CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FIADOR
TÍTULO EXECUTIVO
FORMALIDADES DE COMUNICAÇÃO
Sumário

I - A situação do fiador, enquanto executado, é similar à do próprio arrendatário, pois ambos figuram no contrato de arrendamento, ambos são responsáveis pelo pagamento das rendas vencidas e de ambos pode o credor/senhorio exigir tal pagamento.
II - O título executivo complexo formado nos termos do artigo 14º-A do NRAU abrange não apenas o arrendatário, mas também o fiador, inserindo-se no seu âmbito todas as rendas devidas e demais encargos até à restituição do respectivo locado.
III - Nos casos em que pretende fazer o título executivo contra o fiador devem ser cumpridas também quanto a ele as formalidades da comunicação expressamente previstas no artigo 10º do NRAU.

Texto Integral

Apelação nº3566/19.8T8LOU-A.P1

Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo de Execução de Lousada

Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B… e C…, residentes na Rua …, …, …, Paços de Ferreira, vieram por apenso à respectiva Execução Ordinária em que são executados, deduzir os presentes embargos de executado contra D…, residente na Rua …, …, Viana do Castelo e E…, residente na Rua …, …., …, Matosinhos.
Para tanto e em síntese alegam o seguinte:
A execução funda-se numa notificação dos embargados/exequentes aos embargantes/executados, mediante a qual se comunica a intenção de resolver um contrato de arrendamento, de ver entregue o locado e de receber o pagamento das rendas vencidas e não pagas desde Janeiro de 2017 a Outubro de 2018, no montante de €23.000,00 mais juros legais.
Dizem ser legítimos donos e proprietários do locado objecto dos autos, locado esse que deram de arrendamento à sociedade F…, Lda. em 29.03.2012
Referem que no mesmo contrato os Embargantes assumiram o papel de fiadores com renúncia ao benefício de excussão prévia.
Alegam ainda que no requerimento executivo os Embargados/Exequentes referem que a empresa arrendatária foi declarada insolvente, juntando documento comprovativo de que a referida empresa passou a girar sob a firma G… – Unipessoal Lda. e que por via da comunicação efectuada resolveram o contrato de arrendamento celebrado em 29.03.2012, sendo que o locado foi entregue em 11.09.2019.
Dado que os aqui Embargantes assumiram o papel de fiadores e como tal se obrigaram como principais devedores nos termos sobreditos, estamos perante um título executivo, já que a dívida é certa, líquida e exigível.
No entanto, os Embargantes não aceitam tal alegação, sendo as razões para tal conclusão as seguintes:
Não é possível ao senhorio cumular num mesmo procedimento especial de despejo o pedido, quando estejam em causa vários arrendatários.
Assim os Embargados não podem lançar mão da presente acção para obterem título executivo e com isso obter a condenação dos Embargantes no pagamento da quantia exequenda.
Os Embargados sabem e sabiam que os Embargantes não detinham qualquer controle ou conhecimento sobre a gestão e pagamentos efectuados pela supra referida sociedade enquanto inquilina.
Nunca foi comunicado qualquer atraso no pagamento das rendas pelos Embargados aos Embargantes.
Exigir o pagamento aos Embargantes de valores de rendas de 3 anos constitui um claro abuso de direito.
Os Embargados tinham o direito e a obrigação de intentar contra a arrendatária a competente acção judicial para promover quer a entrega do locado quer o pagamento das rendas no mês seguinte ao do incumprimento.
E deveriam ter notificado os Embargantes do alegado incumprimento para que estes agissem em conformidade.
Os Embargantes não tinham a posse do locado para fazerem a sua entrega e muito menos o conhecimento do incumprimento.
Por outro lado, se os embargados procederem à resolução do contrato, resolução comunicada pela referida notificação, não poderiam nunca exigir dos embargantes quaisquer valores após essa data com base na falta de entrega do locado, com alegação que a entrega foi efectuada apenas em 2019 pela arrendatária, quando essa já tinha sido declarada insolvente em momento anterior o que impossibilita os embargantes de tentar exigir da massa insolvente os valores que pudessem reclamar em sede de direito de regresso.
Desconhece-se se os próprios embargados reclamaram os seus créditos no âmbito do referido processo de insolvência.
Assim sendo, com base no alegado abuso de direito e na falta de título executivo contra o fiador, concluem requerendo a procedência dos embargos de executado.
Admitidos liminarmente os embargos, foram os exequentes/embargados notificados nos termos do art.º 732º, nº2 do CPC.
Na contestação que deduziram assumem que o contrato de arrendamento por si só e enquanto documento particular não reveste a qualidade de título executivo.
No entanto tal qualidade resulta expressamente do art.º 703º, nº1 alínea d) do CPC ou seja quando o título executivo é composto pelo contrato de arrendamento e pela notificação ao arrendatário e fiadores se os houver, dos montantes em dívida.
Dizem ser falsa a alegação segundo a qual os Embargados nunca haviam comunicados aos Embargantes os atrasos no pagamento das rendas por parte da arrendatária, como comprovam com a carta registada enviada em 23.07.2018 e recebida pelos Embargantes em 24.07.2018.
Contrariamente ao que foi alegado os Embargantes têm conhecimento da existência das rendas em dívida decorrentes do contrato de arrendamento no qual são fiadores, de forma líquida e expressa desde essa data.
Os mesmos Embargantes não diligenciaram pela regularização da situação nem forçaram a entrega do locado, razão pela qual foi feita a notificação judicial avulsa e requerida a insolvência da inquilina.
Quanto à entrega do locado recordam que a declaração de insolvência foi com carácter limitado pelo que a insolvente poderia e deveria proceder á entrega das chaves do locado.
Nestes termos concluem requerendo que seja declarada a validade do titulo executivo dado á execução e que sejam os Embargantes no pagamento aos Embargados dos valores peticionados na execução, acrescido de juros e demais encargos do processo.
Os autos prosseguiram os seus termos, sendo proferido despacho no qual se saneou o processo e se considerou que o processo já reunia todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito.
Assim e nessa conformidade proferiu-se decisão onde se julgaram os embargos improcedentes por não provados e se determinou o prosseguimento da execução.
Os Embargantes vieram interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas alegações.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos embargantes/apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões
1º Impõe-se, aqui saber se o título executivo previsto no actual art.º 14º-A do NRAU abrange o fiador.
2º A notificação prevista no artigo 14º- A do NRAU, além da função de liquidação (até àquele momento), ainda tem uma finalidade relevante que é a de constituir uma derradeira interpelação do arrendatário devedor para que proceda ao pagamento, sob pena de execução.
3º Por conseguinte, justifica-se que não se constitua título executivo contra o fiador porquanto este, após o contrato, não teve qualquer relação com oi senhorio, pelo que seria injustificado confrontá-lo com a existência de uma penhora – na execução soba a forma de processo sumário – sem que, após o contrato, tenha tido qualquer intervenção na formação do título executivo.
4º Sendo também de excluir que se forme título executivo contra o fiador se porventura o senhorio também o notificou nos mesmos termos em que notificou o arrendatário.
5º Com efeito, a notificação ao fiador não está prevista na lei e não estando prevista na lei não pode o tribunal criá-la ou atribuir-lhe valor jurídico, pois está a construir uma norma fora dos casos em que o pode fazer.
6º Estaria a reconstruir (aumentando-lhe o alcance), a norma do artigo 14º-A por interpretação extensiva ou a construir uma nova norma por analogia.
7º Onde se diz «notificação do arrendatário» não é possível inserir aí o fiador, porque o «fiador» não cabe na extensão do conceito «arrendatário», ou entender-se como «notificação do fiador», porque esta também não cabe no conceito «notificação do arrendatário».
Quanto à analogia, seria necessário mostrar a existência de uma lacuna e não se vê que exista lacuna alguma, pois não há no caso dos autos qualquer litígio carecido de resolução entre o senhorio e o fiador, que demande uma solução jurídica só alcançável através da aplicação de uma norma, por analogia, que prevê a criação de um título executivo.
8º É certo que o legislador poderia ter facilitado a tarefa do senhorio se tivesse acrescentado no artigo 14º- A do NRAU a notificação ao fiador, mas não o fez.
9º Por conseguinte, o tribunal não pode por si mesmo determinar que havendo notificação do fiador passa a existir título executivo contra este.
10º Assim, ou a notificação feita ao arrendatário passa a constituir título executivo contra arrendatário e fiador ou então só pode valer contra o arrendatário.
11º Pelas razões já indicadas, entende-se que a notificação prevista no artigo 14º- A do NRAU só permite formar título executivo contra o arrendatário.
12º Foram violados entre outras as seguintes disposições legais 14º- A do NRAU e 703º, alínea d) do NCPC.
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Perante o antes exposto, resulta claro que é a seguinte a questão suscitada no presente recurso:
A existência/inexistência de título executivo válido contra os fiadores aqui apelantes.
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Para apreciar e decidir a questão em apreço importa considerar a seguinte matéria de facto que resulta nomeadamente da certidão junta a fls.46 e seguintes:
- Por acordo escrito datado de 29 de Março de 2012, os oras exequentes deram de arrendamento à empresa F…, Lda. a fracção autónoma designada pela Letra “A” correspondente a uma loja destinada a comércio localizada no rés-do-chão do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, com entradas pelas Rua …, nº..-.. e pela Avenida …, concelho de Paços de Ferreira, inscrita na matriz sob o artigo 2601A;
- A renda mensal inicialmente fixada foi de € 850,00 (clausula 2ª);
- Nos termos da cláusula 13ª, os executados B… e C…, enquanto fiadores obrigaram-se na qualidade de obrigados principais e solidariamente com a arrendatária, renunciando ao benefício de excussão prévia, pelo exacto cumprimento de todas as obrigações da arrendatária emergentes do contrato, vigorando a fiança não só no período inicial, mas também, por todas as suas sucessivas renovações.
- Os exequentes vieram requerer contra a arrendatária e contra os fiadores a Notificação Judicial Avulsa documentada a fls.57 e seguintes dos autos na qual pedem o seguinte:
1º) Que os requeridos tomem conhecimento de que os requerentes consideram resolvido o contrato de arrendamento em apreço, com fundamento na falta de pagamento da renda por período superior a três meses;
2º) Que os requeridos ficam obrigados a proceder, no prazo legal, à entrega do locado, livre de pessoas e bens, no estado em que o receberam;
3º) Que os requeridos devem proceder à liquidação aos requerentes do valor correspondente às rendas vencidas e não pagas, desde Janeiro do ano de 2017 a Outubro de 2018, num total de €23.000,00, acrescidas dos juros à taxa legal, assim como uma indemnização igual ao valor da renda até à efectiva entrega do locado.
O requerido B… foi pessoalmente notificado para este efeito por Agente de Execução e nos termos do disposto no art.º 256º e seguintes do CPC em 04.12.2018.
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Ora como antes já ficou dito, a questão objecto deste recurso é a seguinte:
A de saber se o contrato de arrendamento acompanhado da carta de interpelação ao devedor constitui apenas título executivo contra o arrendatário ou também contra o fiador.
Vejamos:
Segundo o disposto no artigo 14º-A do NRAU, sob a epígrafe “título para pagamento de rendas, encargos ou despesas”: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.
É por demais sabido que antes das alterações operadas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, o NRAU regulava esta matéria no artigo 15º, nº2, no qual se dispunha da seguinte forma:
“O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.”
Todos sabemos da discussão doutrinária e jurisprudencial que se coloca a propósito desta questão.
Assim, alguns consideram que também existe título executivo contra o fiador, conhecendo-se que dentro desta tese há quem entenda como necessário, para haver título executivo, que se mostre comprovada a comunicação ao próprio fiador.
Já para outros bastará a comunicação ao arrendatário.
A argumentação que sustenta este entendimento assenta, fundamentalmente, no regime substantivo da fiança e na ideia de que a fiança tem o conteúdo da obrigação principal cobrindo as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (cf. art.º 634º do Código Civil).
Por isso e salvo se houver estipulação diversa, considera-se ser desnecessária a interpelação dos fiadores.
A este propósito, aponta-se a ideia de que enquanto documento particular que importa a constituição de obrigações pecuniárias, o contrato de arrendamento já seria título executivo, nos termos gerais, contra todas as pessoas obrigadas no mesmo.
Deste modo, a notificação não será necessária para o vencimento da obrigação, destinando-se apenas a conseguir o objectivo de obrigar a uma como que liquidação extrajudicial prévia do montante em dívida, o que não se verifica em relação ao fiador uma vez que, em qualquer circunstância, a medida da sua obrigação é a da obrigação principal.
Daí que se considere que a sua notificação se mostra inútil e desnecessária.
Neste sentido o de que existe título executivo contra o fiador do arrendatário, vão entre outros, os acórdãos desta Relação do Porto de 21.03.2013, processo 8676/09.7TBMAI-A.P1, de 06.03.2018, processo 13535/14.9T8PRT-A.P1 e da Relação de Lisboa de 7.06.2016, processo 5356/12.0TBVFX-B.L1-7 e de 26.09.2019, processo 6298/13.7TBVFX-L1-6, todos em www.dgsi.pt.
Já a outra posição sustenta o entendimento de que o artigo 14.º-A do NRAU não prevê a formação de título executivo contra o fiador do arrendatário.
Assim esta tese fundamenta-se na ideia de que na Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que alterou o NRAU, o legislador se preocupou em retirar este normativo do lugar secundário de último número do artigo 15.º, conferindo-lhe a dignidade de constituir sozinho um preceito autónomo.
A ser assim e conhecendo-se a polémica jurisprudencial e doutrinal que a norma vinha suscitando, a circunstância das alterações introduzidas no seu texto não terem compreendido, como era possível que tivesse acontecido, a tomada de posição expressa sobre tais divergências e a opção pela manutenção da menção exclusiva ao arrendatário (e não, por exemplo, a sua substituição pela referência a “devedor” ou a “obrigado”), pode ser interpretada como um sinal de que para o legislador a norma legal abrange exclusivamente a formação do título executivo contra o arrendatário.
Nesta linha cf. na Doutrina, Rui Pinto Duarte, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013 e Fernando de Gravato Morais que, Cadernos de Direito Privado, n.º 27, pág. 57 e seguintes, e Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano, pág. 76 e seguintes, os quais defendem que não se forma título executivo contra o fiador com o fundamento essencial de que não sendo a norma clara no sentido de incluir o fiador e havendo elementos literais que indiciam que o quis excluir e uma vez que o fiador se encontra numa posição mais débil, não lhe deve corresponder um regime mais agravado do ponto de vista processual, como sucede se inclusivamente se prescindir da notificação dele.
Na jurisprudência cf. entre outros os acórdãos desta Relação do Porto de 24.04.2014, processo 869/13.9YYPRT.P1 e de 02.12.2019, processo 8820/18.3T8PRT-A.P1, ambos em www.dgsi.pt.
Seguindo as considerações que constam do supra citado acórdão desta Relação de 06.03.2018, também nós temos como certo que quanto à fiança se deve considerar o que decorre do disposto nos artigos 627º, nº1 e 634º do Código Civil.
Assim e segundo o primeiro deles, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”.
Por outro lado e de acordo com o segundo, “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”.
A ser deste modo, é correcta a afirmação ali contida e segundo a qual, “a situação do fiador, enquanto executado, é neste contexto, precisamente similar à do próprio arrendatário: ambos figuram no contrato de arrendamento; ambos são responsáveis pelo pagamento das rendas vencidas; de ambos pode o credor senhorio exigir tal pagamento.”
Por isso, também sufragamos o entendimento segundo o qual, a ausência de referência expressa à figura do fiador na letra do artigo 14º-A do NRAU, não pode, só por si, obstar à formação de título executivo contra o garante dada a referida característica dessa obrigação de garantia.
No entanto, deve ser igualmente defendido que só existe título executivo mesmo contra o arrendatário se existir também uma comunicação da dívida exequenda.
Assim e transcrevendo com o respeito que é devido o consignado no referido acórdão, “o título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda, assume uma função delimitadora (por ele se determinam o fim e os limites, objectivos e subjectivos), probatória e constitutiva (artigo 10.º do CPC), estando sujeito ao princípio da tipicidade.
A causa de pedir não se confunde com o título, sendo antes a obrigação exequenda (pressuposto material) nele certificada ou documentada, pelo que a desconformidade objectiva e absoluta entre o pedido e o título situa-se ao nível da inviabilidade por inexistência de título, o que significa a ausência de direito à prestação e consequentemente absolvição, não da instância, mas do pedido (cf., por ex., Castro Mendes, Acção Executiva, pág.7 a 13).
Ao contrário da acção declarativa, a acção executiva não tem lugar perante a mera invocação da violação dum direito; antes pressupõe uma prévia solução sobre a existência e configuração do direito exequendo.”.
Como todos aceitam, para além da certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, condições processuais de exequibilidade intrínseca da pretensão, não pode deixar de ser exigida a verificação de condições ou pressupostos processuais de natureza específica.
E isto porque os mesmos são requisitos de admissibilidade da acção executiva, sem os quais as providências executivas que o tribunal deverá realizar com vista à satisfação da pretensão do exequente não podem ter lugar.
Revertendo todas estas considerações para situações como a dos autos, resulta claro que do ponto de vista substantivo, para que exista título executivo é necessário que haja um contrato de arrendamento e uma dívida, certa, exigível e liquida.
Ou seja, estamos perante condições processuais de exequibilidade intrínseca, sendo certo que aqui a documentação da comunicação ao arrendatário do montante em dívida é um pressuposto processual específico de exequibilidade.
Quanto às modalidades e à formalidade da comunicação entre as partes no contrato de arrendamento importa recordar o que está disposto nos artigos nos artigos 9º e 10º do NRAU.
Assim e segundo as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, é a seguinte a actual redacção do referido art.º 9º:
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
(…) 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.
6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de recepção.
7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do nº2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efectuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do nº1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação”.
Por outro lado é a seguinte a redacção do art.º 10º:
“1 - A comunicação prevista no nº1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais;
b) O aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e actualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14º-A e 15º, respectivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do nº7 do artigo anterior.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do nº1, considera-se a comunicação recebida no 10º dia posterior ao do seu envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do nº7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a recepção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efectuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10º dia posterior ao do seu envio”.
Ora pode ser legítimo questionar a aplicação destas exigências no que toca ao fiador nos casos em que se pretende fazer valor contra si, o título dado à execução.
No entanto, ninguém questiona que nestes casos se mostra essencial a apresentação do contrato de arrendamento onde o fiador intervenha e o documento comprovativo da comunicação a este das rendas em dívida, nos precisos termos em que essa comunicação deve ser feita ao arrendatário.
E isto por ser evidente que o credor/exequente não pode querer exercer o seu direito contra o fiador sem lhe assegurar os mesmos direitos que ao arrendatário.
Tudo porque este, tal como o arrendatário, tem todo o interesse em conhecer em tempo oportuno do incumprimento a fim de, querendo, lhe pôr termo, diligenciando pelo rápido cumprimento da obrigação a que também ele está vinculado.
Regressando ao caso concreto, o que verificamos é o seguinte:
Está provado que os exequentes D… e E…, vieram requerer contra a arrendatária e contra os fiadores B… e C… a Notificação Judicial Avulsa documentada a fls.57 e seguintes dos autos na qual pedem o seguinte:
1º) Que os requeridos tomem conhecimento de que os requerentes consideram resolvido o contrato de arrendamento em apreço, com fundamento na falta de pagamento da renda por período superior a três meses;
2º) Que os requeridos ficam obrigados a proceder, no prazo legal, à entrega do locado, livre de pessoas e bens, no estado em que o receberam;
3º) Que os requeridos devem proceder à liquidação aos requerentes do valor correspondente às rendas vencidas e não pagas, desde Janeiro do ano de 2017 a Outubro de 2018, num total de € 23.000,00, acrescidas dos juros à taxa legal, assim como uma indemnização igual ao valor da renda até à efectiva entrega do locado.
Está igualmente provado que o executado/fiador, B… foi pessoalmente notificado para este efeito por Agente de Execução e nos termos do disposto no art.º 256º e seguintes do CPC em 04.12.2018.
Assim sendo, cabe concluir que nos autos foi dado pontual cumprimento ao legalmente exigido relativamente às formalidades da comunicação em relação aos fiadores.
E por isso, dispõem os exequentes de título executivo válido quanto aos mesmos.
Deste modo, bem decidiu o Tribunal “a quo” quando julgou improcedentes por não provados os presentes embargos de executado e sem mais, determinou o prosseguimento da execução.
Impõe-se por isso confirmar tal decisão.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo dos apelantes/embargantes (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 16 de Dezembro de 2020
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos