CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PROMITENTE-COMPRADOR
ILEGITIMIDADE PASSIVA
CONDOMÍNIO
PAGAMENTO
Sumário

Alegando o autor que a 1.ª ré habita em fração (cuja propriedade se encontra registada a favor da 2.ª ré), em virtude de tradição operada na sequência de contrato-promessa onde assumiu a posição de promitente-compradora, que mobilou e celebrou contratos de água, eletricidade, gás e demais serviços essenciais quanto a tal fração, que nela efetuou obras de conservação e alteração a seu gosto, sendo do conhecimento geral a sua completa disponibilidade sobre a mesma, tendo celebrado contrato de arrendamento tendo por objeto tal fração, que usa, goza, frui e conserva como se de propriedade sua se tratasse, tal como configura a ação, o autor considera a 1.ª ré como titular dos direitos de gozo e fruição daquela fração, tendo a 1.ª ré interesse direto em contradizer tal pretensão, improcedendo a exceção de ilegitimidade passiva invocada.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA …, N.º …, COSTA DA GUIA, CASCAIS, identificado nos autos, instaurou a presente ação declarativa contra PC… e JOMACASA – CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA., também identificadas nos autos, peticionando o seguinte:
“a)- ser a 1.ª Ré considerada responsável pelo pagamento de todos os encargos de condomínio relativamente à fracção A do prédio sito na Rua …, N.º …, Costa da Guia, …-… Cascais, descrito na Conservatória de Cascais com o número …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia de Cascais e Estoril, desde que dela iniciou o uso, gozo e fruição em 2000 até tal posse se mantiver;
b)- Em consequência, ser a 1.ª R. condenada a pagar todos os encargos de condomínio vencidos e constantes da acta de assembleia geral de condóminos n.º 44 com aprovação de dívida, no valor de €15.098,17 (quinze mil e noventa e oito euros e dezassete cêntimos), bem como os vincendos enquanto se mantiver o uso, gozo e fruição da referida fracção, bem como no pagamento dos juros de mora até integral pagamento;
c)- se assim não se entender, por não se reconhecer essa obrigação à 1.ª R, deverá então ser a 2.ª Ré considerada responsável pelo pagamento de todos os encargos de condomínio relativamente à fracção A do prédio sito na Rua …, N.º …, Costa da Guia, …-… Cascais, descrito na Conservatória de Cascais com o número …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia de Cascais e Estoril;
d)- Em consequência, ser a 2.ª R. condenada a pagar todos os encargos de condomínio vencidos e constantes da acta de assembleia geral de condóminos n.º 44 com aprovação de dívida, no valor de €15.098,17 (quinze mil e noventa e oito euros e dezassete cêntimos), bem como os vincendos enquanto se mantiver como proprietária da referida fracção, e ainda no pagamento dos juros de mora até integral pagamento”.
Para tal alegou, em suma:
- Que a 1.ª Ré celebrou em 14-09-1999 com a 2. ª Ré um contrato promessa de compra e venda da fracção A, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio em causa, pelo preço €199.025,17, tendo entregue a título de sinal, o valor de €48.879,79, sendo que, a 2.ª R entregou o imóvel à 1.ª R. no dia 18-05-2000, tendo esta ocupado o imóvel desde essa data, passando ali a viver e a usufruir da fracção, agindo como sua legítima proprietária e dali fazendo a sua habitação única e permanente.
- Que a escritura definitiva de compra e venda foi marcada, mas não se chegou a realizar, tendo posteriormente sido declarado o incumprimento definitivo do contrato promessa imputado à 2.ª R. e promitente vendedora, em processo judicial intentado pela 1.ª R que correu termos no ….º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Cascais sob o n.º …/…TBCSC e na mesma sentença, foi a 2.ª R. condenada a pagar à 1.ª R o sinal em dobro no valor de €97.759,58.
- Que a 1.ª R tem exercido a posse da fracção em causa sem interrupção e com o conhecimento de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que fosse, desde há 18 anos, participando de assembleias gerais de condomínio, solicitando autorização e realizou obras na fracção, tratando de assuntos de vizinhança e de condomínio como se proprietária fosse da fracção autónoma A. e terá celebrado os contratos para abastecimento de água da rede pública, electricidade, gás e serviços de internet, telefone e televisão;
- Que desde aquela data tem praticado em exclusivo todos os actos materiais de gozo, fruição, conservação e defesa da fracção, agindo sempre pela forma correspondente ao exercício do direito de propriedade e na plenitude do gozo e da fruição da fracção em causa, a 1.ª R arrendou-a a terceiros, estando a mesma a ser actualmente utilizada pelo seu inquilino; e
- Que não obstante esta utilização, a 1.ª R nunca pagou quaisquer quantias a título de encargos com as partes comuns do edifício, vulgo prestações de condomínio.
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A ré contestou invocando, nomeadamente, a sua ilegitimidade, dizendo que não é a proprietária da fração em causa, tendo celebrado com a JOMACASA contrato promessa de compra e venda da dita fração em 14-09-1999 e aditamento ao mesmo em 02-11-2001 e marcada escritura para 28-02-2005, a mesma não teve lugar por existirem penhoras registadas na fração. A ré tem retido a posse da indicada fração desde a celebração do contrato-promessa, não tendo sido convocada ou participado em qualquer reunião de condomínio e não foi notificada de quaisquer actas das deliberações das assembleias do mesmo.
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O autor ainda se pronunciou no sentido do indeferimento da exceção de ilegitimidade invocada.
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Em 29-06-2020 foi proferido o seguinte despacho:
“I – Despacho Saneador
Por já se mostrarem debatidas as excepções nos articulados, dispenso a audiência prévia.
Fixo o valor da causa em € 15.098,17 euros.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Da excepção de ilegitimidade:
A Ré PC… apresentou contestação onde excepcinou a sua ilegitimidade alegando que celebrou com a Ré Jomacasa – Construção Civil, Lda, contrato-promessa de compra e venda em 14.09.1999, o qual foi objecto de aditamento em 02.11.2011, mas uma vez agendada a escritura para o dia 28.02.2005, a mesma não se realizou por existirem penhoras sobre as fracções, nunca tendo sido convocada para assembleias de condóminos, nem foi notificada de qualquer acta, pelo que não sendo proprietária deverá ser absolvida da instância.
O Autor respondeu à excepção apresentada alegando que a Ré tem exercido a posse da fracção em causa, tem participado nas reuniões e celebrou contrato de água, luz e gáz, pelo que tem interesse em contradizer, devendo ser considerada parte legítima.
Procurando apreciar a questão suscitada, cumpre salientar que resulta assumido por acordo das partes nos articulados que a Ré PS… não é proprietária do imóvel, tendo apenas celebrado um contrato-promessa de compra e venda do imóvel, o qual foi resolvido perante a Ré Jomasa, em acção que foi julgada procedente e correio termos no âmbito do Proc. N.º …/…TBCSC do ….º Juízo Cível do Tribunal de Comarca de Cascais.
Logo, a questão que aqui se coloca é a de saber se houve ou não tradição material da coisa prometida vender e saber quais os efeitos da qualidade de possuidor na relação com o condomínio.
Ora, tenha ou não havido tradição material da coisa, apenas ao proprietário é lícito exercer os poderes constantes do seu estatuto real (art. 1305.º do Cód.Civil).
Com efeito, nos casos, como os dos autos, em que o contrato-promessa é celebrado sem eficácia real, ainda que com eventual tradição da coisa, o vínculo que daí resulta é meramente obrigacional e não transmite a posse, mas a mera detenção.
Assim, a posse pertencerá sempre ao proprietário vendedor, sendo o comprador um mero detentor, que detém o imóvel em nome de outrem até à celebração da escritura pública de compra e venda (art. 1253.º, alínea c) Cód.Civil).
Logo, serão imputáveis ao proprietário todos os vínculos decorrentes dos ónus reais da propriedade da fracção, designadamente quotizações ou encargos que entretanto venham a ser aprovados pela assembleia do condomínio, no período da sua propriedade.
Por conseguinte, em qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, afigura-se-nos que a Ré PS…, tenha ou não existido tradição material da coisa ao abrigo do contrato prometido, não é parte legítima.
Pelo supra exposto, julgo procedente a excepção dilatória de ilegitimidade suscitada, e em consequência, absolvo a Ré PS… da instância, mantendo-se a instância quanto ao 2.º Réu Jomacasa- Construção Civil, Lda (art, 568.º, alínea a) CPC) na medida em que a extinção da instância não afecta a inoperância da revelia, neste sentido, Ac. TRG de 05.02.2012, relatado por António Santos e disponível em http://www.dgsi.pt.
Custas pelo Autor.
Registe e notifique.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas.
Inexistem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
O objecto do processo consiste na condenação do Réu a pagar ao Autor a quantia de € 15.098,17 euros, acrescido de juros legais, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Os temas da prova visam aferir se o Réu não liquidou as quotizações e encargos devidos ao condomínio nos períodos alegados pelo Autor.
Notifique (art. 596.º, n.º 2 CPC).
Meios de prova do Autor:
Admito o rol de três testemunhas, a notificar.
Para audiência de julgamento, designo o dia 19.10.2020, pelas 14h00.
Notifique. Dn (art. 151.º CPC).”.
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Não se conformando com a referida decisão, dela apela o autor, formulando as seguintes conclusões:
“a) Vem o presente recurso de Apelação interposto da Sentença que julgou procedente a excepção de ilegitimidade da 1.ª Ré.
b) Com efeito, a A. intentou acção, pedindo ser a 1.ª Ré (PS…) considerada responsável pelo pagamento de todos os encargos de condomínio relativamente à fracção A do prédio sito na Rua …, N.º …, Costa da Guia, …-… Cascais, descrito na Conservatória de Cascais com o número …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia de Cascais e Estoril, desde que dela iniciou o uso, gozo e fruição em 2000 até tal posse se mantiver;) designadamente condenada a pagar todos os encargos de condomínio vencidos e constantes da acta de assembleia geral de condóminos n.º 44 com aprovação de dívida, no valor de € 15.098,17 (quinze mil e noventa e oito euros e dezassete cêntimos), bem como os vincendos enquanto se mantiver o uso, gozo e fruição da referida fracção, bem como no pagamento dos juros de mora até integral pagamento;
c) Para o efeito invocou, sumariamente, que o Autor é um condomínio do prédio sito na Rua …, N.º …, Costa da Guia, …-... Cascais, descrito na Conservatória de Cascais com o número …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia de Cascais e Estoril, cuja Administração se dedica a gerir as partes comuns do prédio e demais serviços associados a este fim;
d) A 1.ª Ré celebrou em 14/09/1999 com a 2. ª Ré um contrato promessa de compra e venda da fracção A, correspondente ao rés-do-chão
e) A 2.ª R entregou o imóvel à 1.ª R. no dia 18/05/2000, tendo esta ocupado o imóvel desde essa data, passando ali a viver e a usufruir da fracção, agindo como sua legítima proprietária e dali fazendo a sua habitação única e permanente.
f) A escritura definitiva de compra e venda foi marcada, mas não se chegou a realizar, tendo posteriormente sido declarado o incumprimento definitivo do contrato promessa imputado à 2.ª R. e promitente vendedora, em processo judicial intentado pela 1.ª R que correu termos no ….º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Cascais sob o n.º …/…TBCSC, bem como na mesma sentença, foi a 2.ª R.
g) E apesar de a escritura de compra e venda nunca se ter chegado a realizar por vicissitudes várias, a verdade é que a 1.ª R tem exercido a posse da fracção em causa sem interrupção e com o conhecimento de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que fosse, desde há 18 anos.
h) Participou de assembleias gerais de condomínio, solicitou autorização e realizou obras na fracção, tratou de assuntos de vizinhança e de condomínio como se proprietária fosse da fracção autónoma A.
i) Para abastecimento de água da rede pública, electricidade, gás e serviços de internet, telefone e televisão, a 1.ª R. terá celebrado os respectivos contratos com as entidades respectivas, sendo que o contrato com as Águas de Cascais terá o Nº ….
j) Enfim, desde aquela data tem praticado em exclusivo todos os actos materiais de gozo, fruição, conservação e defesa da fracção, agindo sempre pela forma correspondente ao exercício do direito de propriedade e na plenitude do gozo e da fruição da fracção em causa, a 1.ª R arrendou-a a terceiros, estando a mesma a ser actualmente utilizada pelo seu inquilino.
k) Não obstante esta utilização que a 1.ª R tem feito da fracção em causa, como se proprietária fosse, a verdade é que nunca pagou quaisquer quantias a título de encargos com as partes comuns do edifício, vulgo prestações de condomínio
l) Apenas desde o início do arrendamento que a 1.ª R. fez da fracção partir do 2.º trimestre de 2017, o seu inquilino tem procedido ao pagamento de algumas das prestações de condomínio.
m) Não obstante a utilização e fruição da fracção A e dos espaços e serviços comuns há cerca de 18 anos, interpelada a 1.ª R. para proceder ao pagamento das prestações de condomínio em dívida, referiu a mesma que não tem responsabilidade pelo seu pagamento, por não ser proprietária…
n) O valor em dívida reporta-se aos anos de 2000 a 2018, e tem o valor de €15.098,17 (quinze mil e noventa e oito euros e dezassete cêntimos), devidamente aprovado em Assembleias-Gerais de condóminos,
o) De acordo com o artigo 1424.º, n.º 1 do Código Civil, são pagas pelos condóminos, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
p) Além da 1.ª R habitar a fracção autónoma desde 2000, data da celebração do acordo por via do qual assumiu a posição de promitente-compradora daquela fracção, com a respectiva tradição, a verdade é que a mobilou, celebrou contratos de água, electricidade, gás e demais serviços essenciais, efectuou obras de conservação e alteração da fracção a seu gosto.
q) É do conhecimento geral a sua completa disponibilidade sobre o bem, sem que haja sido impedida de manter o seu gozo e fruição e manifestação última deste verdadeiro animus possidendi da 1.ª R, é a celebração do contrato de arrendamento da fracção A.
r) E nem mesmo a acção que intentou contra a 2.ª R. relativa aos efeitos do contrato promessa celebrado e de onde resultou a sentença que se juntou como Doc. n.º 3, alterou o animus desde sempre detido pela 1.ª R, uma vez que ininterruptamente até hoje tem praticado actos próprios do direito de propriedade relativamente à fracção.
s) Ou seja, ao longo dos anos e até hoje a 1.ª R tem, de forma plena e exclusiva, gozado, fruído e disposto da fracção A., cfr. artigo 1305.º do Código Civil.
t) Sendo que continua pacificamente a usar, utilizar e a fruir das partes comuns do edifício onde se situa a sua fracção, dando, por isso, causa aos respectivos encargos de conservação e fruição, como verdadeira condómina, além de retirar frutos da fracção, ao arrendar a mesma a terceiros.
u) Os Réus foram citados, sendo que a 1.ª Ré contestou invocando a sua ilegitimidade por não ser proprietária, mas invocando o direito de retenção da 1.ª R sobre a fracção.
v) O Tribunal no Despacho saneador que proferiu, considerou que julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade suscitada, e em consequência, absolvo a Ré PS… da instância, mantendo-se a instância quanto ao 2.º Réu Jomacasa- Construção Civil (…).
w) Ora, com o devido respeito, que é muito, consideramos ter havido erros de julgamento relativamente à apreciação dos factos muito justamente invocados pelo A., e relativamente à aplicação aos mesmos da lei e dos Princípios do Direito.
x) Na Decisão proferida, por questões meramente formais ou literais, que não tomaram em consideração outras disposições legais, foram desconsiderados factos (alegados) e disposições de direito que deveriam ter levado a uma decisão radicalmente diferente daquela que foi proferida.
y) apesar de terem sido alegados factos na Petição inicial e na contestação, não foram considerados por rígidas questões de forma e de legalidade cega, sem observância da analogia ou da interpretação extensiva da lei, não foi feita uma adequada apreciação da lei, nem do espírito do legislador, nem da jurisprudência, nem do sistema jurídico e, por isso, a justiça foi evidentemente denegada na decisão de que ora se recorre.
z) Com todo o respeito, entendemos que o Tribunal não procedeu a uma análise correcta dos factos, tendo omitido e desconsiderado erradamente factos devidamente alegados e interpretado e aplicado incorrectamente as disposições legais, nomeadamente o Tribunal não se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
aa) Relativamente aos factos invocados na sua Petição para justificar o seu pedido e o direito que entende ter, o A. juntou documentos, juntou testemunhas e apresentou resposta à excepção deduzida.
bb) Sendo que do conjunto de factos invocados pelo A. decorre naturalmente que desde a tradição da fracção à 1.ª Ré, é esta que exclusivamente usa e frui, exercendo de facto os poderes de gestão e administração como se da fracção fosse proprietária, bem como o mesmo sucede com as partes comuns que delas usa e frui em conjunto com os restantes condóminos, desde pelo menos o ano de 2000.
cc) Por outro lado, existe um direito de retenção da 1.ª Ré sobre a fracção que foi expressamente reconhecido por esta;
dd) O Tribunal não se pronunciou sobre a posse efectiva sobre a fracção da 1.ª R, sobre o seu uso exclusivo, sobre seu gozo, sobre dali fazer a sua habitação própria permanente durante anos a fio, ali pernoitando, aí recebendo amigos, mobilando a casas com o necessário para usufruir do seu uso, sobre a sua participação em todos os assuntos relativos ao condomínio, nomeadamente as convocatórias de Assembleias Gerias a si dirigidas, a sua participação em Assembleias-Gerais e sobre o arrendamento que fez da sua fracção, sobre o pagamento de prestações de condomínio que o seu inquilino faz, porventura decorrente de algum acordo alcançado entre ambos.
ee) Ou seja, tratam-se de actos materiais reveladores que criam uma clara evidência de inequívoca vontade de possuir a fracção em nome próprio por parte da 1.ª Ré, aceite e consentida pela 2.ª Ré ao longo de anos consecutivos.
ff) Quer isto dizer que a posse precária decorrente da tradição no âmbito do contrato promessa, se transformou por inversão do título de posse, uma vez que a promitente-compradora passou a agir, inequivocamente, como dona da fração, não só porque a detenção se tem prolongado por anos consecutivos, mas também porque a detentora expressou publicamente e perante a promitente vendedora a sua intenção de actuar como titular do direito, e esta não se opôs, cfr. 1265.º CC.
gg) De qualquer forma, em caso de dúvida, a posse presume-se em quem exerce o poder de facto, de acordo com o artigo 1252.º, n.º 2, do Código Civil, isto é, presume-se o exercício do animus naquele que detém o corpus, presunção a que subjaz a dificuldade de provar o dito animus, neste sentido, expressamente o Acórdão da relação de Coimbra, na Apelação Nº 106/06.2TBFCR.C1, de 17-11-2009, disponível em https://www.trc.pt/index.php/jurisprudencia/jurisprudenciado-trc/direito-civil/2270-ap106062tbfcrc1
hh) Pelo que, alegada a detenção da fracção por parte da 1.ª Ré por décadas, bem como pela prática reiterada de actos materiais que manifestam o espírito de propriedade da fracção, bem como pelo direito de retenção de que aquela diz ser titular, impunha-se pois que o Tribunal conhecesse da excepção deduzida apenas após a produção da prova em audiência de julgamento, para verificar se ocorriam, no caso dos autos, as circunstâncias excepcionais invocadas que permitissem considerar justificadamente que a específica situação da promitente compradora ultrapassava claramente o âmbito da mera detenção do imóvel por ela usado e fruído como habitação.
ii) Contudo, o Tribunal optou por nem sequer se debruçar sobre os factos invocados e reconhecidos pela 1.ª Ré geradores de consequências jurídicas e optou por decidir liminarmente pela ilegitimidade desta, por não ser proprietária com registo de título de propriedade.
jj) Ou seja, apesar do A. ter invocado a tradição da fracção à 1.ª R, a sua utilização continuada por quase duas décadas, os actos materiais de gestão, administração, fruição, o arrendamento que fez da fracção e de que beneficia, tudo isto como se proprietária fosse, de tudo foi feita tábua rasa, não merecendo, lamentavelmente, por parte do Tribunal sequer uma apreciação sumária, uma ponderação, uma pequena referência.
kk) Concluindo, a 1.ª Ré detentora que é de uma verdadeira posse, está obrigada a suportar os encargos que a fracção dá origem, nomeadamente os referentes ao condomínio, e enquanto tem beneficiado da utilização dos espaços e serviços comuns do edifício como se proprietária da fracção A realmente fosse, nos termos do disposto no artigo 1272.º do Código Civil.
ll) Entendemos assim que, quer pela tradição da fracção na sequência do contrato promessa, quer pelo uso e fruição exclusivo da fracção ao longo de quase duas décadas como se proprietária fosse, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, a 1.ª R é legitimamente a exclusiva administradora desse bem, e nessa qualidade, deverá considerar-se condómina, com direito a participar nas assembleias-gerais, como de resto tem feito.
mm) Devendo, muito justamente, ser considerada parte legítima na presente acção de condenação no pagamento dos encargos de condomínio, conforme pedidos deduzidos pelo A.”.
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A ré contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso interposto tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. Nunca a Recorrida deu conhecimento à Jomacasa de que invertia o título da posse sobre a fracção autónoma A do prédio em causa, cuja detenção detinha e detém desde o incumprimento do contrato de promessa de compra e venda com ela celebrado e cujas vicissitudes de incumprimento determinaram o exercício pela Recorrida do seu legítimo direito de retenção. Com efeito,
2. O douto Acordão proferido no Proc. 3566/06.8TBVFXL152, pela 7^ Secção do Supremo Tribunal de Justiça refere-se a uma situação que de forma alguma se aplica à situação dos autos. Assim:
a) No caso presente ocorreu a traditio proveniente do direito de retenção da promitente compradora da fração em causa, sem que esta tivesse sido indemnizado pelo incumprimento da prestação por parte do promitente vendedor.
b) Com efeito, o vínculo resultante do contrato de promessa de compra e venda, celebrado sem eficácia real, ainda que com eventual traditio da coisa, é meramente obrigacional: sempre a Recorrida agiu como detentora do "corpus possessório", mas sem o " "animus possidendi".
3. De resto, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (Proc. 608/08.6BESNT), em conformidade com a informação e despacho de 12/5/2008, ordenou a suspensão da venda do imóvel em causa até que se verificasse o levantamento da suspensão da venda judicial (facto ainda não ocorrido).
4. Para fundamentar o "animus possidendi" o douto Acordão mencionado refere ter o agente procedido à manutenção e reparação interiores (sendo que a Recorrida nunca o fez), antes a Jomacasa ficou onerada para tal fim tendo procedido a "algumas" reparações. É certo que ocorreram outras reparações em paredes e chão dos terraços que foram executadas por terceiros que a Recorrida desconhece, assumindo que o tenham sido pelo Condomínio.
5. É no entanto chocante a afirmação do Recorrente de que a Recorrida esteve presente em Assembleias do Condomínio, tendo para tal sido convocada, sendo que ela nunca esteve nelas presente, pessoalmente ou através de mandatário, nem para as mesmas foi alguma vez convocada.
6. Chocante e falsa é também a alegação de que a Recorrida adquiriu o imóvel por usucapião, invertendo o título de posse: nunca o fez!
7. Quanto à celebração dos contratos de fornecimento de água, gás, electricidade, é certo que os mesmos foram celebrados pela Recorrida em 2000, na sequência da traditio no âmbito do "corpus possessório", porquanto era propósito das partes celebrarem o contrato definitivo de compra e venda.
8. A verdade é que a "posse" da Recorrida sempre foi precária, sendo isso mesmo o que decorre da interpretação do Acordão invocado pelo Recorrente.
9. Aliás, para que se dê a inversão do título de posse não basta a mera alegação da intenção de inverter o título de posse e afirmar que essa intenção foi plasmada na actuação dos detentores precários; necessário seria que essa inversão fosse inequivocamente declarada através de actos públicos, conhecidos em particular pelo titular do direito real, sob pena de irrelevância jurídica”.
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Admitido liminarmente o requerimento recursório e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
A) Se o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a posse efetiva da fração, seu uso exclusivo e gozo, participação da ré nos assuntos relativos ao condomínio, sobre o arrendamento da fração e sobre o pagamento de prestações de condomínio que o seu inquilino faz?
B) Se a exceção de ilegitimidade deverá ser julgada improcedente?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando as questões supra enunciadas.
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A) Se o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a posse efetiva da fração, seu uso exclusivo e gozo, participação da ré nos assuntos relativos ao condomínio, sobre o arrendamento da fração e sobre o pagamento de prestações de condomínio que o seu inquilino faz?
Invocou o recorrente que, na decisão recorrida, “por questões meramente formais ou literais, que não tomaram em consideração outras disposições legais, foram desconsiderados factos (alegados) e disposições de direito que deveriam ter levado a uma decisão radicalmente diferente daquela que foi proferida”, referindo que, “apesar de terem sido alegados factos na Petição inicial, não foram considerados por rígidas questões de forma e de legalidade cega, sem observância da analogia ou da interpretação extensiva da lei.”, entendendo que, o Tribunal recorrido “não procedeu a uma análise correcta dos factos, tendo omitido e desconsiderado erradamente factos devidamente alegados e interpretado e aplicado incorrectamente as disposições legais”.
Mais alegou que “o Tribunal não se pronunciou sobre a posse efectiva sobre a fracção da 1.ª R, sobre o seu uso exclusivo, sobre seu gozo, sobre dali fazer a sua habitação própria permanente durante anos a fio, ali pernoitando, aí recebendo amigos, mobilando a casas com o necessário para usufruir do seu uso, sobre a sua participação em todos os assuntos relativos ao condomínio, nomeadamente as convocatórias de Assembleias Gerias a si dirigidas, a sua participação em Assembleias-Gerais e sobre o arrendamento que fez da sua fracção, sobre o pagamento de prestações de condomínio que o seu inquilino faz, porventura decorrente de algum acordo alcançado entre ambos”.
Assim, conclui o recorrente que, apesar de “ter invocado a tradição da fracção à 1.ª R, a sua utilização continuada por quase duas décadas, os actos materiais de gestão, administração, fruição, o arrendamento que fez da fracção e de que beneficia, tudo isto como se proprietária fosse, de tudo foi feita tábua rasa, não merecendo, lamentavelmente, por parte do Tribunal sequer uma apreciação sumária, uma ponderação, uma pequena referência”.
Importa, pois, saber se o Tribunal recorrido omitiu a decisão sobre questão de que devesse conhecer e, nomeadamente, se não se pronunciou sobre a posse efetiva da fração da 1.ª R, seu uso exclusivo e gozo, participação da ré nos assuntos relativos ao condomínio, sobre o arrendamento da fração e sobre o pagamento de prestações de condomínio que o seu inquilino faz.
Conforme o entendeu o Tribunal recorrido, apesar de o recorrente não estruturar a falta pronúncia como fundamento de nulidade da decisão, importa saber se se verificou uma tal omissão de apreciação decisória, sendo certo que, a mesma, a ocorrer, determinará a nulidade da decisão proferida – cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
Efetivamente, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, ocorre causa de nulidade da sentença se o juiz deixar de pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
Apenas existirá nulidade da sentença por omissão de pronúncia com referência às questões objeto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.
A nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, Processo 07A091, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
Caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Poderá, todavia, existir mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
A nulidade da sentença (por omissão de pronuncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A questão a decidir pelo julgador está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.
De acordo com o nº 2 do art. 608º do CPC, “o juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, pelo que, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras, sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção.
“O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).
Assim, “importa distinguir entre os casos em que o tribunal deixa de pronunciar-se efetivamente sobre questão que devia apreciar e aqueles em que esse tribunal invoca razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção, sendo coisas diferentes deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, por não ter o tribunal de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, Processo 226/16.5T8MAI-E.P1, relator NELSON FERNANDES).
Na realidade, como se referiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011 (P.º n.º 480/09.9JALRA.C1, relator ORLANDO GONÇALVES): “1.- A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. 2.- O que importa é que o tribunal decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão”.
Se a decisão não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que a decisão tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos argumentos ou considerações expendidas, designadamente por opostos, irrelevantes ou prejudicados em face da solução adotada.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
Revertendo ao caso dos autos, verificamos que o juiz do tribunal recorrido começa por referir que, “resulta assumido por acordo das partes nos articulados que a Ré PS… não é proprietária do imóvel, tendo apenas celebrado um contrato-promessa de compra e venda do imóvel, o qual foi resolvido perante a Ré Jomasa, em acção que foi julgada procedente e correio termos no âmbito do Proc. N.º …/…TBCSC do ….º Juízo Cível do Tribunal de Comarca de Cascais”.
E, prosseguindo na análise, o Tribunal recorrido considera que, “a questão que aqui se coloca é a de saber se houve ou não tradição material da coisa prometida vender e saber quais os efeitos da qualidade de possuidor na relação com o condomínio”, após o que, apreciando tal questão, conclui que, “tenha ou não havido tradição material da coisa, apenas ao proprietário é licito exercer os poderes constantes do seu estatuto real (art. 1305.º do Cód.Civil)” e “nos casos, como os dos autos, em que o contrato-promessa é celebrado sem eficácia real, ainda que com eventual tradição da coisa, o vínculo que daí resulta é meramente obrigacional e não transmite a posse, mas a mera detenção”, pelo que, entende que “a posse pertencerá sempre ao proprietário vendedor, sendo o comprador um mero detentor, que detém o imóvel em nome de outrem até à celebração da escritura pública de compra e venda (art. 1253.º, alínea c) Cód.Civil)” e, nessa medida, conclui pela ilegitimidade da ré, qualquer que seja a solução plausível da questão de direito: “Logo, serão imputáveis ao proprietário todos os vínculos decorrentes dos ónus reais da propriedade da fracção, designadamente quotizações ou encargos que entretanto venham a ser aprovados pela assembleia do condomínio, no período da sua propriedade”.
Ora, quer se concorde ou não com este juízo apreciativo do Tribunal recorrido, uma coisa é certa: A decisão recorrida apreciou, de facto, se a ré detém, por força da sua qualidade de promitente-compradora e de retentora, uma situação jurídica de mera detenção ou já uma situação de posse sobre a fração dos autos, concluindo no sentido de que ocorre a primeira opção, entendendo que o vínculo transmitido à ré é meramente obrigacional, pelo que, considerou que qualquer dos atos mencionados pelo autor como praticados pela 1.ª ré relativamente ao imóvel, não a tornam responsável pelo pagamento das prestações condominiais.
Verifica-se, pois, ter o Tribunal tomado posição sobre as questões que lhe impunha conhecer, não se configurando ter a decisão recorrida incorrido em omissão de pronúncia.
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B) Se a exceção de ilegitimidade deverá ser julgada improcedente?
Para além do exposto, invocou o autor/recorrente que a 1.ª Ré detém uma “verdadeira posse”, pelo que está obrigada a suportar os encargos que a fracção dá origem, nomeadamente os referentes ao condomínio, e enquanto tem beneficiado da utilização dos espaços e serviços comuns do edifício como se proprietária da fracção A realmente fosse, nos termos do disposto no artigo 1272.º do Código Civil, concluindo que, “quer pela tradição da fracção na sequência do contrato promessa, quer pelo uso e fruição exclusivo da fracção ao longo de quase duas décadas como se proprietária fosse, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, bem como pelo direito de retenção de que diz ser titular, a 1.ª R é legitimamente a exclusiva administradora desse bem, e nessa qualidade, deverá considerar-se condómina, com direito a participar nas assembleias-gerais, como de resto tem feito. Devendo, muito justamente, ser considerada parte legítima na presente acção”.
O Tribunal recorrido considerou, como se viu, que a posição da ré não lhe permite ser responsável pelo pagamento das dívidas condominiais, não sendo proprietária da fração em questão, não tendo posse sobre a mesma.
Vejamos se o Tribunal errou na apreciação efetuada e se, como invocou o recorrente, a exceção de ilegitimidade deverá ser julgada improcedente.
Nos termos do artigo 30.º do CPC, o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar, enquanto que, o réu, é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer (n.º 1).
“O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência dação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha” (cfr. artigo 30.º, n.º 2, do CPC).
Por fim, conforme decorre do n.º 3 do artigo 30.º do CPC, “na falta de indicação em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Não cabe, então, à luz deste preceito, aferir a titularidade efetiva das partes na real material controvertida, mas a titularidade resultante da relação controvertida tal como ela é configurada pelo autor.
Nesta medida (excetuado caso – que não ocorre - em que a lei determine critério especial), a legitimidade processual afere-se pela posição que as partes assumem na relação controvertida, tal como esta se apresentar desenhada pelo autor, tendo em vista a pretensão deduzida e os respectivos fundamentos.
Ou seja: “Face à previsão da lei – art. 30º CPC - para efeitos de aferir da legitimidade interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-09-2017, Pº 5968/16.2T8VNG.P1, rel. ANA PAULA AMORIM).
Assim, “ao apuramento da legitimidade processual - que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação - releva, apenas, a consideração do concreto pedido e da respetiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última e do mérito da causa. A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem que ser apreciada” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-09-2018, Pº 3756/12.4TBGMR.G2, rel. EUGÉNIA CUNHA).
E, avançando mais um pouco, pode dizer-se que, em concordância com o expresso no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-01-2018 (Pº 2366/16.1T8VCT.G1, rel. ANA CRISTINA DUARTE) que: “A legitimidade processual, enquanto pressuposto adjectivo para que se possa obter decisão sobre o mérito da causa, não exige a verificação da efectiva titularidade da situação jurídica invocada pelo A., bastando-se com a alegação dessa titularidade. Numa acção de condenação o R. é parte legítima quando houver a possibilidade, nos termos configurados pelo A., de vir a ser condenado”.
Ora, na situação dos autos, temos que o autor demanda ambos os réus, em alternativa subsidiária - primeiro a 1.ª ré e, secundariamente, a 2. ré, no caso de improcedência da primeira pretensão – tendo alegado que a 1.ª ré habita a fracção desde 2000, data da celebração do acordo por via do qual assumiu a posição de promitente-compradora da mesma, com a respectiva tradição, a qual mobilou, celebrou contratos de água, electricidade, gás e demais serviços essenciais, efectuou obras de conservação e alteração da fracção a seu gosto, sendo do conhecimento geral a sua completa disponibilidade sobre o bem, sem que haja sido impedida de manter o seu gozo e fruição, tendo celebrado contrato de arrendamento sobre a fração, tendo tomado posse da fração em Maio de 2000 e, desde então, usa-a, goza-a, frui-a e conserva-a como se de propriedade sua se tratasse, pelo que, considera que a 1.ª ré terá de ser a responsável pelo pagamento das prestações de condomínio, enquanto se mantiver na posse, gozo, e fruição da fracção A, sendo que, caso se venha a considerar não ser a 1.ª R a responsável por tais encargos e serviços comuns do condomínio vencidos e vincendos, deverá então imputar-se tal responsabilidade à 2.ª R, que consta como proprietária da fracção A junto da Conservatória do Registo Predial de Cascais.
Da alegação do autor deriva que, tal como configura a ação, o autor considera a 1.ª ré como titular dos direitos de gozo e fruição da fração dos autos, assumindo a titularidade das utilidades inerentes, apesar de a fração se encontrar registada, no registo predial, como propriedade da 2.ª ré.
Assim, em termos de apreciação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, a mesma soçobraria, atenta a invocação efetuada pelo autor, geradora do interesse direto da ré na contradição da demanda.
De todo o modo, o Tribunal recorrido entendeu que, por via deste registo, a 1.ª ré não pode ser responsabilizada pelas quantias objeto da pretensão do autor e, nesta medida, considerando a 1.ª ré parte ilegítima para ser demandada, absolveu-a da instância.
Ora, a nosso ver, a pretensão, tal como se encontra configurada pelo autor, justifica, como se disse, a manutenção na demanda da 1.ª ré e a mesma não deixa de ter direto interesse em contradizer, como, aliás, o manifestou.
Na realidade, de acordo com o alegado pelo autor – e é na tese deste que a configuração da legitimidade deve ser apreciada - , a 1.ª ré apresenta-se como verdadeira dona da fração, detendo a fração com tal animus, com fundamento na qualidade de promitente-compradora (no âmbito de um contrato-promessa cuja resolução foi já decretada judicialmente e em que a 2.ª ré foi condenada a satisfazer à 1.ª ré o valor do dobro do sinal prestado) e, ulteriormente, de retentora sobre a fração, na decorrência da insatisfação de tal valor pela 2.ª ré.
A ré, em sede de contestação, confirmou essa dupla relação com a fração (cfr. artigos 2.º a 5.º e 8.º), muito embora tenha negado diversos factos que lhe foram imputados pelo autor (cfr. artigos 9.º a 14.º da contestação) e invocado desconhecimento de outros (cfr. artigo 15.º da contestação).
Ora, a questão que cumprirá aferir, mas que se prende com a apreciação do mérito da causa, não com o pressuposto processual da legitimidade, que, como se viu, encontra-se presente relativamente à 1.ª ré, é a de saber se a 1.ª ré tem actuado como dona da fração e se, por isso, deverá ser responsabilizada pelo pagamento das prestações condominiais.
É que, neste ponto, não nos parece decisivo ou excludente de outras soluções plausíveis da questão de direito, a circunstância de no registo predial constar averbada a propriedade a favor da 2.ª ré e de não ter sido concretizada a escritura de compra e venda entre a 1.ª e a 2.ª ré, a qual se frustrou já no longínquo ano de 2005.
Na realidade, conforme se assinalou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2004 (Pº 04B1445, rel. QUIRINO SOARES), “à tradição material que acompanha o contrato-promessa de compra e venda não corresponde, em regra, a transmissão da posse correspondente ao direito de propriedade, porque a causa daquele acto translativo, que é o contrato-promessa e a convenção acessória de entrega antecipada da coisa, não se destina à constituição ou transferência de direitos reais, designadamente, o direito de propriedade, mas, tão só, à constituição de um direito de crédito a uma determinada declaração negocial.
Mas, aquela traditio pode envolver a transmissão da posse, como nos casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já.
Fora destas circunstâncias, a intenção do beneficiário de uma tal traditio só tem possibilidades de influir no animus da detenção a partir do momento em que se exteriorize numa atitude de oposição face ao transmitente, por uma das formas previstas no artº1265º, CC (inversão do título da posse).
Ao beneficiário da traditio assiste o direito de conservar a detenção da fracção enquanto não for indemnizado pelo incumprimento da promessa de venda, ou não for convencido de que o promitente-vendedor não foi o culpado do incumprimento”.
Ou seja: Conforme, elucidativamente, se explicitou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-06-2009 (Pº 881/06.4TBPDL.L1-1, rel. RUI VOUGA) “não é possível, a priori, qualificar-se de posse ou de mera detenção o poder de facto exercido pelo promitente-comprador sobre o objecto do contrato prometido entregue antecipadamente. Tudo dependerá, caso a caso, do animus que acompanhe o corpus. A qualificação da natureza da posse do beneficiário da traditio, no contrato promessa de compra e venda, depende essencialmente de uma apreciação casuística dos termos e do conteúdo do respectivo negócio”.
No caso, portanto, se a 1.ª ré não tem a presunção (cfr. artigo 7.º do Código de Registo Predial) de propriedade da fração a seu favor, por não estar registado tal modo de aquisição do imóvel dos autos a seu favor, certo é que, também, poderá não se encontrar numa situação de mera detenção, desprovida de atuação na qualidade de proprietária ou com o exercício de um direito real de conteúdo possessório, de acordo com a alegação que, nesse sentido, o autor efetuou.
Certo é que, pelo menos, desde a invocação da titularidade de direito de retenção sobre a fração, a 1.ª ré será beneficiária de um direito de conteúdo real (cfr. artigo 755.º, n.º 1, al. f) do CC) e, não, meramente obrigacional, importando saber se a sua invocação se reconduz ainda a posse em nome alheio ou se, nessa ocasião ou noutro momento, teve lugar inversão da posse, em que se pudesse basear uma atuação como se de proprietário se tratasse.
Com efeito, o direito de retenção consiste num direito real de garantia e ao mesmo tempo um modo de compelir o devedor ao cumprimento (assim, Vaz Serra, “Direito de Retenção”, in BMJ 65.º,1957, p. 102). Por um lado, tal direito possibilita ao seu titular que não entregue a coisa a quem a ela tem direito, enquanto este não cumprir uma obrigação que tem para com ele (carácter compulsório). A consistência económica-jurídica do vínculo obrigacional é reforçada com a retenção da coisa. Por outro lado, o direito de retenção, permite ao promitente-comprador, em caso de venda do bem em execução, ser pago pelo seu valor com preferência a qualquer outro credor (artigos 758.º e 759.º do CC), do mesmo devedor que não disponha de privilégio imobiliário sobre ela.
Importante preceito regulador da situação do titular do direito de retenção até à entrega da coisa é, no caso da retenção de bens imóveis, o disposto no n.º 3 do artigo 759.º do CC.
Aí se dispõe que: “Até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações”.
E, nessa linha, ao retentor caberá, nomeadamente, guardar e administrar a coisa como um proprietário diligente, respondendo pela sua existência e conservação e não poderá usar a coisa sem consentimento, exceto se o uso for indispensável à conservação da coisa (cfr. artigo 671.º, als. a) e b) do CC).
“Na medida em que a lei veda o uso da coisa por parte do credor pignoratício sem autorização do empenhador, cumpre determinar, em primeiro lugar, quais as condutas daquele que violam essa proibição e, em seguida, quais as consequências resultantes dessa violação.
Relativamente ao primeiro aspecto, deve entender-se que o credor infringe a interdição legal quando utilize o bem sem autorização do empenhador (excepto de tal uso for indispensável à conservação da coisa), bem como quando, havendo autorização, o uso exceda os limites da autorização concedida (art.º 671.º, alínea b), por remissão do art.º 673.º).
Quanto às consequências da violação da proibição legal de uso, o credor que, por culpa sua, cause a perda ou deterioração da coisa empenhada (ou dela disponha), responderá, perante o empenhante, pelos danos causados, em termos cíveis e, eventualmente, penais (…)” (assim, Miguel Lucas Pires; Penhor ou penhores? O regime tradicional do penhor e a proliferação de regimes especiais – implicações para a unidade conceptual e natureza jurídica do instituto, Dissertação de doutoramento em Ciências Jurídico-Civilísticas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Junho de 2012, p. 411).
Outro dever do credor garantido por direito de retenção é, por via do disposto no artigo 671.º, al. a) do CC, o de conservar a coisa como um proprietário diligente, respondendo pela sua existência e conservação, dado que o credor detém o bem também no interesse do proprietário.
Refere Miguel Lucas Pires (Penhor ou penhores? O regime tradicional do penhor e a proliferação de regimes especiais – implicações para a unidade conceptual e natureza jurídica do instituto, Dissertação de doutoramento em Ciências Jurídico-Civilísticas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Junho de 2012, pp. 419-420) que “parece pacífico que não incumbirá ao credor efectuar melhoramentos no objecto da sua garantia, nem preservar a coisa dos seus agentes interiores, nem tão pouco evitar as deteriorações inevitáveis, mas sim adoptar os comportamentos adequados a defender a coisa de agentes exteriores.
Mais discutível é saber se a obrigação abrange também as condutas destinadas a evitar as depreciações ou deteriorações do bem empenhado relacionadas com a sua própria natureza (respondendo alguns afirmativamente, sobretudo se estes cuidados reentrarem nas incumbências de um administrador diligente e sempre que tais cautelas não possam ser adoptadas pelo empenhador, posição esta contestada por outros), sendo igualmente discutido de ao credor incumbirá custear as despesas inerentes a tais operações (…)”.
Sobre esta matéria contrapõem-se duas posições: Assim, de uma parte, Hugo Ramos Alves (Do penhor, Almedina, 2010, p. 125) defende que, em regra, o credor tem a obrigação de custear as despesas conexas com a conservação do bem onerado. Ao invés, de outra parte, Vicente Guillarte Zapatero (Comentario aos art.ºs 1857.º a 1873.º, in - Comentarios al Código Civil y compilaciones forales, Vol. XXIII (art.ºs 1822.º a 1886.º), Dirigidos por Manuel Albaladejo, Editorial revista de derecho privado (2.ª edição), 1990, p. 532), entendendo que “como criterio general, sólo procede entender que el acreedor pignoraticio viene obligado a la antecipación de los gastos necesarios para la conservación de la cosa si razones de urgencia así lo determinan, es decir, si por el hecho de no facilitar las cantidades necesarias se arriesga la conservación o el deterioro de la prenda”.
É, pois, discutível na doutrina saber se o retentor fica ou não vinculado a satisfazer as obrigações inerentes à coisa retida, ainda que por aplicação do regime jurídico do penhor.
Ou seja: Estando em questão nos presentes autos encargos referentes a uma coisa imóvel retida – ainda que, com base em prévia tradição assente na celebração de um contrato-promessa de aquisição - decorrentes da conservação ou utilização da coisa, a sua utilização pela 1.ª ré poderá, não obstante, determinar a vinculação desta ao seu pagamento ou, pelo menos, a sua co-responsabilização, por intervenção, de harmonia com o regime que resulta do artigo 1272.º do CC.
Tudo está em saber em que termos e com que amplitude a 1.ª ré usou e utilizou da fração dos autos e se tais faculdades são demonstrativas do exercício de poderes equivalentes a um verdadeiro conteúdo possessório, como se de um proprietário se tratasse.
Note-se, por exemplo, que a 1.ª ré praticou, segundo a própria, atos de disposição material da coisa retida, na medida em que terá celebrado já, com o actual ocupante da fração dos autos – que terá sido por si autorizado a usufruir do apartamento (cfr. artigo 10.º da contestação) – um contrato-promessa (de natureza não apurada) que terá sido participado às finanças “como forma atípica de arrendamento”, aspeto não convenientemente esclarecido até ao momento, importando, porventura, aquilatar em que termos foi viabilizado a terceiros usufruir do gozo das utilidades da fração, desde que data tal sucedeu e se tal ainda se inscreve no âmbito de atuações legitimadas ao abrigo do exercício do direito de retenção invocado.
Como se disse, a questão a colocar nos autos é a de saber se, perante o autor, a 1.ª ré atuou como se de proprietária se tratasse, gerando a obrigação de proceder ao pagamento dos encargos decorrentes da utilização que efetuava da fração dos autos, sabendo-se que, os encargos com a coisa possuída são pagos pelo titular do direito e pelo possuidor, na medida dos direitos de cada um (cfr. artigo 1272.º do CC).
Recorde-se que, de acordo com o autor, a 1.ª ré utilizava a fração desde 2000, a qual mobilou e relativamente à qual celebrou contratos de fornecimento de serviços de água, eletricidade, gás e demais serviços essenciais, tendo celebrado contrato de arrendamento sobre a fração, usando-a, gozando-a, fruindo-a e conservando-a como se de propriedade sua se tratasse, o que a 1.ª ré contrariou.
Tratam-se de aspetos que se encontram controvertidos e que, sem dúvida, carecerão de ser apreciados em ulterior fase processual e sobre os quais deverá ser possibilitada às partes a faculdade de produzirem a cabal prova.
Importará, ainda, apurada que seja tal posição jurídica da 1.ª ré, aquilatar dos possíveis efeitos decorrentes para a posição da mesma ou sua modificação, da circunstância de ter visto resolvido o contrato-promessa que celebrou (tendo a 1.ª ré, na ação que correu termos contra a 2.ª ré, desistido dos pedidos de execução específica do contrato-promessa celebrado e de redução do preço do imóvel), conforme decorre da sentença de 18-07-2012, do ….º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, no processo n.º …/…TBCSC e junta aos autos, sabendo-se que, sem prejuízo da retenção, cessarão os efeitos do negócio celebrado com efeito retroativo – cfr. artigos 433.º, 434.º n.º 1 e 289.º n.º 1 do CC.
Não nos parece curial que possa ser, desde já, vedada ao autor a demonstração probatória sobre os termos, qualidade e poderes de utilização da fração pela 1.ª ré, pela simples circunstância de a propriedade se encontrar registada em nome da 2.ª ré.
Aliás, outras situações há, em que o gozo se encontra atribuído a outra pessoa que não o proprietário, justificando-se a demanda de uma pluralidade de potenciais responsáveis, como sucede nos casos de locação financeira, em que a administração do condomínio poderá propor ação judicial contra locador e locatário em listisconsórcio (assim, Filipa Moreira Azevedo; “Responsabilidade pelo pagamento das prestações de condomínio no caso de imóvel dado em locação financeira”, in Data Venia, Ano 6, n.º 08, Junho de 2018, p. 385 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-03-2002, Pº 01A3861, rel. ALÍPIO CALHEIROS; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-05-2008, Pº 0821567, rel. GUERRA BANHA; o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-03-2012, Pº 1175/11.9TVLSB.L1-8, rel. AMÉLIA AMEIXOEIRA; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-09-2016, Pº 6882/16.7T8PRT-C.P1, rel. SOUSA LAMEIRA; o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-05-2018, Pº 501/15.6T8PTL.G1, rel. RAQUEL TAVARES; o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-2019, Pº 27472/17.1T8LSB.L1-A-2, rel. PEDRO MARTINS).
E, note-se que, a situação dos autos, uma ação declarativa, é diversa daquela que foi objeto de apreciação pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09-02-2017 (Pº 1298/13.0TBSSB-A.E1, rel. MÁRIO BRANCO COELHO) onde estava em questão a existência, ou não, de título executivo, na co-natural ação executiva, relativamente a promitente-comprador que obteve a tradição da coisa.
Conclui-se, pois, que havendo a potencialidade de condenação da 1.ª ré relativamente à pretensão deduzida pelo autor, a legitimidade processual encontra-se presente e, em consequência, deverá ser declarada a improcedência da exceção dilatória de ilegitimidade, revogando-se a decisão do Tribunal recorrido em conformidade.
Consequentemente, deverá ser determinado o prosseguimento dos autos, também relativamente à 1.ª ré, que assim se manterá na instância, seguindo-se os termos enunciados no n.º 1 do artigo 596.º do CPC e anulando-se os atos que, porventura, entretanto praticados, tenham que ser anulados, conhecendo-se, a final, em conformidade com a prova que vier a ser produzida.
*
A responsabilidade tributária incidirá sobre a parte vencida a final, atenta a impossibilidade de, por ora e sem o julgamento final, actuar os critérios do vencimento e do proveito recursórios – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em revogar a decisão de 29-06-2020 do Tribunal recorrido que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade suscitada e absolveu a Ré PS… da instância, que se substitui pela presente, julgando-se improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade arguida pela referida ré e, consequentemente, determinando-se o prosseguimento dos ulteriores termos do processo, com a prolação de despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova, nos termos do artigo 596.º, n.º 1, do CPC.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique e registe.
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Lisboa, 3 de dezembro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes