SANEADOR-SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
TERRENO
PROPRIEDADE DE IMÓVEL
ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
Sumário

I) Em sede de prolação de despacho saneador, não sendo caso de emissão de despacho de aperfeiçoamento e sendo os factos alegados pelo autor inábeis a deles extrair o efeito jurídico por ele pretendido, o juiz deverá, ainda assim, em princípio, elencar os factos que considere provados. Quanto aos factos não provados, não sendo o seu elenco efetuado, a sua determinação resultará, por ilação ou inferência, a partir do círculo de factos já considerados como assentes.
II) Se o juiz do Tribunal recorrido - considerado estar em condições de conhecer de imediato do mérito da causa - elencou em sede de fundamentação que a genérica alegação factual do autor, nos moldes que reproduziu, mesmo que se viesse a provar, não conduziria à procedência da pretensão do autor, não se verifica a nulidade da al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC no saneador-sentença assim proferido.
III) Não ocorre a nulidade da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC relativamente a pronúncia do Tribunal sobre meios de prova requeridos pelo autor, se o juiz, de harmonia com o princípio da economia processual consagrado no artº 130º do CPC, conhecer, no momento de prolação do despacho saneador, do mérito da causa, por os elementos já constantes do processo conduzirem à improcedência da pretensão do autor, caso em que toda e qualquer produção probatória ulterior seria inútil, por não poder conduzir a diverso resultado.
IV) O conhecimento imediato do mérito no despacho saneador só é legítimo se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes segundo as soluções plausíveis da questão de direito.
V) Tendo o autor invocado que, com a autorização dos então proprietários, numa parcela de terreno (à data registada em nome dos pais da ré) edificou e concluiu, com o seu exclusivo investimento e dinheiro, ainda no estado de civil de solteiro, a construção de uma casa de habitação, de maior valor do que o do terreno, visando ver declarada a propriedade do imóvel, por acessão industrial imobiliária, nos termos do artigo 1340.º, n.º 1, do CC, não se encontra líquida qual a amplitude da autorização concedida pelos pais da ré para a construção da casa de habitação, nem se a mesma estava condicionada de algum modo, o que é decisivo para aferir se o autor ainda atuou no âmbito da autorização que invocou, ou se foi para lá dessa autorização, elemento que poderá sintomatizar a sua má fé na construção que edificava. Trata-se de um aspeto para o qual é necessária a produção probatória, por não consolidado no estado dos autos, pelo que não é possível afirmar que, fosse qual fosse a sua prova, os mesmos conduziriam inelutavelmente à improcedência da ação e, consequentemente, a decisão tomada foi-o, prematuramente.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
*
PM…, identificado nos autos, instaurou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra SC…, também identificada nos autos, pedindo:
“a) ser a Ré condenada a reconhecer o direito de compropriedade do A. na parcela de terreno com a área de 960m2, sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, concelho de Torres Vedras, a confrontar do norte e poente com FF…, Sul com CF… e nascente com rua, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e atualmente casa de habitação de cave e rés do chão e logradouro inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º da freguesia de Maceira, com o valor patrimonial atual de 130 000,00€ ;
b) em consequência promovendo-se ao cancelamento da inscrição predial n.º … de 2009/06/17 com aquisição exclusiva a favor da Ré SC…, por doação de seus pais CF… e GR…, por forma a fazer constar nova inscrição predial com aquisição em comum a favor de SC… e PM….
c) ser a Ré condenada a reconhecer a titularidade exclusiva do A. nas construções e obras mandadas executar e pagas pelo A. com dinheiro da sua exclusiva propriedade naquela parcela de terreno da propriedade do A. e da Ré, atual casa de habitação de cave e rés do chão, e que importaram ao A. á data de 1996 e 1997 o custo de obra de 15 180 981$00, o valor correspondente de 75 722,41€ e as quais, á data atual, teriam um custo de valor de 115000,00€ ou conforme o valor a ser decretado pela perícia;
d) ser a Ré condenada a pagar ao A., a titulo de benfeitorias úteis e indemnização com base no instituto do enriquecimento sem causa, do valor de mais valia das construções e moradia por si mandadas executar e pagas no valor de 115 000,00€;
Subsidiariamente,
A) ser declarada procedente a aquisição pelo A., por via do instituto da acessão industrial imobiliária e incorporação naquela parcela de terreno das construções e obras mandadas executar pelo A. e designadamente uma casa de habitação de cave, res do chão, sótão e logradouro, de boa fé e com autorização dos legítimos proprietários, em terreno alheio, da totalidade daquela parcela de terreno com a área de 960m2, sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, concelho de Torres Vedras, a confrontar do norte e poente com FF…, Sul com CF… e nascente com rua, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e atualmente casa de habitação de cave e rés do chão e logradouro inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º da freguesia de Maceira, com o valor patrimonial actual de 130 000,00€, pagando o A. o justo valor pela parcela de terreno incorporada e pelo valor que esta tinha antes da data da incorporação, a fixar por perícia, com o consequente cancelamento da inscrição a favor da Ré SC…, por doação, pela AP … de 17/06/2009 e averbada a inscrição da totalidade do imóvel a favor de PM…, por acessão industrial imobiliária”.
Para tanto, o autor alegou que foi casado com a autora e que os pais da ré, em virtude do planeado casamento, fizeram a promessa de doação ao futuro casal do terreno onde viria a ser construída a casa de morada de família, sendo que, os custos da construção dessa casa foram integralmente suportados pelo autor.
*
A ré contestou impugnando quanto à invocada doação e que tivesse sido o autor a arcar com a totalidade dos custos de construção da casa de morada da família, tendo deduzido reconvenção pedindo a entrega da casa ou o pagamento de uma quantia a título de renda, no valor total de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), sendo respectivamente:
“a) € 13.000,00 (treze mil euros), pela renda da casa que esta terá de suportar e pelos móveis e equipamentos que esta terá de comprar.
b) € 15.000,00 (quinze mil euros), pela litigância de má-fé, ao fazer um uso abusivo do processo invocando uma pretensão que sabe que não tem fundamento e ao deturpar conscientemente a verdade dos factos”.
*
O autor replicou concluindo pela improcedência das excepções deduzidas pela ré e pela improcedência dos pedidos deduzidos pela ré na sua, “designadamente dos pedidos reconvencionais deduzidos pela renda da casa que esta terá de suportar pelos móveis e equipamentos que esta terá de comprar bem como da litigância de má fé”.
*
No âmbito de audiência prévia, que teve lugar em 02-10-2019, foi proferido despacho saneador tabelar a julgar verificados os pressupostos processuais e foi decidido rejeitar o pedido reconvencional, por se tratar “de uma questão relativa à casa de morada de família cuja regulação foi expressamente acordada no âmbito do processo de divórcio do Autor e da Ré, conforme consta da acta de fls. 31 e 32 dos autos. A atribuição exclusiva da casa à Ré só pode ser apreciada no âmbito desse processo, sendo que até à presente data prevalece o que foi acordado”.
Então foi ainda proferido o seguinte despacho:
“Consideramos que os pedidos formulados na PI sob as alíneas a), b), c) e A) podem, desde já, ser apreciados no sentido da improcedência.
Tal resulta, quanto aos pedidos das alíneas a), b) e c), da circunstância não haver qualquer fundamento para a existência da invocação da compropriedade uma vez que a invocação da promessa de doação, ainda que tivesse existido, não pode ser fundamento para a aquisição válida do direito que se pretende ver declarado.
Quanto ao pedido formulado na alínea A), consideramos que o instituto da acessão industrial imobiliária não se aplica à construção, por um dos cônjuges, da casa de morada de família em terreno ao tempo pertencente ao outro cônjuge, casa essa que efectivamente viria após a construção a constituir a casa de morada de família no decurso do casamento.
Nos termos no nº 3 do artº 3 do CPC convido as partes a pronunciarem-se sobre este entendimento do Tribunal que será efectuado da seguinte forma:
- o Autor tem 10 dias para se pronunciar e,
- a Ré tem 10 dias após a notificação da pronúncia do Autor”.
*
Na sequência, ambas as partes se pronunciaram, nada argumentando de novo relativamente ao que já constava dos articulados.
*
Após, foi proferido despacho saneador-sentença, em 20-11-2019, cujo dispositivo é do seguinte teor:
“Face ao exposto, julgo improcedentes os seguintes pedidos:
a) ser a Ré condenada a reconhecer o direito de compropriedade do A. na parcela de terreno com a área de 960m2, sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, concelho de Torres Vedras, a confrontar do norte e poente com FF…, Sul com CF… e nascente com rua, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e atualmente casa de habitação de cave e rés do chão e logradouro inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º da freguesia de Maceira, com o valor patrimonial atual de 130 000,00€ ;
b) em consequência promovendo-se ao cancelamento da inscrição predial n.º … de 2009/06/17 com aquisição exclusiva a favor da Ré SC…, por doação de seus pais CF… e GR…, por forma a fazer constar nova inscrição predial com aquisição em comum a favor de SC… e PM….
c) ser a Ré condenada a reconhecer a titularidade exclusiva do A. nas construções e obras mandadas executar e pagas pelo A. com dinheiro da sua exclusiva propriedade naquela parcela de terreno da propriedade do A. e da Ré, atual casa de habitação de cave e rés do chão, e que importaram ao A. á data de 1996 e 1997 o custo de obra de 15 180 981$00, o valor correspondente de 75 722,41€ e as quais, á data atual, teriam um custo de valor de 115 000,00€ ou conforme o valor a ser decretado pela perícia;
A) ser declarada procedente a aquisição pelo A., por via do instituto da acessão industrial imobiliária e incorporação naquela parcela de terreno das construções e obras mandadas executar pelo A. e designadamente uma casa de habitação de cave, rés do chão, sótão e logradouro, de boa fé e com autorização dos legítimos proprietários, em terreno alheio, da totalidade daquela parcela de terreno com a área de 960m2, sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, concelho de Torres Vedras, a confrontar do norte e poente com FF…, Sul com CF… e nascente com rua, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e atualmente casa de habitação de cave e rés do chão e logradouro inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º da freguesia de Maceira, com o valor patrimonial atual de 130 000,00€, pagando o A. o justo valor pela parcela de terreno incorporada e pelo valor que esta tinha antes da data da incorporação, a fixar por perícia, com o consequente cancelamento da inscrição a favor da Ré SC…, por doação, pela AP … de 17/06/2009 e averbada a inscrição da totalidade do imóvel a favor de PM…, por acessão industrial imobiliária,
Deles absolvendo a ré do pedido.
Custas nesta parte pelo autor (artº 527º/1 e 2 do CPC), cuja proporção será fixada a Final (…)”.
*
Não se conformando com a referida sentença, dela apela o autor, formulando as seguintes conclusões:
“1- Na presente acção veio o A. pedir ao Tribunal:
e) que fosse a Ré condenada a reconhecer o direito de compropriedade do A. na parcela de terreno com a área de 960m2, sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, concelho de Torres Vedras, a confrontar do norte e poente com FF…, Sul com CF… e nascente com rua, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e actualmente casa de habitação de cave e rés do chão e logradouro inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º da freguesia de Maceira, com o valor patrimonial actual de 130 000,00€ ;
f) em consequência promovendo-se ao cancelamento da inscrição predial n.º … de 2009/06/17 com aquisição exclusiva a favor da Ré SC…, por doação de seus pais CF… e GR…, por forma a fazer constar nova inscrição predial com aquisição em comum a favor de SC… e PM….
g) seja a Ré condenada a reconhecer a titularidade exclusiva do A. nas construções e obras mandadas executar e pagas pelo A. com dinheiro da sua exclusiva propriedade naquela parcela de terreno da propriedade do A. e da Ré, actual casa de habitação de cave e rés do chão, e que importaram ao A. á data de 1996 e 1997 o custo de obra de 15 180 981$00, o valor correspondente de 75 722,41€ e as quais, á data actual, teriam um custo de valor de 115 000,00€ ou conforme o valor a ser decretado pela perícia;
h) seja a Ré condenada a pagar ao A., a titulo de benfeitorias úteis e indemnização com base no instituto do enriquecimento sem causa , do valor de mais valia das construções e moradia por si mandadas executar e pagas , no valor de 115 000,00€;
Subsidiariamente,
B) seja declarada procedente a aquisição pelo A., por via do instituto da acessão industrial imobiliária e incorporação naquela parcela de terreno das construções e obras mandadas executar pelo A. e designadamente uma casa de habitação de cave, res do chão, sótão e logradouro, de boa fé e com autorização dos legítimos proprietários, em terreno alheio, da totalidade daquela parcela de terreno com a área de 960m2, sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, concelho de Torres Vedras, a confrontar do norte e poente com FF…, Sul com CF… e nascente com rua, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e actualmente casa de habitação de cave e rés do chão e logradouro inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º da freguesia de Maceira, com o valor patrimonial actual de 130 000,00€, pagando o A. o justo valor pela parcela de terreno incorporada e pelo valor que esta tinha antes da data da incorporação, a fixar por perícia, com o consequente cancelamento da inscrição a favor da Ré SC…, por doação, pela AP … de 17/06/2009 e averbada a inscrição da totalidade do imóvel a favor de PM…, por acessão industrial imobiliária;
2- O A. fundamentou o seu pedido conforme articulado da petição inicial e alegando em suma que:
1- com vista ao casamento entre o A. e a Ré. os pais da Ré fizeram promessa de doação ao casal de uma parcela de terreno com a área de 960m2, sita no Casal Monte Bom, Maceira, proveniente em parte do prédio rustico inscrito sob o artigo … da secção L, inscrito na matriz sob o artigo …º da freguesia de Maceira, actual casa de habitação do A. - artigo urbano …º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob a ficha n.º … da freguesia de A-dos-Cunhados.
2 - os pais da Ré procederam á efectiva entrega do imóvel ao casal (A. e Ré) existindo verdadeira “traditio” do imóvel e daquela parcela de terreno com a área de 960m2 a favor do casal.
3- Com base nessa promessa e legitima expectativa de titularidade da parcela de terreno e ainda no estado civil de solteiro e antes do casamento com a Ré. Investiu todo o seu dinheiro próprio que tinha auferido pelo seu trabalho antes do casamento e por doação de seus pais na construção de uma moradia naquela dita parcela de terreno que viria a ser a casa de morada da família após o casamento com a Ré celebrado á data de 6 de Setembro de 1997 e no regime da comunhão de bens adquiridos.
4- Esse dinheiro da titularidade exclusiva do A. e com o qual este construiu a casa de habitação onde veio a residir o casal e os filhos adveio á sua titularidade pelas remunerações auferidas primeiro como aprendiz e depois como canalizador desde os seus 13 anos de idade e também na agricultura em terrenos da família aos fins de semana e férias e lucros das colheitas agrícolas levando desde então uma vida de trabalho e poupança sempre com o objectivo de construção de casa própria vivendo em casa dos pais e em economia em comum com estes até á idade de 28 anos, ano de 1997 em que contraiu casamento com a Ré.,
5- Ao longo de vários anos o A. angariou cerca de 15 000 000$00, o correspondente a cerca de 75 000,00€ , valores em dinheiro depositados ao longo de anos na conta bancária da qual é titular na agência da Caixa de Credito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, agência de A-dos-Cunhados, constituindo tais valores em depósito dinheiro da sua exclusiva titularidade, auferido antes do casamento e da vida em comum com a Ré.
6 - E foi com esse dinheiro da sua exclusiva titularidade que o A. custeou na globalidade a construção da sua casa de habitação naquela parcela de terreno e tudo com autorização e consentimento dos pais da Ré os quais eram á data titulares do direito de propriedade daquela parcela de terreno e na convicção de ser proprietário legítimo daquela parcela de terreno.
7 - A construção da moradia teve lugar nos anos de 1996 e 1997, concluída antes da data do casamento á data de 6 de Setembro de 1997.
8- O A. contratou e pagou os serviços do arquitecto JJ… e do engenheiro civil AM… a fim de apresentar desenho e projecto de arquitectura e responsabilidade pela obra, o que sucedeu tendo pago o valor de 280 000$00 a estes profissionais.
9- E como a dita parcela de terreno ainda se encontrava registada em nome dos pais da Ré porquanto aguardava revisão do Plano Director Municipal para autorizar destaque do prédio original o projecto de licenciamento deu entrada na Câmara Municipal de Torres Vedras em nome da mãe da Ré – GR… - processo de obras inicial n.º …/… com licença de construção n.º … de 1/07/1996.
10- O A. pagou ainda todas as despesas burocráticas exigíveis com o dito licenciamento de obra designadamente publicação de alvará e livro de obra – 1650$00 e licença de construção da obra no valor de 226 600$00.
11- Foi o A. quem contratou e pagou todos os vários construtores/empreiteiros/fornecedores e trabalhos executados na dita moradia e que mandou construir, toda ela construída sob a orientação do empreiteiro geral da obra FA…, construtor civil, e trabalhos pagos com dinheiro próprio seu e da sua exclusiva propriedade, e designadamente os trabalhos seguintes:
12 - trabalhos de terraplanagem, marcação da obra, abertura de fundações e remoção das terras executados por JC… do lugar do Vimeiro (vulgo Pulgão) a que pagou o valor de 63 750$00 (Doc.6) e ÓF… a quem pagou 280 000$00
13 - materiais e trabalhos de construção civil contratados a FA…, pedreiro de construção civil , e designadamente os trabalhos de enchimento das fundações, elevação das paredes interiores e exteriores e lages do tecto da cave, do piso terreo e sótão; execução da cobertura e respectivos isolamentos; assentamentos de cantarias e rebocos exteriores; rebocos interiores, assentamento de azuleijos e pavimentos; assentamento de caixilharias,
14- - em tais materiais (cimento, areias, saibo, cascalho, isolamentos, madeiras de cofragem, telhas, telhas de beirada, telhões, sapatas, ferro, isolamento do telhado, tuvenam, malha , tijolos, vigas, mosaicos, pisos ) e trabalhos de construção civil (mão de obra de pedreiros e de serventes , aluguer de betoneira) os seguintes valores de registo: - 164738$00 á data de 21.7.1996 ; - 2447363$00 á data de 4.10.1996 ; - 804650$00 á data de 3.11.1996 ; - 1175415$00 á data de 8.11.1996 ; - 1146490$00 á data de 31.01.1997 ; - 433700§00 á data de 16.02.1997; - 410000$00 á data de 12.06.1997; - 1109680$00 á data de 4.8.1997 ; - 702000$00 á data de 1.8.1997, num total pago ao empreiteiro geral da obra de 8394036$00. ( Doc.7 a 15 )
15 - o A. executou vários outros trabalhos de construção civil na moradia, indiferenciados, ele próprio sozinho ou com o auxilio de seu irmão e padrinho JP… entre agosto de 1996 e agosto de 1997 , no final dos dias de trabalho ou fins de semana, num total de horas em mão de obra que não consegue precisar mas que cifra em pelo menos 300 000$00 , adquirindo os respectivos materiais de construção na empresa “Anacleto&Fernandes, Lda.” sita na Rua D. Manuel II, n.º 30. A-dos-Cunhados, e pelos quais pagou, a titulo de exemplo 31.7.1997 – 15 594$00, 16.8.1997 – 20 136$00, 30.08.1997 – 2744$00, 23.8.1997 – 6387$00(Doc. 16 a 19 )
16 -o A. contratou os serviços de estuque para a sua casa de habitação á empresa “Estucolar – Sociedade de Estucadores, Lda.” e pagou pelos seus serviços o valor de 1680 000$00 para estucar a casa de habitação e 130 000$00 para esticar a garagem. (Doc. 20)
17 - O A. adquiriu ainda na Pedro & Mantovani, SA. os mosaicos/pavimentos e ladrilhos, loiças sanitárias, para Wc e cozinha que aplicou na moradia , pagando o valor total de 549 427$00 em 3 faturas de 534 942$00; 8563$00 e 5922$00 (Doc. 21,22 e 23)
18-E o A. adquiriu para a sua moradia em todas as cantarias e pedras para cantarias das janelas, degraus, varandas, pedra da cozinha, encomendou e pagou o A o valor de 560000$00.
19- o A. contratou os serviços de electricidade e toda a instalação eléctrica ao Sr. AMa… da Maceira e pagou o valor de 480 000$00
20- nos serviços de canalização e em material de canalização, esgotos interiores, canalizações exteriores, esgotos exteriores, loiças sanitárias e mobília de casa de banho, termoacumulador, gastou o A á data de 6.10.1997 os valores de 99 160$00 e de 437 747$00. (Doc. 24 e 25 ) e de mão de obra 380000$00.
21 - O A. pagou ainda todas as caixilharias á empresa Aluvista Caixilharia de Alumínio e Ferro, Lda., no valor de 250 000$00 bem como nos vidros das janelas gastou o valor de 52 000$00.
22-O A. pagou ainda todos os restantes trabalhos de acabamentos de envernizamento de todas as madeiras, pinturas interiores e exteriores da moradia no valor total de 1780 000$00.
23-Todos os descritos materiais e trabalhos foram pagos em exclusivo pelo A. e com dinheiro próprio e da sua exclusiva propriedade e através de cheque emitidos através da Caixa Agrícola de Torres Vedras, agência de A-dos-Cunhados, conta bancária pessoal de solteiro, com depósito de valores em escudos auferidos ainda em solteiro e da sua titularidade exclusiva.
24 - e no valor global de cerca e aproximadamente de 15 180 981$00, valor de construção á data de 1996 e 1997, data da construção da referida moradia/casa de habitação/obra, o valor correspondente de 75 722,41€
25- O A. mandou executar tais construções e obra - a casa de habitação , garagem e muros de vedação, com vista ao casamento com a Ré, o qual veio a acontecer á data de 6.9.1997
26- e sempre o A. teve a legitima expectativa de ser proprietário daquela parcela de
terreno que seus sogros haviam prometido doar ao casal e cuja posse que entregaram ao casal.
27 - Tendo o A. exercido actos de posse plena na firme convicção de ser seu legitimo proprietário, à vista de toda a gente e sem a oposição de quem quer que seja, pagando a respectiva contribuição autárquica.
28- E tanto assim é e corresponde á verdade o alegado pelo A. que a própria Ré, no seu divórcio por mútuo consentimento, no processo n.º …/…T8TVD que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Família e Menores de Torres Vedras e por sentença de divórcio homologada á data de 26 de Setembro de 2017 e já transitada em julgado veio declarar e requerer homologação do acordo de relação de bens comuns do casal, e conforme em acta e diligência judicial, que a casa de morada da família sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, Torres Vedras, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º constituía bem comum do casal
29- Que, não obstante, a Ré alega nesta data que a casa de habitação mandada construir e paga pelo A é da exclusiva propriedade da Ré porquanto a parcela de terreno lhe foi doada em exclusivo conforme escritura de doação beneficiando da presunção que o registo predial lhe confere na titularidade exclusiva do prédio perante terceiros e em prejuízo do A.
30- Pretende pois o A. ver reconhecido o seu direito de compropriedade na parcela de terreno com a área de 960m2, sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, concelho de Torres Vedras, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º da freguesia de Maceira.
31- Pelo que a final veio peticionar:
- a rectificação da escritura de doação outorgada a 29 de Maio de 2009 no sentido de ai fazer constar doação a favor de seu genro PM… e sua filha SC… ao invés de doação a sua filha SC…, casada com PM…;
- o cancelamento da inscrição predial n.º … de 2009/06/17 com aquisição exclusiva da Ré SC… , por doação de seus pais CF… e GR…, por forma a fazer constar aquisição em comum a favor de SC… e PM….
- a rectificação matricial do actual artigo …º junto da Autoridade Tributária e Serviço de Finanças no sentido de aí figurar como titulares do imóvel o A. na proporção de metade para cada um A. e Ré do imóvel em apreço.
32 – Alega ainda o A. que constitui bem próprio do A. as construções e moradia mandadas executar naquela dita parcela de terreno e pagas pelo A. com dinheiro próprio deste e da sua exclusiva titularidade, antes do casamento, em prédio da titularidade de ambos os membros do casal, A. e Ré.
33- Construções e moradia que importaram ao A. um custo de obra á data de 1996 e 1997 de aproximadamente 15 180 981$00, data da construção da referida moradia/casa de habitação/obra, o valor correspondente de 75 722,41€, obras descritas e que á presente data teriam um custo orçamentado em 115 000,00€.
34-Tais construções e moradia encontram-se incorporadas na parcela de terreno em referência e tratando-se de construções em ferro, vigas, tijolo e cimento não é possível o seu levantamento ou retirada sem trabalhos de demolição ou em grave prejuízo do valor do imóvel ou detrimento da coisa não sendo pois possível a restituição de tais benfeitorias ao A.
35 - Tratando-se de benfeitorias uteis, incorporadas naquela parcela de terreno, construídas e executadas com dinheiro próprio do A. e portanto seu bem próprio e exclusivo, não sendo possível o seu levantamento sem deterioração da coisa,
36-benfeitorias úteis que conferem ao imóvel/parcela de terreno um grande aumento de valor, o qual se cifra em 115 000,00€ pelo que, não sendo possível a sua restituição ao A. deve pagar ao A. o respectivo aumento de valor que tais construções/obras/moradia trouxeram ao terreno, o correspondente ao valor do enriquecimento que tais construções/obras/moradia proporcionaram ao terreno, e que se cifra em 115 000,00€ no valor actual de mercado.
37-sendo certo que todo o investimento das ditas construções e moradia foram efectuadas á custa do património pessoal e financeiro exclusivo do A. conforme acima em referência que passou cerca de 15 anos da sua juventude a trabalhar e a poupar em exclusivo para a construção desta casa de habitação.
38 -Verificando-se um grande enriquecimento e vantagem económica do património da Ré com a construção da moradia pelo A. naquele valor de 115 000,00€ sem que a Ré tivesse contribuído para essa situação,
39- á custa do empobrecimento e do património do A. nesse valor de 115 000,00€ porquanto deixou o A. de fazer investimento noutro imóvel que lhe garantisse uma casa de habitação á presente data, para investir todo o seu dinheiro naquela propriedade e sendo certo que como é do conhecimento geral tem sido imensa a especulação imobiliária relativa a imóveis de habitação, e naquele local e concelho de Torres Vedras, tal significando que o A. á data de 1996 com aquele valor de 15000000$00 teria adquirido uma casa de habitação com determinadas características de qualidade que actualmente não compra com aquele mesmo valor,
40- para além dos valores de correcção monetária de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e índice de preços no consumidor no qual o valor gasto pelo A. àquela data de 1996/1997 de cerca de 15 000 000$00, o equivalente a 75000,00€, corresponde á data de final do ano de 2017 a 115 000,00€, valor esse que o A. reclama.
Tudo de acordo com o instituto do enriquecimento sem causa nos termos do disposto no artigo 1273º do Código Civil.
Subsidiariamente alegou e pediu o A;
41 - Improcedendo o reconhecimento do direito de compropriedade do A. na identificada parcela de terreno e verificando-se que, á data da construção e da obra mandada executar e paga pelo A. e designadamente á data da incorporação da obra e construção a dita parcela de terreno era de propriedade alheia e de nenhum dos membros do casal mas sim dos pais da Ré CF… e GD… os quais posteriormente e anos mais tarde vieram formalizar doação á Ré.
42- Donde resulta verificar-se o instituto da acessão industrial imobiliária nos termos do disposto no artigo 1325º e ss. do Código Civil com todas as legais consequências dai advenientes
43- À data de 1996 e 1997 o A., de boa fé e com autorização dos legítimos proprietários construiu, antes do casamento com a Ré, com dinheiro da sua exclusiva propriedade, uma casa de habitação em terreno alheio.
44 - Constitui bem próprio do A. a casa de habitação mandada executar e paga pelo A. com dinheiro da sua exclusiva titularidade no valor investido em 1996/1997 pelo A. de pelo menos 15 180 981$00, data da construção da referida moradia/casa de habitação/obra, o valor correspondente de 75 722,41€.
45 - E dispõe o artigo 1340 nº 1 do Código Civil que se alguém tiver um terreno e outra pessoa construir, nesse terreno, de boa fé, uma moradia, essa pessoa que constrói poderá adquirir a propriedade do terreno, por via da acessão e ainda,
46 - “Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a totalidade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações”.
47 - Pelo que, procedendo a avaliação pericial das construções e obras mandadas executar e pagas pelo A. com dinheiro próprio e da sua exclusiva titularidade, bem como fazendo avaliação do terreno onde tais construções e obras foram implantadas e designadamente na parcela de terreno em referencia e entretanto doada em exclusivo á Ré,
48 -verificando-se maior valor das construções mandadas executar e pagas pelo A em comparação àquela parcela de terreno entretanto doada em exclusivo á Ré, pode o A. fazer sua a dita parcela de terreno pagando o seu valor antes de incorporadas as ditas construções.
3 - A Ré veio apresentar Contestação alegando em suma e no que ao presente recurso diz respeito:
1º - que os pais da Ré nunca fizeram promessa de doação do terreno ao casal.
2º- que foram os pais da Ré quem iniciou a construção da casa, em data anterior à do casamento do autor e da ré. o qual ocorreu em 6.9.1997, e que posteriormente fizeram doação exclusiva da casa de habitação á Ré á data de 17.06.2009, 12 anos após o casamento celebrado entre o A. e a Ré.
3º- que no que respeita ás benfeitorias o A. colaborou com o pagamento de algumas despesas na construção da casa e após o casamento com a Ré. ou seja, após a data de 6.9.1997;
4º - que no âmbito do seu divórcio por mútuo consentimento que correu termos sob o n.º …/…T8TVD no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Família e Menores de Torres Vedras a relação de bens comuns do casal homologada pela Meritíssima Juíza que presidiu á diligência consta erradamente (??????? Nossa interrogação) que a casa morada de família é um bem comum.
4º O A. veio apresentar Réplica, repetindo a posição assumida na sua petição inicial.
5 - Em sede de audiência previa considerou o Tribunal a quo estarem reunidas as necessárias condições para apreciação dos pedidos formulados pelo A. no seu articulado da petição inicial nas suas alíneas a), b), c) e A) que podiam desde logo ser apreciados no sentido da improcedência justificando a breve trecho que ( sic a fls –dos autos em referência)
“quanto aos pedidos das alíneas a), b) e c), da circunstância não haver qualquer fundamento para a existência da invocação da compropriedade uma vez que a invocação da promessa de doação, ainda que tivesse existido, não pode ser fundamento para a aquisição válida do direito que se pretende ver declarado. “
“ Quanto ao pedido formulado na alínea A), consideramos que o instituto da acessão industrial imobiliária não se aplica à construção, por um dos cônjuges, da casa de morada de família em terreno ao tempo pertencente ao outro cônjuge, casa essa que efectivamente viria após a construção a constituir a casa de morada de família no decurso do casamento.“
6 - Em sede de cumprimento do principio do contraditório - nº 3 do artº 3 do CPC – foram as partes convidadas a pronunciarem-se sobre o entendimento do Tribunal a quo tendo o A. respondido reforçando a sua tese explanada na petição inicial dizendo:
1.Á data de 1996 e 1997, devidamente autorizado para o efeito e de boa fé, e com base numa promessa verbal de doação, o A. mandou construir no prédio pertença de GR… e marido CF…, pais da Ré, e a suas expensas e com dinheiro próprio , a casa de habitação identificada nos autos.
2. Tendo gasto e investido á época em terreno alheio de terceiros – GR… e marido CF… á data de 1996 e 1997 a quantia de 15 000 000$00.
3. O A. e a Ré casaram á data de 6.9.1997 e no regime da comunhão de bens adquiridos conforme doc.1 da petição inicial.
4. A data de 29 de Maio de 2009 – cerca de 12 anos após a construção da casa de habitação pelo A. – os ditos terceiros, fazendo tábua rasa do investimento e gastos do A., procederam a doação exclusiva á Ré da dita casa de habitação e que não lhes pertencia por escritura de doação.
7 - A final, decidiu o Tribunal a quo conhecer parcialmente o pedido do A. e relativamente a esta matéria proferir sentença, objecto do presente recurso, e a qual foi julgar improcedentes os seguintes pedidos deduzidos pelo A. absolvendo a ré dos pedidos deduzidos nas alíneas a), b) e c) do articulado da sua petição inicial e do pedido subsidiário alínea A) do mesmo articulado.
8 -O objecto do presente recurso é toda a decisão final promovida pelo Tribunal a quo que declarou improcedente os pedidos deduzidos pelo A.
9 - Entende o A. que, perante a matéria em litigio na presente acção judicial , a qual é extensa e de grande complexidade e na jurisprudência com posicionamentos tão díspares - matérias suscitadas e relacionadas com direito de  propriedade/compropriedade; regime de enriquecimento sem causa, regime das benfeitorias, e acessão industrial imobiliária - os pedidos alternativos e subsidiários
deduzidos pelo A. no final da sua petição inicial, toda a contradita apresentada pela Ré na sua contestação que veio negar todo o alegado pelo A., do saneador sentença não resulta com clareza qual a matéria, daquela elencada nos articulados apresentada pelas partes, que o Tribunal a quo considerou dada como provada e não provada que fundamente de forma fática e de direito a decisão de mérito proferida pelo Meritíssimo Juiz.
10- Essa falta de fundamentação do saneador sentença do qual se recorre fere de nulidade a decisão de mérito proferida nos termos do disposto no art.615º, al.b) – falta de fundamentação - e d) – omissão de pronúncia - , do Código Processo Civil.
11 - Nulidades que aqui se invoca e se pretende ver atendida, revogando-se a decisão proferida quanto à falta de fundamentação da decisão proferida, com todas as devidas consequências legais e designadamente conduzindo à anulação do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão.
12 -No articulado da sua petição inicial o A. elaborou vários pedidos alternativos e subsidiários, fez a descrição factual dos factos que pretendia ver provados em julgamento, tendo a Ré feito a sua contradita apresentando versão distinta.
13 - O A. apresentou prova documental substancial assim como requereu prova pericial, para além de ter requerido que o Tribunal oficiasse a entidades bancárias novas provas documentais.
14 - Nada do peticionado pelo A. foi apreciado existindo no caso omissão de pronuncia nos termos do disposto no art.615º, al. d) – omissão de pronúncia - , do Código Processo Civil que traduz nulidade processual e que conduz á revogação do saneador sentença proferido nos autos que padece desse vício.
15 - O ora Recorrente não se conforma com o saneador sentença, entendendo que o mesmo padece de vícios vários de análise erro de julgamento, desde logo no que à decisão proferida sobre a matéria de facto diz respeito a qual ela própria, apurada sem a produção de prova deduzida pelo A. no seu requerimento probatório é manifestamente insuficiente para a decisão proferida.
16 - E também face à inexistência de qualquer referência a factos não provados, é manifesto que o Tribunal a quo incumpriu o dever de fundamentação imposto por lei a qualquer decisão - cfr.art.607º, nº 4 do C.P.C. e art.205º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, o que, desde logo, implica também ela a nulidade da mesma;
17 - Porquanto tendo desaparecido do Código de Processo Civil a elaboração da base instrutória, relegando-se para a decisão final a fixação da matéria de facto, nem por isso deixa o Tribunal de ter que consignar todos os factos provados e não provados relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que tenha que considerar-se controvertida, não lhe sendo lícito consignar apenas os factos que relevem para a solução jurídica que preconiza para o caso concreto, sob pena de a decisão ser incompreensível para as partes e impossível de sindicar pelos tribunais superiores -cfr. art.607º, nº 3, 4 e 5 do C.P.C..
18 -O que, como acima referido, torna a decisão recorrida ininteligível, desde logo quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, motivo pelo qual não se poderá manter – cfr. artigo 615º nº 1 alinea c) e art.662º, nº 1 do C.P.C., igual motivo de nulidade do saneador sentença, e que se invoca.
19º De igual forma o recorrente não se conforma com a apreciação de mérito proferida pelo Meritíssimo Juiz á quo quanto á declaração de improcedência dos pedidos objecto do presente recurso nem tão pouco compreende a liminar apreciação da matéria de facto invocada em sede de saneador sentença e sem a produção da demais prova requerida pelo A. considerando-se totalmente injustiçado no caso porquanto lhe está a ser negada a possibilidade de apresentar em sede de julgamento as suas pretensões bem como apresentar a sua prova que as fundamente quer de facto quer de Direito tais pretensões, e que lhe foi negado o direito á Justiça e a igual tratamento de partes no presente processo judicial encontrando-se violado o princípio da igualdade das partes previsto no artigo 3º-A do Código de Processo Civil que consiste em as partes serem colocadas em perfeita paridade de condições, desfrutando de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida.
20 - Assim como não compreende o A. a decisão de mérito sem mais aprofundada apreciação e fundamentação da matéria dada como provada e não provada.
21- E ainda especificando:
I – Quanto á improcedência do pedido da alínea a) e da alínea b) deduzido pelo A:
a) que fosse a Ré condenada a reconhecer o direito de compropriedade do A. na parcela de terreno com a área de 960m2, sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, concelho de Torres Vedras, a confrontar do norte e poente com FF…, Sul com CF… e nascente com rua, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e actualmente casa de habitação de cave e rés do chão e logradouro inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o  artigo matricial …º, proveniente do artigo …º da freguesia de Maceira, com o valor patrimonial actual de 130 000,00€;
b) em consequência promovendo-se ao cancelamento da inscrição predial n.º … de 2009/06/17 com aquisição exclusiva a favor da Ré SC…, por doação de seus pais CF… e GR…, por forma a fazer constar nova inscrição predial com aquisição em comum a favor de SC… e PM….
22- Fundamenta o Tribunal a quo a sua decisão no seguinte:
- que a invocada promessa verbal de doação efectuada pelos pais da Ré não confere qualquer efeito translativo do direito de propriedade previsto no artº 954º do CCivil, pois na realidade não existiu doação e, ainda que existisse não foi posteriormente sujeita á devida formalidade pelo que nula - artº 947º/1 do CCivil, na versão em vigor à data em que o autor alega que a doação foi feita (anterior à alteração decorrente do DL nº 116/2008, de 04.07) e que foi antes do casamento que se realizou em setembro de 1997, tal doação apenas seria válida se fosse celebrada por escritura pública, o que não sucedeu – seria pois nula por falta de forma – artigos 220º Código Civil, não produzindo efeitos e sendo tal nulidade de conhecimento oficioso do tribunal (artº 286º do CCivil).
- conclui o Tribunal a quo que não pode o autor , pelo motivo exposto, sustentar o invocado direito.
23- II – Quanto á improcedência do pedido da alínea c) deduzido pelo A:
c) seja a Ré condenada a reconhecer a titularidade exclusiva do A. nas construções e obras mandadas executar e pagas pelo A. com dinheiro da sua exclusiva propriedade naquela parcela de terreno da propriedade do A. e da Ré, actual casa de habitação de cave e rés do chão, e que importaram ao A. á data de 1996 e 1997 o custo de obra de 15180981$00, o valor correspondente de 75722,41€ e as quais, á data actual, teriam um custo de valor de 115 000,00€ ou conforme o valor a ser decretado pela perícia;
24 - Não compreende o A. qual a fundamentação para o tribunal a quo declarar improcedente este seu pedido
25 - III- Quanto á improcedência do pedido subsidiário da alínea A):
- seja declarada procedente a aquisição pelo A., por via do instituto da acessão industrial imobiliária e incorporação naquela parcela de terreno das construções e obras mandadas executar pelo A. e designadamente uma casa de habitação de cave, res do chão, sótão e logradouro, de boa fé e com autorização dos legítimos proprietários, em terreno alheio, da totalidade daquela parcela de terreno com a área de 960m2, sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, concelho de Torres Vedras, a confrontar do norte e poente com FF…, Sul com CF… e nascente com rua, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e actualmente casa de habitação de cave e rés do chão e logradouro inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º da freguesia de Maceira, com o valor patrimonial actual de 130 000,00€, pagando o A. o justo valor pela parcela de terreno incorporada e pelo valor que esta tinha antes da data da incorporação, a fixar por perícia, com o consequente cancelamento da inscrição a favor da Ré SC…, por doação, pela AP … de 17/06/2009 e averbada a inscrição da totalidade do imóvel a favor de PM…, por acessão industrial imobiliária;
26 - Fundamenta o Tribunal a quo:
- conforme resulta do alegada pelo réu e dos documentos que juntou, o terreno em causa pertencia aos pais da ré que autorizaram a construção em vista do casamento de ambos e, circunstância muito importante, para que nele fosse construída a casa de morada da família.
- e que, quer isto dizer que os proprietários não autorizaram o autor a fazer uma construção com vista ao seu exclusivo interesse pessoal. O autor não foi autorizado a construir no terreno uma casa de habitação para si (é claro que estamos a laborar no pressuposto de que o alegado quanto a ter sido ele a suportar os custos da construção é verdadeiro, ou seja, com base na prova integral daquilo que o autor alegou) mas sim a fazer uma casa de habitação para a família que iria constituir com a ré”
Quer isto dizer que na situação dos autos o requisito da boa-fé – no caso decorrente da autorização dada pelos donos do terreno - apenas existe no âmbito daquela finalidade e que, requerendo para si em exclusivo o direito de propriedade sobre o terreno não está abrangida pela autorização que lhe foi dada para efetuar a construção e, por isso, no que respeita a esta pretensão - e que é a que se vem exercer nesta ação - temos de concluir que o autor é construtor de má-fé. Ora, o construtor de má-fé não tem o direito de adquirir a propriedade sobre o terreno no qual fez a construção, só assistindo tal direito ao construtor de boa-fé, nos termos do mencionado artº 1340º/1 do CCivil. O construtor de má-fé apenas tem os direitos previstos no artº 1341º do CCivil
27 - Entende o A. que a fundamentação da matéria ou factos dados como provadas e da matéria e factos dados como não provados que levaram a decisão do Tribunal a quo não são suficientes nem podem por si só fundamentar a decisão proferida , assim como a convicção do julgador, com o devido respeito o qual é muito, não foi feito com a devida clareza e objectividade e designadamente, como acima exposto, para além dos articulados das partes não foi feita qualquer referencia aos meio de prova solicitados pelo A. no articulado da sua petição inicial nomeadamente requisição á entidade bancária de documentos bancários a fazer prova de pagamentos e datas de pagamentos bem como a prova pericial solicitada para além de toda a prova testemunhal por si apresentada a ser ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento.
28 - E as questões que em concreto ficaram omissas em sua resposta pelo Tribunal a quo no que respeita á matéria dada como provada e não provada e da qual poderiam resultar diferentes questões e decisões de Direito são as seguintes:
29- Em primeiro lugar:
a promessa de doação da parcela de terreno ao casal de namorados e com vista ao casamento e construção da casa de morada de família do casal abrange o A. e confere-lhe as legitimas expectativas de vir a ser também ele proprietário do imóvel.
30 - Também no contrato de doação impera a boa fé negocial prevista no artigo 227º do Código Civil sendo certo que a sua violação bem como à violação das legitimas expectativas do A. na aquisição do imóvel confere a lei o direito á indemnização nos termos do disposto no artigo 473º do Código Civil.
31- O tribunal a quo limitou-se a seguir a tese formal e da nulidade da doação (a existir) por falta de documentação legal. Ora, o Direito não trata situações meramente formais e as questões dos direitos materiais do A. devem ser protegidas.
32 - No caso o A. realizou um investimento avultado em terreno que lhe fora prometido ser doado, situação que apenas poderá provar em sede de prova testemunhal e portanto em sede de audiência e julgamento.
33- E foi com base nessa promessa de doação do terreno ao casal e nessa legitima expectativa, com vista ao casamento e património comum do casal que o A. gastou todo o seu dinheiro próprio, no valor de cerca de 75 000,00€ na construção de uma casa de habitação naquela parcela de terreno.
34- Sendo certo que apenas 12 anos após o casamento celebrado entre o A. e a Ré em 6.09.1997 , os pais desta fizeram doação, á data de 17.06.2009 em exclusivo á Ré porquanto esta nessa ocasião já antevia divorciar-se do A., tendo inclusive a Ré dito ao A. que, caso este não lhe desse o divórcio perdia qualquer direito á casa a qual era da sua exclusiva propriedade, e foi assim que o A. teve conhecimento deste facto.
35 - As legitimas expectativas do A. são protegidas pelo Direito conforme acima expresso mas o Tribunal a quo decidiu, com base num argumento formal, ignorar os direitos do A. nesta matéria.
36 - Em segundo lugar:
- são inúmeras as questões, omissões e contradições na lei e na jurisprudência respeitantes a estas matérias patrimoniais e partilha dos bens comuns do casal por ocasião do divórcio.
37 - A discussão jurídica em torno da natureza jurídica dos bens que constituem o património comum do casal a partilhar é extensa mas seguramente mas recentemente a discussão vai no sentido de estabelecer como bem comum a casa de habitação construída com vista ao estabelecimento da casa de morada de família do casal.
38 - situação de bem comum do casal que aliás a Ré veio a reconhecer no âmbito do seu divórcio por mútuo consentimento que correu termos com n.º …/…T8TVD no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Família e Menores de Torres Vedras conforme acordo de relação de bens comuns do casal homologada pela Meretissma Juiz que identifica como bem comum do casal a casa morada de família.
39 - Também esta questão exigia maior detalhe e averiguação na acção judicial em curso com a realização de prova testemunhal em sede de audiência de discussão e julgamento.
40 - No encaixe e seguimento do acima exposto e das legitimas expectativas do A. na promessa de doação da parcela de terreno realizada pelos pais da Ré esta assunção da casa de habitação como bem comum do casal pela Ré em sede de processo judicial de divórcio assume uma dimensão factual decisiva e da qual poderia resultar outra decisão de Direito.
41- Em bom rigor as teses que classificam a natureza comum dos bens que integram o património do casal é decidida de acordo com o regime de bens do casamento – comunhão de bens adquirido, comunhão geral de bens ou separação total de bens – tal significando que, o regime de bens é decidido para a vigência do casamento e enquanto durara o vinculo jurídico do casamento e apenas após a data da celebração do casamento.
42 - No caso concreto dos autos temos uma dificuldade acrescida: os membros do excasal, A. e R. ainda não se encontravam casados quando a casa de habitação que viria a ser a casa de morada da família foi construída.
43 - Segundo alega o A. a casa de habitação foi construída durante os anos de 1996 e 1997 e, por ocasião do casamento entre o A. e a R., á data de 6.9.1996 encontrava-se a obra concluída.
44- E também segundo o A. a casa de habitação foi construída com dinheiro da exclusiva titularidade do A. e de solteiro, daí a sua pretensão que venha a ser declarada a propriedade exclusiva das construções/casa de habitação, a favor do A., tudo antes da data do casamento que teve lugar á data de 6.9.1997.
45- E também quanto a este pedido do A. o Tribunal a quo decidiu declará-lo improcedente sem produção de demais prova e no entender do A. com fundamentação insuficiente porquanto não obstante a incorporação das construções na parcela de terreno a titularidade das construções pode e deve ser aferida em juízo. Não o sendo é violado o direito do A. a ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre tais construções e obra.
46-Em terceiro lugar acresce outro factor de especial relevância nos autos: em sede de Contestação a ré veio contraditar toda a tese do A. , impugnando os factos alegados pelo A. e avançando com a tese que foram os seus pais quem iniciaram a construção da casa na parcela de terreno da sua propriedade e que o A. não suportou qualquer custo de construção tendo apenas colaborado com algumas despesas e após o casamento.
47-E que os pais da Ré vieram a fazer doação da casa de habitação que construíram em exclusivo à R. sua filha pelo que encontra-se o imóvel com registo de aquisição em exclusivo á Ré.
48- É pois imperativo que a Ré venha fazer prova do alegado no articulado da sua Contestação até para efeitos de averiguação de alegação de factos falsos e litigância de má fé nos autos e posterior condenação.
49- Daqui resulta toda a tese do A. se encontrar impugnada pela Ré, toda matéria de facto de revelo para o A. ainda se encontrar por provar.
50 - Do exposto não vislumbra o A. qual a matéria dada como provada e qual a matéria dada como não provada que possa fundamentar o despacho sentença proferido pelo Tribunal a quo e sem demonstração de prova em sede de audiência de discussão e julgamento.
51- Em quarto lugar:
- quanto ao pedido, subsidiário, do A. de ver reconhecida a aquisição da propriedade por via da acessão industrial imobiliária e dos fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo para declarar a sua improcedência no momento dos autos fica por esclarecer, quer factualmente quer em termos de Direito, a relevância da circunstância das construções e obras terem sido realizadas antes do casamento.
52 - Se o terreno em causa pertencia aos pais da ré e estes autorizaram a construção em vista do casamento de ambos A. e R. para que nele fosse construída a casa de morada da família independentemente da data do vinculo jurídico do casamento e interpretando essa vontade quer dos pais da Ré quer do casal A. e R. – casa de morada de família do casal – como uma contratação , um acordo pré-conjugal, interpretando a vontade das partes e dos intervenientes nesse sentido de bem comum do casal.
53- Isto porque os pais da Ré também não autorizaram o A. a fazer construção com vista ao exclusivo interesse pessoal da filha. Ou fizeram?
54 - Não podemos adoptar critérios distintos para o A. e para a R.. A lei é igual para todos e se para o A. não pode funcionar o interesse pessoal mas, chamemos-lhe o interesse conjugal donde resulta não existir direitos exclusivos do A., o mesmo critério é de aplicar á R. no sentido em que deve ficar protegido pela sua actuação o interesse conjugal.
55- Do que resulta, como acima se expos uma expectativa factual e jurídica do A. em como a parcela de terreno é também pertença sua.
56- É se é da interpretação do interesse conjugal, com vista ao matrimónio e á casa de morada de família do casal, independentemente da data do vinculo conjugal, que resulta o bem imóvel ter natureza de bem comum do casal e assim dever ser partilhado entre os dois cônjuges na metade para cada um da totalidade do imóvel porquanto após as construções um todo se tornou.
57 - Á contrário, dando especial relevância á data do vinculo conjugal e realização da obra e construções verificamos ter a casa de habitação foi construída antes do casamento, assumindo nessa relação negocial o A. a posição de terceiro perante os pais da R., à data proprietários do terreno e, nessa medida, encontram-se preenchidos os pressupostos de aplicação do instituto da acessão industrial imobiliária nos termos do disposto no artigo 1340º do Código Civil, conforme invocados.
58- No caso em concreto o A., na qualidade de terceiro, invoca a incorporação de determinadas construções, em prédio imóvel alheio isto é, em prédio de que é titular oura pessoa.
59 - Tendo tais construções sido executadas á data , antes do vinculo conjugal, com autorização dos proprietários do imóvel e portanto executadas de boa fé pelo que pode vir a adquirir a propriedade do imóvel e de todo o seu conjunto. (prédio e construções) (arts. 1339.º a 1343.º do Código Civil )
60 - Sendo a acessão um dos modos de aquisição da propriedade de acordo com o art. 1316.º, é de extrema importância analisar como ocorre este fenómeno nomeadamente qual o papel dos seus intervenientes, em que momento ocorre essa aquisição, e em que moldes funciona todo este processo.
61- A decisão do tribunal a quo coloca pois o A. numa situação de total falta de protecção do Direito assim como coloca o A. num injusto e grave prejuízo.
62- Sendo certo que estabelece a lei no seu artigo 1317º alínea d) do Código Civil que na acessão, o direito de propriedade adquire-se no momento “da verificação dos factos respectivos”, isto é,
63- A aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária opera-se á data/momento da incorporação, ou seja, á data anterior a 6.9.1997, data da celebração do casamento.
64 - O art. 1340.º do Código Civil regula o regime da acessão industrial imobiliária nos casos em que as obras, sementeiras ou plantações são feitas de boa fé em terreno alheio.
65 - E o seu n.º1 estipula que, quando o valor que a incorporação tiver trazido à totalidade do prédio for superior ao que este tinha antes, o seu autor adquire a propriedade do prédio, pagando o valor que este tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.
66 - Pelo contrário, se o valor acrescentado for inferior, a incorporação pertence ao dono do terreno, “com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação” (n.º 3 do art. 1340.º).
67 - E a solução legal tem sempre em vista a tutela da propriedade privada e evitar o enriquecimento injustificado de uns ( a R.) á custa de outrem ( o A.).
68- Daqui resulta constituir matéria em litigio a propriedade e titularidade da obra e das construções.
69 - E proferir sentença judicial sem permitir ao A. o direito a fazer a sua prova e interceder pelos seus direitos patrimoniais é subverter todo o sistema de Direito e defesa dos interesses próprios do cidadão com gritante violação do principio ****da Constituição da República Portuguesa.
70 - Isto porque, dos factos alegados nos articulados da petição inicial apresentados pelo A. e pela R. apenas existem duas situações: ou a casa foi construída pelo A. conforme alega no articulado da sua petição inicial, ou a casa foi construída pelos pais da Ré que depois a doaram á Ré.
71- Com a agravante, de que a casa de habitação, conforme foi alegado, já se encontrava construída á data do casamento que ocorreu em 6.9.1996 e portanto, antes do casamento e antes do regime patrimonial de comunhão de bens adquiridos, que foi o regime de bens pelo qual foi celebrado casamento entre o A. e a Ré.
72 - Facto seguro e certo é que a dita casa de habitação foi edificada antes do casamento que ocorreu á data de 6.9.1997 , concluída antes do casamento, numa parcela de terreno da propriedade dos pais da Ré que para o efeito autorizaram o A.
73- E antevendo proceder ao pagamento e compensação do terreno á Ré requereu o A. prova pericial de avaliação da parcela de terreno ( valor do terreno) e das construções (valor das construções), tendo o Tribunal a quo omitido parecer quanto a esta questão.
74 - No regime de comunhão de adquiridos, são bens próprios os “bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento”
75 - resulta ser bem próprio todo o valor investimento e construções pagas com dinheiro da exclusiva propriedade do A. como é alegado na petição inicial.
76- E á data do investimento e construção da casa de habitação foram tais obras incorporadas, de boa fé pelo A. porquanto com autorização á data dos seus titulares, em prédio imóvel alheio, os pais da Ré, tendo a propriedade da parcela de terreno advindo ao património do cônjuge Réu por doação exclusiva feita e aceite pela Ré após o casamento.
77 - Tendo a dita casa de habitação sido construída antes do casamento e antes do estabelecimento de qualquer vínculo jurídico conjugal entre A. e R.
78 - Donde resulta tais construções, portanto tituladas com dinheiro próprio do A, constituem bens da sua exclusiva titularidade e portanto, bem próprio.
79- O imóvel transformou-se pois de uma parcela de terreno (prédio rústico) em uma casa de habitação, e portanto num conjunto, as obras e construções nela se incorporando constatando-se uma nova realidade incontornável - um prédio urbano - edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
80 - E porquanto de matéria em litigio na presente acção: o A. alega na sua petição inicial que despendeu e custeou em exclusivo as obras e construções e a Ré contraditando alegando que os seus pais custaram a construção da dita casa de habitação, necessário seria a produção de prova a realizar em sede de julgamento.
81- E a final apenas é possível duas soluções:
a) ou resulta provado que as construções e obras incorporadas na parcela de terreno são da exclusiva propriedade do A. porque as pagou com dinheiro próprio seu, e construídas antes de constituído o vinculo jurídico do casamento e regime de bens, conforme alegou aplicando-se a esta realidade material: parcela de terreno pertença de um proprietário, construções e obras pertença de outro proprietário, antes do vinculo jurídico do casamento, situação cuja resolução é o do recurso ao instituto da acessão industrial imobiliária nos termos do disposto nos artigos 1340º do Código Civil;
b) ou resulta provado que a construção e obra é resultado da acção dos dois membros do casal com aplicação de recursos comuns e sobre bem próprio de um deles, deixou o terreno de ter existência jurídica autónoma , tendo ficado integrado no prédio urbano e passando uma e outra coisas a formar uma unidade jurídica indivisível, ou seja, coisa nova e diversa e portanto comum.
Isto porque não sendo alheia a parcela de terreno primitiva e portanto bem próprio de um dos ex-membros do casal, e participando o próprio dono do terreno na obra e construção (matéria controvertida) nãop se verificam os pressupostos exigidos de aplicação da acessão industrial imobiliária, nos termos dos artºs 1325º, 1339º e 1340º, do CC optando pela consideração do conjunto como bem comum do casal.
82 - Do exposto resulta contudo que essencial será contrariar o enriquecimento injustificado de um dos ex-cônjuges e o empobrecimento injustificado de outro do ex-conjuges e repor o equilíbrio económico entre os patrimónios.
83- De todo o exposto resulta a extensão da matéria factual e de Direito em discussão incompatível com uma apreciação liminar e decisão de mérito em sede de saneador sentença sem a demais produção de prova.
84 - Do exposto resulta ainda o Meritíssimo Juiz, na sua decisão de mérito, não se ter pronunciado quanto aos seguintes aspectos factuais- matéria de facto dada como provada ou matéria de facto não dada como provada:
- os pais da R. fizeram promessa de doação da parcela de terreno onde a casa de habitação do casal foi construída independentemente da formalização da doação?
- o A., quando construiu a casa de habitação estava convicto que estaria a construir em parcela de terreno que viria a ser de sua propriedade?
- por ocasião da construção da casa de habitação A. e R. tinham estabelecido algum vinculo jurídico entre si?
- por ocasião da construção da casa de habitação A. e os proprietários da parcela de terreno tinham algum vinculo jurídico entre si?
- a promessa de doação ao A. tinha na sua génese o interesse conjugal futuro do A. e da Ré?
85- Tais omissões na matéria de facto dada como provada ou não provada levaram, no entender do A., a uma errada apreciação no mérito da decisão preferida no saneador sentença configurando como acima se expôs nulidade do saneador sentença.
Termos em que, e pelo que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso, e, em consequência, deve o douto despacho saneador sentença ser revogado declarando-se a nulidade do mesmo por falta de fundamentação e enunciação dos factos não provados, proferindo-se nova decisão, devidamente fundamentada e que contemple decisão sobre a factualidade não provada; e designadamente se - a Ré declarou em sede de divórcio por mutuo consentimento a casa de habitação constituir bem comum do casal.
Ainda e sempre sem prescindir, deverá ainda o despacho saneador-sentença ser revogado, e substituído por outro que, apreciando a factualidade alegada reconheça ao A. o peticionado no articulado da sua petição inicial”.
*
A recorrida não contra-alegou.
