a decisão a proferir nesta sede perfeitamente autónoma dos demais aspectos considerados no acórdão.
49 – O regime da perda ampliada foi construído precisamente para os casos em que não existe conexão entre o facto ilícito típico apurado e o ganho de uma determinada vantagem patrimonial.
50 - Inserindo-se o regime em apreço numa tendência político-criminal actual que vai no sentido de demonstrar, quer ao condenado, quer à comunidade, que “o crime não compensa”.
51 - Este propósito do legislador encontra-se expressamente assumido na exposição de motivos constante da Proposta de Lei n.º 94/VIII (que esteve na origem da referida Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro), onde se refere, a esse respeito, que «(…) a eficácia dos mecanismos repressivos será insuficiente se, havendo uma condenação criminal por um destes crimes [identificados no artigo 1.º], o condenado puder, ainda assim, conservar, no todo ou em parte, os proventos acumulados no decurso de uma carreira criminosa. Ora, o que pode acontecer é que, tratando-se de uma atividade continuada, não se prove no processo a conexão entre os factos criminosos e a totalidade dos respetivos proventos, criando-se, assim, uma situação em que as fortunas de origem ilícita continuam nas mãos dos criminosos, não sendo estes atingidos naquilo que constituiu, por um lado, o móbil do crime, e que pode constituir, por outro, o meio de retomar essa atividade criminosa», acrescentando-se ainda que, com este regime, se prevê que «(…) em caso de condenação por um dos crimes previstos no seu artigo 1.º, se aprecia a congruência entre o património do arguido e os seus rendimentos lícitos. O valor do património do arguido que seja excessivo em relação aos seus rendimentos cuja licitude fique provada no processo são declarados perdidos em favor do Estado».
52 - Aqui pressupõe-se que o património na titularidade do arguido não seja proveniente do crime apurado, uma vez que, nesse caso, poderá haver lugar à declaração de perda clássica, prevista no art.109º do CPenal.
53 - O próprio conceito de património diverge do conceito assente nos mesmos princípios decorrente do Direito Civil, abrangendo não apenas aqueles bens da titularidade do arguido, como todos aqueles que estão no seu domínio de facto.
54 – O Ministério Público apresentou, na liquidação do património incongruente, valores que integram claramente o conceito de património nos termos definidos no art. 7º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.
55 – Subscrever a interpretação seguida no acórdão, de inversão de “ónus de prova” a recair sobre o Ministério Público, seria, na prática, inviabilizar e subverter a intenção legislativa e de política criminal que subjaz ao regime legal em causa.
56 - O regime legal em apreço prevê um regime especial de recolha de prova, mediante a previsão de uma presunção iuris tantum, que compete ao arguido ilidir, mediante a demonstração de que o património por si adquirido nos 5 anos anteriores à respectiva constituição como arguido tem proveniência lícita.
57 – Ora, os arguidos não fizeram qualquer prova sobre a licitude dos valores creditados nas respectivas contas bancárias constantes do anexo de investigação patrimonial, não identificando os demais sujeitos envolvidos nem indicando razões que poderiam justificar tão anómalo comportamento.
58 - Uma perfunctória análise dos extractos bancários constantes da investigação patrimonial permitiria colocar em crise tal alegação, atenta a circunstância dos valores mais importantes creditados, em montantes de 10, 20 e até 30 mil euros, serem todos provenientes de depósitos em numerário.
59 - Acresce que os arguidos, nas suas declarações, afastaram qualquer possibilidade de prova da licitude dos acréscimos patrimoniais, invocando não terem rendimentos compatíveis, limitando-se a alegações ora vagas ora inverosímeis por frontalmente contrárias às regras da experiência, quanto à alteridade do património em apreço.
60 – Não obstante, o colectivo de juízes não hesitou em abraçar a esdruxula versão apresentada, credibilizando a mais do que duvidosa conduta financeira dos arguidos, ao arrepio do ónus imposto pelo art. 9º da Lei 5/2002.
61 - É caso para dizer que o tribunal afastou uma presunção legal lançando mão de uma presunção de facto assente em erro notório de apreciação, assumindo oficiosamente o ónus probatório que competiria ao arguido, ao contrário da clara intenção do legislador que consagrou o regime de perda alargada.
62 - Assim, o coletivo optou por uma interpretação errónea dos pressupostos legais da perda alargada, que não corresponde à convicção decorrente do conjunto da prova adquirida nos autos.
63 – Na decisão do incidente de perda ampliada, verificada a condenação de um crime do catálogo, apenas está em causa o património do visado e a sua incongruência com os seus rendimentos lícitos, que se presume proveniente de actividade criminosa.
64 - Assim, o entendimento veiculado no acórdão é claramente “contra legem”, determinando a realização da prova de facto perfeitamente alheio à lógica do regime da perda ampliada.
65 - Por seu turno, prevê o mesmo regime legal, no seu art. 9º, nº3, como pode ser ilidida a presunção decorrente do art. 7º, impondo-se, nomeadamente, a prova positiva de que os bens considerados para a definição do património incongruente resultam de actividade lícita, o que claramente não foi cumprido, nem pelos arguidos, nem pela apreciação oficiosa promovida pelo tribunal.
66 - Afigura-se ter o Ministério Público alegado e produzido prova documental – através das informações patrimoniais constantes do respectivo Anexo – quer dos valores de património adquirido, que do período temporal a ter em conta para efeitos da consideração do rendimento lícito relevante.
67 – Desse modo, ao decidir pela improcedência do pedido de perda alargada formulado pelo Ministério Público, violou a decisão recorrida o disposto no artº7º, nºs 1 e 2, alínea a) da Lei nº/2002 de 11 de janeiro, bem como, por interpretação a contrario, o disposto no artº9º, nº3, do mesmo diploma legal.
68 - Considera-se assim que os pontos de facto em causa (als.A), B), E), F), G), H) e I) deveriam ter sido dados como assentes, rectificados no sentido apontado na acusação e presente impugnação.
69 - Dando-se como provados os factos supra descritos, impõe-se a ainda condenação dos arguidos B… e C…, pela prática do crime imputado na acusação, ou seja, o crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto no art. 24º, nº1 als. b) e c) do DL 15/93, de 15.01..
Assim, deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) revogar-se o despacho proferido no dia 15 de Junho de 2020 em acto imediatamente anterior à leitura do Acórdão e considerar válido o acto processual, consignado na acta de audiência de julgamento de 8 de Junho, de leitura das declarações prestadas pela testemunha E… em inquérito, constante de fls.142 a fls.144.
b) revogar-se o Acórdão recorrido e substituí-lo por outro que, de harmonia com as conclusões expostas:
a. Considere provados os factos dados como não provados nas als. A), B), E), F), G), H) e I) no acórdão;
b. Declare perdidos em favor do Estado os telemóveis, o empilhador, a televisão e automóvel apreendidos nos autos;
c. Condene os arguidos B… e C… pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. no art. 24º, nº1, als. b) e c) do DL 15/03, de 22.01., numa pena concreta ajustada à moldura agravada, ainda que dentro do primeiro quarto da mesma;
d. Julgue procedente o pedido de perda alargada a favor do Estado, condenando os arguidos B… e C… a pagarem ao Estado, respectivamente, as quantias de 431.768,69€ e 208.801,14€, indicadas na liquidação subsequente ao despacho de acusação.
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O Digno Procurador apresentou contra-motivação aos recursos interpostos pelos arguidos.
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Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, pugnou pela procedência parcial do recurso do MP e improcedência dos recursos interpostos pelos arguidos.
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II.
Objeto do recurso e sua apreciação.
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Cumpre apreciar.
Primeiramente cabe analisar o segmento do recurso interposto pelo MºPº quanto ao despacho recorrido proferido a 15/06/2020, o qual decidiu que “Não tendo sido obtido o acordo de todos, para a leitura das declarações da testemunha falecida, G…, perante órgão de polícia criminal, ao abrigo do disposto no art. 356º, nº 4 e 5 do Código Processo Penal e rectificando-se a preterição desta formalidade legal, em que se incorreu no âmbito da anterior sessão da audiência de julgamento, dá-se sem efeito a leitura de tais declarações, efectuada naquela anterior sessão e que ficou constar da respectiva acta, datada de 8 de Junho de 2020”. O recorrente perante a desconformidade da leitura do depoimento da testemunha E… (prestado perante o agente da PSP H… a 2/07/2019 em fase de inquérito a fls.142 a 144) com o regime previsto no art.356º nºs4 e 5 do CPP (desconformidade que foi declarada pelo Tribunal “A Quo”), qualifica a mesma como um mero vício de irregularidade.
Porém, decorre, com evidência, do regime de permissões dos arts.355º e 356º do CPP uma expressa proibição de valoração da prova por referência aos princípios da imediação (aqui excepcionado) e publicidade, próprio das nulidades (tal como é sustentado pelos professores Costa Andrade e Germano Marques da Silva), mas que é especial ao catálogo das proibições previstas no do art.126º do CPP, seguindo ambas (as proibições aí previstas e as proibições que se encontram previstas dispersamente no processo penal, como são o caso dos art.355º e 356º) o regime das nulidades previstas neste último preceito, cuja “ratio” visa a integridade da convicção do julgador, que deve ser preservada e acautelada de meios de prova proibidos. A ofensa às proibições de prova determina a nulidade que é de conhecimento oficioso, embora baste o procedimento de não valorar as provas proibidas.
Com efeito, como salienta Germano Marques da Silva a ressalva do art.118º nº3 do CPP (que rege o regime das nulidades) preceituando que “as disposições do presente título não prejudicam as normas deste código relativas a proibições de prova”, demonstra estarem associadas as nulidades e as proibições de prova, sem se confundirem (como avisa Costa Andrade), insistindo Germano Marques da SilvaSão, porém, realidades distintas e autónomas, embora a utilização de uma prova proibida no processo tenha os efeitos da nulidade do acto. A lei não indica claramente quais os efeitos da admissão no processo de uma prova proibida. A prova proibida é nula, que significa que é inválida, bem como os actos que dela dependerem e que ela possa afectar (art.122º). O efeito primeiro desta invalidade é que a prova não pode ser utilizada no processo, não podendo, por isso servir, para fundamentar qualquer decisão. (…) Por isso, a nulidade resultante da produção de prova proibida será de reconhecimento oficioso até decisão final, só se convalidando com o trânsito em julgado da decisão. (…) Toda a prova proibida deve ser inutilizada. A lei não estabelece limitações ou excepções, diz simplesmente que não pode ser utilizada.” (in “Curso de Processo Penal”, pág.105 a 107, 1993, Lisboa).
De essencial, devemos reter que as normas de proibições de prova, à margem da discussão sobre se serão regras de direito material ou adjectivo, o que parece indiscutível é serem regras imperativas de cumprimento obrigatório pelos Tribunais, não podendo por isso ser valoradas essas provas proibidas.
Em causa estão os depoimentos prestados perante OPC, que, não raras vezes, suscitam reservas, pelo diferente ambiente onde são prestadas, sem as garantias próprias de um Tribunal, e com todas as contingências que podem decorrer da redacção desse depoimento, motivo pelo qual o legislador, entendeu, e bem, que caso exista assentimento das partes, a sua leitura torna-se possível, precisamente, porque nesse caso, não existem reservas.
Portanto, não se tratando de irregularidade, bem andou o Tribunal “A Quo” quando, cumprindo a proibição legal, decidiu não valorar o depoimento cuja leitura se processou em audiência de julgamento, não devendo proceder, nesta parte, o recurso interposto pelo MºPº.
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Verificando-se que os recursos interpostos pela recorrente C… e pelo MºPº, não obstante as diversas questões suscitadas, centram-se na impugnação da decisão da matéria de facto, primeiramente cabe considerar que a demarcação dos conceitos de erro de interpretação da prova e de erro notório de apreciação da prova impõe que se tracem os limites de cada uma destas categorias, para que a sua análise não se confunda e sobreponha.
Os Tribunais superiores de forma pacífica e mantida vêm estabelecendo a destrinça entre a arguição da categoria de vícios que incidam sobre a decisão e dos vícios que inquinem o julgamento. A este propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011 proferido no processo nº288/09.1GBMTJ.L1-5 sustentou que “a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de «revista alargada»; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs3, 4 e 6, do mesmo diploma; No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.” Ora, os vícios previsto no nº2 do citado art.410 (concretamente na alínea a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; na alínea b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e na alínea c) Erro notório na apreciação da prova) são vícios da decisão sobre a matéria de facto “vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que hão-de derivar do texto da decisão recorrida por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.”

No elenco dos vícios da decisão, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio.
Diversamente, a impugnação da matéria de facto prevista no art.412º nº3 do CPP, consiste na apreciação, tal como sustentou o acórdão que temos vindo a citar”, “que não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs3 e 4 do art. 412º do C.P. Penal. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º]”.
Portanto, traçados os contornos do quadro dogmático dos diversos vícios que poderão compor o objecto de recurso, cabe primeiramente apreciar os vícios reportados no art.410º nº2 do CPP.
Nos invocados vícios, que aliás não chegam a ser formalmente delimitados pela recorrente, a impugnação não se baseia apenas no texto do acórdão, antes, é “contaminado” pelas asserções que derivam da análise dos meios de prova, os quais como elementos externos à decisão em si, não podem se aferidos no âmbito do invocado vício. E a decisão nos seus próprios termos, embora discutível, não enferma em sim mesma de um erro notório. Portanto, o alegado erro de análise será aferido no regime de vícios previsto no art.412º nº3 , enquanto impugnação da matéria de facto.
A arguida recorrente, ao insurgir-se contra a decisão sobre a matéria de facto com base nos vícios decisórios previstos no n.º2 do artigo 410.º do C.P.P., deveria basear-se, exclusivamente, no teor do próprio acórdão recorrido, que teria de, por si, evidenciar esses vícios. A recorrente pretende, afinal, suscitar a reapreciação ampla da prova, cuidando, inclusivamente, de cumprir os já supra referidos ónus de especificação previstos no artigo 412.º, n.º3 e 4, do C.P.P.
Portanto, não padecendo a sentença de quaisquer dos vícios previstos no art.410º do CPP, nesta parte deve improceder o recurso.
Quanto aos vícios arguidos pelo MP recorrente, não obstante, como se verá, subsistam incongruências na fundamentação do Tribunal “A Quo” sobre o juízo de prova que fez sobre a actividade de venda dos arguidos, e por isso mesmo, seja sugestiva de um erro notório na apreciação da prova, tal como resulta da fundamentação, contudo, parece a este Tribunal de recurso, que o juízo de incongruência somente se fecha com recurso à análise dos meios de prova, circunstância que determinará a apreciação do erro em sede do art.412º nº3 e 4 do CPP, dado que é um juízo que opera com outros elementos que não só a decisão em si.
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Cumprindo agora apreciar a impugnação da matéria de facto nos termos do art.412º nº3 do CPP, a qual constitui o ponto central do objecto do recurso, cabe estabelecer os pressupostos dos poderes de cognição do Tribunal Superior
Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, Proc. nº 07P4375 (in www.dgsi.pt) a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, restrita á indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º).
Com efeito, no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril do corrente ano (processo n.º 360/08-1.ª, www.dgsi.pt) sustentou-se «Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente
Não basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o tribunal de recurso tenha fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.
O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. O recurso com esses fundamentos apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância [cfr. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999].
Com efeito, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» [cfr, neste sentido, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt]
O Tribunal de recurso, apreciando os fundamentos da impugnação da matéria de facto e os meios de prova indicados nos termos do art.412º nº3 do CPP (quando conste do objecto de recurso), deve aferir se o Tribunal “a quo” apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões e as regras da experiência comum (a regra da experiência expressa aquilo que normalmente acontece, é uma regra extraída de casos similares), não extraindo conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempre um plano de convencimento do Tribunal a quo, segundo a livre convicção do julgador que não cabe a este Tribunal de recurso reformular.
Em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.º do C.P.P.
Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do Tribunal “a quo” se estribou nestes pressupostos, como já se enfatizou, o Tribunal “ad quem” não pode sindicar ou sobrepor outra convicção.
Com as limitações que decorrem da falta de mediação e da impugnação parcelar dos factos, o Tribunal de recurso somente poderá alterar a decisão de facto quando se “imponha” (usando a expressão legal), ou seja, quando o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da 1ª Instância se fundou fora da razoabilidade, em juízos destituídos de lógica, ou distintos dos padrões da experiência comum.
A recorrente C… centra a sua discordância, defendendo que o Tribunal “A Quo” não julgou correctamente vários pontos dos factos provados sobre a sua participação no ilícito de tráfico. Quanto às concretas divergências enfatizadas pela recorrente, coloca o enfoque na diferenças de relatos entre as versões das testemunhas H… e I… sobre a visibilidade que tinham sobre a entrada do armazém (embora em rigor não se trate de contradição por depender do local onde cada um observa), contudo, o Tribunal “A Quo”, neste conspecto, desenvolveu uma análise crítica do envolvimento dos arguidos, mostrando equilíbrio e sensatez na análise dos factos. Nestas dúvidas probatórias, suscitadas pela arguida recorrente C…, o Tribunal a Quo sobre a participação dos arguidos sustentou o seguinte, explicitando também os termos da alegada contradição de depoimentos “quanto à circunstância de os arguidos se dedicarem ao cultivo, doseamento e acondicionamento de folhas e sumidades de cannabis. Com efeito, o arguido B… foi visto, na vigilância de 19 de Junho, a dirigir-se ao armazém, juntamente com outro indivíduo, também aparentemente de nacionalidade chinesa, tendo ali chegado numa carrinha Mercedes …. Depois, a estes dois indivíduos juntaram-se outros dois, também aparentemente de nacionalidade chinesa, vindos do armazém e os quatro dirigiram-se, de seguida, para o interior do armazém, regressando os dois primeiros, cerca de 15 minutos depois (de acordo com o relatório de vigilância de fls. 6). Sublinha-se que no relatório de vigilância, descreve-se com minúcia os movimentos dos indivíduos que estavam a ser visualizados (só possível se estivessem efectivamente a ser visualizados), referindo-se expressamente que estavam ao alcance visual da operação, tendo sido os seus movimentos relatados ao minuto. Assim, parece-nos, com alguma evidência, que o agente H…, ouvido em audiência, apenas apresentou uma parcial falha de memória, no relato que fez, da vigilância do dia 19 de Junho, sendo naturalmente mais fiável o que descreveu em relatório escrito, pois que foi logo seguido àquela diligência, tendo sido o depoimento em audiência prestado quase 1 ano depois. Na vigilância do dia 1 de Julho, os arguidos B… e C…, foram vistos a chegarem ao armazém, na viatura BMW apreendida nos autos, conduzida pela arguida, tendo o arguido B… ido buscar à mala do carro duas catanas, que levou com ele, tendo-se dirigido os dois, depois, em direcção ao armazém. Segundo o relatório de vigilância, datado deste dia e o depoimento da testemunha agente Marques, responsável pela mesma, os dois arguidos dirigiram-se aos escritórios das antigas instalações e foram recebidos por um outro indivíduo de nacionalidade chinesa (referindo mesmo as características da roupa usada por este, o que só seria possível se os agentes o estivessem efectivamente a visualizar), sendo que, após uma breve conversa, todos se dirigiram para o interior do armazém, entrando por um portão lateral, de fol. Os dois arguidos acabaram, cerca de 10 minutos depois, por sair pelo mesmo portão lateral por onde haviam entrado antes, já sem as catanas. Todas as testemunhas agentes policiais, ouvidas em audiência, revelaram-se totalmente credíveis, desinteressados e objectivos, assentando os seus depoimentos em conhecimento decorrente das diligências de investigação em que tiveram intervenção. Por sua vez, o arguido D… foi encontrado, no momento da busca ao armazém, escondido debaixo de uma cama existente na área de dormitório, trajando roupa de “agricultor”, como o referiu a testemunha F…, comissário da PSP, sendo que era a única pessoa que se encontrava no armazém, no momento da busca, como decorre do auto de vigilância do dia 1 de Julho e dos depoimentos das testemunhas agentes policiais, que descreveram ao tribunal o cenário encontrado naquela operação. Ora, resulta inequívoco ao tribunal, face a esta prova e apelando às regras da experiência de normalidade, que a actuação do arguido D… se desenvolvia na parte da produção das plantas de cannabis e do manuseio de toda a parafernália encontrada no interior do armazém, com vista àquele cultivo, sabendo e querendo certamente o que estava a fazer, o que se espelha até na sua reacção de se esconder, à chegada da polícia. Já, segundo a descrição dos agentes policiais que depuseram em audiência e que tiveram intervenção nas vigilâncias, intercepção do casal e nas buscas, os arguidos B… e C… foram encontrados num contexto que permite ao tribunal concluir que estes desempenhavam uma outra categoria de actuação, trajando vestuário mais arranjado, circulando num veículo de alta cilindrada (BMW), fazendo entrega de duas catanas no armazém, claramente para uso no cultivo do estupefaciente que lá decorria, tendo sido encontrado na residência de ambos uma quantidade elevada de estupefaciente já devidamente doseado e acondicionado, em estado de produto final para venda, tudo espelhando, pois, alguma superioridade destes dois arguidos, na escala de actuação, em relação ao arguido C…. Da busca à residência dos arguidos B… e C…, resulta que os mesmos, para além de diversos documentos de identificação em nome de terceiros, detinham na sala, no interior de uma caixa em papel que estava no chão, duas balanças de precisão digitais e, na lavandaria, 20 embalagens de canábis (folhas/sumidades), com o peso líquido de 19.409,776 gramas, e, na garagem, mais de uma centena de sacos próprios para embalar, e mais uma balança de precisão digital. De notar que o agente J…, presente na busca à residência dos arguido B… e C…, referiu que os sacos encontrados na garagem eram precisamente iguais aos sacos que estavam a ser usados para acondicionar o estupefaciente já embalado e apreendido naquela diligência. Tal, aliás, resulta claro das fotos de fls. 135 a 141, relativas aos objectos apreendidos no âmbito da busca à residência e onde se pode constatar essa similitude dos sacos apreendidos e dos que se encontravam já embalados com o produto estupefaciente apreendido. Conclui-se, pois, que tais sacos destinavam-se ao embalamento do estupefaciente, por estes arguidos, após doseamento do mesmo, para o que certamente serviam as balanças de precisão encontradas, usualmente utilizadas na pesagem de estupefaciente. Assim, apelando às mais elementares regras da experiência e da normalidade, o tribunal conclui, de forma inequívoca, com toda a margem de segurança e certeza, que, desde logo, os arguidos B… e C… dedicavam-se ao cultivo, doseamento e acondicionamento do produto estupefaciente aprendido (folhas e sumidades de cannabis), o que se espelha bem no seguinte: - ao deslocarem-se ao dito armazém, tendo mesmo o primeiro levado duas catanas para o seu interior, objectos claramente utilizados para o corte das plantas; - conjugado com o estupefaciente que veio a ser encontrado na residência dos mesmos, já devidamente doseado e embalado, em local perfeitamente visível e numa divisão normalmente usada, tendo até roupa a secar (vd. foto de fls.134), de acesso livre, tendo praticamente todas as testemunhas, agentes policiais com intervenção directa na busca, assegurado que não houve qualquer problema com a entrada nessa divisão, sem necessidade de procederem a qualquer arrombamento (contrariando a versão dos arguidos de que a mesma estaria fechada à chave e que não tinham a chave); - ao que acrescem as balanças de precisão (típica e consabidamente utilizadas para a pesagem de estupefaciente) e os diversos sacos de embalamento também ali encontrados, iguais aos usados no estupefaciente já embalado (tendo características particulares, como as cores, mesmo tamanho, mesma marca e o facto de serem todos fechados a vácuo (vd. fotos de fls. 135, 140 e 141) – veja-se também o depoimento do agente J…, presente na busca. Com igual grau de certeza e segurança, a mesma conclusão se retira quanto à comparticipação do arguido D…, que foi encontrado escondido debaixo de uma cama, no interior do armazém, trajado de “agricultor”, claramente com funções mais ligadas à plantação directa da planta de cannabis, encontrando-se o dito armazém todo preparado e utilizado para tal plantação, em grande dimensão e estando aquele encarregue desta parte da actividade. É inequívoco para o tribunal que todos estes arguidos, cada um com as suas funções, actuavam em conjugação, para um fim comum. O tribunal considera, pois, que foi produzida prova suficiente e bastante quanto à circunstância de os arguidos se dedicarem ao cultivo, doseamento e acondicionamento de folhas e sumidades de cannabis, numa actividade concertada entre os três (independentemente da concreta função exercida por cada um). Igualmente não nos restam dúvidas de que o produto estupefaciente apreendido se destinava para venda.
Todos os elementos probatórios encontram-se, quanto a estes aspectos acertadamente analisados. Com efeito, as invocadas incongruências suscitadas pela defesa, não se verificam porquanto, como foi referido pelo Tribunal “A Quo” são vários os depoimentos que verificaram o repetido acesso dos arguidos ao armazém, o primeiro dos quais, foi observada numa visitação ao armazém com mais outros dois indivíduos.
Depois, na esfera de domínio dos arguidos encontra-se não apenas o armazém, cujo apoio logístico garantem (não apenas com alimentação dos trabalhadores, mas também com o fornecimento de equipamento e ferramentas, como as catanas entregues); a que se soma a quantidade de canábis processada e embalada em 20 pacotes, com cerca de um quilo cada, numa divisão da sua habitação, sendo apreendidos na fracção instrumentos de pesagem de precisão e sacos (na garagem) para novos embalamentos em grandes quantidades; por fim foi-lhes apreendido numerário em valor relevante, a par de contas bancárias com movimentos de vulto, sendo exuberante todos estes elementos de prova, todos convergentes para a prova do tráfico de estupefacientes, devendo improceder as conclusões da recorrente C….
Já quanto à impugnação da matéria de facto suscitada pelo Ministério Público no recurso por si interposto, sobre o início da actividade delitual no armazém que o recorrente MP pretende recuperar para os factos provados a data da acusação, com suporte no depoimento da testemunha F… (comissário da PSP) quando o mesmo relatou conversas “informais” com a testemunha falecida E… (senhorio do armazém, que comparecera no decurso da busca ao armazém e que entretanto falecera), quanto a este ponto, o Tribunal “A Quo” a fls.779 do acórdão, pronunciou-se negativamente sobre a valoração desse depoimento, baseando-se no artigo 356º nº7 do CPP. Desde já cumpre esclarecer que o depoimento da testemunha E… cuja leitura foi dada sem efeito por não poder ser valorada, foi prestado em fase de inquérito a fls.142 a 144 dos autos, datado de 2 de Julho de 2019, mas quem o recolheu foi o agente da PSP H…. Ora, entende este Tribunal de recurso que os OPC podem ser testemunhas, como as restantes pessoas, ainda que a razão de ciência ocorra no decurso das diligências do processo, como acontece sobre as atitudes dos arguidos, presenciadas nas diligências de reconstituição dos factos (desde que essa diligência não seja, obviamente, a inquirição da testemunha em causa).
Já a proibição da prova que a lei impõe nos termos do art.356º nº7 do CPP implica uma imposição lógica de coerência, pois se a leitura de um depoimento não for permitida, o agente policial que a recebeu em auto, não pode ser inquirido sobre o conteúdo desse depoimento recolhido por si. Mas, como se vê, o âmbito da proibição somente incide sobre as declarações recebidas em auto (e eventualmente sujeitas a leitura em audiência), proibição que é extensível ao agente que as recolheu. Com efeito, o legislador exprimiu-se enfaticamente, usando na letra da lei, o “recebimento e recolha de declarações, cuja leitura não seja permitida”, assim se sublinhando a forma escrita das mesmas, abrangendo, quer os agentes de autoridade, quer os funcionários que tenham participado na recolha das declarações. Portanto, somente no contexto de recolha dos depoimentos escritos em auto de inquérito, cuja leitura não for permitido, é que opera a proibição de valoração do testemunho dos OPCs sobre o seu conteúdo. A não ser assim, permitia-se de uma forma, o que lei negava de outra, mas note-se que o legislador interveio neste conspecto, porque, por regra, os agentes policiais podem testemunhar sobre o que presenciaram ou sobre o que lhes foi dito. Com efeito, conversas informais perante autoridade policial (desde que não ocorra no contexto da tomadas de declarações em auto), ou a percepção do agente sobre as atitudes de arguidos ou testemunhas, podem ser testemunhadas por aquele, sendo que, no caso, o depoimento indirecto do comissário F… não se inscreve no âmbito da tomada de declarações (declarações que somente, mais tarde, no decurso do inquérito, são recolhidas em auto por agente diferente). Acresce que o que fora relatado informalmente ao agente F…, tem a oportunidade própria das indagações que, nesse momento, ocorriam nas buscas, e dado que a testemunha E… entretanto falecera, por isso, torna-se permitida a valoração desse depoimento pela circunstância prevista no art.129º nº1 “in fine” do CPP, podendo ser valorado pelo Tribunal segundo a regra da livre convicção cfr.art.127º do CPP.
Chegados a este ponto, considerando que o Tribunal “A Quo” deveria ter valorado esta parte do depoimento da testemunha F…, com razão de ciência indirecta, porque o mesmo foi objectivo, isento e espontâneo (somente relatou o que lhe fora contado pelo senhorio do armazém a instâncias do MºPº), relatando os factos com credibilidade, à semelhança dos restantes aspectos que deu conhecimento ao Tribunal, convencendo-se este Tribunal que o arguido B…, pagava a renda do armazém, tal como lhe foi relatado pelo senhorio do armazém, de uma forma que pareceu espontânea (pois, o senhor G… sendo pessoa idosa segundo referiu a testemunha F…, ao qual lhe contara que quisera ver o seu armazém, mas nunca o autorizaram, ficando muito espantado quando no decurso da busca observou o que se encontrava no interior do armazém), pelo que se deve concluir que os arguidos encontravam-se na exploração do armazém pelo menos desde data não apurada do ano de 2018, devendo nesta medida ser alterada a matéria de facto. Com efeito, respeitando as limitações de um depoimento indirecto, não se pode atribuir ao mesmo uma precisão mais fina, não obstante o detalhe e a objectividade com que ocorreu, por isso, é adequado na formulação de um juízo de prova, apenas situar a exploração do armazém em data imprecisa do ano de 2018.
Continuando a apreciar o objecto de recurso interposto pelo MP, quanto à alegada actividade de venda consumada pelos arguidos, deve ponderar-se que o circuito de produção e embalamento (com plena plantação em várias fases de progressão; embalagens com produto já processado; vários sacos guardados na garagem para futuro embalamentos; e dinheiro em montantes razoáveis na habitação, a par de movimentações bancárias de vulto) denunciam uma efectiva “comercialização” ou vendas a terceiros, a grosso. Contrariamente ao que foi entendido e argumentado pelo Tribunal “A Quo”, o universo das vendas de estupefacientes não se reconduz apenas às vendas a “consumidores de rua”. Com efeito, determinam as regras da experiência comum (com forte comprovação estatística) que a actividade de venda desenvolvida por produtores de canábis, como os arguidos que exploravam o armazém, ocorre essencialmente perante compradores grossistas e retalhista, e todos eles são terceiros, e tanto é assim, que todas as evidências probatórias nos autos isso comprovam, nada apontando para uma actividade de “venda na “rua” aos consumidores. Tendo o Tribunal “A Quo” desconsiderado a evidência destas regras da experiência. Face ao que resulta provado, torna-se evidente que os arguidos procediam à venda a grossistas. O estupefaciente embalado e depositado na lavandaria da fracção, nas quantidades apreendidas isso denunciam (1 Kilo por embalagem), as balanças e sacos disponíveis para embalamento; assim como pelo montante de dinheiro apreendido e de que dispunha, a par das detectadas nas contas bancárias, de que eram titulares.
Se se considerar que o arguido D… não procedia materialmente à venda (sem prejuízo da sua co-autoria no delito cometido), percebe-se porquê, pois realizava trabalhos materiais na plantação dos viveiros de canábis, assim estava aliás trajado. Agora os arguidos B… e C… já demonstram um circuito próprio da venda: não só a pesagem (sendo-lhes apreendidas várias balanças), como o embalamento de quantidades apreciáveis, a disposição do numerário que lhes foi apreendido em casa (com notas de divisores altos: 100€), contas bancárias com movimentos exuberantes. A explicação dada pelos arguidos não é credível, nem satisfatória à luz das regras da experiência comum, porquanto, não obstante algumas contas fossem contituladas pelo arguido B…, não é crível que as respectivas movimentações lhe fossem alheias, não existindo o menor indício de que os arguidos dependessem de terceiros, ou de que as suas contas pudessem ser uma plataforma de depósito e movimentação de quantias, sem domínio pelos arguidos. Pelo contrário, são os mesmos que têm plena ou quase plena disponibilidade, quer das contas bancária, quer do dinheiro apreendido, quer do estupefaciente embalado, quer do armazém.
Deve considerar-se que o Tribunal “A Quo” procedeu com erro na análise da prova, a actividade de venda por parte dos arguidos, impondo-se as respectivas alterações.
Impõe-se de igual modo, a correcção do julgamento da matéria de facto, concretamente no que concerne ao que se apurou no apenso de liquidação para perda de bens, e que resulta do teor documental juntos nos autos e que não logrou ser infirmado pelos arguidos, permitindo apurar os montantes do património incongruente com clara comprovação nos elementos documentais em confronto.
Somente, quanto ao concreto número de doses a que correspondiam as plantas apreendidas, as reservas mostradas pelo Tribunal “A Quo” ao número exacto de doses que consta do relatório do LPC, tem um fundamento equilibrado (pois os diversos estágios de desenvolvimento das plantas ainda não processadas, torna o cálculo menos preciso), contudo, o certo é que face à quantidade em apreciação e aos considerando do relatório, a divisão em causa sempre deverá corresponder a várias centenas de milhares de doses, devendo os factos provados reflectir esta realidade.
Também quanto ao uso do veículo automóvel, a realidade que se discutiu em audiência de julgamento, não permite o raciocínio do MP recorrente, devendo nesta parte as conclusões do recurso improceder.
Assim e haverá de ser eliminado do elenco dos factos não provados parte importante das alíneas, que passarão a constar dos factos provados.
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Em consequência, impondo-se a alteração do julgamento da matéria de facto, no que concerne aos referidos pontos de factos provados e alíneas dos factos não provados que deverão passar a constar, pelo menos em parte, do elenco dos Factos Provados com a seguinte formulação e numeração integradora no elenco dos factos provados do acórdão,
Concretamente dever-se-á alterar a matéria de facto provada nos seguintes pontos 1, 8, 9, 10, aditando-se os pontos 1.1., 1.2, 11.1 ao elenco dos fatos provados, da seguinte forma:

1 - Os arguidos dedicaram-se, desde data não apurada do ano de 2018, ao cultivo, doseamento e acondicionamento folhas e sumidades de cannabis, e à venda de produtos estupefacientes a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra, utilizando e explorando de forma intensiva, para o efeito o armazém sito no Lugar …, …, …. - … na Maia, arrendado ao respectivo proprietário, E…, entretanto falecido aos 19-08-2019.
1.1 A venda de folhas e sumidades de cannabis, referida no ponto 1) dos factos provados, era feita pelos arguidos a um número não apurado de terceiros que adquiriam quantidades de estupefacientes, obtendo aqueles lucros.
1.2 - A quantidade total líquida de cannabis (folhas e sumidades) apreendida no armazém, referida no ponto 4) dos factos provados era suficiente um número não apurado de doses, mas na ordem de várias centenas de milhares.
- (mantém-se a redacção dos pontos 2 a 7 dos factos provados no acórdão).
8 - A quantia monetária apreendida, de 2.100€, proveio de vendas do produto estupefaciente que os arguidos comercializavam.
9 – Através da conduta acima descrita, agiram os arguidos, em conjugação de esforços e na execução de um plano, previamente traçado, querendo obter as contrapartidas económicas da sua actividade concertada no ponto 1) supra, com o objectivo de vender e distribuir o produto estupefaciente por terceiros, com vista a auferir, como auferiram lucros correspondentes.
10 – Os arguidos conheciam as características estupefacientes da cannabis e sabiam que o respectivo cultivo, detenção, transporte e venda, sem estar autorizado, não eram permitidos.
11.1 – À data de constituição dos arguidos, em 1 de Julho de 2019 e nos 5 anos anteriores, os montantes totais relativos a movimentos a crédito existentes numa conta bancária titulada e em três contas co-tituladas pelo arguido B…, eram de €431.768,69; e nas três contas tituladas pela arguida C… (única titular), de € 208.801,14 (deduzidos que estão os seus rendimentos lícitos [onde se incluíram o que recebeu dos jogos], e a meação no caso das contas contituladas do arguido B…), e que correspondem a proveitos económicos advindos a estes arguidos.
- (mantém-se a redacção dos pontos 11 e seguintes dos factos provados no acórdão).
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Mais passarão a constar como Factos Não Provados, apenas os seguintes:
A) Que foram os arguidos que montaram e organizaram o referido armazém.
B) Que foram os arguidos que arrendaram o referido armazém ao respectivo proprietário, E….
C) Que os telemóveis e cartões SIM, o empilhador da marca Toyota ou a televisão tipo LCD, com comando, foram usados pelos arguidos no exercício da actividade desenvolvida pelos mesmos, descrita nos factos provados, ou que o veículo marca BMW, com a matrícula ..-VJ-.., também o fosse, para além do descrito no ponto 7) do mesmo elenco.
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Quanto à pretensão de perda alargada de bens que o Tribunal “A Quo” julgou improcedente e cuja reapreciação integra o objecto de recurso interposto pelo MºP, deve asseverar-se como ponto central a presunção prevista no art.7º da Lei nº5/2002 e se o disposto no art.9º desse diploma, reafirma o princípio da aquisição da prova, a par do ambiente probatório em processo penal, inerente aos princípios processuais penais e constitucionais, também enuncia nos nºs1 e 3 desse preceito o ónus do arguido inverter a presunção do art.7º com a prova sobre origem lícita do património.
Não obstante o Tribunal “A Quo” ter enunciado correctamente os pressupostos do instituto da perda alargada de bens, contudo, depois subsume incorrectamente os mesmos. Faz depender a sua verificação da prova da proveniência dos montantes da venda de estupefaciente (apesar da venda se haver provado em sede de recurso), quando, como é consabido, não é necessária essa prova.
Eram os arguidos que tinham de provar a proveniência lícita dos montantes e do património. Depois, a par do MP haver demonstrado, por prova documental, os movimentos a crédito das contas bancárias (e por isso o património dos arguidos); a incongruência do património mostra-se verificada no âmbito dos marcos temporais estabelecidos na lei nas alíneas a) e c) do nº2 do art.7º, concretamente o apuramento do património à data da constituição dos arguidos com o recuo de 5 anos. Ora, os termos da presunção estabelecida no referido art.7º nº1, sobre a imputação do património incongruente à vantagem da actividade criminosa, tem essa amplitude temporal e que permite chegar aos referidos valores de 431.768,69€ correspondente ao património incongruente do arguido B…, e de 208.801,14€ correspondente ao património incongruente da arguida C….
De notar que, tão pouco, o legislador não faz depender essa temporalidade de 5 anos, anteriores data da constituição do arguido, da prova da actividade delitual por esse período. Trata-se apenas de um marco temporal previsto (independentemente do perfil temporal dos factos reportados ao crime que consta da acusação) que vai definir os termos do património incongruente e que vai permitir apurar os termos da presunção da vantagem da actividade criminosa. Isso para significar, que, por regra, o reporte temporal dos factos que constam nas acusações nada têm que ver com o marco temporal de 5 anos antes da data de constituição do arguido, dado que, este marco representa a forma de cálculo do património incongruente face ao tipo de criminalidade muito perigosa, altamente organizada, tal como consta do catálogo previsto no art.1 da Lei 5/2002, para onde remete o nº1 do art.7. O valor dessa amplitude temporal tem valor autónomo, não dependendo da concreta temporalidade do crime imputado e apurado, e justifica-se perante os perigos que decorrem do tipo de criminalidade previsto no catálogo do art.1º da Lei nº5/2002.
Por outro lado, a elisão da presunção que o legislador permite ao arguido, nos termos do art.9º nº2 da Lei nº5/2002 apenas se reporta ao cálculo do património lícito, provando que teve rendimentos lícitos, não tendo que provar que não cometeu crime ou crimes no período de 5 anos (antes da data da constituição do arguido).
Os arguidos, tendo parcos rendimentos lícitos, veio o arguido B… alegar que os saldos e movimentos eram pertença e efectuados por terceiros contitulares, contudo, a projecção da actividade ilícita dos arguidos é relevante, não só sendo apreendido montantes relevantes de numerário, como tendo na sua disposição a exploração de um armazém de grande envergadura, orientando essa exploração com muitos meios (independentemente de não a terem instalado), a par da movimentação exuberante das contas bancárias que foram titulares (no caso do B…, em três dessa contas, contitular). Sobre essa contitularidade, nada veio infirmar a presunção que foi feita no cálculo. Estranho é argumentação dos arguidos que se colocam à margem dos saldos e movimentos de duas contas, esse sim, é plano que se situa fora das regras da experiência comum.
Portanto, a pretensão de perda alargada, deve proceder na íntegra, sobre o património incongruente apurado, condenando-se os arguidos a pagar ao Estado esses valores de vantagens ilícitas.
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Quanto à pretensão do recorrente MºPº que pretende subsumir os factos imputados aos arguidos B… e C… ao tipo legal agravado previsto e punido pelo art.24º alínea b) e c) da Lei 15/93, tal como se sustentou, a factualidade apurada evidencia, um armazém muito bem equipado com meios logísticos de vulto, muito além do tráfico típico previsto, no art.21º do mesmo diploma.
Com efeito, a produção de canábis em território português, com enorme capacidade produtiva (com diversos estágios de produção, visando optimizar e antecipar os resultados das colheitas), revela uma perigosidade acrescida (cujo risco excede em muito a o parâmetro das quantidades produzidas), a forma massiva de produção e a venda já comprovada, torna verificada a alínea c) do nº1 do art.24º (e não a alínea b) porquanto, muito embora se possa supor ser muito elevado o número de destinatários de quantidades massivas de estupefaciente produzido e processado, como não se apurou a concreta dimensão das vendas, pelo que, não pode operar esta alínea), onde os parâmetros de lucro são igualmente massivos. Acresce que a insidia da estrutura produtiva da cannabis se encontrar em território nacional, com resultados produtivos intensos e muitos elevados, permite-lhes logísticas de transporte e comercialização mais eficazes, aliviadas do controlo fronteiriço, que normalmente, vigia a importação provinda de Marrocos ou outros destinos pelos aeroportos, ou por via marítima (sujeitas a patrulhas e à vigilância por satélite sobre o oceano).
O modo como o armazém se encontrava equipado com extensos e complexos mecanismos que visavam incrementar os resultados da produção, o que se espelha, aliás, pela quantidade de plantas apreendidas (cerca de uma tonelada); a área coberta usada nas plantações, toda essa realidade traduz, o grau de perigo que se enquandra, com larga suficiência, nos parâmetros de ilicitude previstos no art.24º alínea c) da Lei 15/93.
Deste modo, o recurso interposto pelo MºPº nesta parte, haverá de proceder, devendo os arguidos B… e C… ser condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1 e art. 24º, nº 1, alínea c) ambos do Decreto-lei nº 15/93, de 22.1 (por referência à Tabela I-C anexa ao referido diploma), nesta parte se revogando o acórdão da primeira instância.
Atento o objecto de recurso circunscrito aos arguidos B… e C…, a alteração da condenação não será extensível ao arguido D…, assim como, não estará o mesmo sujeito a qualquer agravamento da pena.
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Quanto às medidas das penas cominadas aos arguidos, cuja reapreciação haverá de ser feita, não apenas como consequência da forma agravada do crime de tráfico pela qual os arguidos agora são condenados (dado que altera os limites abstractos, respondendo pelo delito punido de 5 a 15 anos de prisão), mas também porque, esta matéria se inscreve no objecto dos recursos interpostos pelo MºPº (decorrente do agravamento da responsabilidade dos arguidos B… e C…) e pelos arguidos B…, C…, D…, pugnando estes três últimos recorrentes pela sua alteração considerando ser excessiva, pugnando pela suspensão da sua execução.
No sistema sancionatório português, as sanções privativas da liberdade constituem a ultima ratio da política criminal, por influência dos princípios político-criminais da necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade. Considerando o conteúdo normativo presente no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação de uma pena visa assegurar exclusivamente finalidades de prevenção: geral positiva, traduzidas na proteção de bens jurídicos com reafirmação do valor dos bens jurídicos tutelados, e especial positiva tendo em vista a reintegração do agente na sociedade.
Prosseguindo finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, a pena é concebida “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, do ordenamento jurídico-penal”. Por sua vez, assegurando finalidades de prevenção especial positiva ou de socialização a pena visa, “com respeito pelo modo de ser do delinquente, pelas suas concepções sobre a vida e sobre o mundo, pela sua posição própria face aos juízos de valor do ordenamento jurídico, criar as condições necessárias para que ele possa, no futuro, continuar a viver a sua vida sem cometer crimes”. (Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Português - Parte Geral I – Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2011, (2.ª reimpressão), págs. 51 e 55).
Para efeitos de determinação da medida concreta da pena a aplicar deve, impreterivelmente, o Julgador recorrer aos critérios legalmente definidos nos artigos 70º a 74º do Código Penal.
Nesta matéria refere o artigo 71º, nº 1 do citado diploma legal que: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção“, enumerando-se no nº 2 do mesmo preceito algumas das circunstâncias exemplificativas que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Os parâmetros fundamentais para o Julgador aferir da pena concreta a aplicar um arguido, são por um lado a culpa do mesmo (porquanto esta “não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas afirma-se também como limite máximo desta”) e, por outro as necessidades/exigências de prevenção geral e especial. No caso sob apreciação e analisada a motivação da Douta sentença, foi feita a ponderação de todos os factos que depõe a favor e contra o arguido.
A aferição da medida da culpa do arguido implica a ponderação da censura do facto cometido, o desvalor da sua atitude e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo agora ser apreciada em concreto.
Concretamente, pesa na ilicitude e por isso nas exigências de prevenção o exponencial risco e perigo que resulta da evidente eficácia da exploração desenvolvida pelos arguidos no armazém de forma intensiva com área coberta apreciável, dotada de completos e complexos equipamentos capazes de manter diferentes estágios de crescimento de várias plantações de canábis coevas, recriando condições de temperatura, humidade e luz, favoráveis a crescimento rápidos, a que se associam os procedimentos de embalamento do estupefaciente processado, que ocorria na fracção dos arguidos B… e C…, cuja responsabilidade é superior, não só pelo domínio que tinham da exploração, onde a participação do arguido D…, não obstante seja co-autora de todos os factos e por isso muito grave na culpa e na ilicitude, ficam aquém da importância que se evidencia a conduta dos arguidos B… e C…. As quantidades massivas expressas nas tonelada de plantas apreendidas e nos cerca de 20 kilos de canábis já processada e embalada, dão ideia do perigo extremo e da gravidade do ilícito, tendo os arguidos atuado com dolo directo e um grau muito elevado de culpa, agravando estes considerandos assim como as exigências de prevenção a temporalidade da sua actividade que remonta a 2018.
Na ponderação da ilicitude no cometimento do delito, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, subindo o limite mínimo de ponderação das penas concretas, devendo reafirmar-se a perigosidade marcante que este estupefaciente representa para a comunidade. Nos últimos anos têm-se multiplicado estudos da ciência médica que procuram alertar para a causalidade da degradação da saúde mental que o consumo mantido de canábis provoca, infligindo psicoses aos consumidores, consequências que são muito graves para este.[1]
A ponderação da escolha e medida da pena associada ao cumprimento dos seus fins, visa, como se referiu, censurar o facto para assim reafirmar perante a comunidade o valor dos bens jurídicos lesados e promover a integração social e comunitária do arguido. Portanto, pese embora o julgamento incida sobre a reconstituição de um acontecer histórico, o essencial da ponderação da pena incide sobre o tempo futuro, sobre um tempo vindouro, onde se pretende apaziguar a comunidade para a validade das normas e, no mesmo passo ajustar a pena mais adequada ao arguido, medindo e aferindo os índices de risco do arguido, nos seus procedimentos futuros, na forma como se envolve e se tem e virá a relacionar com a comunidade, com “os outros”, promovendo a mudança interior do agente do crime, das formas como o mesmo interage com “o outro”.
Os arguidos apresentam alguns parâmetros de inserção social e profissional (em particular os arguidos B… e C…), o que atenua as exigências de prevenção especial. No entanto, ainda no parâmetro das exigências de prevenção especial agrava a circunstância dos arguidos não mostrarem qualquer arrependimento, não evidenciando a menor contrição pelos factos que cometeram, nem confessaram os factos, o que a ter sucedido, permitira moderar as exigências de prevenção especial, não podendo por isso beneficiar dessa circunstância. Inversamente essas atitudes agravam as exigências de prevenção especial pela personalidade revelada, dado que claramente distanciadas dos propósitos dos fins da pena, os quais implicam, necessariamente, o reconhecimento do desvalor da conduta, como primeiro passo para a reconciliação e respeito pelos bens jurídicos atingidos. Arguidos que demonstrem este reconhecimento e arrependimento, imediatamente essa atitude ressente-se na pena, que se vê apaziguada nas suas finalidades, por parcialmente cumprida no seu propósito. Assim, no interior da amplitude de 10 anos da moldura abstracta (entre os 5 e os 15 anos), deverá cada um dos arguidos B… e C… ser condenados na pena de 9 anos de prisão (significando 4 anos da amplitude de 10), sendo essa pena concreta adequada a cumprir os fins de prevenção acima assinalado, assim improcedendo as conclusões destes recorrentes.
Igualmente, deverão improceder as conclusões do recorrente D…, porquanto a pena de 6 anos de prisão em que foi condenado pelo Tribunal “A Quo” mostra-se adequada à gravidade da sua culpa e ilicitude, sendo proporcional à sua participação, que é diferenciada relativamente aos restantes arguidos.
Como resulta dos fundamentos expostos, os recursos dos arguidos não poderão merecer provimento.
DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento a parte importante do recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, decidem:
- alterar o acórdão recorrido, modificando a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos que se deixaram fixados referentes ao elenco dos factos provados, alterando-se a redacção aos pontos 1, 8 a 10 e ao aditamento ao elenco dos factos provados dos pontos 1.1, 1.2 e 11.1; à eliminação de várias alíneas aos factos não provados, na formulação que antecede e aqui se dão por reproduzidos.
E em consequência
- Condenar o arguido B… pela prática, na forma consumada e em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo art. 21º, nº 1 e art. 24º, nº 1, alínea c) ambos do Decreto-lei nº 15/93, de 22.1 (por referência à Tabela I-C anexa ao referido diploma), na pena de 9 (nove) anos de prisão.

- Condenar a arguida C… pela prática, na forma consumada e em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1 e art. 24º, nº 1, alínea c) ambos do Decreto-lei nº 15/93, de 22.1 (por referência à Tabela I-C anexa ao referido diploma), na pena de 9 (nove) anos de prisão
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Mais se julga procedente a pretensão deduzida pelo Ministério Público, de perda alargada de bens a favor do Estado, e respectiva liquidação, no que respeita aos arguidos B… e C…, nos arts. 7º e ss., da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, e consequentemente condena-se o arguido B… a entregar ao Estado o valor da vantagem de actividade criminosa de 431.768,69€ (quatrocentos e trinta e um mil setecentos e sessenta e oito euros e sessenta e nove cêntimos) correspondente ao seu património incongruente; condenando-se também a arguida C… a entregar ao Estado o valor da vantagem de actividade económica de 208.801,14€ (duzentos e oito mil e oitocentos e um euros e catorze cêntimos) correspondente ao seu património incongruente, cujo perdimento dessas quantias se declara a favor do Estado.

No mais, mantém-se o que fora decidido no douto acórdão proferido pelo Tribunal “A Quo”, negando-se provimento aos recursos interpostos pelos arguidos B…, C…, e D….

Custas dos recursos interpostos pelos arguidos, fixando-se em 4 ucs a cargo de cada um dos arguidos recorrentes B…, C…, e D… - 513º, n.º 1 do Código Processo Penal).

Notifique.
Sumário
(Proibição de prova do art.356; nulidade; pressupostos da perda alargada de bens)
“- Do regime de permissões dos arts.355º e 356º do CPP decorre uma expressa proibição de valoração da prova (por referência aos princípios da imediação (aqui excepcionado, e publicidade), próprio das nulidades, mas que é especial ao catálogo das proibições previstas no do art.126º do CPP, seguindo ambas (as proibições aí previstas e as proibições que se encontram previstas dispersamente no processo penal, como são o caso dos art.355º e 356º) o regime das nulidades previstas neste último preceito, cuja “ratio” visa a integridade da convicção do julgador, que deve ser preservada e acautelada de meios de prova proibidos.
- Embora a consequência das proibições de prova seja classificada de nulidade, de conhecimento oficioso, como o que está em causa são regras imperativas de cumprimento obrigatório pelos Tribunais, basta o procedimento de não valorar as provas proibidas, sem que seja necessário a declaração formal da nulidade.
- Na pretensão de perda alargada de bens, o legislador não faz depender a temporalidade de 5 anos, anteriores data da constituição do arguido (cfr.art.7º nº2 alínea c) da Lei nº5/2002), da prova da actividade delitual por esse período. Trata-se apenas de um marco temporal previsto (independentemente do perfil temporal dos factos reportados ao crime que consta da acusação) que vai definir os termos do património incongruente e que vai permitir apurar os termos da presunção da vantagem da actividade criminosa. Isso para significar, que, por regra, o reporte temporal dos factos que constam nas acusações nada têm que ver com o marco temporal de 5 anos antes da data de constituição do arguido, dado que, este marco representa a forma de cálculo do património incongruente face ao tipo de criminalidade muito perigosa, altamente organizada, tal como consta do catálogo previsto no art.1 da Lei 5/2002, para onde remete o nº1 do art.7.
- O valor dessa amplitude temporal tem valor autónomo, não dependendo da concreta temporalidade do crime imputado e apurado, e justifica-se perante os perigos que decorrem do tipo de criminalidade previsto no catálogo do art.1º da Lei nº5/2002.
- A elisão da presunção que o legislador permite ao arguido, nos termos do art.9º nº2 da Lei nº5/2002 apenas se reporta ao cálculo do património lícito, provando que teve rendimentos lícitos, não tendo que provar que não cometeu crime ou crimes no período de 5 anos (antes da data da constituição do arguido).”

Porto, 9 de Dezembro 2020.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
_________________
[1] Como é revelado pelo estudo publicado pelos médicos cientistas Drs.Manuel GonçalvesPinho, Miguel Bragança e Alberto, Freitas,investigadores da FMUP e Cintesis na revista científica “International Journal of Methods in Psychiatric Research” de Dezembro de 2019, o qual dá notícia que “Quase 600 pessoas que foram internadas, em 2015, por causa de distúrbios psicóticos ou esquizofrenia, tinham consumido cannabis”, estabelecendo essa causalidade, a qual também influi provocando estados de esquizofrenia.
Por outro lado, o site “saudemental” da Direcção Geral de Daúde e do Centro Hospitalar psiquiátrico de Lisboa, dá notícia que consumos mantidos de canábis aumentam o risco de psicoses e esquizofrenia, riscos que aumenta consideravelmente se o consumidor já tinha alguma predisposição a essas afecções.
De igual modo, a mestre em medicina Drª Joana Barrona em estudo de mestrado publicado em 2017 pela Faculdade de Medicina de Lisboa sustentou que “Vários estudos mostraram que, pelo contrário, a exposição à canábis precedeu o início dos sintomas psicóticos[19,43,50], tendo sido evidenciada, efectivamente, uma relação entre o uso regular de canábis com alto teor de THC e baixo teor em canabidiol e um risco aumentado de 3 a 5 vezes de desenvolver esquizofrenia.[19]”.