*
O recurso foi admitido, nos termos de despacho judicial proferido em 10-03-2020.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
*
2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir, relativamente ao recurso interposto, são:
A) Se a decisão recorrida é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, por falta de fundamentação, por não conter a matéria considerada como provada e não provada?
B) Se a decisão recorrida é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al d), do CPC, por omissão de pronúncia, por o Tribunal não ter apreciado o requerido pelo autor quanto aos meios de prova (testemunhal, pericial e por requisição de documentos) que requereu?
C) Se a decisão recorrida é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c) e 662.º, n.º 1, do CPC, por ininteligibilidade?
D) Se o estado do processo permitia o conhecimento imediato do mérito da causa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 595.º do CPC ou se o mesmo dependia de prova a produzir, sendo negado ao recorrente o direito à Justiça e violado o princípio da igualdade das partes?
*
3. Fundamentação de facto:
*
Na decisão recorrida foi consignado o seguinte:
“O autor alegou na p. i. o seguinte1 [1. Apenas se considera a alegação dos factos. Grande parte da matéria de facto invocada pelo autor foi impugnada pela ré. A indicação dos factos que aqui se faz visa tão-só a apreciação da viabilidade dos pedidos nos termos acima referidos em face do factos alegados, independentemente de se provarem ou não.]:
1º O A. e a Ré iniciaram relacionamento amoroso em meados de 1995 e em data que o A. não consegue precisar decidiram estabelecer vinculo pelo casamento o que vieram a celebrar á data de 6 de Setembro de 1997 e no regime da comunhão de bens adquiridos.
2º Com vista a esse fim os pais da Ré fizeram promessa de doação ao casal (A. e Ré) de uma parcela de terreno com a área de 960m2, sita no Casal Monte Bom, Maceira, proveniente em parte do prédio rustico inscrito sob o artigo … da secção L, inscrito na matriz sob o artigo …º da freguesia de Maceira, actual casa de habitação do A. - artigo urbano …º, a confrontar no norte e poente com FF…, nascente com rua e do sul com CF…, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob a ficha n.º … da freguesia de A-dos-Cunhados. (Doc. 2, 3, 4 )
3º Tendo os pais da Ré procedido á efectiva entrega do imóvel ao casal (A. e Ré) existindo verdadeira “traditio” do imóvel e daquela parcela de terreno com a área de 960m2 a favor do casal, o que estes ( A. e Ré ) aceitaram em regime de compropriedade;
4º Donde resultou que o A, na qualidade de convicto proprietário daquele terreno para construção e ainda em solteiro,
5º investiu todo o dinheiro próprio que tinha auferido pelo seu trabalho antes do casamento e por doação de seus pais na construção de uma moradia naquela dita parcela de terreno que viria a ser a casa de morada da família. Efectivamente,
6º o A. tem apenas o 6º ano de escolaridade, deixou de estudar aos 13 anos para trabalhar nos terrenos agrícolas do pai e como aprendiz de canalizador na empresa Electroanjos levando desde então uma vida de trabalho e poupança sempre com o objectivo de construção de casa própria.
7º com grande conservadorismo e poupança pessoal dos seus vencimentos como canalizador até porque em solteiro sempre viveu em casa dos pais e em economia em comum com estes até á idade de 28 anos, ano de 1997 em que contraiu casamento com a Ré.,
8º e guardando e poupando todo o dinheiro que os seus pais lhe pagavam pelo seu trabalho agrícola aos fins de semana e férias e lucros das colheitas agrícolas que a família produzia dos seus terrenos agrícolas,
9º angariou pois com trabalho e poupança durante 15 anos uma boa quantidade de dinheiro – 15 000 000$00, o correspondente a cerca de 75 000,00€ , o qual foi depositado ao longo de anos na conta bancária da qual é titular na agencia da Caixa de Credito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, agência de A-dos-Cunhados.
10º constituindo tais valores em depósito dinheiro da sua exclusiva titularidade, auferido antes do casamento e da vida em comum com a Ré.
11º E foi com esse dinheiro da sua exclusiva titularidade que o A. custeou a construção da sua casa de habitação naquela parcela de terreno e tudo com autorização e consentimento dos pais da Ré os quais eram á data titulares do direito de propriedade daquela parcela de terreno e na convicção de ser proprietário legítimo daquela parcela de terreno.
12º Até porque a Ré, 6 anos de idade mais nova que o A., ainda se encontrava a estudar á data da construção da casa de habitação/moradia não auferindo qualquer vencimento mensal para contribuir em dinheiro na construção da moradia.
13º A construção da moradia teve lugar nos anos de 1996 e 1997, concluída antes da data do casamento á data de 6 de Setembro de 1997, pelo que decorreram mais de 20 anos sobre a data das obras e pagamentos efectuados não dispondo o A. de todos os elementos de prova documental das construções e pagamentos efectuadas mas dispõe das seguintes a título de exemplo bem como de prova testemunhal e designadamente:
14º O A. contratou e pagou os serviços do arquitecto JJ… e do engenheiro civil AM… a fim de apresentar desenho e projecto de arquitectura e responsabilidade pela obra, o que sucedeu tendo pago o valor de 280 000$00 a estes profissionais.
15º E como a dita parcela de terreno ainda se encontrava registada em nome dos pais da Ré porquanto aguardava revisão do Plano Director Municipal para autorizar destaque do prédio original o projecto de licenciamento deu entrada na Câmara Municipal de Torres Vedras em nome da mãe da Ré – GR… - processo de obras inicial n.º …/… com licença de construção n.º … de 1/07/1996.
16º O A. pagou ainda todas as despesas burocráticas exigíveis com o dito licenciamento de obra designadamente publicação de alvará e livro de obra – 1650$00 e licença de construção da obra no valor de 226 600$00.
17º E foi o A. quem contratou e pagou todos os vários construtores/empreiteiros/fornecedores e trabalhos executados na dita moradia e que mandou construir , toda ela construída sob a orientação do empreiteiro geral da obra FA…, construtor civil, e trabalhos pagos com dinheiro próprio seu e da sua exclusiva propriedade, e designadamente os trabalhos seguintes:
18º trabalhos de terraplanagem, marcação da obra, abertura de fundações e remoção das terras executados por JC… do lugar do Vimeiro a que pagou o valor de 63 750$00 e ÓF… a quem pagou 280 000$00
19º - materiais e trabalhos de construção civil contratados a FA… , pedreiro de construção civil, e designadamente os trabalhos de enchimento das fundações, elevação das paredes interiores e exteriores e lajes do tecto da cave, do piso térreo e sótão; execução da cobertura e respectivos isolamentos; assentamentos de cantarias e rebocos exteriores; rebocos interiores, assentamento de azulejos e pavimentos; assentamento de caixilharias,
20º - em tais materiais (cimento, areias, saibo, cascalho, isolamentos, madeiras de cofragem, telhas, telhas de beirada, telhões, sapatas, ferro, isolamento do telhado, tuvenam, malha , tijolos, vigas, mosaicos, pisos) e trabalhos de construção civil (mão de obra de pedreiros e de serventes , aluguer de betoneira) o autor despendeu os seguintes valores:
- 164 738$00 á data de 21.7.1996 ;
- 2 447 363$00 á data de 4.10.1996 ;
- 804 650$00 á data de 3.11.1996 ;
- 1 175 415$00 á data de 8.11.1996 ;
- 1 146 490 $00 á data de 31.01.1997 ;
- 433 700§00 á data de 16.02.1997;
- 410 000$00 á data de 12.06.1997;
- 1 109 680$00 á data de 4.8.1997 ;
- 702 000$00 á data de 1.8.1997,
num total pago ao empreiteiro geral da obra de 8 394 036$00.
21º - o A. executou vários outros trabalhos de construção civil na moradia, indiferenciados, ele próprio sozinho ou com o auxilio de seu irmão e padrinho JP… entre agosto de 1996 e agosto de 1997, no final dos dias de trabalho ou fins de semana, num total de horas em mão de obra que não consegue precisar mas
que cifra em pelo menos 300000$00, adquirindo os respectivos materiais de construção na empresa “Anacleto&Fernandes, Lda.” sita na Rua D. Manuel II, n.º 30. A-dos-Cunhados, e pelos quais pagou, a titulo de exemplo
31.7.1997 – 15 594$00
16.8.1997 – 20 136$00
30.08.1997 – 2744$00
23.8.1997 – 6387$00
22º o A. contratou os serviços de estuque para a sua casa de habitação á empresa “Estucolar – Sociedade de Estucadores, Lda.” e pagou pelos seus serviços o valor de 1680 000$00 para estucar a casa de habitação e 130000$00 para esticar a garagem.
23º O A. adquiriu ainda na Pedro & Mantovani, SA. os mosaicos/pavimentos e ladrilhos, loiças sanitárias, para Wc e cozinha que aplicou na moradia , pagando o valor total de 549 427$00 em 3 faturas de 534 942$00; 8563$00 e 5922$00.
24º E o A. adquiriu para a sua moradia em todas as cantarias e pedras para cantarias das janelas, degraus, varandas, pedra da cozinha, encomendou e pagou o A o valor de 560.000$00.
25º o A. contratou os serviços de electricidade e toda a instalação eléctrica ao Sr. AMa… da Maceira e pagou o valor de 480 000$00
26º nos serviços de canalização e em material de canalização, esgotos interiores, canalizações exteriores, esgotos exteriores, loiças sanitárias e mobília de casa de banho, termoacumulador, gastou o A á data de 6.10.1997 os valores de 99 160$00 e de 437.747$00 e de mão de obra 380 000$00.
27º O A. pagou ainda todas as caixilharias á empresa Aluvista Caixilharia de Alumínio e Ferro, Lda., no valor de 250 000$00 bem como nos vidros das janelas gastou o valor de 52000$00.
28º O A. pagou ainda todos os restantes trabalhos de acabamentos de envernizamento de todas as madeiras, pinturas interiores e exteriores da moradia no valor total de 1.780.000$00.
29º Todos os descritos materiais e trabalhos foram pagos em exclusivo pelo A. e com dinheiro próprio e da sua exclusiva propriedade e através de cheque emitidos através da Caixa Agrícola de Torres Vedras, agência de A-dos-Cunhados, conta bancária pessoal de solteiro, com depósito de valores em escudos auferidos ainda em solteiro e da sua titularidade exclusiva.
30º e no valor global de cerca e aproximadamente de 15 180 981$00, valor de construção á data de 1996 e 1997, data da construção da referida moradia/casa de habitação/obra, o valor correspondente de 75 722,41€.
31º Como acima em referência A e Ré casaram á data de 6 de Setembro de 1997.
32º A promessa de doação daquela parcela de terreno ao A. e á Ré teve como fim o vínculo do casamento e foi acompanhada da entrega do imóvel ao casal, inclusive ao A.
33º tendo o A. exercido actos de posse plena na firme convicção de ser seu legitimo proprietário,
34º o A. mandou executar e executou obras naquela propriedade, a casa de habitação, garagem, muros de vedação.
35º cuidando da terra, e ai executando uma horta e plantando árvores de fruto.
36º à vista de toda a gente e sem a oposição de quem quer que seja, 37º pagando a respectiva contribuição autárquica.
38º tendo tal doação sido formalizada 13 anos após a entrega do imóvel ao A., e apenas á data de 29 de Maio de 2009 e sem a concordância e conhecimento do A. em exclusivo á Ré mulher conforme escritura pública de doação.
39º tal situação adveio ao conhecimento do A. apenas á data do pedido de divórcio deduzido pela Ré em 2016 na sequência do qual veio a ser decretado, por mútuo consentimento, a dissolução do vínculo conjugal entre A e Ré no processo n.º …/…T8TVD que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Família e Menores de Torres Vedras e por sentença de divórcio homologada á data de 26 de Setembro de 2017 e já transitada em julgado.
40º Não obstante em Tribunal, conforme em acta, ter admitido fazer constar da relação de bens comuns do casal a casa de morada da família sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, Torres Vedras, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º ao qual se atribuiu naquela data o valor de 130 000,00 (cento e trinta mil euros).
41º A Ré alega nesta data que a casa de habitação mandada construir e paga pelo A é da sua exclusiva propriedade porquanto a parcela de terreno lhe foi doada em exclusivo conforme escritura de doação junta como doc. 26
42º As intenções da Ré de apropriação de um bem imóvel pertença do A. são manifestas tanto mais que celebrou contrato de mediação imobiliária com a Remax Arruda dos Vinhos colocando a casa de habitação do A. á venda, sem autorização deste ou sequer comunicação, promovendo o registo fotográfico do interior da casa e do quarto do A e dos seus pertences, com visualizações na internet, sem o consentimento deste e violando inclusive o direito á privacidade e reserva da vida privada do A.
43º Sendo certo que a Ré atribui actualmente a casa de habitação objecto nos autos inicialmente o valor de venda de 175 000,00€ e mais recentemente o valor de 166 000,00€. (doc. 29)
44º Isto porque a Ré beneficia da presunção que o registo predial lhe confere na titularidade exclusiva do prédio perante terceiros e em prejuízo do A.
45º Pelo que necessário e urgente se torna esclarecimento quanto á situação patrimonial dos membros do ex-casal e designadamente quanto á titularidade da casa de habitação e do terreno onde esta se encontra construída.
47º Pretende pois o A. ver reconhecido o seu direito de compropriedade na parcela de terreno com a área de 960m2, sita na Rua … n.º …, Casal do Monte Bom, Maceira, concelho de Torres Vedras, a confrontar do norte e poente com FF…, Sul com CF… e nascente com rua, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o artigo … da freguesia de A-dos-Cunhados – Maceira, concelho de Torres Vedras e inscrita na matriz predial da mesma freguesia e concelho sob o artigo matricial …º, proveniente do artigo …º da freguesia de Maceira, com o valor patrimonial de 130 000,00€.
48º Devendo o Tribunal promover a rectificação da escritura de doação outorgada a 29 de Maio de 2009 junta como doc. 26 na presente petição inicial no sentido de ai fazer constar doação a favor de seu genro PM… e sua filha SC… ao invés de doação a sua filha SC…, casada com PM…,
49º Promovendo por esta via o cancelamento da inscrição predial n.º … de 2009/06/17 com aquisição exclusiva da Ré SC… , por doação de seus pais CF… e GR…, por forma a fazer constar aquisição em comum a favor de SC… e PM….
50º Promovendo igualmente a rectificação matricial do actual artigo …º junto da Autoridade Tributária e Serviço de Finanças no sentido de aí figurar como titulares do imóvel o A. na proporção de metade para cada um A. e Ré do imóvel em apreço.
51º Como em referência supra o A. e a Ré casaram á data de 6 de Setembro de 1997 e no regime da comunhão de bens adquiridos.
53º No caso em apreço constitui bem próprio do A. as construções e moradia mandadas executar naquela dita parcela de terreno e pagas pelo A. com dinheiro próprio deste e da sua exclusiva titularidade, antes do casamento, em prédio da titularidade de ambos os membros do casal, A. e Ré.
54º Construções e moradia que importaram ao A. um custo de obra á data de 1996 e 1997 de aproximadamente 15 180 981$00, data da construção da referida moradia/casa de habitação/obra, o valor correspondente de 75 722,41€, obras descritas e que á presente data teriam um custo orçamentado em 115 000,00€.
55º Tais construções e moradia encontram-se incorporadas na parcela de terreno em referência e tratando-se de construções em ferro, vigas, tijolo e cimento não é possível o seu levantamento ou retirada sem trabalhos de demolição ou em grave prejuízo do valor do imóvel ou detrimento da coisa não sendo pois possível a restituição de tais benfeitorias ao A.
56º Tratando-se de benfeitorias uteis, incorporadas naquela parcela de terreno, construídas e executadas com dinheiro próprio do A. e portanto seu bem próprio e exclusivo, não sendo possível o seu levantamento sem deterioração da coisa,
57º benfeitorias úteis que conferem ao imóvel/parcela de terreno um grande aumento de valor, o qual se cifra em 115 000,00€ pelo que, não sendo possível a sua restituição ao A. deve pagar ao A. o respectivo aumento de valor que tais construções/obras/moradia trouxeram ao terreno, o correspondente ao valor do enriquecimento que tais construções/obras/moradia proporcionaram ao terreno, e que se cifra em 115 000,00€ no valor actual de mercado.
58º sendo certo que todo o investimento das ditas construções e moradia foram efectuadas á custa do património pessoal e financeiro exclusivo do A. conforme acima em referência que passou cerca de 15 anos da sua juventude a trabalhar e a poupar em exclusivo para a construção desta casa de habitação .
59º Verificando-se um grande enriquecimento e vantagem económica do património da Ré com a construção da moradia pelo A. naquele valor de 115 000,00€ sem que a Ré tivesse contribuído para essa situação.
60º á custa do empobrecimento e do património do A. nesse valor de 115 000,00€ porquanto deixou o A. de fazer investimento noutro imóvel que lhe garantisse uma casa de habitação á presente data, para investir todo o seu dinheiro naquela propriedade e sendo certo que como é do conhecimento geral tem sido imensa a especulação imobiliária relativa a imóveis de habitação, e naquele local e concelho de Torres Vedras, tal significando que o A. á data de 1996 com aquele valor de 15 000 000$00 teria adquirido uma casa de habitação com determinadas características de qualidade que actualmente não compra com aquele mesmo valor,
61º para além dos valores de correcção monetária de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e índice de preços no consumidor no qual o valor gasto pelo A. àquela data de 1996/1997 de cerca de 15 000 000$00, o equivalente a 75 000,00€, corresponde á data de final do ano de 2017 a 115 000,00€, valor esse que o A. reclama.
63º Improcedendo o reconhecimento do direito de compropriedade do A. na identificada parcela de terreno e verificando-se que, á data da construção e da obra mandada executar e paga pelo A. e designadamente á data da incorporação da obra e construção a dita parcela de terreno era de propriedade alheia e de nenhum dos membros do casal mas sim dos pais da Ré CF… e GD… os quais posteriormente e anos mais tarde vieram formalizar doação á Ré.
65º À data de 1996 e 1997 o A., de boa fé e com autorização dos legítimos proprietários construiu, antes do casamento com a Ré, com dinheiro da sua exclusiva propriedade, uma casa de habitação em terreno alheio.
66º Constitui bem próprio do A. a casa de habitação mandada executar e paga pelo A. com dinheiro da sua exclusiva titularidade no valor investido em 1996/1997 pelo A. de pelo menos 15 180 981$00, data da construção da referida moradia/casa de habitação/obra, o valor correspondente de 75 722,41€.
70º verificando-se maior valor das construções mandadas executar e pagas pelo A em comparação àquela parcela de terreno entretanto doada em exclusivo á Ré , pode o A. fazer sua a dita parcela de terreno pagando o seu valor antes de incorporadas as ditas construções”.
*
4. Fundamentação de Direito:
*
A) Se a decisão recorrida é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, por falta de fundamentação, por não conter a matéria considerada como provada e não provada?
Alegou o recorrente – artigos 9.º a 11.º da alegação de recurso - que “do saneador sentença não resulta com clareza qual a matéria, daquela elencada nos articulados apresentada pelas partes, que o Tribunal a quo considerou dada como provada e não provada que fundamente de forma fática e de direito a decisão de mérito proferida pelo Meritíssimo Juiz. (…) Essa falta de fundamentação do saneador sentença do qual se recorre fere de nulidade a decisão de mérito proferida nos termos do disposto no art.615º, al.b) – falta de fundamentação - e d) – omissão de pronúncia - , do Código Processo Civil. (…) Nulidades que aqui se invoca e se pretende ver atendida, revogando-se a decisão proferida quanto à falta de fundamentação da decisão proferida, com todas as devidas consequências legais e designadamente conduzindo à anulação do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão”.
E, nos artigos 16.º e 17.º das alegações de recurso, considera o recorrente que:
“16.º E também face à inexistência de qualquer referência a factos não provados, é manifesto que o Tribunal a quo incumpriu o dever de fundamentação imposto por lei a qualquer decisão - cfr.art.607º, nº 4 do C.P.C. e art.205º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, o que, desde logo, implica também ela a nulidade da mesma;
17º Porquanto tendo desaparecido do Código de Processo Civil a elaboração da base instrutória, relegando-se para a decisão final a fixação da matéria de facto, nem por isso deixa o Tribunal de ter que consignar todos os factos provados e não provados relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que tenha que considerar-se controvertida, não lhe sendo lícito consignar apenas os factos que relevem para a solução jurídica que preconiza para o caso concreto, sob pena de a decisão ser incompreensível para as partes e impossível de sindicar pelos tribunais superiores -cfr. art.607º, nº 3, 4 e 5 do C.P.C.”.
Vejamos se ocorrem, na decisão proferida, as nulidades arguidas, começando pela atinente à falta de fundamentação.
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, a mesma será nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A obrigação de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, constante do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC é reflexo do dever de fundamentação das decisões imposto pelo n.º 1 do artigo 205.º da Constituição (nos termos do qual “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”) e ínsito no comando vertido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e também, regulamentado pelo artigo 154.º do CPC.
Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, p. 70) a fundamentação tem uma dupla função de “carácter subjectivo”, de garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários, e uma função de “carácter objectivo”, de pacificação social, legitimidade e auto-controlo das decisões.
Esta exigência de fundamentação bem se compreende, na medida em que as decisões dos juízes têm que ter na sua base um raciocínio lógico e argumentativo que possa ser entendido pelos destinatários da decisão, sob pena de não se fazer justiça.
Resultava já do CPC de 1961 (cfr. arts. 659º, n.º 3 e 655º) e resulta, ainda mais vincadamente, no CPC em vigor (art. 607º, n.º 4), que a fundamentação de facto da sentença não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto de modo a conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
O exame da prova deve ser (e só pode ser) um exame crítico, no qual o julgador procede à análise ponderada de todos os meios de prova realizados, da sua credibilidade, estabelece as ligações possíveis destes meios entre si, submete-os à luz dos princípios lógicos e das regras da experiência para poder formar, e expressar, a sua convicção e, em face disso, decidir.
Na realidade, embora o julgador aprecie livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção (princípio que não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos, ou que estejam plenamente provados – cfr. art. 607.º, n.º 5 do CPC), não está desonerado de fundamentar as razões pelas quais se convenceu da veracidade de determinados factos, ou da desconsideração de outra factualidade, de modo a permitir o controlo, quer pelas partes quer pelos tribunais superiores, do acerto da respetiva fundamentação, bem como, possibilitando às partes a arguição de eventuais nulidades resultantes da eventual oposição entre os fundamentos e a decisão ou de omissão da especificação desses fundamentos.
Assim, todas as decisões judiciais, quer sejam sentenças quer sejam despachos, têm que ser sempre fundamentadas, de facto e de direito.
No entanto, e em princípio, os despachos não exigem o mesmo grau de fundamentação que é exigido para uma sentença.
Defendem Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit., p. 72 e 73) que a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
Se o julgador o não fizer, a sentença será nula por falta de fundamentação.
De todo o modo, a falta de fundamentação só acarreta a nulidade da sentença quando é total.
Ou seja: O vício do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC só ocorrerá quando houver falta absoluta, ou total, de fundamentos ou de motivação (de facto ou de direito em que assenta a decisão) e, não já, quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada. Se a decisão for apenas insuficiente ou medíocre ou errada, isso poderá afectar o valor doutrinal da mesma, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, verificando o erro ou desacerto do julgamento, mas tal situação não produz a nulidade da decisão (vd., neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Vol. 2.º, 3.ª. Ed., Almedina, 2017, pp. 735-736 e a generalidade da jurisprudência, entre outros: os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2016, processo 781/11.6TBMTJ.L1.S1, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA, e de 15-05-2019, processo 835/15.0T8LRA.C3.S1, rel. RIBEIRO CARDOSO; do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-03-2018, processo 908/17.4T8FNC-B.L1.8, rel. TERESA PRAZERES PAIS; os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-11-2017, Processo 3309/16.8T8VIS-A.C1, rel. ISAÍAS PÁDUA; de 05-06-2018, Processo 4084/14.6T8CBR-D.C1, rel. ISAÍAS PÁDUA; os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14-03-2016, Processo 171/15.1T8AVR.P1, rel. PAULA MARIA ROBERTO, e de 11-01-2018, Processo 2685/15.4T8MTS.P1, rel. FILIPE CAROÇO).
Ocorre falta de fundamentação, geradora de nulidade, se a mesma é inexistente, mas também, se a mesma, pela sua formulação não permite apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção, não sendo possível aferir as razões que levaram a decidir de um determinado modo, colocando em crise a construção do silogismo judiciário e, não, o erro de julgamento.
Importa salientar que o CPC permite o conhecimento do mérito na fase do saneador: “O despacho saneador destina-se a: (…) b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória” (cfr. artigo 595.º, n.º 1, al. b) do CPC).
Assim, o juiz conhecerá – total ou parcialmente – do mérito da causa no despacho saneador quando não houver necessidade de provas adicionais, para além das já processualmente adquiridas nos autos, encontrando-se, por tal, já habilitado, de forma cabal, a decidir conscienciosamente.
Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 204) enuncia diversos casos em que é admissível ao juiz conhecer do mérito da causa no despacho saneador. Tal sucederá quando:
“a) os factos alegados pelo autor em qualquer dos articulados legalmente admitidos forem inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido (inconcludência), caso em que o réu será absolvido do pedido;
b) todos os factos integradores de uma exceção perentória se encontrem já provados, com força probatória plena (ou pleníssima), por confissão, admissão ou documento, do que resultará a absolvição do réu do pedido;
c) se deverem ter por provados todos os factos integradores da causa de pedir por não existirem exceções perentórias, serem os factos em que se fundariam inconcludentes ou plenamente provada a inocorrência de alguns desses factos, v.g., por prova dos factos contrários (procedência do pedido);
d) se se evidenciar a inconcludência dos factos em que se funda a exceção perentória ou prova, com força probatória plena, dos factos contrários (do que resulta ter a ação que prosseguir para apuramento dos factos que integram a causa de pedir)”.
Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª ed., Almedina, p. 659), discorrendo sobre os casos em que é passível o conhecimento do mérito da causa no saneador, referem que: “O juiz conhece do mérito da causa no despacho saneador, total ou parcialmente, quando para tal, isto é, para dar resposta ao pedido ou à parte do pedido correspondente, não haja necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo.
Tal pode acontecer por inconcludência do pedido (…), procedência ou improcedência de exceção perentória (…) e procedência ou improcedência do pedido.
Este conhecimento só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa”.
Noutro local (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª ed., Almedina, p. 376) os mesmos Autores - embora reconhecendo que a fronteira entre a inconcludência e a ineptidão da petição inicial é difícil de traçar - explicam que a “inconcludência jurídica” traduz a “situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da ação”.
Apenas considerando os factos que sejam alegados pelo demandante, é bom de ver que, muito embora ambas as situações viabilizarem o imediato conhecimento do mérito da causa no saneador, não é idêntico o caso em que todos os factos integradores da causa de pedir se encontram já plenamente provados e aquele caso em que os factos alegados pelo autor são inábeis para deles se extrair o efeito jurídico pretendido.
De todo o modo, o juiz, se verificar insuficiências ou imprecisões na exposição ou na concretização da matéria de facto alegada, deve convidar as partes a supri-las, formulando então o comummente designado despacho de aperfeiçoamento (cfr. artigo 590.º, n.º 4, do CPC).
Ora, em sede de prolação de despacho saneador, não sendo caso de prolação de despacho de aperfeiçoamento e considerando que os factos alegados pelo autor são inábeis a deles extrair o efeito jurídico por ele pretendido, o juiz deverá, ainda assim, em princípio, elencar os factos que considere provados.
Na mesma sede, ou seja, na prolação do despacho saneador, quanto aos factos não provados, não sendo o seu elenco efetuado, a sua determinação resultará, por ilação ou inferência, a partir do círculo de factos já considerados como assentes.
Nesta linha, entendeu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2019 (Pº 21172/16.7T8LSB.L1-2, rel. LAURINDA GEMAS) que: “No saneador-sentença, o juiz deve, quando seja caso disso, declarar quais os factos que julga (plenamente) provados, mas não já os factos que julga não provados, muito menos devendo/podendo especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (isto é, apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto), nos termos do art. 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC”.
Nesta medida, “não podem confundir-se as causas de nulidade da sentença, tout court, previstas taxativamente no artº 615º do CPC, com os vícios privativos da decisão sobre a matéria de facto, as quais acarretam a sua anulação, modificação ou o reenvio do processo à 1ª instância - nº1 e nº2 als. c) e d) do artº 662º do CPC. Se o juiz diz que certos factos não se provaram por inexistir prova, tal não implica a nulidade da decisão factual, por infundamentada, ou a remessa dos autos para fundamentação, antes competindo ao insurgente, em sede de impugnação desta, convencer, perante a prova produzida, da ilegalidade do decidido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-02-2019, Pº 4603/16.3TBCBR.C1, rel. CARLOS MOREIRA).
Ora, no caso, o juiz do Tribunal recorrido considerou estar em condições de conhecer, de imediato, do mérito da causa, nos termos em que o fez no saneador-sentença recorrido e, para o efeito, elencou em sede de fundamentação que a genérica alegação factual do autor, nos moldes que concretizou, mesmo que se viesse a provar, não conduziria à procedência da pretensão do autor.
Para tanto, procedeu a um elenco de alegação com base na petição inicial, referindo, expressamente que apenas considerava, para efeitos da decisão que proferia, a “alteração dos factos”, independentemente da sua prova, vindo a final a considerar que, tal elenco factual apenas era pertinente não para a prova dos factos elencados, ou falta dela, mas sim, para a apreciação da viabilidade dos pedidos formulados.
Com tal enunciação, o Tribunal recorrido precisou os termos da fundamentação decisória em que se louvou, concretizando que, mesmo considerando o elenco factual que mencionava, a pretensão do autor não era viável.
E, nessa medida, encontra-se arrimo factual para a decisão de direito proferida.
O ora recorrente pode não concordar com a fundamentação exarada, mas a mesma encontra-se presente, percebendo o destinatário do saneador-sentença que a enunciação factual provinha da mera alegação factual do autor e que a mesma se destinava a aferir se a pretensão era viável, independentemente de qualquer produção probatória (sendo que, o momento processual específico para a produção das provas constituendas não se encontrava alcançado).
Assim, independentemente de qualquer outra apreciação, como decorre das considerações supra expendidas, a fundamentação em que assentou o decidido encontra-se presente, pelo que não se verifica o vício de nulidade assente na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
A nulidade arguida é, pois, improcedente.
*
B) Se a decisão recorrida é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al d), do CPC, por omissão de pronúncia, por o Tribunal não ter apreciado determinados factos e, bem assim, o requerido pelo autor quanto aos meios de prova (testemunhal, pericial e por requisição de documentos) que requereu?
Alegou também o recorrente que ocorre omissão de pronúncia, pois, o Tribunal recorrido não se ter pronunciou – quer nos factos provados, quer nos não provados – sobre os factos que elencou, a saber, se:
- Os pais da R. fizeram promessa de doação da parcela de terreno onde a casa de habitação do casal foi construída independentemente da formalização da doação?
- O A., quando construiu a casa de habitação estava convicto que estaria a construir em parcela de terreno que viria a ser de sua propriedade?
- Por ocasião da construção da casa de habitação, A. e R. tinham estabelecido algum vinculo jurídico entre si?
- Por ocasião da construção da casa de habitação A. e os proprietários da parcela de terreno tinham algum vinculo jurídico entre si?
- A promessa de doação ao A. tinha na sua génese o interesse conjugal futuro do A. e da Ré?
- A Ré declarou em sede de divórcio por mutuo consentimento a casa de habitação constituir bem comum do casal?
Vejamos:
Nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, ocorre causa de nulidade da sentença se o juiz deixar de pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
Vejamos se, no caso, o juiz deixou de se pronunciar sobre questões de que devesse conhecer, sabendo-se que, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades», (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, p. 132).
Apenas existirá nulidade da sentença por omissão de pronúncia com referência às questões objecto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.
A nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, Processo 07A091, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
Caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Poderá, todavia, existir mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
A nulidade da sentença (por omissão de pronuncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A questão a decidir pelo julgador está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.
De acordo com o nº 2 do art. 608º do CPC, “o juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, pelo que, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras, sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção.
“O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).
Assim, “importa distinguir entre os casos em que o tribunal deixa de pronunciar-se efetivamente sobre questão que devia apreciar e aqueles em que esse tribunal invoca razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção, sendo coisas diferentes deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, por não ter o tribunal de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, Processo 226/16.5T8MAI-E.P1, relator NELSON FERNANDES).
Na realidade, como se referiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011 (P.º n.º 480/09.9JALRA.C1, relator ORLANDO GONÇALVES): “1.- A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. 2.- O que importa é que o tribunal decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão”.
Se a decisão não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que a decisão tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos argumentos ou considerações expendidas, designadamente por opostos, irrelevantes ou prejudicados em face da solução adotada.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
Revertendo ao caso dos autos, verificamos que o juiz do tribunal recorrido, no elenco factual que efetuou com base na petição inicial reproduziu, entre outros, a alegação que o autor tinha efetuado nos artigos 1.º, 2.º, 4.º, 13.º, 15.º, 32.º, 38.º e 40.º da p.i.
Nesses artigos encontra-se vertido que os pais da ré fizeram promessa de doação ao autor e à ré, do terreno em questão, com vista ao casamento que autor e ré pretendiam celebrar, que a construção da moradia teve lugar antes do casamento, em data em que o terreno ainda se encontrava registado em nome dos pais da ré, que a doação foi formalizada em 29-05-2009, que o autor procedeu à construção da moradia, na qualidade de convicto proprietário do terreno e que a ré, em sede da ação de divórcio por mútuo consentimento, fez constar a casa de morada de família, na relação dos bens comuns do casal.
Encontram-se, pois, considerados na decisão recorrida todos os factos a que se reportam as questões ora colocadas pelo recorrente, com excepção de duas: Se por ocasião da construção da casa de habitação, A. e R. tinham estabelecido algum vinculo jurídico entre si e se, por tal ocasião, o A. e os proprietários da parcela de terreno tinham algum vinculo jurídico entre si?
Sucede que, quanto a estas duas questões, apreciando os articulados apresentados pelo autor, neles não se divisa a respetiva alegação, pelo que, logicamente, não teria o Tribunal recorrido que considerar as mesmas.
Mas, para além disso, sempre se diga que o enunciado nessas questões é conclusivo e impassível de indagação probatória, para além de, na parte factual, ser temporalmente impreciso e genérico.
Assim, por um lado, as (duas) questões ora colocadas pelo recorrente reportam-se à “ocasião da construção” da casa de habitação e não, à data da conclusão da obra. Mas, por outro lado, nelas não se precisa qual o vínculo jurídico cuja presença é questionada, o que torna ininteligível e genérico o enunciado de tais questões.
Ou seja, não se vislumbra, por uma parte que o Tribunal tenha omitido a consideração dos factos pertinentes alegados pelo autor e, por outra parte, que, quanto às demais duas questões, tivesse alguma obrigação de considerar a factualidade nelas ínsita.
Não ocorre, pois, omissão de pronúncia do Tribunal recorrido que, tendo presente a aludida factualidade considerada, sobre a mesma assentou a pronúncia efetuada.
O autor vem invocar ainda a nulidade da decisão proferida num outro segmento: por considerar que o Tribunal não apreciou – nem positiva, nem negativamente – as provas que apresentou (testemunhal) e requereu (pericial e por requisição).
Ora, a lei permite ao juiz, como se viu, de harmonia com o princípio da economia processual consagrado no artº 130º do CPC (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-03-2019, Pº 4762/17.8T8GMR-A.G1, rel. MARIA AMÁLIA SANTOS) que conheça no momento de prolação do despacho saneador, do mérito da causa, o que não contende com as provas indicadas ou requeridas pelas partes, as quais, apenas se destinam a formar a convicção do julgador.
Tal formação de convicção do juiz não ocorrerá se os elementos já constantes do processo - plenamente provados ou, não obstante tal circunstância - conduzirem inelutavelmente à improcedência da pretensão do autor, ou seja, se sem qualquer outra demonstração probatória a pretensão deduzida será de julgar improcedente, caso em que, toda e qualquer produção probatória ulterior será inútil, por não poder conduzir a diverso resultado.
Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-02-2018 (Pº 2020/16.4T8STR.E1, rel. MANUEL BARGADO): “O direito à tutela jurisdicional efetiva contido no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa implicando o direito à prova, engloba a possibilidade de propô-la e produzi-la, mas apenas se tal prova se mostrar relevante e necessária para a decisão a proferir”.
Em igual sentido, o referido aresto do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-03-2019 (Pº 4762/17.8T8GMR-A.G1, rel. MARIA AMÁLIA SANTOS), enunciando que, o direito de as partes “produzirem todos os meios de prova por si indicados e admitidos nos autos, nomeadamente o direito de produzirem a prova testemunhal por si indicada -, é um direito a respeitar pelo tribunal em sede de audiência de julgamento, mas esse direito das partes cede, caso a decisão seja proferida no despacho saneador, perante o poder que o juiz tem de prescindir da produção das provas indicadas pelas partes, se as considerar desnecessárias para a decisão da causa”.
Questão diversa – e a montante – é a de saber se o processo legitimava, no seu estado, o imediato conhecimento do mérito da causa (a apreciar ulteriormente), mas tal não colide com a circunstância de, caso o juiz assim o entenda – poder conhecer de imediato do mérito da causa – nessa situação, a causa se abreviar, sem produção de outras provas, por os elementos dos autos, tal não o determinarem.
Assim, não se pode dizer que, na situação em que o Tribunal declara encontrar-se em condições de conhecer de imediato da pretensão formulada, em sede de prolação de despacho saneador, ocorra omissão de pronúncia se o juiz não se pronuncia sobre as provas já apresentadas/requeridas nos autos, dado que, de facto, tal produção probatória não é pertinente para a apreciação da causa.
E, assim, consequentemente, o Tribunal recorrido não tinha que, de modo expresso, pronunciar-se, previamente à decisão de mérito, sobre as provas já apresentadas ou requeridas pelas partes.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06-09-2018 (Pº 1428/09.6BESNT, rel. ANA CELESTE CARVALHO) cuja doutrina é plenamente aplicável na situação dos autos, “a falta de pronúncia sobre um requerimento probatório não constitui fundamento para a nulidade decisória, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC”.
Não ocorre, pois, a nulidade arguida pelo recorrente.
*
C) Se a decisão recorrida é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c) e 662.º, n.º 1, do CPC, por ininteligibilidade?
Considera também o recorrente que a decisão recorrida é nula, sendo ininteligível, o que assentaria na circunstância de que, “tendo desaparecido do Código de Processo Civil a elaboração da base instrutória, relegando-se para a decisão final a fixação da matéria de facto, nem por isso deixa o Tribunal de ter que consignar todos os factos provados e não provados relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que tenha que considerar-se controvertida, não lhe sendo lícito consignar apenas os factos que relevem para a solução jurídica que preconiza para o caso concreto, sob pena de a decisão ser incompreensível para as partes e impossível de sindicar pelos tribunais superiores -cfr. art.607º, nº 3, 4 e 5 do C.P.C.” (cfr. artigo 17.º das alegações de recurso).
Vejamos:
“A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte [da alínea c)] do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-11-2016, Processo 1774/13.4TBLLE.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO).
Ou seja: Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-94, rel. CARDOSO ALBUQUERQUE, in BMJ nº 433, p. 633, o Acórdão do STJ de 13-02-97, rel. NASCIMENTO COSTA, in BMJ nº 464, p. 524 e o Acórdão do STJ de 22-06-99, rel. FERREIRA RAMOS, in CJ 1999, t. II, p. 160).
Trata-se de um erro lógico-discursivo na medida em que, ocorrendo tal vício, a decisão segue uma determinada fundamentação e linha de raciocínio mas vem, a final, a decidir em conflito com tal fundamentação.
Esta nulidade verifica-se, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, constituindo um vício de natureza processual.
Relativamente ao segmento atinente à ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, tem entendido a doutrina que “a sentença é obscura quando contém um passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos” (cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., 2013, Almedina, p. 400).
“Diz-se que a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade: de ambiguidade quando algumas das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre esta causa de nulidade constante do 2º segmento da al. c) do nº. 1 do artº. 615º, se tais vícios tornarem a “decisão ininteligível” ou incompreensível” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371).
Revertendo ao caso dos autos, afigura-se-nos que a arguição de nulidade do recorrente assenta num equívoco: o de que o Tribunal incumpriu o dever de consignar todos os factos provados e não provados relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e de que apenas consignou os factos relevantes para a solução jurídica que preconizou para o caso.
Ora, se assim é, verifica-se que o recorrente entendeu, corretamente, o teor da decisão proferida, sobre o qual, aliás, desenvolveu extensa alegação.
E, na realidade, não decorre da circunstância de não ter sido produzida prova sobre os factos enunciados na fundamentação da decisão recorrida, qualquer ambiguidade ou falta de inteligibilidade da decisão, pois, o julgador não deixou de referenciar que a alusão factual que considerou como pressuposto decisório, se reportava à alegação do autor e que tal apenas era efetuado com vista a ser determinada a viabilidade das pretensões que esse mesmo autor tinha formulado.
Não se vislumbra, pois, a nulidade arguida, nem a contrariedade, neste conspecto, face ao disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
*
D) Se o estado do processo permitia o conhecimento imediato do mérito da causa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 595.º do CPC ou se o mesmo dependia de prova a produzir, sendo negado ao recorrente o direito à Justiça e violado o princípio da igualdade das partes?
Nas conclusões da apelação, o recorrente alinhou, entre outras, as seguintes:
“19º (…) está a ser negada a possibilidade de apresentar em sede de julgamento as suas pretensões bem como apresentar a sua prova que as fundamente quer de facto quer de Direito tais pretensões, e que lhe foi negado o direito á Justiça e a igual tratamento de partes no presente processo judicial encontrando-se violado o princípio da igualdade das partes previsto no artigo 3º-A do Código de Processo Civil que consiste em as partes serem colocadas em perfeita paridade de condições, desfrutando de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida (…).
31- O tribunal a quo limitou-se a seguir a tese formal e da nulidade da doação (a existir) por falta de documentação legal (…).
32 - No caso o A. realizou um investimento avultado em terreno que lhe fora prometido ser doado, situação que apenas poderá provar em sede de prova testemunhal e portanto em sede de audiência e julgamento.
33- E foi com base nessa promessa de doação do terreno ao casal e nessa legitima expectativa, com vista ao casamento e património comum do casal que o A. gastou todo o seu dinheiro próprio, no valor de cerca de 75 000,00€ na construção de uma casa de habitação naquela parcela de terreno.
34- Sendo certo que apenas 12 anos após o casamento celebrado entre o A. e a Ré em 6.09.1997, os pais desta fizeram doação, á data de 17.06.2009 em exclusivo á Ré porquanto esta nessa ocasião já antevia divorciar-se do A., tendo inclusive a Ré dito ao A. que, caso este não lhe desse o divórcio perdia qualquer direito á casa a qual era da sua exclusiva propriedade, e foi assim que o A. teve conhecimento deste facto.
35 - As legitimas expectativas do A. são protegidas pelo Direito conforme acima expresso mas o Tribunal a quo decidiu, com base num argumento formal, ignorar os direitos do A. nesta matéria (…).
43 - Segundo alega o A. a casa de habitação foi construída durante os anos de 1996 e 1997 e, por ocasião do casamento entre o A. e a R., á data de 6.9.1996 encontrava-se a obra concluída.
44- E também segundo o A. a casa de habitação foi construída com dinheiro da exclusiva titularidade do A. e de solteiro , daí a sua pretensão que venha a ser declarada a propriedade exclusiva das construções/casa de habitação, a favor do A. , tudo antes da data do casamento que teve lugar á data de 6.9.1997.
45- E também quanto a este pedido do A. o Tribunal a quo decidiu declará-lo improcedente sem produção de demais prova e no entender do A. com fundamentação insuficiente porquanto não obstante a incorporação das construções na parcela de terreno a titularidade das construções pode e deve ser aferida em juízo. Não o sendo é violado o direito do A. a ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre tais construções e obra.
46-(…) em sede de Contestação a ré veio contraditar toda a tese do A. , impugnando os factos alegados pelo A. e avançando com a tese que foram os seus pais quem iniciaram a construção da casa na parcela de terreno da sua propriedade e que o A. não suportou qualquer custo de construção tendo apenas colaborado com algumas despesas e após o casamento.
47-E que os pais da Ré vieram a fazer doação da casa de habitação que construíram em exclusivo à R. sua filha pelo que encontra-se o imóvel com registo de aquisição em exclusivo á Ré.
48- É pois imperativo que a Ré venha fazer prova do alegado no articulado da sua Contestação até para efeitos de averiguação de alegação de factos falsos e litigância de má fé nos autos e posterior condenação.
49- Daqui resulta toda a tese do A. se encontrar impugnada pela Ré, toda matéria de facto de revelo para o A. ainda se encontrar por provar (…).
51- Em quarto lugar:- quanto ao pedido, subsidiário, do A. de ver reconhecida a aquisição da propriedade por via da acessão industrial imobiliária e dos fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo para declarar a sua improcedência no momento dos autos fica por esclarecer, quer factualmente quer em termos de Direito, a relevância da circunstância das construções e obras terem sido realizadas antes do casamento.
52 - Se o terreno em causa pertencia aos pais da ré e estes autorizaram a construção em vista do casamento de ambos A. e R. para que nele fosse construída a casa de morada da família independentemente da data do vinculo jurídico do casamento e interpretando essa vontade quer dos pais da Ré quer do casal A. e R. – casa de morada de família do casal – como uma contratação, um acordo pré-conjugal, interpretando a vontade das partes e dos intervenientes nesse sentido de bem comum do casal (…).
58- No caso em concreto o A., na qualidade de terceiro, invoca a incorporação de determinadas construções, em prédio imóvel alheio isto é, em prédio de que é titular oura pessoa.
59 - Tendo tais construções sido executadas á data, antes do vinculo conjugal, com autorização dos proprietários do imóvel e portanto executadas de boa fé pelo que pode vir a adquirir a propriedade do imóvel e de todo o seu conjunto. ( prédio e construções) (arts. 1339.º a 1343.º do Código Civil).
60 - Sendo a acessão um dos modos de aquisição da propriedade de acordo com o art. 1316.º, é de extrema importância analisar como ocorre este fenómeno nomeadamente qual o papel dos seus intervenientes, em que momento ocorre essa aquisição, e em que moldes funciona todo este processo.
61- A decisão do tribunal a quo coloca pois o A. numa situação de total falta de protecção do Direito assim como coloca o A. num injusto e grave prejuízo.
62- Sendo certo que estabelece a lei no seu artigo 1317º alínea d) do Código Civil que na acessão, o direito de propriedade adquire-se no momento “da verificação dos factos respectivos” , isto é,
63- A aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária operase á data/momento da incorporação, ou seja, á data anterior a 6.9.1997 , data da celebração do casamento.
64 - O art. 1340.º do Código Civil regula o regime da acessão industrial imobiliária nos casos em que as obras, sementeiras ou plantações são feitas de boa fé em terreno alheio.
65 - E o seu n.º1 estipula que, quando o valor que a incorporação tiver trazido à totalidade do prédio for superior ao que este tinha antes, o seu autor adquire a propriedade do prédio, pagando o valor que este tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.
66 - Pelo contrário, se o valor acrescentado for inferior, a incorporação pertence ao dono do terreno, “com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação” (n.º 3 do art. 1340.º).
67 - E a solução legal tem sempre em vista a tutela da propriedade privada e evitar o enriquecimento injustificado de uns ( a R.) á custa de outrem ( o A.).
68- Daqui resulta constituir matéria em litigio a propriedade e titularidade da obra e das construções.
69 - E proferir sentença judicial sem permitir ao A. o direito a fazer a sua prova e interceder pelos seus direitos patrimoniais é subverter todo o sistema de Direito e defesa dos interesses próprios do cidadão com gritante violação do principio **** da Constituição da República Portuguesa.
70 - Isto porque, dos factos alegados nos articulados da petição inicial apresentados pelo A. e pela R. apenas existem duas situações: ou a casa foi construída pelo A. conforme alega no articulado da sua petição inicial, ou a casa foi construída pelos pais da Ré que depois a doaram á Ré. (…).
77 - Tendo a dita casa de habitação sido construída antes do casamento e antes do estabelecimento de qualquer vínculo jurídico conjugal entre A. e R.
78 - Donde resulta tais construções, portanto tituladas com dinheiro próprio do A, constituem bens da sua exclusiva titularidade e portanto, bem próprio.
79- O imóvel transformou-se pois de uma parcela de terreno (prédio rústico) em uma casa de habitação, e portanto num conjunto, as obras e construções nela se incorporando constatando-se uma nova realidade incontornável - um prédio urbano - edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
80 - E porquanto de matéria em litigio na presente acção: o A. alega na sua petição inicial que despendeu e custeou em exclusivo as obras e construções e a Ré contraditando alegando que os seus pais custaram a construção da dita casa de habitação, necessário seria a produção de prova a realizar em sede de julgamento.
81- E a final apenas é possível duas soluções:
a) ou resulta provado que as construções e obras incorporadas na parcela de terreno são da exclusiva propriedade do A. porque as pagou com dinheiro próprio seu, e construídas antes de constituído o vinculo jurídico do casamento e regime de bens, conforme alegou aplicando-se a esta realidade material: parcela de terreno pertença de um proprietário, construções e obras pertença de outro proprietário, antes do vinculo jurídico do casamento, situação cuja resolução é o do recurso ao instituto da acessão industrial imobiliária nos termos do disposto nos artigos 1340º do Código Civil;
b) ou resulta provado que a construção e obra é resultado da acção dos dois membros do casal com aplicação de recursos comuns e sobre bem próprio de um deles, deixou o terreno de ter existência jurídica autónoma , tendo ficado integrado no prédio urbano e passando uma e outra coisas a formar uma unidade jurídica indivisível, ou seja, coisa nova e diversa e portanto comum.
Isto porque não sendo alheia a parcela de terreno primitiva e portanto bem próprio de um dos ex-membros do casal, e participando o próprio dono do terreno na obra e construção ( matéria controvertida) nãop se verificam os pressupostos exigidos de aplicação da acessão industrial imobiliária, nos termos dos artºs 1325º, 1339º e 1340º, do CC optando pela consideração do conjunto como bem comum do casal.
82 - Do exposto resulta contudo que essencial será contrariar o enriquecimento injustificado de um dos ex-cônjuges e o empobrecimento injustificado de outro do ex-cônjuges e repor o equilíbrio económico entre os patrimónios .
83- De todo o exposto resulta a extensão da matéria factual e de Direito em discussão incompatível com uma apreciação liminar e decisão de mérito em sede de saneador sentença sem a demais produção de prova (…).”.
Como resulta do alegado, está em causa saber se o Tribunal, quando conheceu do mérito da causa, detinha todos os elementos necessários para o efeito, ou se, ao invés, tal não sucedia e deveria a causa ter prosseguido para instrução, com produção probatória.
Para a resolução da questão em apreço cumpre apreciar em que condições tem de estar o julgador para poder conhecer do mérito da causa, em fase de saneamento dos autos, sem que se mostre necessária a realização de audiência de julgamento, ou seja, sem a produção de quaisquer outras provas.
O CPC permite o conhecimento do mérito na fase do saneador: “O despacho saneador destina-se a: (…) b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória” (cfr. artigo 595.º, n.º 1, al. b) do CPC).
Assim, o juiz conhecerá – total ou parcialmente – do mérito da causa no despacho saneador quando não houver necessidade de provas adicionais, para além das já processualmente adquiridas nos autos, encontrando-se, por tal, já habilitado, de forma cabal, a decidir conscienciosamente.
Conforme, elucidativamente, se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-07-2013 (Pº 295/12.7T6AVR.C1, rel. HENRIQUE ANTUNES):
“Há que indagar se, entre as diversas soluções possíveis do problema, a adoptada pela decisão impugnada é aquela que, pelo menos, melhor perspectiva de acerto possui face ao sistema jurídico considerado no seu conjunto.
Uma solução jurídica não é demonstrável - mas apenas argumentável. O ónus de argumentação que, com a exposição anterior, se procurou cumprir, mostra que há razões ponderosas que são susceptíveis de justificar, para a questão problematizada no recurso, uma solução plausível diferente.
O despacho saneador pode apreciar tanto os aspectos jurídico-processuais da acção – como o mérito desta (…). No plano das funções atribuídas ao despacho saneador, a apreciação daqueles aspectos constitui o seu conteúdo essencial, enquanto o conhecimento do mérito é uma finalidade eventual: o despacho saneador visa fundamentalmente evitar a que se atinja a fase da sentença sem qualquer controlo sobre a admissibilidade da apreciação do mérito da causa e que, por isso, se possa frustrar a função essencial dessa sentença.
Na verdade, a apreciação do mérito da acção e o proferimento da decisão sobre a sua procedência ou improcedência é realizada, em regra, na sentença final (…). Mas em certas condições, essa apreciação pode ser antecipada para o despacho saneador: o tribunal pode conhecer do mérito da acção nesse despacho sempre que o estado do processo permita, sem necessidade de mais provas, a apreciação do pedido, de algum dos pedidos cumulados, do pedido reconvencional ou ainda da procedência de alguma excepção peremptória (…). Caso isso suceda, o despacho saneador fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença e dele cabe, naturalmente, recurso de apelação (…).
Portanto, o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito: ao despacho saneador não cabe antecipar qualquer solução jurídica e, muito menos, desconsiderar quaisquer factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção. Maneira que se os elementos os elementos fornecidos pelo processo não justificarem essa antecipação, o processo deve prosseguir para a fase da instrução, realizando-se a apreciação do mérito na sentença final”.
Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 204) enuncia diversos casos em que é admissível ao juiz conhecer do mérito da causa no despacho saneador. Tal sucederá quando:
“a) os factos alegados pelo autor em qualquer dos articulados legalmente admitidos forem inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido (inconcludência), caso em que o réu será absolvido do pedido;
b) todos os factos integradores de uma exceção perentória se encontrem já provados, com força probatória plena (ou pleníssima), por confissão, admissão ou documento, do que resultará a absolvição do réu do pedido;
c) se deverem ter por provados todos os factos integradores da causa de pedir por não existirem exceções perentórias, serem os factos em que se fundariam inconcludentes ou plenamente provada a inocorrência de alguns desses factos, v.g., por prova dos factos contrários (procedência do pedido);
d) se se evidenciar a inconcludência dos factos em que se funda a exceção perentória ou prova, com força probatória plena, dos factos contrários (do que resulta ter a ação que prosseguir para apuramento dos factos que integram a causa de pedir)”.
O mesmo Autor (ob. cit., p. 205) considera que constituem ainda situação admissível de imediato conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, aquela em que todos os factos probandos principais integrem causa de pedir (ou fundem exceções) apenas suscetíveis de prova documental, constituindo o documento uma formalidade legal ou ad substantiam (art.º 364.º, n.º 1, do CC) ou pelas próprias partes (art.º 223.º, n.º 1, do CC) e, como tal, ser insubstituível por qualquer outra prova (cfr. artigo 364.º, n.º 1, al. c) do CC).
“Já se os documentos forem exigidos para a prova de determinados factos (formalidade ad probationem), “podem eles ser substituídos por confissão expressa judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório” (artigo 364.º, n.º 2, do CC); pode assim, a ação ser julgada no despacho saneador se, não tendo sido apresentado o (exigido) documento, for produzido depoimento de parte (pela parte legitimada para confessar) na própria audiência prévia ou em prestação de informações ou esclarecimentos em juízo sobre factos que interessem à decisão da causa, sendo que realizando-se audiência prévia, pode para ela ser convocada – ex-officio ou a requerimento de parte contrária – a pessoa de qualquer um dos litigantes (artºs. 452.º e 453.º).” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 205).
Também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado; Vol. I, Almedina, 2018, pp. 696-698) referem que “a antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas, e independentemente de a mesma favorecer uma ou outra das partes”, enumerando diversas situações em que o juiz pode conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o que sucederá sempre que não existam matéria controvertida suscetível de justificar a elaboração de temas da prova e de realização da audiência final.
Tal sucederá quando:
“a) Toda a matéria de facto relevante esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento: nestas circunstâncias, é inviável a elaboração de temas da prova e, por isso mesmo, mostra-se dispensável a audiência final, nada obstando a que o juiz proceda à imediata subsunção jurídica;
b) Quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permaneçam controvertidos: se, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na enunciação dos temas da prova e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito; se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da ação, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil o prosseguimento da ação para audiência final; mutatis mutandis quando se trate de apreciar de que forma os factos alegados pelo réu poderão interferir na decisão final, pois se tais factos, enquadrados na defesa por exceção, ainda que provados, se revelam insuficientes ou inócuos para evitar a procedência da ação, inexiste qualquer razão justificativa para o adiamento da decisão;
c) Quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental, caso em que o juiz proferirá despacho saneador-sentença (…). Com efeito, a audiência final, em torno dos factos abarcados pelos temas da prova, não se destina no essencial à apresentação de documentos, antes à produção de outros meios de prova, sujeitos a livre apreciação, pelo que se impõe a antecipação da decisão sobre o mérito da causa;
d) Nem sequer está afastada a possibilidade de apreciação do mérito, apesar da existência de outras soluções plausíveis sustentadas em matéria de facto ainda controvertida, desde que o juiz esteja ciente da segurança da sua decisão, embora neste caso deva avaliar os riscos de uma posterior anulação pela Relação, com fundamento na necessidade de ampliação da matéria de facto (art. 662.º, n.º 2, al. c), in fine); na verdade, a sua eventual revogação (…) pode prejudicar o efeito de aceleração emergente da antecipação parcial da apreciação do mérito da causa; é aqui que a utilização do prudente critério do juiz pode servir para selecionar os casos em que, apesar das divergências, se justifica o julgamento antecipado, no confronto com aqueles em que será preferível a enunciação dos temas da prova e a posterior atividade instrutória, com vista ao apuramento dos factos que interessem à correta e completa integração jurídica; como critério geral de atuação, deve o juiz optar entre proferir a decisão de mérito da causa ou relegá-la para depois da audiência final, depois de fazer um juízo de prognose acerca da relevância ou não dos factos ainda controvertidos;
e) Tratando-se de pedido único, conquanto a lei admita a decisão parcial, julgamos que, em regra, o juiz deve abster-se de tal decisão e deixá-la para final, opção que reflete o equilíbrio entre a celeridade do processo e a coerência das decisões; tratando-se de um pedido principal (v.g. capital mutuado ou reivindicação de prédio) e de pedido acessório (v.g. juros de mora ou avaliação dos prejuízos decorrentes da ocupação ilegal), parece ser mais vantajoso o conhecimento antecipado daquela pretensão; o mesmo ocorrerá quando tenham sido cumulados diversos pedidos principais ou quando tenha sido formulado um pedido principal e um pedido subsidiário e existam fundamentos para conhecer do primeiro”.
A jurisprudência tem apreciado, em diversos casos, a questão em análise. Disso são exemplo as seguintes decisões:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-07-2013 (Pº 295/12.7T6AVR.C1, rel. HENRIQUE ANTUNES): “O conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-02-2017 (Pº 4716/15.9T8VCT-A.G1, rel. PEDRO ALEXANDRE DAMIÃO E CUNHA): “O conhecimento imediato do mérito da causa no despacho saneador, permitido na alínea b) do n.º 1 do artigo 595º do CPC, só poderá acontecer (i) quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos, (ii) quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, e (iii) quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental. Nessa medida, mostrando-se ainda controvertidos factos alegados pelo Autor que, com relevância, contendem com a causa de pedir subjacente aos pedidos sobre os quais o Tribunal decidiu pronunciar-se no despacho saneador, estava vedado àquele Tribunal conhecer imediatamente, nessa fase processual, do mérito desses pedidos”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-05-2019 (Pº 3610/18.6T8MTS.P1, rel. NELSON FERNANDES): “I - O conhecimento do mérito no despacho saneador pressupõe que não existam factos controvertidos indispensáveis para esse conhecimento, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito. II - Face ao referido em I, apesar do juiz se considerar habilitado a conhecer do mérito da causa segundo a solução que julga adequada, com base apenas no núcleo de factos incontroversos, caso existam factos controvertidos com relevância para a decisão, segundo outras soluções também plausíveis de direito, deve abster-se de conhecer, na fase de saneamento, do mérito da causa”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-05-2020 (Pº 5598/18.4T8LSB.L1-7, rel. ISABEL SALGADO): “Ressalvadas as situações excluídas por lei, à partida toda a causa poderá ser julgada na fase intermédia do processo, posto que o julgador antecipe que, o proveito da fase instrutória dos factos controvertidos, ante a solução plausível de direito, seja indiferente para o destino do litígio. Em ordem a alicerçar a conclusão de que está habilitado a conhecer de imediato do pedido, o juiz não pode, todavia, cingir-se à sua percepção da realidade do facto controvertido, firmada através dos elementos documentais (e outros) já disponíveis nos autos; tal prognose, não se equivale, no momento do saneador, à suficiência da convicção antecipada do julgador sobre a realidade do(s)facto(s)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-10-2020 (Pº 1002/19.9T8VNF-A.G2, rel. RAMOS LOPES): “Decorre do art. 595º, nº 1, b) do CPC, que o julgamento da causa no saneador, findos os articulados, tem como pressuposto estarem já apurados todos os factos relevantes para a decisão da causa – o que não acontece quando provas admissíveis e aptas à demonstração (e contraprova) de parte deles não foram ainda produzidas em vista de proceder ao julgamento sobre a sua veracidade”.
No caso, o Tribunal recorrido, por entender que o processo continha já todos os elementos indispensáveis ao conhecimento do mérito do pedido, conheceu logo dele, julgando a pretensão, principal e subsidiária, do autor, improcedente.
É importante que a decisão jurisdicional seja pronta, mas, é ainda mais relevante, que seja justa.
Em nítida obediência aos princípios da celeridade e da economia processuais, a lei quer que o mérito da causa seja arrumado logo no saneador. Mas não sacrificou a esses princípios outras exigências também axiologicamente relevantes. O mérito da causa será julgado no despacho saneador se a questão puder ser decidida nesse momento, i.e., se o processo o permitir, sem necessidade de mais provas.
Quando isso ocorre, não há necessidade que o processo atravesse a fase complicada, morosa, pesada e dispendiosa da instrução e da audiência discussão e julgamento. A esta luz, o conhecimento do mérito da acção, logo naquele despacho, não é desconforme nem com o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva nem com o direito ao processo equitativo.
“Para que há-de prosseguir o processo, se não há factos sobre os quais possa incidir a prova ou se há já factos que devam considerar-se assentes que excluem, de harmonia com a lei substantiva aplicável, uma decisão de procedência?
Não é razoável que, em nome do direito à prova, i.e., à apresentação de provas destinadas a provar os factos alegados em juízo, como dimensão ineliminável do direito ao processo justo, se prossiga num processo para demonstrar factos que, mesmo a provarem-se, não garantem à parte a procedência do direito que pela acção pretende fazer valer e declarar” (assim, o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-07-2013 (Pº 295/12.7T6AVR.C1, rel. HENRIQUE ANTUNES).
Mas tal apenas sucederá no caso de a apreciação do mérito da acção, segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do seu objecto, não demandar a produção de mais provas e, portanto, poder, com inteira justificação, ser antecipada para o despacho saneador.
Revertendo ao caso dos autos, afere-se que o autor, com base nos 70 artigos da petição inicial, para os quais se remete e que aqui se consideram reproduzidos, pediu, a título principal, a condenação da ré a reconhecer o direito de compropriedade do autor sobre o terreno que identifica (e no qual terá sido construída uma casa de habitação), sendo promovido o cancelamento da inscrição registral correspondente à aquisição pela ré, por doação de seus pais, de tal imóvel, passando a constar nova inscrição predial com aquisição em comum a favor de autor e ré e que a ré seja condenada a reconhecer a titularidade exclusiva do autor das construções e obras mandadas executar e pagas pelo A. com dinheiro da sua exclusiva propriedade naquela parcela, actual casa de habitação, mais sendo a ré condenada a pagar ao autor, a titulo de benfeitorias úteis e indemnização com base no instituto do enriquecimento sem causa, do valor de mais valia das construções e moradia por si mandadas executar e pagas , no valor de 115000,00€. Subsidiariamente pediu o autor a declaração de aquisição pelo A., por via do instituto da acessão industrial imobiliária e incorporação naquela parcela de terreno das construções e obras mandadas executar pelo A., pagando o A. o justo valor pela parcela de terreno incorporada e pelo valor que esta tinha antes da data da incorporação, a fixar por perícia, com o consequente cancelamento da inscrição a favor da ré e averbada a inscrição da totalidade do imóvel a favor do autor, por acessão industrial imobiliária.
Da petição inicial destaca-se a seguinte alegação do autor:
- Que iniciou um relacionamento amoroso com a ré em meados de 1995 e em data que o A. não consegue precisar decidiram casar, o que fizeram em 06-09-1997, no regime da comunhão de bens adquiridos;
- Que com vista a esse fim os pais da Ré fizeram promessa de doação ao casal (A. e Ré) de uma parcela de terreno, que entregaram a autor e ré e que estes aceitaram em regime de compropriedade e o autor, como convicto proprietário, ainda em solteiro, com o seu dinheiro, custeou a construção da sua casa de habitação naquela parcela de terreno e tudo com autorização e consentimento dos pais da Ré os quais eram á data titulares do direito de propriedade daquela parcela de terreno;
- Que a construção da moradia teve lugar em 1996 e 1997 e foi concluída antes da data do casamento (06-09-1997);
- Que a promessa de doação daquela parcela de terreno ao A. e á Ré teve como fim o casamento;
- Que a doação foi formalizada 13 anos após a entrega do imóvel ao A., e apenas á data de 29-05-2009 e sem a concordância e conhecimento do A. em exclusivo á Ré, do que apenas teve conhecimento à data do pedido de divórcio (em 2016);
- Que a ré alega, presentemente, ser a proprietária exclusiva do imóvel; e
- Que constituem bem próprio do A. as construções e moradia mandadas executar naquela dita parcela de terreno e pagas pelo A. com dinheiro próprio deste e da sua exclusiva titularidade, antes do casamento, em prédio da titularidade de ambos os membros do casal.
A ré apresentou contestação onde, nomeadamente, alegou:
“I – Por excepção.
a) Da doação do imóvel à ré.
1.º Os factos alegados na petição inicial, nos artigos 2.º a 70.º não correspondem à verdade (…).
2.º Os pais da ré nunca fizeram nenhuma promessa de doação ao casal, pois se assim fosse, não teriam doado a casa apenas à ré.
3.º Não doaram ao casal, porque a doação do imóvel que era a casa morada de família do casal foi feita em 17 de Junho de 2009, e a ré já se encontrava no estado de casada com o autor, vidé documento n.º 2 junto com a petição inicial.
4.ºOs pais da ré iniciaram a construção da casa, em data anterior à do casamento do autor e da ré, na parcela do terreno identificado no artigo 2.º da petição inicial.
5.º E tanto assim foi, que a licença de utilização do imóvel, objecto dos autos foi emitida em 7 de Outubro de 2002 em nome de GR…, mãe da ré, conforme se pode verificar pelo documento n.º 1 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
6.º É completamente falso que os pais da ré tenham procedido à entrega do imóvel ao casal, e se o entregaram foi para nele viverem enquanto casal e ali constituírem a respectiva família, o que na verdade sucedeu. Mas,
7.º Nunca existiu, ou existe compropriedade alguma, o imóvel é e sempre foi propriedade da ré.
8.º Como é falso que o autor tenha tido a convicção de ser proprietário, quando bem sabe que nunca a propriedade lhe foi tão pouco prometida.
b) Das benfeitorias realizadas pelo autor.
9.º O autor colaborou com o pagamento de algumas despesas que foram feitas na construção da casa.
10.º A maior parte desses pagamentos foram feitos pelo autor depois do casamento com a ré, porque na verdade, mesmo depois do casamento o autor e a ré sempre tiverem contas separadas. Por isso,
11.º Durante toda a vida em comum do casal, isto é, cerca de vinte e dois anos, a ré nunca soube qual o valor das economias do autor, nem se ele tinha ou não dinheiro, porque este sempre teve uma conta só sua, em seu nome que sempre escondeu da ré, e que será objecto do tratamento processual adequado.
12.º Ora se a ré nunca teve conhecimento da situação financeira do autor durante o casamento, jamais poderia ter tido conhecimento das economias que o autor tinha de solteiro, nem a forma como as conseguiu obter.
13.º Mas, mesmo que se admita que o autor tenha gasto todas as suas economias na casa, daí a dizer-se que é seu proprietário e fazê-lo por via de uma acção de reivindicação é um passo de mágica que apenas e tão só revela a má-fé do autor. Pois,
14.º Este bem sabe, que os pais da ré eram os donos do terreno e que iniciaram a construção da casa, suportando imensos custos, e que decorridos mais de vinte anos não são possíveis de determinar.
15.º Mas, note-se que os pais da ré eram carpinteiros, e suportaram todos os custos com as madeiras necessárias à habitação, e muitos outros materiais, já que, estavam no mercado da construção e tinham os conhecimentos necessários para o efeito.
16.º As despesas que o autor suportou na construção da casa era o mínimo que este poderia fazer, já que, residiu durante mais de vinte anos e ainda reside na casa da ré, gratuitamente…
17.º Se o casal tivesse que suportar uma renda de casa, ou uma prestação para um crédito bancário, certamente que o autor actualmente não teria uma situação financeira com tanta liquidez, e que terá de demonstrar em sede própria e através do competente processo judicial.
18.º Foi o casal, autor e a ré, que decidiram que não recorriam ao crédito para os acabamentos da casa, e que ambos iriam aplicar as poupanças de todos, para que a casa se acabasse sem o recurso a empréstimos.
19.º Também é falso que a ré estudasse, pois, esta trabalhava com o seu pai na carpintaria, e muito trabalhou na construção da casa.
20.º A ré impugna expressamente os factos constantes nos artigos 11.º a 30.º, pois, não foi verdade que o autor, tivesse suportado os custos ali alegados. Na verdade,
21.º O autor era o homem e portanto, era este que acompanhava a obra junto com o pai da ré, e na boa-fé os trabalhadores da obra que sabiam que era este que iria residir na casa elaboravam os orçamentos e/ou facturas em seu nome, o que não significa que tenha sido o autor a fazer os pagamentos constantes nos documentos que junta na petição inicial.
22.º No entanto, a ré admite que o autor suportou alguns custos na construção da casa, pese embora, não saiba quantificar o montante, e aceita que ele tenha direito a essas benfeitorias que estão na casa que é propriedade da ré, às quais se devem retirar o desgaste e uso normal de mais de vinte e dois anos...
23.º O autor não podia nem pode vir invocar um direito de propriedade que não lhe assiste, nem fazer uso de uma acção de reivindicação de um bem que não foi, nem é de sua propriedade.
24.º E o autor não pode vir aos autos invocar que desconhecia que não tinha o direito de propriedade do imóvel, pois, este é um bem objecto de registo, sujeito a pagamento de impostos, etc…
25.º O autor é letrado, viveu com a ré mais de vinte anos e é pai dos seus dois filhos, pelo que, não é verdade que o autor apenas tivesse tido conhecimento deste facto à data do divórcio.
c) Do divórcio entre o autor e a ré.
26.ºO divórcio foi decretado no âmbito do processo de divórcio sem consentimento do cônjuge interposto pela ré contra o autor, no qual em diligência judicial foi feito um acordo que o convolou em mútuo consentimento e neste foram elaborados os documentos obrigatórios, isto é, incluindo a relação de bens que é feita por declaração das partes.
27.º Na relação de bens consta erradamente que a casa morada de família é um bem comum, quando deveria ter constado que o autor tinha benfeitorias realizadas na casa morada de família que é propriedade da ré.
28.º O autor, porque se divorciou da ré, e esta, para alcançar o divórcio “viu-se forçada’’, a aceitar que a casa morada de família ficasse atribuída aos dois, até à partilha ou venda, conforme consta do auto que homologou o acordo no processo de divórcio, pretende agora, porque a ré quer vender o imóvel, a fim de por termo a habitação, receber um valor resultante da eventual venda da casa, que como sabe não lhe pertence.
29.º E foi por esta atitude, de a ré pôr a sua casa à venda, que o autor pretende enriquecer às custas da ré.
30.º Diga-se, aliás, que o comportamento do autor é de manifestamente má-fé, até porque decorridos oito meses do divórcio, mantém a coabitação com a ré, e não sai de casa, com o único propósito de conseguir que seja a ré e seus filhos a saírem de sua própria casa.
31.º Agora, todos estes comportamentos do autor fazem sentido, pois, este pretende tão só apropriar-se ilegitimamente da casa da ré.
32.º E tanto assim é que, é o próprio autor que assume a apropriação ilegítima nos artigos 47.º, 48.º, 49.º e 50.º da petição inicial, pois, o autor não se coíbe de pedir ao tribunal que os pais da ré sejam obrigados a dar aquilo que não quiseram dar, e até pedir a rectificação de um registo predial que teve por objecto uma escritura pública.
d) Da impugnação dos documentos juntos com a petição inicial.
33.º Impugna-se o teor de todos os documentos juntos com a petição inicial, por não se conhecer a letra, a assinatura, nem o teor que neles se reproduz, nem se os mesmos são verdadeiros, e com os fundamentos que a seguir se enunciam o que se requer nos termos e para os efeitos do artigo 444.º do Código do Processo Civil. A saber (…).
II – Em reconvenção.
a) Do pedido de entrega do imóvel à ré.
40.º Dão-se por reproduzidos todos os factos supra referidos, pelo que, o autor deve ser condenado a pagar à ré a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) mensais referente à renda da casa, contada deste a data do divórcio até a entrega efectiva do imóvel à ré.
41.º O autor bem sabe que não pode manter a posse do imóvel, e que o deve abandonar de imediato.
42.º Mas, como supra se demonstrou, o autor pretende sem qualquer fundamento justo ou razoável, manter a posse sobre imóvel da ré.
43.º Este comportamento do autor, de manter a posse da casa propriedade da ré, está a causar graves danos à ré, em benefício do autor que usa gratuitamente a casa, e forçando a ré e seus filhos a terem que sair de casa e esta a suportar uma renda. Senão vejamos,
44.º A coabitação entre o autor e a ré no imóvel está praticamente impossível, e se este não entregar a casa devoluta de pessoas e bens, terá que ser a ré a sair, o que acarretará os seguintes custos: a) renda de € 500.00 (quinhentos euros) com seis meses de caução que a senhoria exige, perfaz a quantia de € 3.000,00 (três mil euros); b) compra de móveis e equipamentos, entre outros, € 10.000,00 (dez mil euros).
45.º Ora, tal prejuízo provocado pelo autor cifra-se em pelo menos € 13.000,00 (treze mil euros), que a ré terá de suportar.
46.º Face ao exposto, deve o autor reconhecer a propriedade da ré sobre o imóvel e, ainda, proceder à entrega da casa, no prazo máximo de trinta dias, o que ora se pede em reconvenção e subsidiariamente caso o autor não cumpra deve ser condenado a pagar à ré uma indemnização de € 13.000,00 (treze mil euros), acrescida do valor da renda até a entrega efectiva do imóvel.
b) Da litigância de má-fé.
47.º Conforme supra se demonstrou existe um comportamento manifestamente abusivo do autor ao utilizar o presente meio processual e alegar factos que tem perfeito conhecimento e consciência de que não são verdadeiros, para se apropriar de um imóvel que tem perfeito conhecimento que não lhe pertence.
48.º O autor sabe que foram os pais da ré que doaram o imóvel à ré.
49.º Como também sabe que não pode continuar a residir na casa e que esta não lhe pertence, pelo que, se verifica que o autor litiga com manifesta má-fé desde que este reside, no estado de divorciado da ré, na casa propriedade da ré, gratuitamente.
50.º Assim, o autor deturpa conscientemente a verdade dos factos, faz um uso abusivo do processo invocando uma pretensão que sabe que não tem fundamento, e por conseguinte, litiga com manifesta má-fé ao inventar que os pais da ré lhe prometeram uma doação e pretende, apesar da fé pública, nova escritura pública e consequente rectificação do registo predial.
51.º Deve, por isso, nos termos do artigo 542.º do Código do Processo Civil ser condenado como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da ré, e honorários da advogada da ré, o que tudo se liquida no montante de € 15.000,00 (quinze mil euros), pois, se não fosse este comportamento anómalo do autor, a ré não teria necessidade de se defender em juízo, de pagar despesas com a justiça e de contratar advogado para este fim.
c) Do valor do pedido reconvencional.
52.º Por tudo o exposto, e dando se por reproduzidos em sede de reconvenção os factos supra invocados, devendo o autor ser condenado a pagar à ré a quantia total de € 28.000,00 (vinte e oito mil euros), sendo respectivamente:
a) € 13.000,00 (treze mil euros), pela renda da casa que esta terá de suportar e pelos móveis e equipamentos que esta terá de comprar.
b) € 15.000,00 (quinze mil euros), pela litigância de má-fé, ao fazer um uso abusivo do processo invocando uma pretensão que sabe que não tem fundamento e ao deturpar conscientemente a verdade dos factos.
Nestes termos e nos melhores de direito supridos por V. Exa. deverá a presente acção, por totalmente infundada, ser julgada improcedente, por não provada, e ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional (…)”.
O autor replicou, após o que, por despacho de 02-10-2019, o Tribunal recorrido não admitiu o pedido reconvencional e convidou as partes a pronunciarem-se sobre o entendimento relativamente aos pedidos do autor referindo o seguinte:
“Consideramos que os pedidos formulados na PI sob as alíneas a), b), c) e A) podem, desde já, ser apreciados no sentido da improcedência.
Tal resulta, quanto aos pedidos das alíneas a), b) e c), da circunstância não haver qualquer fundamento para a existência da invocação da compropriedade uma vez que a invocação da promessa de doação, ainda que tivesse existido, não pode ser fundamento para a aquisição válida do direito que se pretende ver declarado.
Quanto ao pedido formulado na alínea A), consideramos que o instituto da acessão industrial imobiliária não se aplica à construção, por um dos cônjuges, da casa de morada de família em terreno ao tempo pertencente ao outro cônjuge, casa essa que efectivamente viria após a construção a constituir a casa de morada de família no decurso do casamento.”.
Após, verifica-se que o Tribunal recorrido consignou, em sede de prolação do despacho saneador, o seguinte:
“Como se referiu no despacho que anunciou a possibilidade de conhecimento parcial do mérito da causa, os pedidos relativos ao reconhecimento do direito de propriedade, em regime de cotitularidade com a ré, têm como fundamento a invocada promessa verbal de doação efetuada pelos pais da ré.
Desde logo temos que o autor invocou uma promessa de doação o que por si só faria decair por completo qualquer tipo de direito decorrente da doação, nomeadamente o efeito translativo do direito de propriedade previsto no artº 954º do CCivil, pois na realidade não existiu doação.
Mas ainda que tivesse existido, nos termos do artº 947º/1 do CCivil, na versão em vigor à data em que o autor alega que a doação foi feita (anterior à alteração decorrente do DL nº 116/2008, de 04.07) e que foi antes do casamento que se realizou em setembro de 1997, tal doação apenas seria válida se fosse celebrada por escritura pública. Quer isto dizer que doação verbal de um imóvel padece do vício da nulidade (artº 220º do CCivil), não produzindo efeitos e sendo tal nulidade de conhecimento oficioso do tribunal (artº 286º do CCivil). Não pode, pois, o autor sustentar os direito relativos à compropriedade na causa de pedir que invocou para tal pois o facto consubstanciador do invocado direito é nulo.
Quanto à aquisição da propriedade por via da acessão industrial imobiliária, a mesma tem os seguintes pressupostos, nos termos do artº 1340/1 do CCivil: a incorporação consistente na realização da obra, sementeira ou plantação; a natureza alheia do terreno sobre o qual é erguida a construção, lançada a sementeira ou efetuada a plantação; a pertença dos materiais ao autor da incorporação; a formação de um todo único entre o terreno e a obra; o maior valor da obra relativamente ao valor do terreno; e a boa-fé do autor da incorporação, consubstanciada no desconhecimento pelo incorporante da natureza alheia do terreno ou na autorização da incorporação pelo dono do terreno (artº 1340º/4).
Conforme resulta do alegado pelo réu e dos documentos que juntou, o terreno em causa pertencia aos pais da ré. Estes autorizaram a construção em vista do casamento de ambos e, circunstância muito importante, para que nele fosse construída a casa de morada da família. Quer isto dizer que os proprietários não autorizaram o autor a fazer uma construção com vista ao seu exclusivo interesse pessoal. O autor não foi autorizado a construir no terreno uma casa de habitação para si (é claro que estamos a laborar no pressuposto de que o alegado quanto a ter sido ele a suportar os custos da construção é verdadeiro, ou seja, com base na prova integral daquilo que o autor alegou) mas sim a fazer uma casa de habitação para a família que iria constituir com a ré. Quer isto dizer que na situação dos autos o requisito da boa-fé – no caso decorrente da autorização dada pelos donos do terreno - apenas existe no âmbito daquela finalidade.
A pretensão do autor de adquirir em exclusivo para si o direito de propriedade sobre o terreno não está abrangida pela autorização que lhe foi dada para efetuar a construção e, por isso, no que respeita a esta pretensão - e que é a que se vem exercer nesta ação - temos de concluir que o autor é construtor de má-fé. Ora, o construtor de má-fé não tem o direito de adquirir a propriedade sobre o terreno no qual fez a construção, só assistindo tal direito ao construtor de boa-fé, nos termos do mencionado artº 1340º/1 do CCivil. O construtor de má-fé apenas tem os direitos previstos no artº 1341º do CCivil.
Deste modo há que concluir desde já que o alegado pelo autor não lhe concede os direitos que pretende exercer por via dos pedidos formulados nas als. a), b), c) e A) da p. i., os quais devem ser considerados improcedentes, deles se absolvendo a ré do pedido”.
Ora, passados em revista os termos seguidos pelo presente processo, verificamos que o autor invocou que na parcela de terreno (à data registada em nome dos pais da ré) edificou e concluiu, ainda no estado de civil de solteiro, a construção de uma casa de habitação. Os pais da ré prometeram doar ao autor e à ré a dita parcela tendo em vista o casamento. O casamento veio a concretizar-se em Setembro de 1997. Mais invocou o autor que, contudo, a doação apenas se veio a concretizar, por escritura pública, em 2009 e sendo apenas donatária a ré.
O Tribunal recorrido, com referência aos pedidos principais do autor, decidiu dizendo que o autor assenta a sua pretensão numa promessa de doação que, por falta de forma, é nula, nela não podendo o autor basear a sua pretensão.
Este entendimento não merece censura, atento o disposto no artigo 947.º do CC e o facto de estar em questão um bem imóvel como objeto da doação.
Contudo, não nos parece que a causa, ponderadas todas as soluções plausíveis da questão de direito, viabilizasse o imediato conhecimento do mérito.
É que, como se viu, o autor invocou que a casa de habitação foi concluída ainda antes do casamento, sendo que, segundo também alegou, a mesma foi construída com o seu exclusivo investimento e dinheiro.
Assim, na perspetiva desta alegação, o autor vem invocar uma pretensão baseada na circunstância de ter construído obra em terreno alheio – então pertença dos pais da ré – considerando que tal construção tem maior valor do que o do terreno (cfr. artigo 70.º da p.i.) – visando ver declarada a propriedade do imóvel, por acessão industrial imobiliária, nos termos do artigo 1340.º, n.º 1, do CC, pedido que formulou, a título subsidiário, invocando que estava de boa fé.
Entendeu o Tribunal recorrido que, contudo, a situação do autor não era de boa fé, mas sim, de má fé, pelo que, apenas teria direito à tutela que lhe confere o artigo 1341.º do CC e, não, a do artigo 1340.º do mesmo Código.
Como se viu, o Tribunal recorrido sustentou que a pretensão do autor, de adquirir, em exclusivo, para si, o direito de propriedade sobre o terreno não está abrangida pela autorização que lhe foi dada pelos pais da ré para efetuar a construção e, por isso, no que respeita a esta pretensão, conclui que o autor é construtor de má fé.
O CC dá-nos, no contexto da acessão, uma noção de boa fé: “Entende-se que houve boa fé, se o autor da obra ….desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno” (artigo 1340.º, n.º 4).
Importa salientar – sem se curar de tomar partido – que a interpretação deste preceito não é uniforme.
Conforme se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-09-2016 (Pº 2483/09.4TBAMT.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES): “Há quem pretenda retirar do citado nº 4 do artigo 1340.º a interpretação restritiva de que só existe boa fé, para efeitos da acessão tipificada neste artigo, nas duas situações aí definidas: 1) se o autor da obra desconhecia que o prédio era alheio; 2) ou se foi autorizado pelo dono do terreno a realizar a obra incorporada.
Pensamos, porém, que a expressão “entende-se” referida no citado preceito sugere um conceito mais aberto e mais alargado de boa fé, que vai para além das duas situações ali descritas como mera presunção de boa fé, abrangendo qualquer hipótese em que o autor da incorporação age de boa fé, competindo-lhe, então, o ónus de alegar e provar os factos integradores da boa fé (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Neste sentido, escreve Antunes Varela: “Para o código de 1966, que reduziu a boa fé, em matéria de posse, a um conceito de raiz essencialmente psicológica, e cortou decididamente o cordão umbilical que a prendia ao suporte básico do título (ou ao justo título) de aquisição do direito, a posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem (art. 1260.º, 1).
(…) Essencial, de acordo com a nova linha de orientação legislativa, é que o possuidor ignore, ao adquirir a posse, que lesa o direito de outrem.
Quer isto dizer que o possuidor pode perfeitamente saber que o direito não é seu e, apesar disso, possuir de boa fé, desde que aja persuadido de não ofender o direito de terceiro.
(…) Ora transplantando esta noção psicológica de boa fé, com as adaptações necessárias, da área significativa da posse para o reduto da acessão industrial imobiliária, como exige a unidade do sistema jurídico, fácil é verificar que o novo conceito de boa fé, aceite neste domínio, se ajusta … a (outras) situações”.
De todo o modo, o regime da acessão industrial pode reconduzir-se ao alinhamento das seguintes regras:
“I – A má fé do agente exclui a aquisição da coisa alheia;
II – A má fé do agente confere ao titular da coisa aleia o direito à separação ou a faculdade de escolha entre uma reconstituição natural ou uma indemnização por equivalente e a aquisição de ambas as coisas (…).
III – Se, havendo má fé do agente, o proprietário da coisa transformada exercer a faculdade de aquisição, há lugar ao pagamento de um valor correspondente ao enriquecimento obtido;
IV – A boa fé do agente é causa de aquisição do direito de propriedade sobre a coisa alheia (…).
V- Na hipótese de uma acessão casual, ou havendo boa fé do interventor, o valor relativo das coisas serve como critério subsequente de determinação da propriedade de ambas;
VI – Apuram-se sinais de sentido diverso a respeito do interesse preferente, em caso de boa fé do agente: na acessão industrial mobiliária, os artigos 1333.º, n.º 4, e 1336.º privilegiam a vontade do proprietário da coisa alheia sobre a do interventor; na acessão industrial imobiliária, a ausência de normas paralelas às referidas e o regime do artigo 1343.º silenciam a prevalência da vontade do proprietário do terreno sobre o critério legal de determinação da propriedade e conferem à boa fé do interventor um benefício injustificado na hipótese de prolongamento de edifício por terreno alheio;
VII – O regime da restituição por enriquecimento sem causa parece indevidamente limitado às hipóteses de compensação ao interventor de má fé. A mesma medida deveria aplicar-se se o proprietário da coisa intervencionada por um agente de boa fé adquirisse, contra a sua vontade, o objeto da incorporação;
VIII – Há uma prevalência da propriedade sobre a iniciativa (artigo 1342.º) (…)” (assim, Henrique Sousa Antunes; Direitos Reais; UCP, 2017, pp. 252-255).
Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-11-2004 (Pº 05B1524, rel. OLIVEIRA BARROS), “constituindo, fundamentalmente, um modo de resolução do conflito de direitos entre o dono da obra e o dono do solo, a acessão industrial imobiliária é, conforme arts.1316º e 1317º, al.d), C. Civ., uma forma potestativa de aquisição originária do direito de propriedade, de reconhecimento necessariamente judicial, em que o pagamento do valor do prédio funciona como condição suspensiva da sua transmissão, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação. Os pressupostos substantivos da acessão industrial imobiliária, estabelecidos no art.1340º C.Civ., são os seguintes : a) - a incorporação consistente no acto voluntário de realização da obra, sementeira ou plantação ; b) - a natureza alheia do terreno sobre o qual é erguida a construção, lançada a sementeira ou efectuada a plantação ; c) - a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação ; d) - a formação de um todo único entre o terreno e a obra ; e) - o maior valor da obra relativamente ao terreno ; e f) - a boa fé do autor da incorporação”.
A autorização para a incorporação pode ser expressa ou tácita, ocorrendo esta última quando se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelam (artigo 217.º do Código Civil).
No sentido de que a autorização para a realização da obra não está sujeita a forma externa, dependendo apenas do princípio da liberdade da forma, escrita ou verbal, e de que a autorização pode ser concedida tacitamente, vd., os Acórdãos do STJ de 25-03-1996 (Pº 88097, rel. MACHADO SOARES, in CJ, t. 1, p. 153), de 08-06-1999 (Pº 99A350, rel. GARCIA MARQUES), de 01-03-2001 (Pº 294/01, rel. AFONSO DE MELO), de 13-05-2003 /Pº 03A1030, rel. RIBEIRO DE ALMEIDA) e de 12-01-2017 (Pº 194/05.9TCFUN.L1.S1, rel. SALAZAR CASANOVA) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-02-2000 (rel. CUSTÓDIO MATOS ROSA, in CJ, t. 1, p. 17).
Conforme se refere neste mesmo aresto, a respeito da “autorização” para a realização da construção pelo dono do terreno, como situação pressuposta para a aferição da boa fé do construtor, “na falta de autorização expressa, a autorização pode revestir a forma tácita, ou seja, pode assentar em factos que, com toda a probabilidade, a revelem, ou seja, em situações em que a autorização resulta de um negócio que pretende ter por consequência a transmissão do prédio a favor do autor da incorporação, como é, por exemplo, o caso de um contrato translativo nulo por falta da forma legal."
Também sobre a “autorização” do dono do terreno, concluiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2012 (Pº 45/1999.L1.S1, rel. GABRIEL CATARINO) que:
"Importa ainda ter presente o alcance dessa autorização, a qual pode ser condicionada ou limitada pelo dono do terreno. E, se o for, há que ter necessariamente em conta essas restrições. Com efeito, a permissão dada por alguém a um terceiro para levantar no seu terreno uma obra, para criar ali um novo valor económico com materiais desse terceiro, permissão essa que se supõe incondicionada, é bem diferente, da autorização dada com determinada finalidade. Compreende-se que assim, seja, já que a aquisição do direito de propriedade por acessão traduz uma derrogação do princípio geral consagrado na expressão latina "superfícies solo cedit" estando, por isso, mesmo sujeita a requisitos legais particularmente exigentes."
No mesmo sentido, vd. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-2018 (Pº 401/13.4T2AND.P1.S2, rel. MARIA DO ROSÁRIO MORGADO) concluindo que, se a autorização tiver sido negociada, isto é concedida com fins determinado quanto ao benefício a retirar pelo autor da incorporação, este não pode prevalecer-se desse facto para dele extrair outros benefícios que lhe não foram concedidos.
No caso dos autos, como se viu, o autor alegou na petição inicial que, de boa fé e com autorização dos legítimos proprietários constitui a casa de habitação em terreno alheio (cfr. v.g. artigo 65.º). Não resulta desta alegação que a autorização tenha sido dada para o autor adquirir, em exclusivo, o direito de propriedade sobre o terreno. Não foi isso que foi alegado pelo autor, muito embora tenha sido isso que o Tribunal concluiu.
A autorização – que o autor invocou – sustentou-a na promessa de doação que os pais da ré iriam fazer sobre o terreno, sendo esse o factor que, na sua perspetiva, desencadeou a sua atuação no sentido de construir, em terreno alheio, a casa de habitação que aí veio a – segundo invoca – construir com investimento e dinheiro exclusivo seu. Tanto bastaria para, nessa sua perspetiva, fazer atuar o comando do n.º 1 do artigo 1340.º do CC.
A ré impugnou esta versão e veio invocar, designadamente, que foram os seus pais que construíram a casa de habitação, razão pela qual não procede o invocado pelo autor.
A matéria de facto basilar para a decisão deste litígio encontra-se, pois, manifestamente controvertida e a decisão do litígio não se pode reconduzir à circunstância de a “promessa de doação” ser um negócio nulo por falta de forma, atendendo a quem tem por objeto um imóvel.
O que cabe questionar é se tal promessa poderia constituir meio válido para a autorização de edificação levada a efeito pelo autor e, se, com base nisso e na sua finalidade, o autor estava de boa fé quando edificou a casa (mais uma vez, apenas se considerando a perspetiva do autor na alegação do litígio).
Tratam-se de aspetos para os quais a concorrência da instrução da causa é decisiva para concluir num ou noutro sentido.
Mas, para além do exposto, refira-se que a principal pretensão do autor não se reconduz a uma aquisição exclusiva da titularidade da parcela de terreno. O autor, na pretensão que formulou, pretende ver reconhecido o direito de compropriedade sobre a parcela de terreno onde se encontra edificada, presentemente, a casa de habitação. Ora, a decisão recorrida não atendeu a esta circunstância, limitando-se a julgar a improcedência dos pedidos principais baseando-se, em exclusivo, na falta de forma do título translativo que determinou ou antecedeu a construção edificada.
A nosso ver, não se encontra líquido, no estado que os autos apresentavam à data de prolação do despacho saneador-sentença proferido, qual a amplitude da autorização concedida pelos pais da ré para a construção da casa de habitação, nem se a mesma estava condicionada de algum modo, o que será decisivo para aferir se o autor ainda actuou no âmbito da “autorização” que invocou, ou se, pelo contrário, foi para lá dessa mesma autorização, elemento que poderá sintomatizar a sua má fé na construção que edificava.
Aliás, conforme resultado artigo 2.º da contestação, a própria autorização é colocada em causa pela ré, produzindo esta uma diferente configuração dos factos ocorridos (vd., v.g. artigos 4.º a 6.º da contestação).
Trata-se, sem dúvida, de um aspeto para o qual é necessária a produção probatória, por não consolidado no estado dos autos.
Certo é que, na perspetiva da alegação do autor, este edificou a casa de habitação, com base na autorização dos pais da ré, incrementando o incorporando no terreno a construção edificada, relativamente à qual, a parcela de terreno veio, entretanto e posteriormente, a ser doada pelos pais da ré a esta.
Ora, para além do referido, ou seja, da necessidade de aferir da existência ou não de autorização – e em que termos esta se circunscreveu – ao autor, para efeitos de determinar da boa ou má fé do construtor, haverá que determinar se houve, de facto, a entrega do terreno ao casal.
Finalmente, importará aferir se os demais pressupostos do instituto da acessão se mostram reunidos e, na afirmativa, conjugar este instituto com a circunstância de, entretanto, se ter concretizado em 2009 uma escritura de doação a favor da ré, não olvidando a confluência de títulos aquisitivos que possa verificar-se (por exemplo, entre o artigo 1317.º, al. a), do CC, quanto à doação de 2009 e o do artigo 1317.º, al. d), do CC, quanto à acessão, sendo certo que é discutido, na doutrina e na jurisprudência, se o momento de aquisição da propriedade por acessão industrial imobiliária se reconduz ao “momento da incorporação” – assim, Pires de Lima e Antunes Varela; CC Anotado; Coimbra, 2.ª ed., pp. 122-123 e Acs. do STJ de 12-09-2006, Pº 06A2246, de 06-07-2006, Pº 05A4270, entre outros - ou se tal momento é o do pagamento da indemnização legal ao titular do crédito indemnizatório – neste sentido, vd. José Alberto Vieira; Direitos Reais, 3.ª ed., Almedina, 2020, p. 644).
Em suma: Encontram-se controvertidos factos que se mostram carecidos de prova e, assim, ao contrário do gizado na decisão recorrida, não é possível afirmar que, fosse qual fosse a sua prova, os mesmos conduziriam inelutavelmente à improcedência da ação, pelo que a decisão tomada o foi prematuramente.
Se os elementos fornecidos pelo processo não justificavam a antecipação do juízo sobre o mérito – por existirem outras soluções plausíveis da questão de direito - é meramente consequencial a revogação desse despacho e a sua substituição por outra decisão, com a prolação de despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova, nos termos do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
A responsabilidade tributária incidirá sobre a parte vencida a final, atenta a impossibilidade de, por ora e sem o julgamento final, actuar os critérios do vencimento e do proveito recursórios – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
*
5. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar o saneador-sentença recorrido, prolatado em 20-11-2019 e, em sua substituição, determina-se a prolação de despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova, nos termos do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 3 de dezembro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes